quinta-feira, 11 de junho de 2009

Flash Bola ABC 6- Ivo Guerra


Ivo Guerra rememora futebol dos anos 40 e 50

Ex-goleiro atuou contra grandes craques do futebol brasileiro, como Domingos da Guia e Leônidas da Silva

MATHEUS TRUNK

Nas décadas de 40 e 50, o futebol brasileiro era muito diferente. As principais competições do calendário eram os campeonatos estaduais, os técnicos não tinham grande importância e o grande veículo para a transmissão de jogos era o rádio. Ivo Guerra, 83, é uma testemunha ocular deste tempo.

Italiano de nascimento, Guerra iniciou-se nas categorias de base do Ypiranga da capital. Depois, iniciou sua carreira profissional no SPR (atual Nacional), em 1945. Em 1947, o ex-atleta se transferiu para a Portuguesa e encerrou a carreira no Corinthians de Santo André cinco anos depois. “Eu nunca soube fazer outra coisa. Seja na várzea ou no profissional, eu sempre fui goleiro”, explica ele.

Aposentado, o ex-atleta mora em Santo André e falou com o RROnline sobre sua trajetória.

RROnline- Como foi esse início de carreira no SPR?

Ivo Guerra- O SPR era um time de ferroviários. Um time humilde, como o Juventus. Nos jogos, iam somente o pessoal que morava no bairro da Água Branca, próximo ao estádio da Comendador Souza. Nesse time, eu joguei com o Moacir, que foi o melhor zagueiro com quem atuei na minha carreira. Depois, ele acabou indo pro Corinthians.

RRO- Como aconteceu a transferência do senhor para a Portuguesa?

IG- Nessa época, eu também tinha uma proposta do Palmeiras. Mas acabei indo para a Portuguesa porque a proposta foi financeiramente superior. No tempo em que eu estive lá, o estádio do Canindé ainda não existia. A Portuguesa mandava seus jogos no Pacaembu e os treinamentos eram realizados no Ibirapuera.

RRO- Como foram esses dois anos jogando na Lusa?

IG- Foi muito legal. Nesse tempo, a Portuguesa já tinha uma torcida que pegava no pé dos jogadores, eles xingavam e tudo. Tive a oportunidade de atuar ao lado de grandes craques, como o Pinga. Quando eu estive no clube do Canindé, o Djalma Santos estava iniciando a carreira. Ele só tinha vinte anos, e a gente brincava chamando ele de Fornalha, porque ele tinha o nariz muito grande.

RRO- Quais goleiros o senhor considera os melhores daquele tempo?

IG- O Oberdan do Palmeiras, o Gijo do São Paulo e o Bino do Corinthians. Eu joguei na estréia do Gilmar dos Santos Neves no profissional. Eu estava na Portuguesa e ele defendia o Jabaquara de Santos. Vencemos a partida por 3 a 1.

RRO- O Barbosa do Vasco foi outro goleiro bastante famoso na época. Ele ficou marcado por ter tomado aquele gol na vitória do Uruguai na Copa de 50. O que o senhor pensa disso?

IG- Eu conheci o Barbosa. Antes de ir pro Vasco, ele jogou no Ypiranga. Ele era o goleiro do time principal e eu era o arqueiro dos aspirantes. Na Copa de 50, fizeram uma grande sacanagem com ele. Creio que ele não foi o grande responsável pelo Brasil ter perdido aquela partida. Os brasileiros acabaram se julgando campeões e subestimaram a seleção uruguaia. O Barbosa é um grande injustiçado.

RRO- Quais foram os melhores atacantes que o senhor jogou contra?

IG- Eu joguei contra grandes nomes do futebol brasileiro. Do Corinthians, atuei contra a dupla Baltazar e Cláudio Pinho. A Portuguesa tinha um grande time com Renato, Simão e Pinga. O São Paulo tinha uma linha média que sufocava a gente com Rui, Bauer, Noronha. O Ypiranga tinha um argentino chamado Magri, que era um baita jogador também. Mas o melhor de todos os atacantes que eu joguei contra foi o Leônidas da Silva, o famoso Diamante Negro.

RRO- O que tornava o Leônidas superior aos demais?

IG- Não dá para descrevê-lo. Ele era um gênio, um centroavante praticamente perfeito. Jogar contra ele dava um trabalho danado para o goleiro. Creio que ele foi o maior jogador do futebol brasileiro depois do Pelé. Quando eu estava no SPR, perdemos uma partida por 3 a 0 para o São Paulo e ele comandou o ataque são-paulino naquela partida.

RRO- O senhor chegou a jogar contra o Domingos da Guia?

IG- Sim. Isso foi quando eu estava começando. O Domingos estava encerrando a carreira no Corinthians. Muitos anos depois,o filho dele, o Ademir fez grande sucesso e tornou-se ídolo no Palmeiras.

RRO- Quando o senhor foi jogador havia muito preconceito contra os jogadores de futebol?

IG- Bastante. Para a maioria das pessoas da época, jogador de futebol não valia nada. Hoje em dia, acontece o contrário. Agora, os atletas de futebol são endeusados.

RRO- Como foi a passagem do senhor pelo Corinthians de Santo André?

IG- O Corinthians tinha um time de razoável pra bom. Disputamos o campeonato de acesso em 52. Na primeira fase, fomos campeões da zona sul do estado jogando contra equipes como o São Bento de Sorocaba, Inter de Limeira e Paulista de Jundiaí. Depois, fomos decidir o título da divisão de acesso contra os campeões das outras zonas. Naquela ocasião, faltavam alguns reforços para termos um desempenho melhor. Acabamos perdendo o título para o Linense.

RRO- Por que o senhor acabou saindo do time?

IG- Eu fiquei algum tempo sem receber no Corinthians. Por isso, após dois anos atuando na equipe achei melhor largar o time.

RRO- O senhor encerrou a carreira bastante cedo, aos 28 anos. Por que isso aconteceu?

IG- Na época, eu tinha uma proposta pra ir jogar na Ponte Preta. Mas o meu filho mais velho teve um sério problema de saúde. Isso me desgastou bastante e eu não quis ir pro interior. A gente tinha que ficar perto, pra levar em médico, essas coisas todas. Me tornei metalúrgico e acabei ficando em Santo André.

Publicado originalmente no Rudge Ramos Online da Universidade Metodista de São Paulo

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