segunda-feira, 15 de março de 2010

A rádio que toca esportes



Por Paulo Vinícius Coelho

No final dos anos 70, as rádios davam show todo domingo nas principais capitais do país. Em São Paulo, por exemplo, o que não faltava era opção. Sem contar as tradicionais Globo, Jovem Pan, Tupi, Record e Bandeirantes, havia ainda emissoras como Difusora e Capital. A Excelsior, afiliada da Globo, transmitia todos os domingos o segundo jogo mais importante.

Em trilha alternativa também ia a rádio Capital. Sem recursos para enfrentar a concorrência das grandes rádios do país, a emissora optava por transmitir simultaneamente dois ou três jogos, na tentativa de captar a atenção dos torcedores de dois ou três clubes.

E, com isso, chamar a atenção também de um segmento do mercado publicitário. Não faltavam anunciantes. A maior parte deles não vinha das grandes empresas. Eram fabricantes de pilhas, bebidas alcoólicas, cigarros. Gente interessada em atingir a camada mais baixa da população.

A estratégia funcionava também no Rio de Janeiro. Havia sete ou oito emissoras de rádio que competiam pela audiência. A concorrência envolvia também os principais locutores do país. No Rio, Waldir Amaral era famoso pelos gritos longos, mas também pelas confusões na hora de definir os marcadores de gols. Um de seus bordões era o “bololô na área”, recurso de que se valia quando não conseguia identificar o jogador envolvido na disputa de bola que antecedia o gol.


Em São Paulo, o fenômeno do rádio dos anos 70 foi Osmar Santos. Em 1977, ele trocou a Globo pela Jovem Pan, em transação milionária. Passou a ser o locutor mais bem-remunerado do país e alavancou a audiência global, antes quase inexistente no mercado paulista.


O rádio revelava nomes não apenas para o consumo diário. O repórter de campo que acompanhava Osmar Santos era Fausto Silva, o Faustão, que em 1989 chegou à TV Globo para comandar o programa dominical que está no ar até hoje.


As emissoras de rádio tinham faturamento condizente com o que punham em prática. Em toda viagem de um grande clube, lá estava o repórter acompanhando a delegação. A lógica também valia para o jogo de Campeonato Brasileiro. Fosse o Corinthians a deixar São Paulo para jogar em Recife, contra o Náutico, ou este a sair de Pernambuco para atuar no Sudeste. Em 2002, os direitos de transmissão custaram uma fortuna para as emissoras de rádio do Brasil. Não saíam por menos de 20 milhões de dólares. A rádio Globo e Bandeirantes ratearam despesas e enviaram equipes para a cobertura do Mundial da Coréia e do Japão. A Jovem Pan, emissora de maior prestígio em São Paulo, preferiu não comprar os direitos.

Em vez de gastar dinheiro com o envio de equipe de reportagem e transmissão, confiou a cobertura a seu veterano repórter Vanderlei Nogueira, que já possuía credencial fornecida pelo portal de internet Terra. Como ele faria o trabalho de reportagem para o site, a emissora pagou parte de sua despesa para que lhe enviasse também a ela boletins com o noticiário da Seleção Brasileira. A economia também se refletiu na opção da emissora de contratar gente com história em Copas do Mundo para integrar a equipe de comentaristas: Wanderley Nogueira e Émerson Leão, os dois últimos treinadores da Seleção antes de Luiz Felipe, encarregado de dirigi-la no Mundial da Coréia e do Japão. A Jovem Pan foi atrás também de Romário, artilheiro do Brasil no Mundial de 1994, o último vencido pelo Brasil antes da campanha do Oriente. E apostou em Zagallo, técnico da Seleção na Copa anterior, de 1998.
  


A Jovem Pan foi tão ouvida quanto a Bandeirantes e a rádio Globo. Perdeu em faturamento com anunciantes, mas não os que tradicionalmente investem na programação da emissora. E gastou muito pouco com direitos de transmissão. Não perdeu audiência, não desperdiçou dinheiro, não perdeu anunciantes. E deu sinal para o mercado de que o jornalismo esportivo depende fundamentalmente de economia. Péssimo sinal. Quanto mais econômicos, menos qualidade as redações apresentam. E mais difícil fica manter o padrão de qualidade anterior.


Qual a rádio mais ouvida em São Paulo durante a Copa do Mundo? A Globo, a mesma que é mais sintonizada no dia-a-dia do esporte brasileiro. A rival histórica da Pan é a Bandeirantes. As duas lutam pela mesma fatia de anunciantes. A Bandeirantes ganhou a guerra dos anúncios no assunto Copa 2002. Mas isso parece incapaz de trazer mais receita para a emissora.

Como se vê, a cobertura de uma Copa do Mundo ficou restrita a três estações. Em pouco mais de vinte anos, a importância e a penetração do rádio caíram a tal ponto que o mercado se espremeu entre as três emissoras em São Paulo e a duas no Rio. No caso carioca, a situação é ainda mais grave: todo o foco de atenção está voltado para a rádio Globo, do locutor José Carlos Araújo. A emissora vem pondo em prática uma política de nacionalização, que tende a unificar os noticiários do Rio, São Paulo e Belo Horizonte e criar uma única e grande rede nacional.

É política diametralmente oposta à da TV Globo, que conta cada vez mais com afiliadas pelo país afora e difunde programação nacional, mas com características regionais marcantes de cada estado alcançado por seu raio de transmissão. As peculiaridades são premiadas até mesmo dentro do mesmo estado. O Globo Esporte de Campinas não é igual ao de Santos; cada um tem seus repórteres e apresentadores com sotaque próprio e espaço delimitado, para permitir que os clubes de cada cidade sejam contemplados sem interferir no noticiário nacional.


Outro projeto nacional é o da rádio CBN, afiliada do sistema Globo. Desde o final de 2000 a emissora tem sob contrato um grupo de colaboradores de primeira linha. Acertou com Juca Kfouri, que além de comentarista apresenta um noticiário nas noites de segunda a sexta-feira. De São Paulo também fala a apresentadora e comentarista do canal ESPN Brasil, Sônia Francine, a Soninha. Do Rio de Janeiro, Paulo Júlio Clement, ex-repórter do jornal O Globo, hoje coordenador de esportes da rádio. De Minas, chega por telefone a voz de dois craques: Tostão, ex-cruzeirense e Reinaldo, ex-atleticano.

Cada colaborador, sempre por telefone, fala sobre as rodadas do Campeonato Brasileiro de Futebol a que assistem na televisão. Com a chegada do pay-per-view, sistema Globosat que permite que se assista a quase todos os jogos da mesma rodada do Campeonato Brasileiro, as transmissões da CBN viraram alternativa. Elas acompanham tudo ao mesmo tempo e com atrativo adicional: opinião. Blábláblá para alguns, é transmissão com público cativo: o que pretende entender de fato, mais do que apenas saber o que está acontecendo. Embora não tenham virado sucesso absoluto de público, as transmissões fizeram a CBN fincar o pé no esporte, o que não se verificava desde que a Globo decidiu mudar de Excelsior para CBN o nome da emissora e criar o slogan “A rádio que toca notícia”.

Por notícia, não se entendia esporte. Muito menos transmissão esportiva. Com o novo formato, a CBN copiou um modelo muito difundido na Europa. Na Itália, por exemplo, não se transmite no rádio um jogo inteiro do Milan. Mas a rodada inteira do Campeonato Italiano, informando instantaneamente o que se passa em cada estádio e com uma rede de analistas para definir o impacto que cada resultado – ou jogada – terá no desenrolar da temporada européia.


A CBN criou também um modelo que une o país por meio do rádio. O que não acontecia desde os tempos da velha rádio Nacional, que chegava aos mais distantes lugares do país com as transmissões do futebol carioca. É o que explica Flamengo e Vasco serem até hoje potências como torcidas em todo o país. A última pesquisa indica 17 milhões de rubro-negros espalhadas pelo Brasil.

Possivelmente é a primeira vez que o rádio atinge caráter tão nacional desde o tempo em que Gagliano Neto fez a primeira narração esportiva para todo o país. Foi na Copa do Mundo de 1938, quando a Rádio Clube do Brasil transmitiu a partida Brasil X Polônia, que abriu a participação da Seleção Brasileira no Mundial da França. O Brasil só ganhou na prorrogação, por 6X5, resultado que colocou os brasileiras nas quartas-de-final pela primeira vez na história.

As rádios mudaram porque as cotas de patrocínio minguaram. E porque quem ainda consegue manter fortes os patrocinadores nem sempre tem as melhores ideias. O Plantão de Domingo, da paulista Jovem Pan, é um exemplo.

O programa nasceu em 1974 e passou a ser comandado pelo jornalista Milton Neves em 1978. Tinha a finalidade de prestar serviços nas manhãs de domingo e, ao mesmo tempo, abrir a jornada esportiva de cada fim de semana. Até o final dos anos 80, o apresentador impunha seu ritmo à transmissão, sempre contando histórias do futebol, seu forte. Das finais inesquecíveis de campeonato aos clássicos que os personagens da tarde seguinte já haviam disputado. Da história das escalações das equipes do passado à entrevista com um grande personagem do jogo da tarde seguinte, fosse ele protagonista do clássico dessa tarde ou do passado.

O esquema durou anos e tornou Milton Neves celebridade do rádio paulista. Mineiro que saiu da pequena Muzambinho para tentar a sorte em São Paulo, ele passou maus bocados em Curitiba no início dos anos 70, mas conseguiu estabilidade fazendo o plantão esportivo da rádio Jovem Pan a partir de 1973.

Em 1982, quando já apresentava com sucesso o Plantão de Domingo havia quatro anos, Milton Neves recebeu o convite para ser o apresentador do recém-criado Terceiro Tempo. Tratava-se de emergência. O superpremiado Show de Rádio, sátira que entrava no ar logo depois das transmissões esportivas, havia trocado a Pan pela Bandeirantes. A necessidade de preencher a lacuna deu origem a um programa de entrevistas nos vestiários que chegava a durar três horas e ao novo formato dos programas radiofônicos pós-jogo.

O modelo criado pela Pan e por Milton Neves contagiou todas as rádios do país. As do Rio, que já o haviam adotado no passado, continuaram a usá-lo. As emissoras paulistas tentaram imitá-lo, cada uma a seu modo. O paulista de Ribeirão Preto Márcio Bernardes criou o seu programa na rádio Globo. Durou pouco mais de dois anos com o apresentador. A Globo ainda mantém seus programas de entrevistas, mas nunca conseguiu emplacar um âncora quer persistisse na função por muito tempo. Tentou também Juarez Soares, que a exerceu por pouco mais de um ano.

A rádio Bandeirantes acertou a mão quando escolheu Ricardo Capriotti para a missão. Mas sem o conhecimento histórico do rival, Capriotti insistia em desabafos pesados que não prendiam o ouvinte. Nem ele próprio, que preferiu seguir para a TV Record e apresentar um programa policial.

Paralelamente, Milton Neves continuava apresentando o Plantão de Domingo. Já no início dos anos 80, no entanto, iniciou uma atividade de venda de anúncios que abasteceu toda a programação da rádio Jovem Pan. Foi a grande armadilha de sua vida. Preparado desde a infância, estudando pelas ondas do rádio cada detalhe da história do futebol. Milton caiu na tentação de fazer o mais fácil. Deixar o tempo passar, esquecer-se de estudar, dedicar-se exclusivamente ao conhecimento que já havia adquirido. Valia mais a pena lembrar do Santos bicampeão mundial de 1962/63 do que perceber aquele São Paulo inesquecível de 1993: Zetti, Cafu, Válber, Ronaldão e André Luís; Doriva, Dinho, Cerezo e Leonardo; Palhinha e Müller.

A forma de driblar a falta de preparo para os novos tempos foi usar o marketing. As manhãs de domingo dos primeiros anos do século XXI são, na Jovem Pan, uma coleção de mensagens enviadas por bip para a rádio. O bip de Milton Neves atende pelo nome de Teletrim, que por sua vez é um dos patrocinadores da programação. Milton lê as mensagens durante horas sem perceber que seu velho público fiel muitas vezes troca de estação.

Por que ele escolheu essa receita? Os salários nunca foram o ponto forte do rádio. Mas isso não significa que se tenha o direito de misturar conteúdo jornalístico com publicidade pura e simples. Mesmo em época em que o rádio é cada dia menos sinônimo de bom emprego. No passado, a grande oportunidade de trabalho para quem gostava de esportes; hoje as estações tocam futebol e notícias. Mas não tocam a ninguém que busque estabilidade financeira. 

Trecho retirado do livro “Jornalismo Esportivo” de autoria de Paulo Vinícius Coelho, editora Contexto, publicado originalmente em 2006

Um comentário:

antonico disse...

Grande Matheus. Ótimo texto este do PVC. Eu me recordo de ouvir jogos do campeonato paulista no rádio do Volkswagen 65 bordô do meu falecido pai. Horas antes (por volta do almoço) eu acompanhava o "Gol, O Grande Momento do Futebol" do meu xará Alexandre Santos. Tempo bom que não volta mais...