quinta-feira, 24 de junho de 2010

Cronologia profissional de Fiori Gigliotti





O locutor Fiori Gigliotti se tornou famoso em todo Brasil pelo seu carisma e talento. A humildade era outra de suas notáveis qualidades. O livro Os Donos do Espetáculo- Histórias da Imprensa Esportiva do Brasil de autoria do jornalista André Ribeiro faz um interessante resgate de todo o histórico da imprensa esportiva brasileira.
  
Reuni aqui todas as passagens da obra em que o locutor de Barra Bonita é citado por Ribeiro. Trata-se de uma cronologia que compreende praticamente toda a trajetória da carreira e da vida de Fiori Gigliotti, homenageado do blog Violão, Sardinha e Pão neste mês de junho. Espero que os leitores gostem e possam aprender um pouco mais sobre a carreira de Fiori.

Fiori: O dono do espetáculo
Por André Ribeiro

1956-1960
Confrontar o poderio das estrelas significava, no mínimo, estar distante dos holofotes, é em muitos casos demissão.

Fiori Gigliotti, por exemplo, preferiu deixar a Rádio Bandeirantes, onde trabalhava havia seis anos, porque sabia que com Pedro Luiz não teria espaço para trabalhar: “Para ser sincero, nunca me dei bem com o Pedro. Sabia que com ele na Bandeirantes não iria para a frente”.

A decisão de trocar a Bandeirantes pela Panamericana não seria tão simples assim. Fiori, descoberta do interior, na cidade de Lins, em 1947, era uma das maiores revelações dos últimos tempos do rádio esportivo de São Paulo. Como sabia que não teria espaço entre as feras Edson Leite e Pedro Luiz, decidiu criar estilo próprio para as narrações. Com o tempo, surgiram os bordões: “Abrem-se as cortinas, começa o espetáculo”, ou “balão subindo, balão descendo”.

Longe do comando das principais transmissões, Fiori comandou e participou de programas jornalísticos históricos, como Marcha do Esporte, Movietone Esportivo e o mais famoso de todos, o Cantinho da Saudade, em que fazia espécies de poemas dedicados a craques do passado.

Disposta a não perder de mão beijada sua maior revelação para a concorrência, a Bandeirantes decidiu impor uma multa contratual para complicar a vida do narrador, fato incomum entre as emissoras da época. Fiori informou a Paulo Machado de Carvalho Filho, diretor da Panamericana, sobre a exigência, e já se conformava com um possível cancelamento de sua contratação. Mas, surpreendentemente, seu novo patrão decidiu aceitar a provocação: “Paulinho não se preocupou nem um pouco com a multa que era bastante alta para a época. Chamou o chefe de seu departamento administrativo e pediu para que arrumasse 250 notas de um cruzeiro, valor da multa que a Bandeirantes cobrava. Ele chegou para mim e disse que eu teria de levar aquele saco enorme de dinheiro para pagar a multa. Queria ter o prazer de fazer os caras da Bandeirantes contarem tim-tim por tim-tim. Murilo Leite fico uma fera. Chamou o tesoureiro para contar o dinheiro e o negócio foi feito”.

Na Panamericana, Fiori trabalharia durante os cinco anos seguintes ao lado de Nelson Spinelli, José Carlos Silva, Octávio Muniz, Salém Júnior, Aníbal Fonseca e do comentarista e ex-craque da Seleção Brasileira Leônidas da Silva. O sucesso estava apenas começando. Alguns anos depois, retornaria à Bandeirantes, onde atingiria a espantosa marca de 16 mil jogos narrados pelo Brasil e por mais de cem países ao redor do mundo.

Com a chegada de Fiori à Panamericana, Geraldo José de Almeida era obrigado a trocar o rádio pela TV Record, empresa do mesmo grupo pertencente a Paulo Machado de Carvalho. 

1961-1965
A saída de Edson Leite da Bandeirantes provocou uma revolução no rádio esportivo paulistano. Pedro Luiz deixou a Bandeirantes para formar uma das equipes mais tradicionais do rádio esportivo brasileiro: a equipe 1040 da Tupi. Fiori Gigliotti, que acabara de narrar sua primeira Copa do Mundo pela Panamericana, foi para o lugar de Pedro, como principal locutor da emissora: “A proposta do Murilo Leite era irrecusável. Fui ganhando três ou quatro vezes mais do que na Panamericana, que estava em crise. Foi a partir desse momento que minha carreira decolou. Passei a ter dinheiro para comprar imóveis no interior, ter casa própria, carro”.

Fiori, como novo chefe da equipe esportiva da Bandeirantes, teve de buscar novos nomes no mercado. De Araraquara, interior do estado, trouxe o repórter Roberto Silva, que em pouco tempo ganharia o apelido de “Olho vivo”. Flávio Araújo, Luís Aguiar, Luís Augusto Maltoni, Ênio Rodrigues e Ethel Rodrigues passaram a ficar conhecidos como o “scratch do rádio”.

Mauro Pinheiro, que tinha começado no jornalismo carioca, mas se tornou famoso na Bandeirantes pelo conhecimento que demonstrava sobre o mundo do futebol, era o “intelectual” da equipe. Baixinho e gordinho, o suíço nascido na cidade de Berna só andava vestido de forma impecável, com seus ternos, gravatas e coletes. O charuto era outro adereço inseparável. Não foi à toa que ganhou o apelido de “Comendador”, substituído depois por “Senador da República”. Em 1974, tornou-se o primeiro presidente da Abrace, Associação Brasileira dos Cronistas Esportivos.

1966-1970
Sobre a Copa de 70:
No rádio, a Bandeirantes formou pool com a Pan e a Nacional de São Paulo. Pela Band narravam Fiori e Flávio Araújo, com comentários de Mauro Pinheiro e reportagens de Roberto Silva. Pela Nacional, Pedro Luiz e Marco Antônio Matos, com comentários de Mário Moraes e reportagens de Juarez Soares. Pela Pan, apenas Joseval Peixoto como narrador, com comentários de Cláudio Carsughi e reportagem de Geraldo Blota.

1976-1980
O que sacudiu para sempre o mercado de contratações do rádio esportivo na década de 1970, porém, foi a compra do passe, a peso de ouro, de Osmar Santos pela Rádio Globo. Para tirá-lo da Jovem Pan, a emissora global decidiu pagar 300 mil cruzeiros mensais, salário jamais oferecido a qualquer outro profissional da imprensa esportiva brasileira, pelo menos até aquele momento.

A contratação de Osmar acabou provocando um “efeito cascata” em todo o mercado. Fiori Gigliotti, da Bandeirantes, chegou a ser arrancado da cama para assinar um novo contrato: “Eu estava de pijama na minha casa quando quatro pessoas da Rádio Tupi, entre elas Luís Aguiar, pegaram minha roupa e disseram que eu tinha de ir para a Tupi assinar um contrato milionário. Me davam o dobro que eu ganhava na Bandeirantes e mais um carro Alfa-Romeo zero quilômetro. Com proposta assim não pude recusar. Assinei, mas João Saad (dono da Bandeirantes) me chamou em sua sala e disse que cobriria a proposta da Tupi. O aspecto jurídico era para deixar com eles. Não sei como, mas em poucos dias, mesmo já tendo assinado com a Tupi, continuei na Bandeirantes com um ótimo salário”.

Para segurar sua maior estrela, a Bandeirantes teve de pegar salário superior ao de craques que jogavam na época e até mesmo de alguns galãs de televisão. Fiori passou a ganhar mais do que os 300 mil de Osmar na Globo.

Para os que achavam muito, a explicação é simples: as emissoras também faturavam alto com o patrocínio das transmissões e da grade de programação esportiva. Na Globo, a chegada de Osmar permitiu a venda de uma única cota de publicidade por 350 mil cruzeiros. A Bandeirantes faturava quase 4 milhões de cruzeiros por mês, grande parte graças ao gogó de Fiori Gigliotti.

(...) Fiori Gigliotti recebeu como missão do proprietário da Rede Bandeirantes procurar o presidente do Corinthians, Vicente Matheus, para conseguir 120 metros de tubulações especiais de concreto para poder transferir seus transmissores do bairro de Vila das Mercês para a cidade de Diadema. A obra era muito cara, e a tarefa de Fiori era convencer a empresa de Matheus a fazer um preço camarada ou, na pior das hipóteses, a aceitar uma permuta comercial na emissora.

Fiori Gigliotti partiu para o encontro com o empresário e saiu de lá surpreso com sua resposta: “Não preciso de permuta nenhuma. Acho que a Bandeirantes não tem ideia de quanto custa o que você está me pedindo. Sabe quanto custa? 10 mil dólares. Mas vamos fazer o seguinte. Vou fazer de graça porque gosto muito do seu trabalho, e você cobra da Bandeirantes o que quiser”.

O narrador voltou à emissora e relatou o resultado de seu encontro com Matheus, e é claro que a Bandeirantes adorou o negócio. Só Fiori que não: “Nem obrigado me deram. O que custava me darem uma comissão pelo trabalho? Na verdade, fazia esse tipo de intermediação pensando no meu futuro na emissora. Garantiam para mim que quando me aposentasse dos microfones teria um cargo diretivo, mas mais tarde o que aconteceu não foi nada disso, para minha decepção”.

A lembrança desse episódio de Fiori leva a um questionamento: ele não levou nada, mas e outros teriam recebido presentes semelhantes? Resposta para isso talvez jamais pudesse ser obtida. Mas a década de 1980, apenas começando, estava prestes a abrir uma verdadeira caixa de Pandora do futebol brasileiro.

1991-1996

O detalhe importante de toda essa polêmica é que as empresas de comunicação, rádio ou tevê, costumavam fazer “vistas grossas” para essa situação, até porque eram elas as principais beneficiadas. Em muitos casos, como o do falecido veterano Fiori Gigliotti- que buscou centenas de patrocinadores para a manutenção da programação esportiva do rádio na Bandeirantes-, participar dessas negociatas não era garantia para terminar a carreira milionário ou para obter o devido reconhecimento.

Em janeiro de 1996, após quase quarenta anos de dedicação exclusiva à emissora, sua saída se transformou em pesadelo: “Nunca fui ambicioso. Você não pode gostar muito da empresa onde trabalha. Nunca fui um profissional que defendesse os meus interesses. Sempre pensei no grupo, na minha equipe. Só não fiquei rico na minha profissão porque a Bandeirantes foi sempre ingrata comigo. Foi ingrata até na hora de eu sair, até no acerto de contas. Minha mágoa com eles é o acerto de contas. Ela me deu tudo que eu tenho na vida. Mas e o que eu dei para ela? Só para ilustrar um dos tantos casos de ingratidão, recordo que em determinado ano a Assembléia Legislativa de São Paulo iria votar um projeto que aumentava em 18% a cobrança de impostos para todos os veículos de comunicação do estado. Os donos da Bandeirantes alegaram que com meu prestígio junto aos “meus amigos políticos” eu poderia evitar um corte em diversos veículos na ordem de 50%. Comprei a briga e passei vários dias fazendo lobby com diversos políticos ligados ao futebol, até chegar o dia da votação em plenário. Ás 3 horas e 40 minutos da madrugada, a Assembléia engavetou o projeto. Liguei para a rádio, e o Johnny Saad ainda estava na emissora aguardando o resultado da votação. Ficaram eufóricos. No dia seguinte, nem “muito obrigado”. O que quero dizer é que por tudo isso que fiz por eles imaginava um tratamento diferente na minha saída”.

Talvez por finais idênticos aos de Fiori, outros jornalistas famosos preferiram abandonar o jornalismo esportivo, acharam melhor enterrar o passado da cobertura em estádios e redações para se dedicar ao mundo dos negócios esportivos. Mas perceberam que o novo caminho não seria tão tranquilo. Outros preferiram manter a dupla jornada e enfrentaram a patrulha incessante dos próprios companheiros de profissão.

Passagens publicadas originalmente em Os Donos do Espetáculo- Histórias da Imprensa Esportiva do Brasil, de André Ribeiro, editora Terceiro Nome, São Paulo, 2007.

2 comentários:

Sergio Andrade disse...

Caramba, Matheus! Você é fã do cara, mesmo, hein? rsss

Abs

Chico Fonseca disse...

Matheus...

Tenho aqui que deixar meus parabéns a você por manter viva a bandeira de Fiori Giglioti. Ler esse resgate que você fez foi um verdadeiro brinde as emoções tendo rediviva a memória dessa grande glória do nosso Rádio esportivo.

Convivi com Fiori durante 27 anos em seu refúgio de Águas de São Pedro. E ver que você assim como tantos fazem esse esforço por manter a sua memória e motivo de alegria. Fiori é bandeira que não vai passar.

Abraços...

CHICO FONSECA
Charqueada/SP