O compositor Tom Jobim sempre disse que “No Brasil, sucesso é uma espécie de ofensa pessoal”. Três figuras da vida pública parecem ser uma exceção neste quesito: Lula, Roberto Carlos e Pelé. Foram poucos os jornalistas da área esportiva que tiveram coragem de questionar o rei do futebol. O profissional de imprensa que mais pagou por colocar em dúvida as atitudes do maior artista da bola foi Adriano Neiva da Motta e Silva, o De Vaney (1907-1990).
Sua vida merecia ser contada nos almanaques, nos livros e nas teses dos cursos de comunicação. Mas isso ainda acontece muito pouco, talvez devido à humildade deste importante personagem da imprensa brasileira. Embora nascido em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, De Vaney fez praticamente toda sua carreira profissional em Santos. A cidade do litoral paulista o recebeu de braços abertos e nela ele se tornou uma referência na área esportiva.
Nos anos 20, o cronista era um desconhecido repórter de política, colaborador de diversas publicações como O Globo (onde trabalhou com Irineu Marinho, pai de Roberto Marinho), Gazeta de Notícias e Diário de Notícias. Uma entrevista com o craque Leônidas da Silva acabou fazendo Adriano Neiva ingressar no jornalismo esportivo.
Pouco tempo depois acabou se radicando em Santos. Da Baixada, De Vaney mandava textos para os mais importantes diários brasileiros como O Esporte, O Diário e Notícias Populares. Seu nome tornou-se bastante famoso no litoral paulista enquanto manteve uma coluna diária no jornal mais importante da região: A Tribuna. No diário santista De Vaney colaborou durante 24 anos interruptos entre 1944 e 68.
Vencedor de diversos prêmios sobre esporte no Brasil e exterior, o jornalista foi se tornando uma lenda viva do jornalismo tupiniquim. Foi De Vaney quem criou a sigla Sansão para o clássico entre Santos e São Paulo. É de sua autoria também o apelido Jabuca para o Jabaquara Atlético Clube, tradicional clube do litoral paulista. Em 1955, ele conseguiu o prêmio de cidade mais esportiva do Brasil para Santos, num concurso promovido pelo Congresso Brasileiro de Municípios.
No início da década de 50, Waldemar de Brito apresentou ao cronista um jovem que se iniciava no futebol. Seu nome: Edson Arantes do Nascimento. Foi De Vaney quem levou Pelé aos dirigentes do Santos Futebol Clube. Nos primeiros tempos na Baixada, o jovem Edson dormiu várias vezes na casa do jornalista e se referia a ele como “pai branco”.
A relação entre os dois era muito forte. Mas tudo isso mudou em 1976. Nesse ano, De Vaney lançou um livro bomba sobre o maior jogador de todos os tempos: A verdade sobre Pelé: as fantasias, os exageros, o mito e a história de um desertor. O raro trabalho detalha de forma inédita os pontos negativos da carreira de Edson Arantes do Nascimento. Segundo seus contemporâneos, Adriano Neiva Motta e Silva foi aconselhado diversas vezes a não publicar o livro. Mas ele foi insistente e a obra foi lançada. O cronista não aceitava a ideia de Pelé não querer defender a seleção na Copa de 1974.
A tiragem do livro esgotou-se rapidamente, mas em pouco tempo todos os exemplares restantes foram recolhidos das livrarias e bancas de jornal. Álvaro De Vaney, filho do jornalista deu o seguinte depoimento sobre seu pai: “Um lobby formado pelas 25 maiores agências de propaganda do país ameaçou retirar seus anúncios da empresa jornalística em que De Vaney trabalhava na época (Folha da Manhã S/A). A força do capital saiu vencedora (...) Quem tem esse livro tem uma relíquia em casa”. O depoimento do filho do jornalista pode ser consultado na íntegra no trabalho de conclusão do curso de jornalismo Obrigado, velha Amiga! de autoria de Ted Sartori pela Universidade Santa Cecília de Santos. Durante toda sua carreira, De Vaney publicou mais de vinte livros, todos raríssimos.
Entre 1977 e 84, este importante cronista esportivo passou a publicar suas memórias semanalmente no jornal Cidade de Santos. Já com sérios problemas de saúde, pouco tempo depois se afastou do meio jornalístico. Algum tempo depois de sua morte, sua família decidiu criar em Santos o Centro de Memória Esportiva De Vaney, contendo partes do precioso arquivo do jornalista. Infelizmente, o local foi assaltado e parte importante do acervo desta lenda da imprensa brasileira foi perdida. A história e a dedicação deste bravo homem a sua profissão esperam ainda um reconhecimento oficial a sua altura.
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