Todo colecionador de discos depende necessariamente do vendedor. Muitas vezes, a pessoa que exerce essa profissão não passa de um simples comerciante. Seu interesse é somente ganhar dinheiro. A maioria são dessa maneira. Mas existem os outros que tratam os colecionadores como amigos e acabam sendo parceiros de longos papos. Coleciono discos desde o final de 2003 e conheci poucos vendedores que podem se encaixar nessa categoria. Na minha memória precária, lembro de dois: o seu Fernando da Celsom e o Souza.
Conheci o Souza pelo amigo Domingos Ruiz Júnior. A loja dessa figura era localizada na Praça Marechal Deodoro, embaixo do Minhocão. Em um cubículo o cara vendia LPs raríssimos, revistas coquetel (que ficava fazendo enquanto te atendia), publicações de todos os tipos, várias fitas VHS, DVD, livros. Além disso, Souzinha também oferecia para seus clientes sucos tipo Sufresh e Guaraná Jesus.
Cearense de nascimento, Souza era desses caras que vieram do nada e fizeram sua vida em São Paulo. Isso foi feito com muito trabalho e com um caráter acima da média. Estive na loja dele diversas vezes, sempre tinha coisas algumas coisas raras e muitos bagulhos. Comprei muitos discos dele, muita coisa do Nelson Gonçalves inclusive. Acho que o LP mais raro foi um do grande Jorge Costa. Quando eu aparecia na loja dele, sempre era festa:
- Matheu, tem um negócio aqui que você vai gostar. Chegou algo novo do Nelsão. Você não é como o Domingo. Ele só gosta de cantoras, mas ele não é bicha não. Ele é assim. Matheu, velha guarda é em tal lugar, samba é em tal lugar.
Como o espaço da loja dele era tudo muito apertado, ele fazia grandes pilhas de discos. Tenho certeza que eu derrubei essas pilhas inúmeras vezes. Ele ficava meio de saco cheio, mas nunca reclamou.
- Matheu, hoje tem um negócio especial que você gosta dessas coisas velhas. Chegou um do Jamelão....tem Teixeirinha também. Ele só canta coisa engraçada. Disco eu só tenho por causa de vocês. Não ganho nada com disco, ganho mais vendendo DVD pornô mesmo. Fazer o quê?
Fui inúmeras vezes a lojinha do Souza. Ele era uma figuraça e sempre dava uns descontos malucos. Lembro que uma vez comprei vários discos e ele me deu um VHS do Independência ou Morte do Carlos Coimbra. Outra vez eu tomei vários sucos e ele não me cobrou nada.
- É brinde pra você Matheu, assim você volta aqui. Esse Domingo é louco também, ele precisa aparecer mais por aqui.
Em fevereiro de 2008, eu apareci na loja do meu amigo e peguei vários discos. Não consegui passar o cartão, que tinha sido bloqueado. Invés de me mandar embora, Souzinha me deixou levar vários discos sem pagar. Nunca voltei para pagá-lo. Ele tinha meu telefone, mas nunca me ligou cobrando. Passei algumas vezes na loja dele, falamos rapidamente mas eu nunca mais voltei pra comprar uns discos. Tive TCC, formatura e uma porrada de coisas. Acabei não voltando na loja dele durante muito tempo.
Fiquei sabendo ontem por um grande amigo que mora perto do sebo do Souza, que este vendedor acima da média morreu há uns seis meses. Infelizmente, não tive tempo de rever ou me despedir dessa figura especial.
Nunca pensei que o Souzinha teria um destino tão cruel: ele era bem jovem, deveria ter no máximo uns 40 anos. Sempre dando risada de tudo, gostava de passear com seu cachorrinho quando fechava a loja. Como diz o ditado popular, basta estar vivo para morrer.
Também não sei ao certo do que o Souza morreu. Parece que ele sofria de diabetes e por algum motivo o caso se agravou. Eu nunca soube o nome completo do Souza. A gente chamava ele pelo sobrenome ou de Souzinha mesmo. É uma pena saber da morte de um amigo querido desta maneira, sem poder ao menos dar um último abraço.
Não sou um grande cronista e nem quero parecer. Somente gostaria de registrar minha homenagem a ele e a outros inúmeros vendedores de disco. São essas pessoas que muitas vezes de maneira humilde, mantém a história viva do nosso povo. A contribuição deles para os pesquisadores, colecionadores e malucos como eu é inestimável.
Meu caro Souzinha: receba dessa forma humilde, o abraço deste seu amigo meio torto que somente agora soube da sua passagem. Fico triste em não ver mais você e não escutar mais a sua voz rouca e alegre.
6 comentários:
Faço minhas as suas palavras.
Betão
Valeu Betaço! É isso aí
Matheus Trunk
www.violaosardinhaepao.blogspot.com
Pôxa, Matheus.O destino às vezes nos dá cada coice que vou te contar...
Bela crônica, com muita propriedade e sentimento, sem pieguice. Gostaria de ter também sido freguês do Souzinha.
Vou tomar um trago logo mais em memória dele.
Mano David: tomei uns três quando soube que ele tinha ido antes do tempo. Para essas situações, é sempre bom estar num bar.
Matheus Trunk
www.violaosardinhaepao.blogspot.com
''Destino cruel'' por ter morrido aos 40 anos,meu pensamento é mais ou menos parecido,mas há quem vê como prêmio,não sei.Viver muito tem seus percalços também,mas eu prefiro,rs.
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