Criou-se em mim uma neurose: a liquidação do tesouro. A princípio só picava ou queimava dinheiro à noite, mas apavorado com o tempo que consumiria, resolvi trabalhar em horário integral. E mesmo fora de casa. Picava dinheiro dentro dos bolsos, parado ou em movimento. Descobri que os mictórios públicos e dos cinemas eram bons escoadouros. Jogava os fragmentos na bacia e puxava a descarga. Nas bacias do Metro São João joguei cerca de um milhão de cruzeiros. Fiz o mesmo no Art-Palácio, Comodoro e Ipiranga. Antes comprava ingressos para trocar marechais, agora comprava para destruí-los. Às vezes, jogava os pedacinhos na rua, contra ou a favor do vento. Certa madrugada atirei um saco de confetes do alto do Viaduto do Chá. Era um dos melhores lugares para me livrar do dinheiro.
Numa fogueira de junho, ao redor da qual um grupo de meninos se esquentava às chamas, um adulto aproximou-se e demonstrou seu amor provinciano às festas juninas, atirando um monte de papel picado às labaredas. E quando choveu, lancei milhares de cruzeiros à enxurrada, embora resistindo ao poético apelo de fazer barquinhos de papel com dinheiro falso. Numa visita ao zoológico, observei que o tigre e o jaguar gostam de comer cruzeiros, enquanto os macacos preferem apenas brincar. Um dos peraltas apanhou um dos meus marechais e subiu com ele para o alto da gaiola. Alguns curiosos, crianças na maioria, aproximaram-se, antevendo bom divertimento.
Retirado do livro “Arca dos Marechais”, de autoria de Marcos Rey
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