Com um diretor
“udigrúdi”
Império do desejo,
Brasil, 1981; direção, roteiro e fotografia de Carlos Oscar Reichenbach Filho;
montagem de Gilberto Wagner. Elenco: Roberto Miranda, Benjamin Cattan, Márcia
Fraga, Meyre Vieira, Orlando Parolini. No Rio de Janeiro.
Por Bruno de André
Nem só de pornochanchadas mal feitas e de produções realizadas com o apoio da Embrafilme vive o cinema brasileiro. Êpa, será que o substantivo “pornochanchada” exige sempre adjetivos do tipo “mal-feito” para baixo? Se uma fita de bangue-bangue pode ser criativa, como já ficou provado, por que não uma pornochanchada? O Cinema Novo não faria uma, é claro, mas o cinema underground, o nosso “udigrúdi”, sim. Em São Paulo, o chamado cinema marginal ou “udigrúdi” tem alguns adeptos, como Andrea Tonacci, Rogério Sganzerla, Ozualdo Candeias, João Callegaro e Carlos Reichenbach. Cada um em seu estilo, eles acham que todo veículo é veículo. Inclusive a combatida pornochanchada.
Nem só de pornochanchadas mal feitas e de produções realizadas com o apoio da Embrafilme vive o cinema brasileiro. Êpa, será que o substantivo “pornochanchada” exige sempre adjetivos do tipo “mal-feito” para baixo? Se uma fita de bangue-bangue pode ser criativa, como já ficou provado, por que não uma pornochanchada? O Cinema Novo não faria uma, é claro, mas o cinema underground, o nosso “udigrúdi”, sim. Em São Paulo, o chamado cinema marginal ou “udigrúdi” tem alguns adeptos, como Andrea Tonacci, Rogério Sganzerla, Ozualdo Candeias, João Callegaro e Carlos Reichenbach. Cada um em seu estilo, eles acham que todo veículo é veículo. Inclusive a combatida pornochanchada.
Para seu quinto
longa-metragem, o diretor e fotógrafo Reichenbach aliou-se ao produtor A. P.
Galante. O filme é O Império do desejo, para o qual a propaganda alerta,
desavergonhadamente: “Não confunda com filme japonês”. É claro que a ideia do
produtor era faturar sobre O império dos
sentidos, um sucesso absoluto de Nagisa Oshima. Porém, se a propaganda já é
uma brincadeira de autogozação, o filme, então, nem se fala!
Na história, um par de hippies vai tomar conta da casa de praia
de uma viúva. Para lá, passam a convergir todos os tipos de personagem:
Carvalho, notório rábula em ação contra grileiros; Enrico Di Branco,
ex-executivo, ex-poeta, atual louco; além de duas “gatinhas” de praia,
feministas obtusas e tantos outros. São estereotipados, exagerados, ás vezes
até convencionais, e servem para Reichenbach brincar com sexo e morte, busca
filosófica e loucura, cafonice e comédia pastelão. Citações cinematográficas e
intelectuais estão sempre presentes, mas não é vital percebê-las para pode
degustá-las: o filme encarrega-se da gozação. Mas vale lembrar duas: tomando
sol, um turista farofeiro passa bronzeador em sua amante e, excitado, declama
títulos de clássicos do teatro de revista. Entre eles, cita Esperando Godot; uma chinesa lê,
interessada, um livro de capa vermelha. Política dogmática? Quando a câmera se
aproxima, vemos não a obra de Mao, mas Justine,
do marquês de Sade.
Nos efeitos sonoros, na
música, na fotografia, em cada canto há citações e deboches – coisas
indissolúveis para Reichenbach. Ele constrói sua narrativa com uma atonalidade
premeditada, uma espécie de “dodecafonismo cinematográfico” belo e criativo.
Atinge o espectador não para manipulá-lo como a um objeto, mas sim para
atiçá-lo a participar do que vê na tela, agindo e opinando. Pornochanchada? É
claro. E também um filme a serviço do público.
Publicado na revista
Visão em 23 de março de 1981
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