domingo, 18 de novembro de 2012

Rir e brincar


Com um diretor “udigrúdi”


Império do desejo, Brasil, 1981; direção, roteiro e fotografia de Carlos Oscar Reichenbach Filho; montagem de Gilberto Wagner. Elenco: Roberto Miranda, Benjamin Cattan, Márcia Fraga, Meyre Vieira, Orlando Parolini. No Rio de Janeiro.
Por Bruno de André 

Nem só de pornochanchadas mal feitas e de produções realizadas com o apoio da Embrafilme vive o cinema brasileiro. Êpa, será que o substantivo “pornochanchada” exige sempre adjetivos do tipo “mal-feito” para baixo? Se uma fita de bangue-bangue pode ser criativa, como já ficou provado, por que não uma pornochanchada? O Cinema Novo não faria uma, é claro, mas o cinema underground, o nosso “udigrúdi”, sim. Em São Paulo, o chamado cinema marginal ou “udigrúdi” tem alguns adeptos, como Andrea Tonacci, Rogério Sganzerla, Ozualdo Candeias, João Callegaro e Carlos Reichenbach. Cada um em seu estilo, eles acham que todo veículo é veículo. Inclusive a combatida pornochanchada.

Para seu quinto longa-metragem, o diretor e fotógrafo Reichenbach aliou-se ao produtor A. P. Galante. O filme é O Império do desejo, para o qual a propaganda alerta, desavergonhadamente: “Não confunda com filme japonês”. É claro que a ideia do produtor era faturar sobre O império dos sentidos, um sucesso absoluto de Nagisa Oshima. Porém, se a propaganda já é uma brincadeira de autogozação, o filme, então, nem se fala!

Na história, um par de hippies vai tomar conta da casa de praia de uma viúva. Para lá, passam a convergir todos os tipos de personagem: Carvalho, notório rábula em ação contra grileiros; Enrico Di Branco, ex-executivo, ex-poeta, atual louco; além de duas “gatinhas” de praia, feministas obtusas e tantos outros. São estereotipados, exagerados, ás vezes até convencionais, e servem para Reichenbach brincar com sexo e morte, busca filosófica e loucura, cafonice e comédia pastelão. Citações cinematográficas e intelectuais estão sempre presentes, mas não é vital percebê-las para pode degustá-las: o filme encarrega-se da gozação. Mas vale lembrar duas: tomando sol, um turista farofeiro passa bronzeador em sua amante e, excitado, declama títulos de clássicos do teatro de revista. Entre eles, cita Esperando Godot; uma chinesa lê, interessada, um livro de capa vermelha. Política dogmática? Quando a câmera se aproxima, vemos não a obra de Mao, mas Justine, do marquês de Sade.

Nos efeitos sonoros, na música, na fotografia, em cada canto há citações e deboches – coisas indissolúveis para Reichenbach. Ele constrói sua narrativa com uma atonalidade premeditada, uma espécie de “dodecafonismo cinematográfico” belo e criativo. Atinge o espectador não para manipulá-lo como a um objeto, mas sim para atiçá-lo a participar do que vê na tela, agindo e opinando. Pornochanchada? É claro. E também um filme a serviço do público.

Publicado na revista Visão em 23 de março de 1981

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