quarta-feira, 21 de agosto de 2013

“Eu queria filmar, fazer. Não queria saber de ganhar grana”




José Adalto Cardoso e Pio Zamuner na pausa de alguma produção do comediante Mazzaropi (acervo: José Adalto Cardoso)

Julho de 2012. A última sessão do Cine Windsor. O documentário A Primeira Vez do Cinema Brasileiro de Bruno Graziano, Hugo Moura e Denise Godinho ia passar na histórica sala. Chego cedo no centro e fico perambulando pelos sebos da região. Nesse momento, acabo encontrando com o cineasta José Adalto Cardoso. Com vasto currículo na Boca paulista, o realizador mora em Batatais, no interior do estado. “Vim somente pra ver o documentário e reencontrar os amigos antigos do meio”, comentou Adalto com seu sotaque interiorano.



Antes do evento, batemos um longo papo. Neste relato, o cineasta recorda alguns episódios vividos na Boca, comenta as dificuldades de fazer cinema no Brasil e fala sobre seus novos projetos como a realização do longa-metragem Joaquim Queima Campo, adaptação da obra do escritor e folclorista Cornélio Pires (1884-1958). Adalto realizou diversos longas-metragens na rua do Triunfo inclusive no período dos filmes explícitos. Sem fugir de nenhuma pergunta, o realizador relembrou essa parte da sua trajetória. Um dos filmes dele que mais me desperta curiosidade é a comédia sertaneja ...E a Vaca Foi Pro Brejo (1981) cujo lançamento passou praticamente despercebido pelo público.



Violão, Sardinha e Pão- Fala um pouco sobre o ...E a Vaca Foi Pro Brejo. Parece que vocês tiveram problemas de filmagem numa figuração, certo?



José Adalto Cardoso- Sim. A gente não tinha figuração porque na cena eles faziam um show de um candidato a prefeito da cidade, um japonês. De repente, não tinha público pra montarmos a cena do show. A gente não tinha público. Não sei por que não providenciaram a figuração. E a gente não queria que a gente soubesse disso. Então, eu e a Maria José (atriz) saímos com a dupla Cascatinha e a Inhana que iam participar da cena. Levamos eles num restaurante em Arujá...tudo daquele filme foi feito naquela região: Mogi das Cruzes, Guararema, Arujá. Nós fomos num restaurante, Maria José, eu e a dupla almoçar porque era pra eles não perceberem a correria que a produção estava tendo pra providenciar a figuração. Foram numa escola, buscaram gente numa escola ali...se viraram. Em meia hora que nós fomos almoçar, tinha meia dúzia de gato pingado pra fazer figuração. Deu pra filmar. Mas o filme não deu resultado. O problema foi o seguinte: quando a gente terminou ...E a Vaca em maio de 1981. Em junho morreu o Mazzaropi. Dia 10 de junho. Uma semana, duas semanas morreu a Inhana do Cascatinha e Inhana. Aí eu falei pô: “Vai ser humor negro”. Morreu o Mazzaropi que era o cara....e a Inhana em seguida. Acho que a dupla só tinha participado de um filme antes, na época das chanchadas ali por 1960.





VSP- Vocês fizeram o filme mais por causa do sucesso dos filmes com o Sérgio Reis? Ou por causa do Mazza?



JAC- Não...eu sou caipira e o Wilson Roncatti era mais caipira que eu. Embora ele morasse em São Paulo. Eu gosto desse gênero cinematográfico...eu tinha feito dois filmes com o Mazzaropi. O Wilson tinha feito não sei quantos na época. A vontade do Wilson de fazer um caipira, interpretar um caipira. Isso foi se somando com a minha vontade de trabalhar com esse gênero. Fora o Gaúcho (Virgílio Roveda, diretor de fotografia e produtor) que já tinha trabalhado várias vezes com o Mazza. Os dois filmes que eu fiz com o Mazza serviram de experiência pra mim. Acabei descobrindo que existe uma técnica diferente pra um ator como o Mazza que é solto, você não pode dar uma marcação muito rígida para atores como ele. Você tem que soltar o cara porque  senão o ator perde a naturalidade. Aí vira um boneco. E o Wilson era bem assim.



VSP- Você se deu bem com ele?



JAC- Sim. O Wilson era um grande cara.



VSP- E com a Misaki? E o resto do elenco?



JAC- A Misaki (Tanaka)...aliás a Misaki, o Paulo Yamaguti. Eu já tinha tendência pra japonês. Na época eu já estava casado com uma japonesinha. Eu sempre fui doído com japonesa né? Eu estava recém casado com uma japonesinha e eu queria sempre estar perto de japoneses. E a Misaki eu sempre tinha amizade de algum tempo com ela. Sempre gostei muito dela. Eu peguei o roteiro e não tinha uma família de japoneses: pai, filha, namorado da filha que era o Carlos Takeshi. O Paulo Yamaguti estava em evidência na época porque ele fazia propaganda das duchas Corona. Um comercial que era meio moda em que ele aparecia tomando banho, um japonês engraçado. Então, pegamos o Paulo e essa parte japonesa foi um pouco minha. Pegar eles e colocar no projeto...a Misaki me ajudou. Eu não entendia nada de televisão e a gente tinha que fazer um curta que depois virou telefime sobre o (Cândido) Portinari (1903-1962, pintor brasileiro). A Misaki foi e me ajudou numa boa. Ela trabalhava na TV Cultura na época. Me deu uma força legal. Aliás, eu estou querendo rever a Misaki, faz tempo que eu não a vejo. Tenho até contato com ela por Facebook.



VSP- O filme foi bem de crítica? O Biáfora falou bem...



JAC- Não sei...o Biáfora falou bem porque ele gostava do Wilson. Ele gostava daquele personagem caipira na tela. Antes, o Roncatti tinha feito Ladrão de Galinhas com o Sebastião Pereira. O Biáfora gostava do Roncatti. A apresentação do ..EaA Vaca pra classe foi no Marabá numa sessão em que nós sentamos na primeira fila: Wilson, eu. O Biáfora sentou com a gente e assistiu o filme do nosso lado. Ele falava maravilhas do filme. Não sei se era porque ele gostava do Wilson, do tema. Ele deu um quarto de página do Estadão nas indicações da semana. Deu um espaço muito grande pra gente. Não elogiou mas não deu pau.



VSP- Te surpreendeu essa iniciativa do Biáfora?



JAC- Lógico. Nunca imaginei que um crítico como ele fosse fazer aquilo. Eu sabia que a gente não tinha feito um bom filme apesar de ser um bom roteiro. Aliás, eu não conheço o cara que fez o roteiro, um tal de Cicero, amigo do Wilson. O Wilson falou com ele e o Cicero era funcionário do banco Itaú. Ele foi a pessoa que fez o roteiro. Mas o roteiro ficou lento e a gente filmou com oestava. Mas a história era tão boa, tão amarrada que o resultado final não foi tudo aquilo que a gente esperava. Hoje eu faria um novo roteiro, tudo de novo porque a ideia era muito boa. Eu devia ter uns 34 anos quando eu fiz esse filme. Gaúcho tinha isso também. O Wilson era um pouco mais velho, ele já morreu inclusive. Esse cara que fez o roteiro eu vi uma ou duas vezes na vida. A gente foi no banco conversar com ele. Uma pessoa que não era de cinema, não tinha nada haver com a área. Nunca mais se meteu com cinema e não sei se ele viu o filme pronto. Perdi o contato...eu tenho vontade se eu desencalhar o Joaquim Queima Campo de fazer um novo roteiro, uma nova filmagem do ...E a Vaca Foi Pro Brejo.    



VSP- O filme de público foi meio ruim?



JAC- Não deu. Não deu público porque não era época pra esse filme. Uma coisa que me contaram...a gente era o baixo clero, não trabalhava com as grandes distribuidoras da época. Ninguém trabalhava pra gente...nosso distribuidor era da Boca mesmo. Nisso, uma das pessoas responsáveis me contaram que em Ferraz de Vasconcelos ou Poá numa dessas duas cidades o filme lotou o cinema. O povo tinha achado que era filme do Mazzaropi. Quando perceberam que não era, muitos ficaram revoltados e acabaram rasgando cartaz. Fizeram uma pequena bagunça porque se sentiram enganados. O Mazza tinha morrido há pouco tempo e eu acabei me sentindo chateado com essa situação toda. Sem falar que eu nunca usei o Mazzaropi como divulgação desse filme. Até por uma questão de ética. O Mazza morreu em junho e eu estava com o filme montando na moviola. Naquele processo todo depois da morte dele, eu conversei com o Péricles gerente da PAM Filmes e filho adotivo do Mazza. O Péricles falou: “A gente pode distribuir o seu longa. A PAM Filmes distribuindo o seu filme como o Mazza fazia”. Eu falei: “Que maravilha”. O Mazza foi providencial pra mim sabe? O Péricles chegou a assistir o filme na moviola, ficou encantando e disse: “É igual aos filmes do meu padrinho (Mazzaropi). É bem no gênero caipira”. De repente, deu aquele processo todo que bagunçou os direitos dos filmes do Mazza, a PAM Filmes foi embargada e toda aquela história que todo mundo conhece. Nisso, eu perdi a chance de ter uma distribuidora como a PAM Filmes nesse trabalho. Se eu tivesse isso com certeza eu teria vida longa pro Polêncio, o personagem que o Wilson (Roncatti) estava criando. Ele queria fazer mais filmes no gênero...existem vários roteiros escritos



VSP- Quantos roteiros com o personagem foram feitos?



JAC- Pelo dois roteiros. A gente tentou fazer...fizemos um piloto pra televisão. O Wilson trabalhava com o Zé Bettio na rádio Record. O Zé Bettio era o top da rádio Record...o Wilson era secretário dele. Então, eles tinha uma relação de amizade. Um dia fizeram uma proposta pro Zé Bettio ter um programa de televisão. Isso é outra história...mas o Wilson ficou a vontade de escrever um roteiro pra televisão. A Record chamou a gente pra fazer um piloto sem nenhum compromisso. Pegamos uma câmera e fomos pra Guararema. O Alcides (Caversan, diretor de fotografia), aquela turma toda. Fizemos um episódio chamado O Vendedor de Mandiocas que era um dos roteiros. O Fantasma do Laranjal era o terceiro roteiro e tinha outro que estava sendo criado que acabou se perdendo. Íamos inclusive refazer ...E a Vaca. A ideia era fazer uma série pra televisão de uma hora. Esse O Vendedor de Mandiocas tem 45 minutos, 50 minutos. Era um telefilme. Mas eu não tinha nenhuma experiência com televisão. A grande diferença é que você trabalha com som direto. Eu não tinha experiência com isso. Eu tinha trabalhado com som direto somente nos filmes com o Mazzaropi. Eu não conhecia técnica, corte de televisão, não conhecia nada e me meti a fazer. Não deu certo. Quando o filme ficou pronto, o resultado final estava ruim. O Geraldo Meirelles também tinha um programa na TV Record e o filho dele, o Marcelo fez o galã. A Misaki também estava nesse projeto e acabou trabalhando de graça.



VSP- E esse filme se perdeu?



JAC- Eu nem sei onde está. Sumiu.



VSP- Quantos minutos de piloto?



JAC- Foram uns 50 minutos. Pra um piloto de uma hora de televisão. Nem sei onde está, a Misaki trabalhou, o Reinaldo Morais que me ajudou a fazer o roteiro participou como ator. Ele trabalhou, o Marcelo, Cuberos Neto trabalhou com a gente também. Uma turma legal e todo mundo de graça porque era um piloto que a gente não sabia no que ia dar.



VSP- Você também não ganhou nada?



JAC- Não. Ninguém ganhou nada. A câmera nós pegamos de um cara de São Bernardo chamado Luis que tinha muitos equipamentos. Esse cara era um sujeito apaixonado por audiovisual. Ele era rico e mandou o material dele com operador. Tudo de graça...não deu nada. Ninguém ganhou nada, ninguém perdeu nada. Perdemos tempo e o roteiro está comigo até hoje.



VSP- Mas ninguém tem cópia disso?



JAC- Não. Ficou tão ruim. A gente não tinha pique, a edição está ruim. A nossa falta de experiência com som direto tinha muito corte no som, muito som estranho. Isso não foi legal.



VSP- Quem fotografou foi o Alcides?



JAC- Foi o Alcides ou o Gaúcho? Não lembro.



VSP- Quem montou?



JAC- Um tal de Carlão, amigo do Luis que fez a câmera. Poxa, isso faz tanto tempo e eu fiquei tão bravo com aquilo. Bravo comigo mesmo, não foi com ninguém não. Foi tão diferente do que a gente pensava em resultados técnicos. O Luis não tinha muita experiência de produção, o pessoal dele editava e como era de graça tínhamos que aceitar. Eu falei com o Roncatti: “Se formos mostrar isso vão rir da nossa cara. Nisso Wilson, o teu personagem vai pra cucuia, você vai se suicidar. Não ficou legal, não tem qualidade técnica pra gente apresentar. Vamos acabar passando vergonha”. A gente chegou a pensar em fazer com mais tempo. Mas não aconteceu e perdemos o interesse.



VSP- Você gostaria de ter trabalhado mais com esse gênero caipira? Você acha que esse gênero ainda vinga no cinema nacional?



JAC- Não sei. Não sei cara. O Mazza morreu há trinta anos ou mais. Ninguém mais fez filmes nesse gênero.



VSP- Fizeram aquele Tapete Vermelho...



JAC- Depois do Mazza que eu me lembro ninguém mais trabalhou com filme caipira como comédia. Tapete Vermelho é comédia mas acaba sendo mais drama né? Virou um cult, filme que eu assisti e não gostei. Mas de repente, não sei se porque falava daquela coisa pura de Mazzaropi. A pureza do personagem...de repente virou um cult. Eu dei com a cara na porta porque eu não gostei. Esse filme deve ter dado dinheiro. Foi feito aquele lá do Zezé di Camargo e Luciano...Os Dois Filhos de Francisco. Mas esse era um drama rural com a Globo atrás, tinha não sei o que. Teve mais um ou dois.



VSP- Marvada Carne...



JAC- Marvada Carne de 1984 que foi logo em seguida e que também acabou virando cult. Eu não sei...mas eu tenho a impressão que todo mundo que mora em São Paulo mesmo se nasceu na Capital tem um pai ou avô com um pé no interior. Uma afinidade com o interior e interior é vaca, fazenda, história de caipira, aquela coisa. E eu penso o caipira é o mesmo: paulista, paranaense, mineiro, goiano, matogrossense. Esse tipo de caipira está numa faixa de população que representa mais da metade da população de todo país. Então, você tem um mercado muito grande. Você tem que fazer não sei o quê, um atrativo que o cara goste. Esse ideia nossa de fazer o Joaquim Queima Campo que volta ás origens. Eu gosto demais de caipira é pra usar algo escrito pelo Cornélio Pires, embora ele não seja conhecido. Mas eu acho que o personagem Joaquim Queima Campo está pro Cornélio Pires como Jeca Tatu está pro Monteiro Lobato. Só que Monteiro Lobato é conhecido, Cornélio Pires não. Mas um não é tão bom como o outro. Então, a gente briga com isso. O Cornélio Pires é um ilustre desconhecido, ninguém sabe quem ele é.



VSP- Você conhece a obra toda dele?



JAC- O que eu pude ler eu li. É simples demais, ele usa um linguajar bem caipira e tem coisas que você não entende. Ele escreve como o pessoal no interior pronuncia e alguns livros dele tem um glossário no final. Você termina de ler tem uma tradução do caipirês pro português. Algumas palavras mais difíceis que você não vai entender o que a pessoa quer dizer. Mas ele era muito inteligente o Cornélio. Eu tirei disso uma conotação política, ele era meio contra alguns e dava muita alfinetada no governo. Isso não é do interesse da gente. A gente quer mais divertir. O Joaquim Queima Campo foi inspirado na ideia do Cornélio Pires. Ele só escreve esquete, nunca romance. É até legal você ler que você lê cinco, dez páginas e não perde o fio da meada. Então, não tinha como eu fazer um longa-metragem.



VSP- São causos?



JAC- Sim. Joaquim Queima Campo era o personagem que eu achava o melhor dele. Dos vinte livros do Cornélio Pires dois são só com esse personagem. Eu acho que o Cornélio era ruim pra colocar título no livro. O nome da obra é As Estrambóticas Aventuras de Joaquim Dentinho, o Queima Campo. Esse foi o primeiro livro acho que de 1925. Três anos depois, ele publicou Continuação das Estrambóticas Aventuras de Joaquim Dentinho, o Queima Campo. Não sei se na época funcionava mas soa estranho. Então, eu peguei algumas situações que ele criou lá com as características do personagem, um caipira mentiroso. O Mazza era um caipira indolente, Jeca Tatu, preguiçoso que falava muito e não fazia nada. Ele era honesto...então, o Joaquim Queima Campo era mentiroso. Então, ele entrava numa fria inventava alguma coisa. Era rápido pra inventar uma mentira e enganar os outros. A gente pegou a história do manjoqueiro e colocamos os causos do Cornélio Pires pra fazer o Joaquim Queima Campo. Eu tenho vontade de se der certo nós continuarmos explorando histórias sobre esse personagem. Mas eu não sei...se o público vai ver eu não sei. Não sei se existe público há isso. O Menino da Porteira foi outro filme nesse gênero. O novo parece que houve um boicote porque o filme é bom.



VSP- Eu não vi.



JAC- No interior tem uma cidade chamada Ribeirão Corrente. Indo pra Uberaba entre Franca e Pedregulho, existe essa cidade. Ribeirão Corrente tem cinco mil habitantes. Um projeto do governo de cinema na praça passou esse último Menino da Porteira com o Daniel e botaram duas mil pessoas numa cidade de cinco mil na praça. É de graça mas poxa levaram o pessoal sabe? Eu há dois anos em Altinópolis fizemos uma experiência colocamos um datashow na praça numa tardezinha e botamosum  filme do Mazzaropi: O Lamparina.



VSP- Filme bem antigo...



JAC- Bem antigo mesmo. Essa exibição foi feita há dois anos no máximo. Falei: “Vamos fazer uma brincadeira”. Eu coloquei um telão e começamos a projetar na praça. O pessoal ia vendo e chegava o pessoal da região: “O que é isso?”. Viam Mazzaropi e acabavam sentando. Quando nós terminamos o filme, a imagem estava melhor e a mulherada principalmente esqueceu a novela. Eu ainda acho que tem um gancho, o filme caipira é um gancho que pode ser explorado. Você precisa ter uma boa divulgação, fazer um trabalho em cima disso porque no fundo é um personagem, um tipo social. Aquele cara simpático que todo mundo teve algum contato, ouviu falar ou é de origem caipira.



VSP- Você mora em Batatais, certo? Imagino que a tua relação com o interior é muito forte.



JAC- Sim. Eu sou de Arapongas, Paraná. Fui com três anos de idade pra Batatais e fiquei lá até eu vir pra São Paulo em 1966. Depois eu voltei pra Batatais em 1988 e moro até hoje lá.



VSP- Na sua cidade tem cinema de rua?



JAC- Abriram um cinema lá faz um ano, dois anos. Mas lá não tinha cinema como toda cidade do interior. Quando eu sai de lá, nos anos 1960 existiam dois cinemas e os dois davam uma grana, viviam lotados. O cara tinha um na praça e a demanda era tão grande que ele abriu outro num bairro. Os dois lotavam, passava filme de um pro outro. A cidade não era tão grande mas ele conseguia deixar o cinema lotado. Depois entrou em decadência, parou, fechou, ficou muitos anos parado. E o pessoal reclamando: “Queremos um cinema na cidade”. A cidade com 50 mil habitantes sem cinema. Mas muitas cidades desse tamanho não possuem cinema mas mesmo o cinema de lá tendo os senões ainda leva público. Molecada né? É estranho porque leva a molecada.



VSP- Deve ser aqueles filmes como Homem Aranha, blockbuster.



JAC- Sempre blockbuster né? O que faz sucesso são essas séries do Crepúsculo, Homem Aranha, Vingadores. Essa série que todo mundo sabe: as grandes bilheterias vão bem lá. Se esse cinema fosse melhor administrado, tivesse financiamento público. Eu acho que se você fizer um filme caipira...eu não sei porque. Mas eu tenho impressão que acaba vingando. Você vê poucas manifestações na mídia do caipira. Por exemplo, o Moacyr Franco intepreta um tipo desses na Praça É Nossa. Eu particularmente gosto, eu assisto a atração por causa do Moacyr. Mas é um dos poucos. O Nelson da Capitinga era um caipira pasteurizado que a Globo tinha, um caipira estilo da Globo maquiado. Mas era um caipira e não rendeu. Tanto que eles não fazem mais o caipira. Não sei se porque o interiorano é um cara puro, chão, bobo e a Globo quis fazer outra coisa. Não sei o motivo mas ele não faz mais o caipira. Então, eu não sei. Eu realmente não sei se um longa-metragem nesse estilo dá certo. Eu gostaria muito que desse mas depende de um bom roteiro, um bom elenco com nomes conhecidos. Uma distribuidora pode ter o interesse. Porque o tema está fora do ar há muito tempo. Há muitos anos não fazem mais filme caipira.



VSP- Parece que esse filme novo do Fauzi é caipira...



JAC- Qual? O Casamento Brasileiro?



VSP- Sim.



JAC- Acho que acontece numa cidade do interior. Mas não sei se necessariamente é um filme caipira, rural. Esse projeto eu conheço e também é numa cidade do interior. Agora, eu acho cidade do interior, a forma de vida do interior é interessante e eu acho que é legal. Essas novelas que botam pessoal mais interiorano, aqueles caipiras com sotaque normalmente fazem sucesso. Eu tenho um roteiro que eu também quero filmar chamado América Latrina que é uma história de política numa cidade de 10 mil habitantes. Isso vem da minha experiência com jornal. Há alguns anos eu faço jornais pra umas cinco, seis cidades da minha região. Então, eu conheci muita safadeza política né? Então, eu adaptei isso, fiz umas brincadeiras e saiu um roteiro inspirado no que eu vi. Nada assumido. Um roteiro de ficção que eu gosto, eu acho genial esse roteiro caipira, caipira mesmo. Não caipira rural mas de cidade interiorana: a vida pacata, aquelas coisas. Minha formação, eu nascí nisso, minha cultura é essa e é isso que eu sei fazer.



VSP- ...E a Vaca Foi Pro Brejo completa trinta anos agora?



JAC- Nós fizemos em maio de 1981 e lançamos no começo de 1982. Eu lembro que o seu Gregório da Haway assistiu...não deu certo com o Péricles e fomos chamar as distribuidoras. Aí o seu Gregório assistiu e lembro que ele estava na Haway falando com alguém. Não sei se ele não me conhecia, não sabia quem eu era ou sabia e falou pra pessoa: “Eu estou com duas merdas pra lançar. Uma se chama ...E A Vaca Foi Pro Brejo e a outra Aluga-se Moças. Não sei qual eu lanço primeiro” (risos). Eu ria, achava engraçado aquilo. Ele não sabia quem eu era. Então, foi na mesma época do Aluga-se Moças. Nós acabamos sendo distribuídos pela Sul, então pegamos no Art Palácio cinema onde o Mazzaropi lançava. Ele lançou no Marrocos Aluga-se Moças mas não sei se ele desistiu, passou pra Sul. Mas os dois foram lançados na mesma época. Precisa ver no jornal a data do lançamento. Eu não me lembro.



VSP- Lógico que o Aluga-se Moças foi um sucesso...



JAC- Aquilo que todo mundo sabe. E o nosso foi aquilo também que todo mundo sabe: ficou uma semana, duas no centro. No interior andou dando alguma coisa, fez até algum dinheirinho.



VSP- Se pagou o filme?



JAC- Eu acho que sim. Porque foi feito uma sociedade e era um longa muito barato. A gente trabalhava com negativo vencido. A gente comprava de um cara chamado Faissal. Você ouviu falar nesse cara?



VSP- Não.



JAC- Ele era metido a fazer cinema e vendia negativo. A gente não podia comprar na Kodak que era muito caro. Então, comprávamos de terceiros. Geralmente, o que acontecia muito naquela época: algum técnico surrupiava uma lata de negativo, 120 metros levava pra casa e guardava. Aí num certo momento a pessoa chegava e falava: “Custa 100 e eu tenho uma por 30”. A gente comprava. A origem não importava, a gente comprava. Eu não conhecia a origem e algumas latas vieram vencidas. Tem algumas cenas do ...E a Vaca Foi Pro Brejo e está escuro. Nós só fomos descobrir que o negativo estava vencido depois de revelar. Não tinha como voltar.



VSP- Isso prejudicou um pouco o filme?



JAC- Ah sim. A falta de experiência sempre prejudica. Eu tinha feito O Império das Taras e esse foi o meu segundo longa. Então, faltava experiência. Hoje a gente quer fazer cinema e não consegue, podemos ver o quanto éramos ingênuos. Mas isso não se resume a mim. Todos nós na verdade. O cinema da Boca era muito ingênuo.



VSP- Tinha essa coisa de pornochanchada, filme erótico mas o pessoal era muito sonhador né Adalto?



JAC- O pessoal era sonhador. Eu quando fiz o primeiro pornô e entrei nessa parada não tinha outra saída. Eu fui contra a minha vontade. Eu falei: “Sexo é uma coisa particular, privada. Não tem nada haver com o público”. Mas já que é era essa a ordem vamos nessa. Eu sempre ia em campo achando que eu estava fazendo um filme que tinha câmera, equipe técnica e elenco. Só que a gente pegava umas fitas diferentes. Depois de dois, três pornôs eu percebi que você não tinha o que inventar. Os planos, os ângulos eram os mesmos. Quase não tinha roteiro, tinha anotações. Era uma droga cara. Mas eu fiz e até nem coloco muito no meu currículo esses nomes porque me disseram que não era interessante colocar. Não tenho vergonha mas não tenho orgulho de ter feito esses filmes.



VSP- Você fez com pseudônimo esses filmes?



JAC- Não. Com o meu nome, eu assumi. Eu sempre achei que eu estava fazendo cinema. Apesar de tudo...teve um filme que eu fiz em oito dias de trabalho com chuva, uma equipe de meia dúzia de pessoas. A gente se isolou num sítio em Guararema (interior de São Paulo). A gente se isolou numa casa, ficamos morando ali e filmando ali na região. Como é filme caipira volta no rural. Rural você tem duas vantagens pra fazer uma filmagem: a tua iluminação é o sol, você não tem problema de refletor. Segundo: você está filmando num matinho e pode dizer que está nos Estados Unidos, em outro país, outro lugar. Isso não lomoveu, não mexeu com a equipe, nada, não teve gasto de tempo nem dinheiro precisou gastar. Então, você ganha pra burro fazendo filme no rural.



VSP- Você acredita que se E...a Vaca tivesse mais erotização o longa poderia ter mais público? Diversos filmes rurais na época tinha isso.



JAC- Não, eu acho que não. O roteiro desse filme era algo puro, comportado, uma coisa família. Por exemplo: Massagem For Men foi um filme que foi estragado. Completamente estragado. É um filme de sexo simulado cuja fotografia eu mais gosto entre os longas dirigidos por mim. Quem fez a fotografia foi o (Antônio) Ciambra. Eu acho a fotografia linda do Massagem For Men e de repente depois de pronto resolveram enxertar aquelas cenas. Acabaram com o filme. Tudo bem, faz parte? O esquema é esse? Tem que fazer. Mas foi um protesto. Ninguém queria que aquele filme fosse enxertado e acabou indo pro brejo. Eu fiz esse filme em 82 ou 83 tanto que nós estávamos filmando ainda estava valendo aquela de simulado. Foi logo depois da explosão do Coisas Eróticas. Aí todo filme tinha que ter explícito porque eles resolveram um problema legal? Não existia Censura. Parece que o Coisas Eróticas é o único filme brasileiro pornô com certificado de Censura. Ninguém mais tem porque foi o primeiro. Depois, eles passaram a inderferir todos os certificados.



VSP- Não sei se você se lembra mas aquele filme do Ody entrou logo em seguida com a Ariadne de Lima.



JAC- Ariadne foi uma estrelinha. Eu filmei com ela, uma pessoa muito legal. Tinha a Ariadne e uma outra Sofia que sumiram. Eram as duas mais interessantes dessa época. Mas pra variar, fizeram dois, três filmes e sumiram também.



VSP- Com a Andrea Pucci você trabalhou?



JAC- Ela fez comigo Sedentas de Sexo. Uma argentina...você tem o contato dela? Ela está viva ainda?



VSP- Não sei. Dizem que ela tinha um pai militar, algo assim.



JAC- Sei que ela era bem normal, vulgarzona. Argentina mas era legal. Uma boa companheira. Fazia o que a gente queria.



VSP- No explícito as meninas já vinham na Boca? Ou vocês iam atrás delas?



JAC- Isso não é regra. Mas quase sempre você conhecia alguém de boate como o Darby Daniel, não sei se você ouviu falar nele. Tinha outro que foi ator. Normalmente era algum homossexual cafetão que era ligado nesse meio. Tinha o Pedrinho. Eu não me lembro de todos. Então, você conversava com os caras e eles falavam com as meninas das boates. Aí a menina saia pra fazer um programa da boate e cobrava...sei lá 500. Você ia pra filmar e pagava 100, 200. Elas topavam porque valorizava elas no mercado. Aí saia no jornal nos classificados de acompanhante: “Fulana é atriz, fez o filme tal. Se quiser confira ligando pra ela no telefone tal”. Então, as meninas melhoravam o michê delas investindo nesse meio. Lembro de uma menina que o Sady (Baby) me apresentou...uma japoneisinha. Ele me falou: “Ela vem com a gente”. Eu sempre tive uma queda por japonesa. Aí alguém me falou: “Ela é boneca”. Mas eu nem sabia o que era boneca na época, era um travesti. Mas eu fiquei apaixonado. Depois eu descobri e não queria que ela participasse do filme. Mas ela veio pedir que isso iria melhorar o michê dela. Ela me falou: “Eu vou até de graça filmes com você porque isso melhora”. Nem lembro se ela filmou ou não. Quer dizer: elas iam mas muitas vezes não tinham um comportamento profissional legal. E nem tinham que ter porque o negócio delas era fazer programa, não era filmar. Você marcava sete horas da manhã e elas apareciam meio-dia fazendo cara feia. A equipe inteira ficava parada esperando.



VSP- E pra dublar?



JAC- A gente pegava as dubladoras. A turma da época que fazia. A gente sempre colocava uma dubladora. Nunca você colocava as atrizes. Você queria a imagem delas e muitas vezes não tinha problema pra dublar. Era gemer e só.



VSP- Desses seus filmes explícitos você não gosta muito?



JAC- Eu não tenho nenhum orgulho. Não tenho cópia de nenhum, não quero ter. Ás vezes dá saudade...uma vez eu reassisti Chi, Cometa! na casa do Alcides (Caversan, diretor de fotografia). Pô, eu fiquei apaixonadão, eu fiz uma volta ao passado. É um filme que tem uma historinha, eu gosto da historinha. O Mini Vampiro...eu estou refazendo a história, eu quero fazer um filme de verdade. Uma comédia boa, um argumento criado pelo Renalto Alves. Eu preciso até falar com ele sobre isso, entende? O Renalto tem uma capacidade de criação que vocês não imaginam. Ninguém descobriu isso, as ideias do Renalto. Porque ele era meio doidão e ele fez dois argumentos já que roteiro ele não sabe fazer. O roteiro eu acabei fazendo. Mas ele tem argumentos incríveis. Tem As Taras de Um Puro Sangue e As Taras do Mini Vampiro. Os dois nós fizemos juntos com argumento dele. O Renalto é muito inteligente e muito criativo. Se tem alguém que pega as ideias dele e transforma em roteiro fica genial. Eu quero pegar agora O Mini Vampiro e fazer uma história normal.Uma comédia numa cidade do interior que eu gosto também. Mas eu não tenho nenhum orgulho desses filmes, sabe? Foi uma coisa forçada. As meninas...hoje eu olho pra cara das meninas e fico com dó delas. Não passava pela cabeça delas que cinema era algo sério, tinha uma carreira. Teve umas meninas no Sady que chegavam pra mim: “O que você achou de mim? Será que eu posso ir pra Globo?”. E você tinha que falar: “Não sei, tenta”. Enganar também pra fazer o jogo senão você ia acabar com aquilo tudo. Então, era complicado tudo isso e as meninas entravam numa boa. Alguém fazia a cabeça delas: “Vai lá dá uma trepadinha”. As atrizes de fato sumiram claro.



VSP- Acho que somente a Débora Muniz está por aí.



JAC- Acho que tiveram outras. Não sei quem que estão por aí.



VSP- E os caras broxavam muito Adalto?



JAC- Não. Ás vezes, acontecia né? Até porque tinha uma coisa profissional. Você ia conversar com o cara: “Olha, se você broxar vai ficar todo mundo parado te esperando”. Ele tinha a obrigação disso não acontecer. Era a profissão deles. Por exemplo, o Walter Gabarron, marido da Eliane era o melhor caráter que eu já vi nessa área de pornô. Além de ser um grande cara como pessoa. Ele era um cara que sabia se controlar que era algo incrível e não dava o menor trabalho. Eui fui muito amigo da Eliane e do Walter também. Cheguei a ir na casa deles algumas vezes, conheci os filhos deles. A Eliana era bonita, não era excepcional. Mas era bonita, interessante e inteligente. Nós fizemos alguns filmes juntos. Eu me lembro do Mini Vampiro que ela fez conosco. Mas o Walter era um cara particularmente muito gente boa. Mas muito gente boa. Mas não sei onde anda. Ele desapareceu.



VSP- Ele morreu.



JAC- Ah é? Poxa, mas a Eliane está por aí?



VSP- Sim. Sílvio Júnior você chegou a trabalhar?



JAC- Trabalhei. Nós fizemos...o Sedentas. Gente boa, legal. O Cirilo fez vários trabalhos comigo...



VSP- Muito famoso o Cirilo...



JAC- Sim. Desde O Império das Taras nós trabalhamos várias vezes juntos. Era um cara assim...o Cirilo era um cara que não se dava muito bem com a coisa séria. Mas era um cara muito profissional, não dava trabalho. Começou a se meter muito com drogas né?



VSP- Ele foi casado com a Márcia Ferro.



JAC- Sim, ele estava com a Márcia na época. Eu nunca filmei com ela, aliás não sei. Já que nos filmes do Sady aparecia um monte de mulher e você nem sabia mais quem era. Mas a Márcia eu cheguei a ter uma pequena amizade através do Cirilo. Não tenho nada contra. Acho ela uma menina legal. A Márcia eu sempre achei uma menina legal.



VSP- Com a Sandra Morelli você não chegou a trabalhar?



JAC- Não. Mas acho que lembro dela, uma loira né?



VSP- Sim. E o Oássis Minitti?



JAC- Não sei. Nunca trabalhei com ele. Diziam que ele dava trabalho, isso era papo ali da Boca. Mas não sei. Porque com ele rolava muita gozação, muita brincadeira. Ele não gostava disso. O Oássis dizia que ele era o melhor, o maior. Mas diziam que ele dava muito trabalho. Mas acredito que o Oássis nem tenha se dedicado a carreira de ator. Acho que o Coisas Eróticas foi o filme mais importante dele. Ele vinha fazendo cinema na Boca antes dos explícitos. Mas não foi uma carreira grande no explícito.



VSP- Quando as coisas começaram a caminhar pra teatro você não ficou lá na Boca?



JAC- Não. Quando começou a caminhar pra teatro explicitão que o Sady pegou eu já tinha caído fora. Nunca vi uma peça dele sequer. Eu tinha uma certa...não era pudor mas eu não curti isso. Eu achava isso uma bobagem. Mas tudo bem. Era moda, tinha que fazer, fazia. Nem de teatro, nem de cinema.



VSP- Como foi a sua relação com o Tony Vieira?



JAC- Tony Vieira? Na época eu achava ele um picareta. Isso porque ele tinha feito uma sacanagem com o (Edward) Freund. Eu gostava muito do Freund e fiquei meio brigado biologicamente com ele. Só isso. Mas ele deu chance pra eu fazer um estágio de câmera nos filmes dele. Minha discordância do Tony era uma coisa mais ideológica mesmo. Na época, eu não respeitava ele...hoje acho ele um gênio.



VSP- Mas o Freund e o Tony se davam bem?



JAC- Não. Eles se aturavam né? Porque foi o Freund quem trouxe o Tony da TV Excelsior. Só que o Freund era iluminador na TV e veio pra cinema. Já o Tony era ator e continuo nessa parte. Depois, ele passou a produtor. Era mais esperto e acabou dando um chapéu no Freund.



VSP- Dizem que o Tony terminou a vida fazendo teatro pornô. Você chegou a acompanhar isso?



JAC- Olha, isso foi uma novidade saber se ele tenha terminado fazendo pornô. Eu nem sabia disso.



VSP- Filme ele só dirigiu. Não atuava.



JAC- Eu não sabia disso, meio estranho. Mas era moda. Ou a pessoa entrava ou não ia. Eu entrei porque não sabia fazer outra coisa.



VSP- Na época do pornô você via os trabalhos dos outros realizadores da Boca? Como do Bajon, Alfredinho...



JAC- Via. Eu gostava do trabalho deles. Sempre achei o Bajon e o Alfredinho muito acima da média. São duas pessoas inteligentes, interessantes. Mas faziam isso contra a vontade. Então, eu acho que isso atrapalhou a capacidade, o potencial desses caras. Eles podiam até não ter feito. Mas decidiram entrar como eu também podia não ter feito. Se eu não tivesse feito eu estaria fora de cinema.



VSP- Dizem que o pornô deu lucro por pouco tempo...



JAC- Não. Deu lucro muito tempo. Ele começou em 82...muito tempo não. Porque em 87, 88 o gênero já tinha morrido. Durante esse período foi bem. Até chegar o pornô americano. Quando chegou o pornô americano começaram a bagunçar o nosso. O filme tinha melhor qualidade, as meninas eram mais bonitas...



VSP- Tinha maior orçamento...



JAC- Maior orçamento. Aí começou a ir pro brejo. Depois, fomos nós, os americanos todo mundo ir pro brejo. Mas deu muito dinheiro. Muita gente ficou rica com o pornô. O Raffaele (Rossi) foi uma dessas pessoas.



VSP- Você ganhou menos? Diretor ganhava pouco em pornô?



JAC- Eu ganhei salário de diretor em dois, três filmes. No resto eu fui como sócio. Então, eu ganhei relativamente bastante dinheiro. Mas eu gastei também. A gente não tinha juízo...0 a 0 e pronto. Eu era meninão, queria torrar. Curti a vida. Então, não tenho do que reclamar. Os que tiveram juízo e ganharam ficaram melhor.



VSP- Como o Fauzi (Mansur)?



JAC- Fauzi, David (Cardoso). A maioria também ganhou e perdeu, ou não ganhou. Quer dizer, muitos estão em situação até pior que a minha. Mas eu não tenho que reclamar de nada. Foi tudo muito legal.



VSP- Muitos filmes davam um público e os exibidores roubavam, diziam que dava menos. Você se preocupava com essa parte de bilheteria?



JAC- Não, eu nunca acompanhei essa parte. Eu sabia que roubavam e se eu fosse acompanhar ainda acabaria descobrindo que estavam roubando. Então, eu deixava o acabaxi pro distribuidor e falavam: “Deu 10 mil réis”. Eu achava que tinha dado 50. Eu pegava os 10 e ficava quieto. Ainda pensava: “Tudo bem”. Nunca fui de questionar. Nunca pra eu não me meter. Até porque eu era um cara que queria filmar, eu não queria saber de grana. Eu queria fazer...fazia, entragava e a distribuidora que se virasse. Acho que eu fui um dos caras que fui mais roubado na Boca porque eu não dava bola. Tinha uns caras que se preocupavam, iam atrás. Eu não ia.



VSP- O David (Cardoso) ia...



JAC- O David era empresário. Alguns diretores iam atrás disso. O Fauzi (Mansur) se preocupava com isso. Eu não. Diriga e entregava pra distribuidora: “Você faz o que você quiser com o filme”. Eu não dizia isso mas era assim, sabe? Chegava no final do mês eu ia lá pegar o meu borderô e estávamos conversados. Não queria me desgastar. Nisso, eles se aproveitavam e passavam a mão na grana.



VSP- Dos seus filmes qual fez mais sucesso de público?



JAC- Não sei. Acho que o Massagem For Men deu mais público.



VSP- E menos qual foi?



JAC- Talvez o ...E a Vaca foi pro Brejo. E o filme que teve a maior expectativa e não correspondeu foi O Motorista do Fuscão Preto. Isso porque ele foi lançado com dezesseis cópias. Na época, eles lançavam com quatro cópias.  O cara que lançava oito fazia uma farra. Quando o nosso filme ficou pronto, o Manuel que era o distrbuidor falou: “Vamos fazer bastante cópias”. Fizeram dezesseis e eu achei isso uma maravilha. Eram poucos que lançavam tantas cópias assim. Lançaram quinze e acabou não dando o que eles esperavam.


VSP- Você tem cópia desse filme?



JAC- Não.   

2 comentários:

Almir disse...

Sobre Tony Vieira, ele realmente fez apresentações de sexo explícito no antigo Cine Rancho que ficava na Rua General Couto de Magalhães próximo à estação da Luz. Suas peças eram muito ruins e a concorrência era grande. Na mesma época Malu Bailo estava com uma peça no Teatro Odeon na Rua Aurora e Oásis Miniti também, no teatro em frente que mais tarde incendiou-se. Frequentávamos a mesma academia, a Roldan na Rua Aurora. Soube que morreu de infarto.

Matheus Trunk disse...

Oi Almir, dificilmente contam histórias sobre o período do teatro explícito. Precisava de alguém pesquisar mais essa época. Muito legal o seu comentário.