quarta-feira, 14 de maio de 2014

“O filme está acima de tudo”


São mais de 60 longas-metragens no currículo. Antonio de Souza Neto, o Toni Gorbi, é um homem com uma história notável dentro da cinematografia brasileira. Participou da construção da Transamazônica e veio pra São Paulo tentando novas oportunidades profissionais. Acabou ingressando no cinema da rua do Triunfo como eletricista. Trabalhou diversas vezes com técnicos importantes como Cláudio Portioli. “Ele me ensinou tudo sobre a ética no cinema. Foi meu maior mestre depois do meu pai”. A rua do Triunfo terminou seu ciclo como polo da cinematografia. Mesmo assim, Gorbi prosseguiu sua carreira trabalhando em comerciais e atuando como gaffer em longas-metragens. Na quinta-feira da semana passada (dia 8), estreou o filme A Grande Vitória, primeira oportunidade de Gorbi como diretor de fotografia. Nesta entrevista ao VSP, o veterano fala sobre esse novo trabalho e relembra parte da sua trajetória.

Violão, Sardinha e Pão- O senhor trabalhou em mais de 60 longas-metragens nacionais. Como surgiu a oportunidade de você fotografar A Grande Vitória?

Toni Gorbi- Eu já trabalho como fotógrafo documentarista há algum tempo. A oportunidade apareceu quando um amigo na O2, Carlos Vecchi, me apresentou para o Stefanno Capuzzi, diretor do filme e sugeriu que eu iniciasse uma nova fase como fotógrafo em longa-metragem.

VSP- Qual é a sua expectativa com esse trabalho?

TG- Esse ano completo 40 anos na indústria cinematográfica. Achei que fosse o momento de tentar algo novo. Minha expectativa é que a indústria possa reconhecer novas formas de trabalho dentro da fotografia digital e descubra que é possível fazer um novo cinema. Isso tanto em questões financeiras quanto tecnológicas. 

VSP- Foi muito difícil você trocar o trabalho como gaffer para diretor de fotografia?

TG- Uma função complementa a outra, apenas prova que ambos devem trabalhar em conjunto. Pra mim foi algo muito natural, pois sempre procurei estabelecer uma ponte entre uma área e outra. Agora pude comprovar o resultado positivo após anos de trabalho. 

VSP- Como foi o seu relacionamento com o ator Caio Castro que estrela a produção?

TG- O Caio é uma pessoa incrível. Pode ser visto por muitos como um simples galã, mas afinal de contas qual cinema não é formado por galãs? Porém acima de tudo ele é um ator extremamente profissional e dedicado. Ele sabe respeitar a equipe e na minha opinião a palavra galã não é nem um pouco ofensiva. Ela pode ou não pode vir acompanhada de outros adjetivos. No caso do Caio eu só tenho boas coisas a dizer. Me orgulho muito de ter trabalhado com ele nesse projeto.

VSP- A Grande Vitória é uma cinebiografia. O senhor acredita que este gênero cinematográfico pode ser mais explorado pelo cinema brasileiro?

TG- O cinema brasileiro deveria retratar mais a nossa cultura e enaltecer os talentos originais da nossa terra. As biografias são parte do que temos de melhor no país e retratam - sem dúvida alguma - figuras da maior importância para o mundo todo. Pode parecer um pouco pretensioso, mas talvez seja apenas orgulho brasileiro. Orgulho maior de saber das riquezas que temos em nosso país e que, apesar de tudo, muitos só pensam em retratar o que temos de ruim. Não devemos omitir as partes ruins do nosso país e da nossa história, mas se não passarmos a ter orgulho daquilo que podemos conquistar, nunca venceremos.

VSP- Qual é a sua opinião sobre o cinema brasileiro atual?

TG- Vejo o cinema atual como uma retomada do que foi o cinema na época do boom da (produtora) Vera Cruz. Aquela explosão de estúdios, equipamentos, possibilidades. Era tudo tão possível e de repente alguém colocou o pé no freio, e tudo foi tomado por um grande vazio. Depois, foi preenchido por um período conhecido como Boca do Lixo- a fábrica das pornochanchadas. Mas isso não é nenhuma vergonha pois foi um período necessário à sobrevivência do cinema nacional.Agora é como se tudo tivesse sido retomado, porém de maneira fresca, vibrante...real. É um cinema novo cheio de possibilidades. Por isso, acredito que devemos nos prender as coisas boas que ele pode nos trazer e não deixar passar essa oportunidade.

VSP- Em breve poderemos ver mais longas-metragens que o senhor fotografou?

TG- Continuo buscando uma boa parceria com amigos diretores e fotógrafos. Já recebi alguns convites após a estreia do filme, mas são projetos que ainda não foram anunciados. Por isso, ainda não posso divulgar os nomes.
  
VSP- O senhor iniciou sua carreira no cinema da Boca. Quais coisas o senhor aprendeu na rua do Triunfo que utiliza o seu trabalho atual?

TG- Aprendi a trabalhar para o filme e não para mim. No cinema, o filme está acima de tudo.

VSP- Trabalhar com um fotógrafo como o Cláudio Portioli foi importante para a sua carreira?

TG- O Portioli me ensinou tudo sobre a ética no cinema. Ele me ensinou a trabalhar em qualquer tipo de projeto, junto a qualquer equipe e a importância da união. Ele me ensinou o que é missão. Ele foi meu maior mestre depois do meu pai.
  
VSP- Por quê o senhor acredita que poucos técnicos daquela época conseguiram permanecer ativos dentro do cinema brasileiro?

TG- Porque muitos não acreditaram na possível evolução e modernização do cinema brasileiro. A verdade é que desde a época da Vera Cruz o cinema vem se modernizando. Isso aconteceu com a chegada de um refletor HMI até os o uso de refletores de LED e câmeras digitais. Porém, poucos técnicos da época se interessaram por essas transições. Eu tenho 63 anos e nunca achei que idade pudesse ser empecilho para a modernização e bom trabalho.      

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