sábado, 28 de fevereiro de 2015

VSP e a literatura marginal III: Toninho Tala Larga




Toninho Tala Larga



Por Ariosto Augusto de Oliveira



Comigo não tem folga. É por isso que os caras me respeitam. Não tem quás-quás-quás nenhum. Chego e vou mandando. Ver. Dou dois trovão na cabeça do folgado e azar. Vacilou, dança na minha mão.



Tem caras por aí me chamando de Cachorro-Louco. Mas isso nas minhas coisas, porque na minha cara cadê coragem. Na minha cara eles vêm de cortesia: Diz aí, Considerado. Tudo na maior? Na maior, eu digo e fico encarando o figurão. O cara se apoquenta e ai oferecendo gentileza. Se é dono de bar, grita com o garçom: Sai um pernil aí, pro nossa amizade aqui. Corta só do torradinho que é do que ele gosta. Pega no bramote do fundo que tá mais geladinha. Como e bebo. No quanto é, o cara rasga seda: É da casa.



Na oficina até o Cabelo Branco levanta a cadeira: Aqui, menino, aqui é mais macio. E ele vai sentar no tamborete. Entrego o carango, pego a grana e pergunto firme: De que marca tu quer o outro. Ele diz, e me convida pro cafezinho na esquina. Toda semana entrego dois ou três carangos pro Castelo Branco. Vou buscar na Cidade Universitária. É a maior moleza. Os bacanas encostam e vão praqueles prédios grandes assistir aula, fazer conferência e os cambaus. Puxo o carango e venho pela Marginal, pela Bandeirante, pela Água Funda que são avenidas onde nunca tem comando. É entregar pro Cabelo Branco e receber. Ele remarca o motor, o chassis e de documento novo o cabrito vai enfeitar as lojas da Boca. Tenho com ele uma combinação de fé: Quem de nós descobrir o outro tá assinando atestado de óbito. Também belisco as bocas de fumo. Do Nego da Loira, do Bacalhau, do Dimas Doido. Os caras vem na minha: Como é que é, Considerado? Dando uma bandola? Na maior, eu digo. E eles vão escorregando a grana, sem choradeira que eu não sou babá pra aturar choro. Também dou mão firme. Limpei uma do Nego da Liura. Um rato da Vadiagem quis comer mais do que podia. Veio com uma cascata que estava construindo e que o Nego da Loira ia ter de cacifar mais para cobrir a despesa dos pedreiros. Queria duzentos por semana e sem bandeira que era pros outros ratos não sacarem. O Nego da Loira chorou as pitangas e eu disse: Me mostra o cara. Peguei o puto no bar do Mané Português. Dei cinco tecos na cabeça dele com a Quarenta e Cinco que nem a mãe dele reconheceria ele mais. O primeiro tiro pegou na boca que enfiou o bigode dele pra dentro. O segundo arrancou o nariz. Os outros três dei na nuca quando o puto se estirou no chão. Na saída gritei pro Mané Português: Diz que foi um crioulo.



Das minas eu não tomo, que a grana delas é suada. Mas também não dou. Dou um chego na Vila Buarque é pra esfriar a cabeça, tomar uns birinaites e ver a noite. Dakar, Molin Rouge, Clube de Paris, Marrocos, tudo gente minha. Meu birinaite não tem batismo, vem do legítimo e na hora da conta, a cortesia: Por conta da casa. Agradeço e dou um lero-lero pro gerente: Casa bonita, freguesia selecionada, minas de bom calibre. Molho a mão do garçom, do leão de chácara, saio numa boa. Também os caras sabem quem eu sou. Bastou uma e eles ficaram sabendo. Uma bicha fez uma presepada comigo e eu tive de dar um chega pra lá nela. O puto se arreganhou e veio de navalha aberta. Saí do talho e acertei a testa dela com Quarenta e Cinco. Um teco só. Outras quatro bichonas que estavam faturando na esquina vieram acessas. Queimei três e a que sobrou se meteu gritando pra dentro da Dakar. Não vacilei. Fui buscar lá dentro. Arrombei o banheiro das damas e estourei a cabeça. Foi miolo e sangue pra tudo quanto é azulejo. Ninguém piou. Nem as minas nem os otários que tavam de charola. Meti a Quarenta e Cinco no bolso da jaqueta e dei o alô pro gerente: Abriu a boca, morreu. Duvidou, confere.



Até empreitada já encarei. Um majorengo dono de empresa e tudo sacou que a mulher tava transando uma boa vida dum garotão e nas costas dele achou que tinha de dar fim na madame. A conversa foi parar no Dimas Doido que ele trouxe o recado. Fui falar com o majorengo e acertamos o preço. Toda quinta-feira o boa vida pegava madame e iam pra cama. Apaguei os dois. O majorengo não queria que se apagasse o boa vida, queria ele vivo pra ficar de testemunha e outros babados. Mas como é que eu podia apagar só a madame se o garotão tava em cima dela, ali no vai e vem. Dei um teco que nuca dele pra ele tirar a cabeça de frente. Na madame dei dois.



Pois então, como é que um cara sarado como eu se embuceta todo. Do primeiro ao quinto. Tô um forfé. Tem semanas que não belisco as bocas de fumo. O Cabelo Branco já mandou pedir notícias. E eu por aí, a cabeça num ar, a cara dela dentro do meu peito, aquele perfume me encapetando. Vou pras bocas da Santa Ifigênia, sento nos botecos: Põe um conhaque aí. Tala larga, eu digo. O cara despeja as duas doses e eu fico lembrando tim-tim por tim-tim. Esqueço até das cortesias, não cumprimento ninguém pra não ficar ouvindo papo furado. De valentia e malandragem já sei muito. O que eu quero encarar é este outro lado que me esvazia e agonia. Agonilza, penso rápido. E lembro dos olhos gozando debaixo de mim, dos cabelos que se espalham pela testa, dos beijos que não terminam nunca. Boca com gosto de boca.



Peço outro conhaque: Tala larga, meu!



Publicado originalmente no livro Na Mão Grande de Ariosto Augusto de Oliveira e publicado pela editora Hermes em 1984.

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