sábado, 7 de maio de 2016

Superfêmeas I: Noelle Pine

NOELLE PINE
A militante da Boca



Por Bianca Bellucci, Heros Macedo, Heverton Bruno, Larissa Palmer, Renata Rocha e Tamires Camargo

Era apenas mais uma tarde de um sábado nublado no centro de São Paulo quando Noelle Pine, com mais duas colegas de trabalho, Vanessa Alves e Débora Muniz, estouraram um chamapanhe Salton na rua do Triunfo, ás 15 horas do dia 26 de junho de 2014 e afastaram os fantasmas das calçadas que antigamente eram passarelas de estrelas do cinema nacional e hoje são ocupadas somente por viciados à mercê do tempo.

Para chegar a esta cena final de novela das 21 horas, a musa, conhecida por seu profissionalismo, teve de atravessar o Atlântico para perceber a importância da Boca do Lixo e do cinema nacional em sua vida. Noelle morou 18 anos na Espanha e, inclusive, chegou a escrever uma peça de teatro chamada “Com los pelos de punta” (2003). A comédia retrata um grupo de mulheres que se encontram em um salão de beleza e conversam a respeito de suas vidas. Em determinado momento, elas descobrem que a grama do vizinho não é tão verde quanto parece, e suas verdadeiras histórias são reveladas.

A chance de Noelle se tornar uma atriz conhecida mundialmente ocorreu durante uma estranha escolha de teste. O papel disputado era para interpretar uma personagem um tanto inesperada para uma mulher...um travesti. Mas o surpreendente mesmo é que o filme não era de qualquer um. Era de ninguém menos que o cineasta espanhol vencedor de dois Oscars, Pedro Almodóvar. Bom, não foi nenhuma surpresa quando um verdadeiro travesti foi convidado a participar. Mesmo assim, ela conta a experiência como uma vitória apenas por ser escalada para as audições.

Noelle voltou para o Brasil em 2008. Já formada em fotografia, e tendo a área como profissão principal, passou a dedicar os últimos esforços para revitalizar o único polo que lhe abriu as portas sem pestanejar: a Boca do Lixo. Ainda enquanto estava na Espanha, ela elaborava planos para recuperar as memórias daquela região. Sua inspiração estava na forma como a cultura cinematográfica é valorizada em países europeus, enquanto na Terra do Carnaval e Futebol o passado – e até mesmo o presente – do cinema nacional é deixado de lado.

Além de ter um livro lançado sobre os bastidores (“Luz, cama, ação! – Hollyboca”, 2013) e outro engatilhado sobre a vida pós-pornochanchada de algumas atrizes, a musa se juntou a dois produtores, Rafael Spaca e Paulo Faria, para dar início ao projeto que quer proporcionar um novo fôlego ao gênero e reunir velhos amigos de uma época de outro: o Museu do Cinema e tombamento histórico da Boca do Luxo.

No Facebook, o movimento intitulado “Triunfo, a volta” tem atraído cada vez mais adeptos. São atores, atrizes, produtores, cinegrafistas, diretores, maquiadores e figurantes da Boca, além de entusiastas das produções feitas por lá. O objetivo é trazer o espírito artístico e cultural da rua que, para os que conhecem a sua história, ainda emana vagamente pelas esquinas daquele lugar. Porém, a produção de audaciosas 100 pornochanchadas por mês não tem volta.

Se os filmes sumiram pela falta de interesse do público – “para que assistir algo cômico com pitadas eróticas se eu posso ver sexo explícito em pornôs estrangeiros ?” -, a militante aponta ainda a falta de profissionais reais. Há 59 aos carregando o vírus da arte em seu corpo, Noelle foi uma das poucas atrizes de pornochanchada a serem formada na área. As outras protagonistas e coadjuvantes eram convidadas enquanto caminhavam pela região apenas por serem...gostosas.

A ideia concreta do memorial surgiu em uma entrevista dada em março de 2014 para a TV FATO, no tradicional café Girondino, point dos produtores e diretores da Boca. O trio responsável pela empreitada decidiu que o objetivo não é trazer a pornochanchada de volta, mas sim que a Boca não se cale. Que o seu legado não seja esquecido no tempo, mesmo que exista quem negue o seu envolvimento com a rua do Triunfo. Mas Noelle sempre se pergunta: como é possível negar um passado de glória? Por acaso temos como apagar nosso passado? Nossos pais, nossos filhos? Não.

O chute inicial para o tombamento da Boca do Lixo como patrimônio histórico-cultural foi dado e o jogo já começou. O time tem cada vez mais convocados dispostos a defender o ataque dos antipornochanchadas. As musas, como Noelle, saíram dos seus postos de líderes de torcida e foram para a linha de ataque, cada uma dando o melhor toque na bola. Spaca e Faria já deram o grito de guerra, enviando a proposta para o Ministério da Cultura. A partida vai ser difícil, mas todos os jogadores já estão preparados para enfrentar os maiores adversários.

- Quando podemos viver do que gostamos de fazer, tudo tem o gosto de satisfação e realização, tornando-se um privilégio. A Boca pra mim foi isso, fazer o que eu amava, aprender com quem eu sabia e atar nós em laços de amizades que perduram até hoje -, é o que Noelle diz.




FICHA TÉCNICA
Nome completo: Áurea Ramos César
Nome artístico: Noelle Pine
Data de nascimento: 19 de agosto de 1955
Naturalidade: Brasília de Minas, Minas Gerais

Principais bilheterias de pornochanchadas:
“Chapeuzinho Vermelho, a gula do sexo” (1980), Marcelo Motta
“O rei da Boca” (1982), Clery Cunha
“Anúncio de Jornal” (1984), Luiz Gonzaga dos Santos

Outros trabalhos relevantes:
“Hotel puramente familiar” (1982), peça de teatro de Emanoel Rodrigez
“Vida roubada” (1983), novela SBT
“CVV, boa noite” (1986), peça de teatro de Roberto Nogueira
“Com los pelos de punta” (2003), peça de teatro de sua autoria
“Luz, cama, ação! – Hollyboca” (2013), livro de sua autoria

Onde vive hoje: Mogi das Cruzes (SP)

O que faz hoje: fotógrafa e atriz 

Publicado originalmente no trabalho acadêmico Superfêmeas- as mulheres que fizeram a história da pornochanchada de autoria de Bianca Bellucci, Heros Macedo, Heverton Bruno, Larissa Palmer, Renata Rocha e Tamires Camargo, publicado como trabalho de conclusão do bacharelado em jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo em 2014.


Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Ñão conhecia,eu juro.