segunda-feira, 25 de novembro de 2019

VSP Entrevista: Marcelo Santiago, diretor de “Barretão”


"Barretão" de Marcelo Santiago. Foto: Divulgação
O cineasta, diretor de fotografia e principalmente produtor Luiz Carlos Barreto está presente no cinema brasileiro há mais de cinco décadas. Ele esteve por trás da produção de mais de 50 longas-metragens nacionais com a esposa Lucy Barreto e é pai dos dois diretores Bruno e Fábio Barreto. Mas a trajetória profissional de Barretão não se iniciou no cinema e sim no jornalismo. Ele foi fotógrafo da legendária revista O Cruzeiro do magnata das comunicações Assis Chateubriand e colecionou diversas histórias da imprensa. Depois emigrou para o movimento do Cinema Novo sendo fotógrafo e participando da produção do clássico Vidas Secas (1963) de Nelson Pereira dos Santos. A história da vida pessoal e profissional deste veterano do cinema brasileiro está no documentário de longa-metragem Barretão do cineasta Marcelo Santiago. O filme passou na última edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e deve ganhar os cinemas em breve. VSP conversou com o diretor Marcelo Santiago.



Violão, Sardinha e Pão- Como surgiu a ideia de fazer o documentário Barretão?


Marcelo Santiago- Trabalho com o Luiz Carlos Barreto há muitos anos. Comecei minha carreira profissional como assistente de direção de O Quatrilho (Fábio Barreto, 1995). Mas antes de pensar em trabalhar em cinema (venho do teatro), eu já admirava como cinéfilo as produções do Luiz Carlos. Assistia a todas no cinema. Ou seja, é uma admiração de longa data. Quando o conheci, logo nos primeiros anos de convivência, ali no início dos anos 2000, eu e o André Saddy (produtor do Barretão) já falávamos sobre o quão importante seria fazer um documentário sobre ele. 


VSP- Um dos méritos do filme é tratar de duas faces do Luiz Carlos Barreto. Não apenas do produtor de cinema, mas do fotógrafo do O Cruzeiro. Vocês pensaram em fazer algo maior referente somente a parte dele como fotógrafo?


Nossa ideia sempre foi fazer um documentário que mostrasse a trajetória completa do Barreto, apresentando as viradas profissionais que ele teve ao longo da carreira. Acho que o filme mostra bem como aconteceram essas viradas e como se deu a passagem da fotografia jornalística para a fotografia do cinema e daí para a produção cinematográfica. 



VSP- Acredito que ele deva ter como fotógrafo testemunhado verdadeiros momentos históricos do Brasil. Ele nunca chegou a pensar em fazer alguma exposição ou livro?


O Barreto tem um acervo fotográfico fascinante e incrivelmente extenso. A história política, social e artística do Brasil dos anos 1950 e 1960 pode ser contada através dessas fotos. Ele já publicou um livro de fotografias pela Objetiva, chamado Passagem: A Memória Visual de Luiz Carlos Barreto, que foi acompanhado de uma exposição fotográfica no lançamento, em 2001. 

                                                                   
VSP- Desde o início vocês não pensaram em ter mais entrevistados? Não pensaram em entrevistar a Lucy Barreto, Carlos Diegues, Bruno Barreto? Mais gente?


A ideia sempre foi a de ter a história contada na primeira pessoa. O Barreto participou diretamente de todas as passagens narradas no filme, seja como testemunha, presenciando os fatos, seja como protagonista desses fatos. Não há nada mais potente que a história contada por quem a viveu diretamente. E nunca tivemos a intenção de fazer um filme tributo, embora, é claro, o caráter de homenagem esteja presente. Além disso, o Luiz Carlos é um grande contador de histórias, narra os fatos com raro sabor. O filme procura aproveitar isso ao máximo.


VSP- Que importância o Geneton Moraes Netto teve para o filme? Sou admirador dele desde o início na profissão e ele morreu muito novo. Fale um pouco sobre ele.


O Geneton criou o roteiro do filme junto comigo. Ele descrevia o Barreto como sendo o único brasileiro vivo que teria uma história para contar sobre cada presidente brasileiro desde Getúlio Vargas, vivida pessoalmente. Geneton era apaixonado pelo cinema e pelo personagem Barretão. Fico feliz que ele tenha conseguido ver o primeiro corte do filme antes de partir.

VSP- A trajetória do Luiz Carlos Barreto dentro do cinema brasileiro é muito rica primeiro como fotógrafo e depois como produtor. Como você define ele dentro do movimento Cinema Novo?


O Cinema Novo era um grupo de cineastas que pensava a atividade cinematográfica coletivamente. Um grupo forte, coeso, que conseguiu fazer  filmes com total liberdade criativa mesmo durante o período da Ditadura Militar brasileira dos anos 1960 e 1970. O Barreto trabalhava junto com o grupo, não somente para seus projetos pessoais. Essa é uma característica que ele traz até hoje. Está sempre trabalhando pelos interesses do cinema brasileiro, não somente para as suas próprias produções.


VSP- No filme existem muitas imagens de arquivo e algumas muito raras. Inclusive tem trechos de uma espécie de documentário francês em que aparece toda a turma do Cinema Novo e com o cineasta paulista Walter Hugo Khouri. Foi muito difícil achar esse tipo de imagens?

Não foi exatamente difícil, porque contamos com a parceria de vários amigos que indicaram certas fontes. Porém, foi absurdamente trabalhoso. A pesquisa e licenciamento de imagens foi a etapa mais longa da produção. Fizemos uma busca em âmbito mundial. Essas imagens que você cita são de um documentário de Pierre Kast sobre o Cinema Novo. Quem nos falou primeiro delas foi o documentarista Joel Pizzini, nosso grande amigo.


VSP- O Barretão é um personagem muito rico seja como fotógrafo e mesmo como produtor. Muito material ficou de fora? Vocês não acharam que podiam fazer uma minissérie ou coisa assim?


Sempre pensamos num longa-metragem. A história de uma vida dedicada à fotografia e ao cinema, condensada em 85 minutos (que é a duração do filme), tem um efeito arrebatador. Nesse sentido, o longa é mais potente que uma narrativa dividida em episódios. É claro que muita coisa ficou de fora. Só a entrevista principal, conduzida pelo Geneton, tem 8 horas de duração. 

 
VSP- Luiz Carlos Barreto é um personagem polêmico do cinema brasileiro. Qual a repercussão esperada pelo filme?


Quanto a isso, tenho apenas uma frase a dizer: Barretão, ame-o ou veja-o!

VSP- É público que o Fábio Barreto teve um acidente e estando afastado da vida cinematográfica por isso. Imagino que é um assunto muito familiar e delicadíssimo. Vocês não quiseram abordar o assunto?


O assunto foi abordado, sim, mas não coube no filme. É realmente uma questão delicada, dolorosa (embora o Luiz Carlos a encare com muita serenidade) e não poderia ser tratada superficialmente. Então teríamos que fazer uma espécie de pausa na narrativa para abordar o assunto. Preferimos manter o Fabio como personagem ativo e participante da história do cinema brasileiro. O filme, inclusive, é dedicado a ele.


VSP- Na sua opinião, quais foram suas principais dificuldades na elaboração de Barretão?

A principal dificuldade foi a montagem do filme. Nosso objetivo era contar a história do Brasil e do cinema dos anos 1950 até hoje, tendo, é claro, o Barreto como protagonista. A seleção e o encadeamento dos relatos do Barreto para construir essa narrativa, onde os assuntos pessoais se confundem e se misturam com os coletivos, tomou cerca de quatro anos de nossas vidas, envolveu três montadores, um consultor de montagem (Eduardo Escorel) e seis pesquisadores de imagens de arquivo.


VSP- Quais as maiores dificuldades de se fazer cinema no Brasil hoje?


A maior dificuldade é o gargalo da exibição, ainda mais porque no momento não temos a cota de tela que deveria ter sido estabelecida pelo governo no final do ano passado. A concorrência com os filmes estrangeiros é desleal. Os filmes brasileiros têm pouco espaço para encontrar seu público.


VSP- O que você acha do atual momento do documentário cinema brasileiro?

O momento é excelente em termos de produção. Nunca se filmou tanto. Mas falta espaço, tanto nas salas de cinema, quanto nas TVs e plataformas.

VSP- Na sua opinião, qual é o futuro do cinema brasileiro com uma política tão predatória para a produção nacional?


Não dá para prever muita coisa, levando-se em conta que o atual governo parece que ainda não entendeu a importância não só cultural, mas econômica, da atividade cinematográfica. O cinema sofreu um baque muito grande com o esvaziamento da Ancine, comparável ao que sofremos quando o Collor extinguiu a Embrafilme em 1990. Mas temos que acreditar que a normalidade institucional será retomada e aí será a hora de aprimorar a atuação da Ancine.
 

Luiz Carlos Barreto está no cinema brasileiro desde a década de 1960. Foto: Divulgação

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