quarta-feira, 4 de março de 2020

Mister Sam fala sobre Os Trapalhões


Por Rafael Spaca, especialmente para o VSP



Mister Sam é D.J. e produtor artístico desde os anos 1960. Também é músico, radialista, apresentador e compositor que, entre seus sucessos, estão Conga, Conga, Conga, Baila Baila Comigo, Lindo, Tesão, Bonito e Gostosão, Melô do Piripipi, Freak le Boom Boom, entre outros. O que poucos sabem é que ele trabalhou nos dois primeiros discos dos Trapalhões. Quais foram eles? “Eu fiz a produção dos álbuns Os Trapalhões volume 1 e 2”, diz ele em entrevista exclusiva.

Violão, Sardinha e Pão- Como e por que os Trapalhões entraram na sua vida?Porque eu também era produtor do Wanderley Cardoso na época, e eu ia com ele a todos os programas de TV. Acontece que quem dirigia a TV Tupi de São Paulo era o Tito De Miglio, a quem eu já conhecia da Argentina, então a minha entrada Na TV Tupi não tinha problemas. Foi assim que conheci o Renato e o Dede. E assistindo o programa nas gravações, comentei com eles que poderíamos fazer o mesmo num estúdio de gravação e eles também poderiam cantar as musicas.

Mas a capa do volume 1 informa que o disco foi gravado ao vivo. Isso não procede?
O disco foi gravado ao vivo dentro do estúdio. Benito de Paula Ao Vivo também foi gravado ao vivo dentro do estúdio.

Qual a razão de apostar no grupo na música?
Porque eles já eram famosos, e não precisavam de tocar no radio. Já tinham mídia.

A aposta neles foi exclusivamente comercial?
Sim!

Os Trapalhões Vol 1. Ao Vivo Tupi foi gravado em quais condições?
Nas melhores condições da época. No estúdio B do Estudios Reunidos que ficavam no prédio da TV Gazeta no oitavo andar e eram os melhores de São Paulo. Gravamos em quatro canais eu acho.

O contrato firmado entre vocês e a dupla era vantajoso para todos? Recorda-se dos valores?
Era um contrato típico da época, os artistas desconhecidos ou novos ganhavam 5% das vendas, os conhecidos 10%. Isso era o que eles ganhavam. Todos os artistas eram iguais.

Quais são as suas principais recordações da produção do primeiro disco do quarteto?
Foi muito divertido e engraçado. Fazer as musicas para o Renato e o Dede cantar foi um milagre.

Por que um milagre?
Porque eles não eram cantores.

Rebu no Galinheiro, A Maternidade e Chililique são algumas das músicas do disco. Elas todas faziam parte do programa ou foram criadas para o disco?
Nada disso, vocês tem que entender o que eu fiz. No primeiro LP eu escolhi algumas musicas engraçadas do repertorio da Copacabana Discos como Rebu no Galinheiro do Alypio Martins, Chililique do Trio Nordestino e Quero te Agradar do Antonio Barros com o Trio Mossoró, e depois gravei vários quadros do programa de TV, ao vivo no estúdio de gravação. Todo disco tem que ter seus autores, e eu coloquei o Renato como autor dos quadros de humor. E as musicas já tinham seus autores. Vocês tem que entender que os Trapalhões estavam começando no disco, e eu estava começando também a minha carreira no Brasil. Ninguém me conhecia. Eu já tinha vendido milhões de discos na Argentina, Espanha, no mercado latino, mais todo em espanhol, aqui eu era um novato, fazendo o que já tinha feito na Argentina e na America Latina. Mas no Brasil eu tinha que provar.

Muitas das músicas deste disco foram compostas pelo próprio Renato Aragão. Como avalia ele como compositor?
Não são musicas, como expliquei antes, são quadros de humor, que foram criados na gravação. E Renato para humor era ótimo assim como Dedé.

Você o orientava na composição ou era um trabalho só dele?
Os quadros de humor eram com ele.

Quais as recordações de Renato Aragão e Dedé Santana neste trabalho?
Me lembro que eu saia com os dois a procurar patrocínios para o programa de TV, era uma forma de me entrosar com eles.

Renato Aragão se tornou um empresário bem sucedido com Os Trapalhões. Você já observava esse forte tino comercial nele?
Sim, pena que não consegui continuar com ele, já que a Globo era no Rio.

O senhor era o diretor de produção do disco? O que faz exatamente um diretor de produção?
Na produção de um disco, o produtor e o responsável por tudo. Eu era funcionário da Copacabana Discos, e não tinha muita verba para esse primeiro disco, porque só eu acreditava que ia vender. Ninguém mais. Por isso peguei musicas prontas e não gastei com gravação, só com horas de estúdio, mais foi tudo muito rápido, em dois dias gravamos tudo.

Vocês usaram algum artificio para qualificar as vozes de Renato Aragão e Dedé Santana neste disco?
Nada. Nessa época, não existiam esses truques.

No ano seguinte você produz Os Trapalhões volume dois (Copacabana Records). Isso foi resultado do sucesso de vendas do primeiro disco ou teimosia mesmo?
Foi resultado do sucesso primeiro disco. Já que neste volume dois gastei dinheiro em gravações com Renato e Dedé. (Eu quis dizer que no primeiro disco coloquei musicas prontas de artistas conhecidos, e no segundo fiz o Didi e o Dedé cantar). Tive que fazer eles cantar as minhas músicas. Teve músicos tocando, coral de apoio. Com o Wanderleiy Cardoso fiz A Dança do Psste, eu ainda assinei como Santiago, o Renato me chamava de Maestro Santiago, acho que ate hoje ele não sabe que eu sou o Mister Sam, que lançou a Gretchen, o Nahim, Os Black Juniors, e outros artistas que iam no programa deles. O Dedé sim sabe quem eu sou. E a outra musica O Trapa Trapa.

Um nome presente nos dois discos é Viana Jr. Que canta com Renato Aragão e Dedé Santana, quem era ele?
O Viana Júnior era um ator da TV de apoio dos quatro Trapalhões, como por contrato eu não pude contratar Mussum porque ele era artista da RCA Victor do grupo Originais do Samba, e também o Zacarias tinha um contrato com outra gravadora, eu só assinei por três anos com Dedé e Didi.

Nesse segundo disco praticamente todas as musicas são composições de Renato Aragão. Fale a respeito.
Não senhor, as músicas são minhas e do Wanderley Cardoso, só teve duas músicas, as primeiras de cada lado. Fazer eles cantar foi duro. O resto eram todos quadros de humor.

O volume dois foi feito em estúdio?
Sim igual ao primeiro, só que já tínhamos oito canais.

Esses discos vendiam bem?
Muito bem, acredito que entre os dois passamos das 100 mil cópias. Eu pessoalmente levei um cheque ao Renato no Rio como pagamento de um trimestre.

Quais as suas principais recordações deste segundo álbum?
Sempre foram lembranças engraçadas, muito divertidas.

Acreditava que num futuro próximo eles iriam se tornar o principal grupo de humor do país?
Não sou adivinho.

Se arrepende de ter feito um contrato de apenas três anos com eles?
Não, era o usual.

Sua convivência com Renato Aragão e Dedé Santana era boa?
Sim, sempre foi muito boa.

Por que ficou somente nestes dois discos sua parceria com a dupla?
Porque o Boni chamou eles para assinar com a Globo, e o Renato me pediu por favor, para eu liberar eles, já que a Globo queria exclusividade total também para gravar na Som Livre, e de essa liberação dependia eles assinar o contrato ou não. Então, eu pedi a diretoria da Copacabana para que eles fossem liberados.

Conte uma história até hoje inédita, uma revelação de Renato e/ou Dedé que só você viu ou sabe.
É a história que acabei de contar, eu podia não ter liberado eles, tinham mais dois anos de contrato, e tal vez não teriam feito o sucesso que fizeram. Pode ser que o Renato me deva isso, sei lá. Mas nunca mais o vi. Anos depois, conheci um filho dele, na Paradoxx e pedi pra ele contar ao pai dele quem eu era. Mas ele nada fez, acho que era o Paulo Aragão. Na realidade eu sou um produtor que gosto do meu trabalho. Então, nada eu faço pensando em ganhar nada ou ter reconhecimento, sempre ajudei no que pude, e ás vezes tive que dizer não, quando queria dizer sim, mais isso e a vida.

Acredita que Renato Aragão não foi totalmente grato a seu gesto?
Acredito que Renato estava lutando pela sua vida e futuro, assim como eu também estava.

2 comentários:

spektro 72 disse...

Muito boa essa entrevista com o Mister Sam ,parabéns ! eu tenho esses dois discos "OS TRAPALHÕES VOLUME 1 & 2 ,tambem tenho " OS TRAPALHÕES NA TV - SOM LIVRE de 1979 " comprado em sebo há anos .Abraço de Spektro 72.

Emanuel Alves De Lima disse...

Excelente entrevista, ótimas revelações, Discos Copacabana era demais