Playboy entrevista Cacá Diegues
Uma conversa franca com o cineasta, que completou 50 anos de carreira,
sobre maconha, Sonia Braga, Cinema Novo, nudez, atrizes oferecidas, a paixão
pelo Botafogo e o dia em que viu Antônio Pitanga levantar uma cadeira sem usar
as mãos
Depois de 4 horas de conversa, divididas ao longo de duas sessões em sua
produtora, no Centro do Rio de Janeiro, o cineasta Cacá Diegues sentiu
necessidade de dizer mais uma coisa. Cerca de 1 hora depois de terminada a
conversa, ele mandou um e-mail para o entrevistador. “Falamos de Nara e da
Sonia, e nada de Renata. Por favor, não deixe de dizer que estou casado com
Renata há 31 anos, que ela mudou minha vida quando a encontrei, que hoje é como
se fôssemos uma pessoa só. Não entendo mais a vida sem ela”. Nara é Nara Leão,
a cantora, falecida em 1989, com quem Cacá foi casado por dez anos e teve dois
filhos. Sonia é Sonia Braga, a atriz que ele namorou por seis meses em 1978. E
Renata Almeida Magalhães, sua sócia na produtora Luz Mágica, ele já se
encarregou de apresentar.
Sua atitude não chega a surpreender; afinal, só um homem passional (e
apaixonado) poderia ter dedicado cinco décadas da vida à árdua missão de fazer
cinema no Brasil. Alternando grandes sucessos de público, como Xica da Silva (1976), e filmes que
ficaram na história do cinema nacional, como Bye Bye Brasil (1979), com outros recebidos com críticas mordazes,
como Orfeu (1999), Cacá construiu uma
história sólida como realizador.
Nascido em Maceió em maio de 1940, Carlos José Fontes Diegues veio com a
família para o Rio aos 6 anos. A mãe, assustada com a cidade grande, não o deixava
fazer muita coisa além de ler, jogar futebol e ir ao cinema. Nesse cenário, no
bairro de Botafogo, surgiram suas grandes paixões: o futebol e o cinema. Seu
primeiro curta-metragem, Fuga, é de
1959, já como estudante de direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro. Dois curtas e três anos mais tarde, Cacá dirigiu seu primeiro filme
profissional, um dos episódios de Cinco
Vezes Favela. Em 1964, fez seu primeiro longa-metragem, Ganga Zumba. Por causa das filmagens,
perdeu as provas finais da faculdade e o diploma de direito. Mas se tornou, com
os dois filmes seguintes (A Grande Cidade,
em 1966, e Os Herdeiros, em 1969), um
dos principais nomes do Cinema Novo, ao lado do amigo Glauber Rocha. Seus
filmes mais recentes, como Deus É
Brasileiro (2002) e O Maior Amor do
Mundo (2006) podem não ter tido bilheterias que fizessem frente a seus
maiores êxitos, mas revelaram um cineasta que continua em paz com o público – o
que nem sempre acontece com a crítica. Em 2013, ele lança como produtor Giovani Improtta, filme que marcará a
estreia na direção do ator José Wilker, e dirige ele próprio O Grande Circo Místico, que será seu
décimo oitavo longa.
Mais de uma década depois de sua primeira entrevista para a PLAYBOY,
publicada em julho de 1999, na época do lançamento de Orfeu, Cacá conversou com o editor Jardel Sebba na sede de sua
produtora, no Centro do Rio. Descontraído e bem humorado, falou sobre o novo
cinema brasileiro, namoros, crítica, público e política. Só não falou de
Renata, mas fez questão de registrar logo em seguida que ela não poderia deixar
de aparecer com destaque em sua história.
Você completou 50 anos de carreira no ano
passado. Olhando para trás, se arrepende de alguma coisa que fez?
É por isso que não vejo meus filmes. Porque, se visse,
ia me arrepender de tudo. (Risos.)
Quando você faz um filme, cada escolha que faz significa 1 milhão de perdas.
Ela (aponta para a fotógrafa) escolhe
onde vai botar a câmera. Ela escolheu botar ali? Então está perdendo esse ponto
de vista, esse outro e esse outro. Quando ela for ver o trabalho pronto, se for
uma pessoa cheia de dúvidas como eu, vai se perguntar se não era melhor ter
colocado a câmera do outro lado, ou contratado outro ator, ter colocado uma
música diferente aqui, não ter posto este diálogo. Isso tudo pode acontecer. Eu
não sei se nos meus filmes acontece porque não os vejo exatamente por isso. Não
quero ficar remoendo o que já fiz e também não quero ser condenado a ser o que
já fui. Eu quero fazer cada filme meu com a mesma, digamos, euforia de um
primeiro filme e a mesma audiência de um último filme.
Mas houve filmes que você
terminou e pensou: isso não era o que eu achava que ia ser?
Para começar, tenho muito orgulho de tudo que fiz. Tudo
o que fiz foi muito sincero. Alguns filmes fizeram sucesso; outros não. E eu
posso não ter feito tudo o que quis, mas nunca fiz o que não quis. Agora, de
vez em quando, você tem essa frustração mesmo. E isso aconteceu comigo de
maneira grave em Quilombo, filme que
fiz em 1983. Era um filme muito caro, todo filmado em externas e aquele foi o
ano do (fenômeno climático) El Niño,
e chovia sem parar na Baixada Fluminense, onde estava filmando. Um filme que
era para durar 12 semanas durou 24. Eu passei seis meses filmando, estava
enlouquecendo. Foi a época em que menos dormi na minha vida. Eu passava a noite
toda reescrevendo o roteiro com dois ou três colaboradores, e o filme que ficou
pronto não era o que estava no roteiro, era outro. Foi um desastre. Eu fiquei
na miséria, perdi tudo, foi uma coisa pavorosa. Não tinha como resolver aquilo
porque era uma chuva de seis meses, entendeu? Daí a gente saía de manhã do
hotel para filmar, botava pano, e pronto, começava a chover novamente, acabou.
Foi uma tragédia.
Ainda sobre arrependimento: você não se
arrepende mesmo de ter escalado Toni Garrido no papel principal do Orfeu?
Não acho que tenha sido um erro, o Toni Garrido era um Orfeu. E o que se acusou o Toni Garrido,
de não ser um bom ator, isso é pura culpa minha, responsabilidade minha. Eu o
chame porque ele era, na minha cabeça, o Orfeu, um homem negro, músico,
talentosíssimo, vindo de uma vida pobre e que tem uma certa generosidade, uma
certa alegria na vida. Tudo o que eu achava que era o personagem. Então o que
fiz ali foi fazer com que ele não interpretasse, que ele fosse aquilo que ele
era. Orfeu foi um dos primeiros
filmes da retomada que fizeram mais de um milhão de ingressos, então isso quer
dizer alguma coisa.
Orfeu foi, em 1999, a indicação
brasileira ao Oscar de melhor filme estrangeiro, que nunca veio. A gente
precisa de um Oscar?
Não. Agora, se eu disser que estou pouco me lixando
para o Oscar, estou mentindo. Nenhum cineasta é maluco. O Oscar é uma
divulgação do seu trabalho para bilhões de pessoas no mundo. É a maior vitrine
comercial de cinema do mundo, não tem nada igual. Mas não acho que a gente deve
fazer do Oscar o juiz de obra da cinematografia brasileira. Isso é maluquice.
“Ah, estou fazendo esse filme para o Oscar...” Isso não dá certo. Mesmo porque
ninguém sabe do que o Oscar gosta mesmo.
Nazismo, criança, um
pouquinho de pobreza...Tem temas que ajudam, não?
Ás vezes, sim; ás vezes, não. Sinceramente, não sei.
Veja bem, na cabeça de um americano, o Oscar é uma festa americana, com todas
as virtudes e os defeitos da cabeça americana. A virtude é essa generosidade de
todo mundo botar smoking para aplaudir uns aos outros. Aquilo é bacana, é uma
coisa corporativa interessante, simpática. Mas tem os seus defeitos. Um dos
defeitos fundamentais do Oscar é que o filme estrangeiro é sempre o café amargo
do banquete cinematográfico.
Por que o Brasil não ganhou
um Oscar até hoje?
Não sei. Eles acham que deram o prêmio para nós naquele
Orfeu Negro (vencedor do melhor filme estrangeiro em 1960), acham que aquele
filme é brasileiro, apesar de ser do (francês)
Marcel Camus. Mas não há implicância com o Brasil. E não devemos nos preocupar
com isso. Já pensou o Leonardo da Vinci dizendo que vai fazer um quadro para
ganhar um prêmio na Academia de Roma? Isso não faz sentido. A gente não pode
trabalhar assim. Agora, se vier, é bom.
Sua geração, a do Cinema
Novo, tinha o desejo de retratar o Brasil, de trazer o país para a tela. O
Brasil hoje está bem retratado em filmes como Tropa de Elite, Carandiru,
Cidade de Deus?
Eu tenho 50 anos de cinema, sem contar os de cinéfilo.
Comecei a fazer meus filmes com 22 anos, mas aos 17, 18 eu já sabia que queria
ser cineasta, já estava tentando me formar cinematograficamente. Durante esse
tempo, assisti a uns cinco ou seis ciclos do cinema brasileiro, as chanchadas,
a Vera Cruz, o Cinema Novo, a Embrafilme. E eu nunca fui testemunha de um ciclo
tão fértil quando este que vivemos hoje. No Cinema Novo, nós éramos uma meia
dúzia de oito ou nove pessoas que fazíamos aquele barulho todo. Hoje, não, você
tem centenas de jovens cineastas estreando, vindo das mais diferentes regiões
do Brasil, de Pernambuco, do Rio Grande do Sul, no Ceará, em Brasília, na
Bahia. Nós nunca produzimos tantos filmes no Brasil.
Mas e a qualidade?
Vou fechar lá. Já chegamos a quase 100 filmes por ano. Mas,
se você me perguntar se são todos obras-primas, é claro que não! Mas os 650
filmes produzidos nos Estados Unidos por ano pelos grandes estúdios são
obras-primas? Claro que não. Claro que, desses 100 filmes que estamos
produzindo, a grande maioria é de filmes ruins. Não me pergunte quais são
porque eu não vou ficar destruindo os meus colegas. Mas há, por outro lado, uma
porcentagem de filmes bons que garantem a validade e a importância de existir
um cinema brasileiro. “Ah, o cinema argentino é melhor que o nosso...” Você vê
três filmes argentinos por ano, quando a Argentina está produzindo mais do que
a gente. Aqueles três são os que conseguiram espaço no cinema internacional. A
mesma coisa é o Brasil.
O que essa geração de
diretores como José Padilha, Walter Salles e Fernando Meirelles tem que você
não tinham no Cinema Novo?
Conhecimento técnico. Qualquer filme que estreia no
Brasil hoje e muito melhor do que qualquer um dos nossos filmes de estreia.
Estou dizendo tecnicamente. Artisticamente pode ser uma porcaria, mas é
bem-feito. Isso eles têm, um controle da linguagem que nós não tínhamos. Nós
aprendemos a fazer cinema sendo assistentes de grandes cineastas ou lendo a (revista francesa) Cahiers Du Cinéma, discutindo em cineclube, enquanto eles, não, eles
estão indo às escolas. O fenômeno das escolas de cinema no Brasil é um fato. Eu
até fico espantado, porque onde é que esse povo vai trabalhar? (Risos.)
Sempre faltou ao cinema
brasileiro pensar no público?
Não é verdade que os filmes brasileiros não pensam no
público. Vários são filmes de grande resultado de bilheteria, Tropa de Elite só perde para Titanic. É a maior renda da história do
Brasil. Agora, os filmes que estão realmente dando sucesso de bilheteria são os
filmes de baixa qualidade cultural, artística, política, ética, o que você
quiser. Como é que você vai fazer, vai proibir o público de ver esses filmes?
Só se a gente trocar de público. Então não é o problema do cinema brasileiro,
mas é um problema do povo brasileiro. A gente vai ter de trocar de povo. Como
acho que não há necessidade nem é justo trocar de povo, isso é uma questão de
tempo. A gente tem de fazer os filmes de qualidade darem dinheiro. Não podemos
ficar nessa babaquice de dizer que ou é bom ou é sucesso de bilheteria porque,
se for sucesso de bilheteria, é uma merda, e, se for bom, não pode dar
dinheiro. Você já viu algum crítico elogiar filme que dá dinheiro? Nunca
aconteceu isso. Cidade de Deus só foi
elogiado depois que o Festival de Cannes reconheceu, que foi para o Oscar. Agora,
se o público escolhe um filme chamado E
Aí, Você Comeu? (sic), o que
posso ? Só se eu trocar de povo.
O público é burro?
Não é que o público seja burro, mas ele está
mal-acostumado. Ele está acostumado com que bom é o que é feito em Hollywood,
com efeitos visuais, ás vezes até maravilhosos. Eu também adoro alguns desses
filmes. Esse último Batman eu fui ver
e fiquei encantado. Mas, ao mesmo tempo, botaram na cabeça que o brasileiro é
ruim. Existe uma falta de afinidade entre o público e a inteligência
brasileira. As pessoas vivem dizendo que o Cinema Novo desprezou o público, o
que não é verdade. O que nós estávamos tentando fazer ingenuamente – todos
tínhamos 20 anos de idade – era um cinema que tivesse uma nova linguagem, uma
nova forma de ver o Brasil. Não só retratar a realidade brasileira, mas
retratá-la sem naturalismo. Só que o público está acostumado a 400 anos de
folhetim americano. Custou até a gente ter um filme que desse dinheiro como Macunaíma ou, depois Xica da Silva.
Você foi uma das raras
pessoas que viram Chatô, o Rei do Brasil,
o filme de Guilherme Fontes que nunca termina. É bom, pelo menos?
Eu vi, mas não estava pronto. Foi há muito tempo. O
Guilherme Fontes me mostrou, pediu umas ideias, eu dei, e ele não fez nada do
que eu disse. (Risos.) Sobre o filme,
eu disse a ele uma frase de que ele gostou muito, por isso vou repetir para
você: “É o último filme tropicalista do cinema brasileiro”. (Risos.) Aí você entenda como quiser, eu
não vou falar mais nada.
Você toparia fazer Lula, o Filho do Brasil?
Esse filme tem um dos inícios mais bonitos do cinema
brasileiro recente, mas sinto que ele teve um problema grave. Ficou a meio do
caminho do melodrama banal sobre uma pessoa que era pobre e ficou poderosa e do
papel político dessa pessoa. O filme evitou o papel político dessa pessoa. Eu
não faria esse filme de jeito nenhum. Cheguei a falar com o (produtor) Luiz Carlos Barreto e com o (diretor) Fábio Barreto: “Não faz agora.
Espera o cara deixar de ser presidente porque é um risco muito grande”. Não é
que o filme seja ruim. E também se esperava que o filme fizesse 10 milhões de
espectadores. Fez 800 mil e foi considerado um fracasso. Até que 800 mil é
normal. É que, para a onda que foi feita sobre o filme, ficou ruim. Eu acho
toda aquela parte do Nordeste e do início em São Paulo muito boa. Mas depois,
quando ele fica maduro e começa a parte política, é um desastre. É um desastre
porque não é político nem melodramático, fica no meio do caminho.
Falando em Lula, você esteve, em 2003,
na sala de cinema do Palácio da Alvorada para a exibição de Deus É Brasileiro, para o então
presidente. Qual é a sua lembrança desse episódio? Vocês beberam juntos?
Muito boa. Ele é muito simpático. Eu gosto muito dele.
Bebemos, mas não muito. Eu bebo muito pouco, ele bebe mais do que eu. (Risos.) Mas não é bêbado, não, pelo
menos eu não o vi embriagar-se. Mas foi muito simpático, muito agradável,
divertido e gostou do filme. Acho que ele gostou porque, depois, no jantar, ele
falou bastante do filme. Quando você não gosta de um filme, você fica quieto.
Você acha que Dilma, a Filha da Bulgária daria um bom
filme?
Nunca pensei nisso. (Risos.) Não sei a história da Dilma. Eu tenho a maior admiração por
ela, fiquei muito impressionado com aquela famosa foto dela prestando
depoimento na ditadura. Ela deve ter sido uma moça muito interessante. Mas não
conheço a história dela para te dizer isso.
Você votou nela?
Não, eu votei no Serra.
Está feliz com o governo
dela?
Estou feliz. Estou surpreendido, sobretudo com o
equilíbrio dela. Ficam falando que parece que ela grita com os ministros, não
sei como é a vida dela particular, mas, como brasileiro, acho que ela tem um
equilíbrio fantástico e está fazendo tudo certo no meu ponto de vista.
Inclusive colocando a Marta
Suplicy no Ministério da Cultura?
Vou lhe dizer uma coisa: eu não sei o que a Marta
Suplicy pensa sobre cultura e, pelo que li nos jornais, ela também não sabe.
Ela disse que vai estudar, que vai se aprofundar nos temas para ver o que vai
fazer. Mas, se ela for pelo caminho certo, vai ser um sucesso porque é a
primeira ministra da Cultura que tem o poder político que ela tem. O que ela
quiser fazer ela vai fazer.
Mesmo sem verba?
Mesmo sem verba. Se ela quiser, ela bota para andar
todos os projetos importante que estão no Congresso de uma ver. Em um ano ela
faz isso. Ela foi presidente do Senado, cara. Conhece os meandros do Congresso
e, se não me engano, vai ser credora do Executivo porque parece que foi para lá
eleger o (prefeito de São Paulo Fernando)
Haddad, né? Nenhum outro ministro da Cultura teve esse poder político que a
Marta tem. Agora, não sei o que ela vai fazer com esse poder.
Ficou célebre uma expressão
que você cunhou numa entrevista ao jornal O
Estado de S. Paulo em 1978, as “patrulhas ideológicas”. Você continua de
alguma forma, sendo cobrado pela esquerda pelos filmes que faz?
Não me sinto cobrado. Eu sinto, ás vezes, certas
incompreensões. Mas sou muito metido, falo muito. No fundo, acho que o meu
dever é estar sempre atento ao estado do mundo, seja fazendo filmes, seja dando
entrevistas, seja escrevendo, fazendo o que for. Isso gera, certamente,
irritações. No início do governo Lula, que era um homem pelo qual eu tinha a
maior admiração, com três meses eu estava gritando contra o dirigismo cultural.
Isso em 2003. Tinha um grupo da Secretaria de Comunicação que estava começando
a criar regras para decidir quem podia e que não podia fazer filmes no Brasil.
Em algum momento da vida
você se sentiu incompreendido?
Não. O que é isso? Acho que fui muito sortudo na minha
vida. Claro que tem certos momentos em que você fica chateado. Qualquer artista
que diz “Estou pouco me lixando para a crítica” está mentindo. Você passa dois,
três, ás vezes quatro anos fazendo um filme, dá tudo de si, aí um dia acorda de
manhã, abre o jornal e está lá escrito: “É uma merda!”, “Este cara não presta!”
É uma coisa horrorosa. É um sofrimento inacreditável. Nem por isso me considero
perseguido porque também fiz muitos filmes que as pessoas adoraram, sucessos de
bilheteria. Eu já fiz de tudo no cinema. Fiz fracasso de bilheteria, sucesso de
bilheteria, fracasso de crítica, sucesso de crítica. Posso te dizer que é muito
chato não fazer sucesso. Mas, também, dar muita importância ao sucesso está
errado.
Quanto custa um filme hoje?
É muito vago. Um filme pode custar 12, 14 milhões, como
pode custar 500, 600.000 reais se você fizer um documentário, sem grandes
produções.
Quem paga essa conta?
As leis de incentivo fiscal. Não tem outro jeito. Ás
vezes, você tem, como no caso do 5xFavela-
Agora por Nós Mesmos (2010), o milagre de cair na sua vida um Eike Batista,
que praticamente financiou o filme inteiro. Sem lei, sem nada. Só pelo
interesse dele mesmo. Mas isso acontecer é raro.
Como é que você encontrou o Eike?
Eu procurei ele. Nós temos um amigo em comum, e eu fui
lá pedir dinheiro. E isso é a história da minha vida.
E ele foi receptivo?
Ele foi genial, entendeu tudo. O 5xFavela é um filme que me fez guardar uma mágoa muito grande
porque as fontes oficiais de financiamento não o entenderam. A Petrobras se
negou a entrar, a Eletrobras se negou a entrar. Eu não consegui um tostão. Eu
consegui uma mixaria do BNDES no apagar das luzes. Porque quem fez aquele
filme, na verdade, foi o Eike Batista.
O que você acha que eles não
entenderam?
Eles acharam que eu estava fazendo um filme com
favelado, que aquilo era amadorismo, que aquilo não tinha nenhum futuro
profissional. Sei lá, eles não acreditaram no projeto.
Eike Batista era fã da sua
obra?
Ele me conhecia, sabia quem eu era, pelo menos. Eu não
cheguei lá e perguntei: “Você viu Quilombo?”
(Risos.) Não dá para fazer isso. Mas
ele me conhecia.
Como foi o contato de vocês
depois disso? Ele foi no set de filmagem, acompanhou o processo do filme?
Não, ele nunca foi ao set de filmagem. Imagina, ele não
tem tempo para isso. Ele tem que ir lá nos pelos de petróleo dele. (Risos.) Mas ele adorou o filme,
participou de vários eventos ligados ao filme. Teve até um Festival do Rio, não
lembro o ano, em que ele deu uma festa para o filme no barco dele.
Você já contou que fumou o
primeiro baseado com o pessoal da favela Santa Marta, no Rio. O que lembra
dessa experiência, apesar de não ser uma experiência exatamente de se lembrar?
(Risos.)
Olha, diferentemente do Bill Clinton, eu trague. (Risos.) Eu era criança, devia ter uns 12, 13 anos. Tinha um
sapateiro que tinha uma biroscazinha ali e fumava maconha. E dava pra gente.
Para mim, aquilo não era uma coisa horrorosa, havia uma certa naturalidade. Mas
eu não fumo. Experimentei, gostei, porque é bom. (Risos.) Mas depois não viciei nem fiquei usando. Só voltei a fumar
mais tarde, já nos anos 1960.
Você chegou a ter uma
relação contínua com alguma dessas coisas, maconha, álcool, cocaína?
Não. Longa, não. Posso dizer que já experimentei quase
tudo, mas nada me pegou como uma coisa sem a qual eu não podia viver. Nunca.
Alguma coisa do que você
tenha gostado muito?
Se droga não fosse uma coisa boa, não tinha virado isso
aí que é hoje. As pessoas fumam e cheiram porque é bom. O que a gente tem de
discutir é a consequência disso. Não é o ato de você usar droga. A gente tem de
lutar contra a má consequência da droga. Eu, por exemplo, sou absolutamente a
favor da legalização. Acho que isso aí vai acontecer mais cedo ou mais tarde.
De todas as drogas?
Pelo menos daquelas não letais. As maus suaves, vamos
dizer. Não vou dizer o nome porque não convém, mas uma vez um delegado me
disse: “Nunca prendi um bandido emaconhado. Todos os bandidos que prendo ou
estão sob efeito de cocaína ou estão bêbados. Maconha, não”. Você fuma maconha
e não tem vontade de sair por aí dando porrada ou matando gente. Ao contrário,
né? Você curte a sua paz. Agora, eu acho que a legalização é inevitável porque,
por mais que se faça campanha contra as drogas, o número de drogados cada vez
cresce mais. Então, isso não tem sentido. E, se é um novo hábito que a
humanidade está tomando, vamos legislar sobre isso. É feito o álcool. Quer
beber, bebe. Mas não pode dirigir, não pode dar porrada na mulher, não pode uma
porção de coisas. E com a maconha é a mesma coisa.
Maconha ainda faz parte da
sua vida?
Não, não tenho me drogado, não (Risos).
Falando em drogas, você é
torcedor do Botafogo. Não é muito sofrimento torcer pelo Botafogo e fazer
cinema no Brasil ao mesmo tempo?
Essa é a pergunta mais maldosa que já me fizeram na
vida! Nunca me ocorrei essa relação. Eu sou sortudo. Fui botafoguense, e, no
auge da minha torcida, de ir ao Maracanã todo domingo, de ir ver treino e coisa
e tal. Eu vi Garrincha, Nílton Santos, Didi, Quarentinha, depois Paulo César
Caju, Gérson, Jairzinho. Eu posso morrer em paz. Não preciso mais ver o
Botafogo campeão porque eu vi esses caras jogarem. Se, de repente, eu vejo hoje
o Botafogo perder de 4 a 0 pro São Paulo, desligo a televisão e me lembro de
jogos em que vi o Botafogo fazer 6 a 2 no Fluminense, o Garrincha botando a
defesa adversária toda sentada de bunda no chão. Eu tenho muito orgulho de ser
botafoguense.
Você percebe, até como um homem
de artes audiovisuais, que há um elemento de sofrimento em ser botafoguense?
Olha, é um estado de espírito absolutamente estranho,
né? O Botafogo tem uma história de vocação para um destino trágico. Não é
trágico, propriamente, é um destino histórico, ou seja, o seu sofrimento não é
um sofrimento vulgar, é um sofrimento um pouco mais complexo. É um sofrimento
que não faz doer, que dá até um certo prazer. Talvez seja isso.
Uma tendência ao
melodramático?
Não, melodramático é o Flamengo. O Botafogo é puro
estoicismo grego. Eu não tenho nada contra o Flamengo, adoro o Zico. Quais são
os melhores jogadores da história do futebol brasileiro? O primeiro lugar é o
Garrincha, o segundo é o Pelé, o terceiro é o Nilton Santos, e o quarto é o
Zico. Então eu não tenho implicância nenhuma contra o Flamengo. Mas detesto a
ditadura da maioria. Esse sufoco que a maioria provoca na minoria, sabe, não me
agrada isso. Não sou contra o Flamengo, mas tenho um certo problema com o “flamenguismo”
(risos).
A nudez no cinema brasileiro
sempre foi uma coisa muito presente. Ela perdeu a importância nesta era dos favela movies?
Acho que não. Tenho uma implicância muito grande com
essa coisa de demonização da nudez e do sexo. Houve um momento no cinema, mais
ou menos nos anos 1990, que houve certo moralismo. O sexo era uma coisa que
produzia tragédias. Isso não chegou ao cinema brasileiro. Eu acho meio
hipócrita falar em “nudez pornográfica” e “nudez artística”. Isso não existe.
Só tem uma nudez, o corpo é um só. Você pode dizer que isso é bem-feito e isso
é malfeito, que isso era necessário e isso não era necessário, são outras
coisas. Você reclama de um filme do Fernando Meirelles? Ensaio Sobre a Cegueira tem nu pra caramba e não tem nada de mais.
Agora, quando o filme é ruim, você vai e registra aquilo como uma audácia
pornográfica, escrota. Isso é hipocrisia. O que acontece é que o filme é ruim;
não é a nudez o problema.
Quando você era adolescente,
por exemplo, nudez no cinema o excitava?
Muito, claro. Fui amante de todas aquelas grandes
estrelas do cinema americano. A minha adolescência praticamente foi toda
enfeitada pelos filmes americanos. Aí, no final dos anos 1950, começaram a vir
os filmes europeus, os italianos, os franceses. Aí, então, foi um disparate.
Quantas vezes na minha vida eu dormi com Brigitte Bardot, com Anna Magnani, com
todas essas mulheres maravilhosas...Uma vez que eu adorava a Barbara Stanwyck.
Tem o plano do Pacto de Sangue em que
ela desce a escada com uma correntinha amarrada no tornozelo...Eu queria passar
o resto da minha vida vendo só aquilo! Eu ficava desesperado porque chegava em
casa e encontrava a minha tia, mais velha, que não tinha nada a ver com essas mulheres
maravilhosas! (Risos.)
Sexo ainda é uma coisa
importante na sua vida perto de completar 73 anos?
Claro que é. Sexo, amor, vida, tudo junto. A mesma
coisa. Claro que tem um período da vida em que você está mais excitado, um
outro em que você está menos excitado. Mas negar a importância do sexo é um
absurdo total.
A idade pesou em algum
momento nessa questão?
Claro que pesou. A pior coisa do mundo é ficar velho,
cara! É claro que você fica menos hábil do que você era quando você era mais
jovem. Mas, em compensação, você fica mais sábio. Não sei se é “em compensação”,
porque é melhor ser hábil do que ser sábio (risos).
Hoje a cantora Nara Leão é
um mito para as novas gerações. Você foi casado com ela de 1967 a 1977. Qual é
a principal memória que tem da convivência com ela?
A Nara era uma pessoa extraordinária, totalmente fora de
série. Além de ser muito inteligente e uma cantora que eu adoro. Mas eu não a
conheci na época da Bossa Nova, é interessante isso. Eu a conheci depois. Na
verdade, meu primeiro contato com a Nara foi porque ela namorava o Ruy Guerra,
o cineasta, que foi quem montou o filme Cinco
Vezes Favela, de 1962, no qual eu dirigi um dos episódios. E aí eu a
conheci e a gente ficou amigo. Depois ela foi para um lado, eu fui para outro,
e lá na frente, a gente se encontrou e acabou se casando.
Você já contou a história de uma atriz
de Xica da Silva que deu em cima de
você nas filmagens. Você já deparou muito com atriz querendo dar para o diretor
para subir na vida?
Claro. Mas vou te dizer uma coisa que tenho muito
orgulho de dizer: eu nunca comi uma atriz minha. Posso até ter comido antes ou
depois de fazer o filme, mas, durante o processo de trabalho, nunca. Agora,
antes ou depois, ás vezes acontece.
Você namorou Sonia Braga.
Como rolou isso?
Praticamente vivi com a Sonia durante seis meses. E a
gente terminou muito amigo, somos até hoje. Ela é muito amiga da minha mulher,
da Renata.
Aquela situação que você
comentou, de trabalhar com gente com que já teve relacionamento, foi com ela?
Ela é uma delas. Mas não só.
Sonia Braga foi uma das
mulheres mais desejadas do Brasil durante muitos anos...
Eu sou um sortudo. Só posso te dizer isso, que eu sou
um sortudo. (Risos.) Eu adoro a Sonia
e posso te dizer que a gente teve uma relação muito bacana enquanto durou, como
dizia o Vinicius. E ela é uma pessoa extraordinária. Ficamos muito amigos.
Claro, a gente não tem mais nenhuma relação. Isso aí durou seis meses, foi em
1978, faz muito tempo. Ela estava fazendo a novela Dancin, Days.
Faz bem para o ego namorar
durante seis meses a mulher mais desejada do Brasil naquele momento, como a
Sonia Braga?
Eu te juro que não pensava nisso. Eu não pensava no
prazer dos outros, eu só pensava no meu prazer. E o meu prazer era estar com
ela, que era uma pessoa maravilhosa.
Outra curiosidade é que um
ator que fez muitos filmes seus, o Antônio Pitanga, tem a fama de possuir o
maior pênis do Brasil. Você chegou a ter a oportunidade de conferir se isso é
verdade?
Não sei se posso contar isso, talvez na PLAYBOY eu
possa. Pitanga é meu velho amigo, é uma pessoa que eu adoro. O meu primeiro
filme, Ganga Zumba, fiz com ele. Fui
eu que trouxe o Pitanga da Bahia para o Rio. Ele acabou morando na minha casa
porque a gente fez logo depois A Grande
Cidade e ele chegou sem dinheiro, não tinha para onde ir. Queria ficar,
evidentemente, para seguir a carreira dele e morou lá em casa algum tempo. Em A Grande Cidade, em Campos, onde a gente
estava filmando, um dia estou no meu quarto de hotel e ouço um barulhão. Quando
eu desço, o Pitanga estava levantando uma cadeira com o negócio lá...
Levantando uma cadeira com o
negócio lá?
Uma cadeira! (Risos.)
Ele estava fazendo uma demonstração! Tinha uma plateia, que era a equipe do
filme, mas só tinha homem...Não era uma poltrona, nem era um sofá, mas era uma
cadeira de respeito (risos).
Publicado originalmente na revista “Playboy” em
fevereiro de 2013
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