CORINTHIANS 2, PORTUGUESA 0
A Portuguesa tropeçou
em Sócrates
Ele deu passe para os
dois gols e quebrou a invencibilidade da Portuguesa
TONICO DUARTE
O estádio do Pacaembu
faz com que qualquer jogo de futebol tenha o sabor dos velhos tempos. A frase
pode encerrar uma semelhança com propagandas de cigarro ou licor, mas é cheia
de verdade. Talvez pela sua arquitetura, concebida em pleno Estado Novo, que
faz lembrar um circo romano. Pena que tanto aconchego tenha sido estragado por
Paulo Maluf que, na sua época de prefeito de São Paulo, demoliu a concha
acústica para construir o tobogã, um monstrengo de concreto que não tem nada a
ver com o estilo do resto do conjunto.
Foi lá que, ontem, como
nos velhos tempos, o Corinthians venceu a Portuguesa por 2 a 0, quebrando uma
série invicta de 13 jogos. E a sua torcida teve mais uma vez o prazer de
assistir o requintado futebol de Sócrates. É neste estádio que encontro o velho
comentarista Mauro Pinheiro, da rádio Bandeirantes. Com aquele seu aplomb Mauro
lembra o passado e, coincidentemente, o Corinthians e o Pacaembu sempre tiveram
uma história em comum: “Aqui existe um aconchego, como se o estádio criasse
vida para receber a torcida com carinho”.
Talvez por isso, no
Pacaembu, a torcida do Corinthians se sinta em casa. E se espalha muito à
vontade: os “Gaviões”, a “Camisa 12”, até a pequena e nova “Evolução
Corintiana”, muito provavelmente uma torcida darwinista. Gritam palavrões,
choram, enchem a cara e brigam com a maior naturalidade. Daniel Criosto, por
exemplo, quis mostrar para a namorada Elzinha que era machão. Havia alguém
sentado em seu lugar, nas numeradas cobertas, e ele não teve dúvidas – deu um
tremendo tabefe na cara do atrevido. Elzinha, em prantos: “Deixa pra lá
Daniel”...
O jogo começa e a
Portuguesa está melhor. Mas nem por isso a torcida deixa de festejar. Afinal, o
serviço de alto-falantes informa que, em Rio Preto, o América vai ganhando do
Palmeiras. E o Palmeiras é o arqui-inimigo de toda aquela gente. Surgem os
primeiros gritos de “porco, porco”. A pequena torcida da Portuguesa protesta e
a ira dos corintianos se volta contra ela: “Burro, burro”.... - tanta vaia que
a Portuguesa nem parece um time da cidade.
Rita Lee se diverte com
tudo isso. Ela assistiu ao jogo na cabine da Globo, convidada por Osmar Santos.
E Rita comenta que vê como se estivesse fazendo um dos seus deliciosos rocks.
Talvez, um dia, ela realmente venha fazer uma canção para Sócrates: “É
impressionante o nível da transação da cabeça do Sócrates. Isto aqui é uma
festa, e ele é a parte maravilhosa de tudo”.
Mas o Pacaembu, ao
longo dos tempos, também tem uma tradição de ser um importante ponto de contato
político. No salão de mármore onde agora é servido o cafezinho para jornalistas,
cartolas, eternos bocas-livres e políticos, o deputado federal Caio Pompeu de
Toledo arregimenta os seus eventuais futuros eleitores. Elegante, calças bem
cortadas, Caio é sempre solícito e simpático, se bem que os inimigos políticos
costumam partir para algumas ilações, como, por exemplo, dizer que tão cordata
figura iniciou-se politicamente no CCC.
No segundo tempo, a
torcida do Corinthians sossega: o time começa a render um pouco mais. Dentro de
campo, o juiz José de Assis Aragão pensa, ao que me informam, no fim-de-semana
prolongado que poderia estar passando e São Sebastião. Aragão havia alugado,
junto com alguns amigos, uma casa na praia e pedira licença à Federação. O
presidente Nabi Abi Chedid lhe teria prometido que, ontem, ele seria escalado
para apitar em São José dos Campos, de onde depois, desceria para o litoral.
Ilusão: Aragão apitou o principal jogo da rodada e foi obrigado a esquecer os
seus sonhos de ganhar uma cor morena, quem sabe jogar um futebolzinho.
Enquanto isso, Sócrates
vai demolindo a Portuguesa. Em duas jogadas pessoais, aos 13 e aos 39 minutos,
ele deixou Palhinha e Romeu prontos para marcar os 2 a 0. E, não bastasse tudo
isso, aos 16 minutos levou uma solada de Bolívar, aturou-se ao chão, reclamou
do juiz, fez com que a torcida iniciasse o inevitável “bicha, bicha”, pedindo
pênalti. Terminada a partida, nos vestiários, ele ri e faz confissões com a sua
genial simplicidade:
“Pênalti nada, só! Eu
me joguei no chão, bem que temei cavar, mas o Aragão não entrou”.
No outro vestiário,
João Avelino pode ter perdido o jogo, mas não perdeu a malandragem. Ele consola
um grupo de chorosos lusitanos – “ai, Jesus, que lástima”. João repete o seu
filósofo de cabeceira, Neném Prancha:
“Lástima nada, vamos
para outro. Futebol é como sorveteria, tem pra todo quanto é gosto”.
Lá fora já é noite, e
as menininhas de sempre esperam ansiosas pelos seus olimpianos. A torcida vai
deixando o velho estádio e mais uma vez, “Corintia” parece ser a voz que vem da
cidade.
O JOGO FOI ASSIM:
Corinthians 2,
Portuguesa 0
Corinthians
Jairo; Zé Maria,
Amaral, Djalma e Vladimir; Caçapava, Basílio e Palhinha (Biro-Biro); Vaguinho,
Sócrates e Wilsinho (Romeu).
Portuguesa
Everton; Edson, Daniel
Gonzalez, Bolívar e Toninho Fraga; Luciano, Eudes e Enéas; Zair (Carrasco), Rui
Lima e Jorge Luís.
Juiz: José de Assis
Aragão
Renda: Cr$ 2.390.760,00
Público pagante: 51.143
pessoas
Gols: Palhinha aos 13´e
Romeu aos 39´do segundo tempo.
Cartão amarelo: Enéas.
Publicado originalmente
no Jornal da República em 10 de
setembro de 1989, edição 13
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