sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Grandes matérias esportivas do Jornal da República: “A Portuguesa tropeçou em Sócrates” (10/9/1979)

CORINTHIANS 2, PORTUGUESA 0

 

A Portuguesa tropeçou em Sócrates

Ele deu passe para os dois gols e quebrou a invencibilidade da Portuguesa


TONICO DUARTE

 

O estádio do Pacaembu faz com que qualquer jogo de futebol tenha o sabor dos velhos tempos. A frase pode encerrar uma semelhança com propagandas de cigarro ou licor, mas é cheia de verdade. Talvez pela sua arquitetura, concebida em pleno Estado Novo, que faz lembrar um circo romano. Pena que tanto aconchego tenha sido estragado por Paulo Maluf que, na sua época de prefeito de São Paulo, demoliu a concha acústica para construir o tobogã, um monstrengo de concreto que não tem nada a ver com o estilo do resto do conjunto.

Foi lá que, ontem, como nos velhos tempos, o Corinthians venceu a Portuguesa por 2 a 0, quebrando uma série invicta de 13 jogos. E a sua torcida teve mais uma vez o prazer de assistir o requintado futebol de Sócrates. É neste estádio que encontro o velho comentarista Mauro Pinheiro, da rádio Bandeirantes. Com aquele seu aplomb Mauro lembra o passado e, coincidentemente, o Corinthians e o Pacaembu sempre tiveram uma história em comum: “Aqui existe um aconchego, como se o estádio criasse vida para receber a torcida com carinho”.

Talvez por isso, no Pacaembu, a torcida do Corinthians se sinta em casa. E se espalha muito à vontade: os “Gaviões”, a “Camisa 12”, até a pequena e nova “Evolução Corintiana”, muito provavelmente uma torcida darwinista. Gritam palavrões, choram, enchem a cara e brigam com a maior naturalidade. Daniel Criosto, por exemplo, quis mostrar para a namorada Elzinha que era machão. Havia alguém sentado em seu lugar, nas numeradas cobertas, e ele não teve dúvidas – deu um tremendo tabefe na cara do atrevido. Elzinha, em prantos: “Deixa pra lá Daniel”...

O jogo começa e a Portuguesa está melhor. Mas nem por isso a torcida deixa de festejar. Afinal, o serviço de alto-falantes informa que, em Rio Preto, o América vai ganhando do Palmeiras. E o Palmeiras é o arqui-inimigo de toda aquela gente. Surgem os primeiros gritos de “porco, porco”. A pequena torcida da Portuguesa protesta e a ira dos corintianos se volta contra ela: “Burro, burro”.... - tanta vaia que a Portuguesa nem parece um time da cidade.

Rita Lee se diverte com tudo isso. Ela assistiu ao jogo na cabine da Globo, convidada por Osmar Santos. E Rita comenta que vê como se estivesse fazendo um dos seus deliciosos rocks. Talvez, um dia, ela realmente venha fazer uma canção para Sócrates: “É impressionante o nível da transação da cabeça do Sócrates. Isto aqui é uma festa, e ele é a parte maravilhosa de tudo”.

Mas o Pacaembu, ao longo dos tempos, também tem uma tradição de ser um importante ponto de contato político. No salão de mármore onde agora é servido o cafezinho para jornalistas, cartolas, eternos bocas-livres e políticos, o deputado federal Caio Pompeu de Toledo arregimenta os seus eventuais futuros eleitores. Elegante, calças bem cortadas, Caio é sempre solícito e simpático, se bem que os inimigos políticos costumam partir para algumas ilações, como, por exemplo, dizer que tão cordata figura iniciou-se politicamente no CCC.

No segundo tempo, a torcida do Corinthians sossega: o time começa a render um pouco mais. Dentro de campo, o juiz José de Assis Aragão pensa, ao que me informam, no fim-de-semana prolongado que poderia estar passando e São Sebastião. Aragão havia alugado, junto com alguns amigos, uma casa na praia e pedira licença à Federação. O presidente Nabi Abi Chedid lhe teria prometido que, ontem, ele seria escalado para apitar em São José dos Campos, de onde depois, desceria para o litoral. Ilusão: Aragão apitou o principal jogo da rodada e foi obrigado a esquecer os seus sonhos de ganhar uma cor morena, quem sabe jogar um futebolzinho.

Enquanto isso, Sócrates vai demolindo a Portuguesa. Em duas jogadas pessoais, aos 13 e aos 39 minutos, ele deixou Palhinha e Romeu prontos para marcar os 2 a 0. E, não bastasse tudo isso, aos 16 minutos levou uma solada de Bolívar, aturou-se ao chão, reclamou do juiz, fez com que a torcida iniciasse o inevitável “bicha, bicha”, pedindo pênalti. Terminada a partida, nos vestiários, ele ri e faz confissões com a sua genial simplicidade:

“Pênalti nada, só! Eu me joguei no chão, bem que temei cavar, mas o Aragão não entrou”.

No outro vestiário, João Avelino pode ter perdido o jogo, mas não perdeu a malandragem. Ele consola um grupo de chorosos lusitanos – “ai, Jesus, que lástima”. João repete o seu filósofo de cabeceira, Neném Prancha:

“Lástima nada, vamos para outro. Futebol é como sorveteria, tem pra todo quanto é gosto”.

Lá fora já é noite, e as menininhas de sempre esperam ansiosas pelos seus olimpianos. A torcida vai deixando o velho estádio e mais uma vez, “Corintia” parece ser a voz que vem da cidade.

 

O JOGO FOI ASSIM:

Corinthians 2, Portuguesa 0

Corinthians

Jairo; Zé Maria, Amaral, Djalma e Vladimir; Caçapava, Basílio e Palhinha (Biro-Biro); Vaguinho, Sócrates e Wilsinho (Romeu).

Portuguesa

Everton; Edson, Daniel Gonzalez, Bolívar e Toninho Fraga; Luciano, Eudes e Enéas; Zair (Carrasco), Rui Lima e Jorge Luís.

Juiz: José de Assis Aragão

Renda: Cr$ 2.390.760,00

Público pagante: 51.143 pessoas

Gols: Palhinha aos 13´e Romeu aos 39´do segundo tempo.

Cartão amarelo: Enéas.

 


Publicado originalmente no Jornal da República em 10 de setembro de 1989, edição 13

 

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