terça-feira, 31 de outubro de 2023

Playboy entrevista Guilherme Arantes (outubro de 2013)

Playboy entrevista Guilherme Arantes (outubro de 2013) 



Uma conversa franca com o pianista, cantor e compositor sobre sucesso, Chacrinha, sexo, drogas, gravadoras, brochadas, Elis Regina, Rita Lee e o dia em que ele levou uma música para Roberto Carlos todo vestido de marrom

 

As duas mulheres vestidas de executivas na mesa ao lado, ambas na casa dos 30 anos, dão um sorrisinho e cochicham entre si. O homem numa mesa entre ruidosos colegas de trabalho não para de olhar. Uma senhora levanta duas vezes e faz menção de interromper nossa conversa, mas, por qualquer motivo, desiste. É hora do almoço numa sexta-feira chuvosa de julho e o Twelve Bistrô, em Pinheiros, bairro boêmio na zona oeste paulistana, está cheio. É um discreto senhor, então prestes a completar 60 anos, rouba sem fazer esforço a atenção dos presentes. A calvície que tomou o lugar da longa cabeleira e as demais transformações por efeito do tempo não ajudam. Mas quase todo mundo, entre uma garfada e outra, olha para a mesa com aquele ar de “eu conheço esse sujeito de algum lugar”.

 

Não sem razão. Nela está um dos artistas de maior sucesso e exposição da música brasileira. Cantor, compositor e pianista, Guilherme Arantes, construiu hits estrondosos como Deixa Chover, Amanhã e Cheia de Charme. Esteve em programas de auditório, trilhas de novelas e de programas infantis. Foi gravado por Elis Regina e Roberto Carlos. E sua música está no inconsciente coletivo de várias gerações. Estamos na segunda conversa para esta Entrevista, que se prolongou por três horas. Um dia antes, entre deliciosas coxinhas de rabada do chef Gregoir Caisley e de dois Negronis, a conversa com o editor Jardel Sebba já havia ultrapassado as quatro horas. Guilherme é eloquente, mas o ambiente e os Negronis também ajudaram – foi a pedido dele que voltamos ao restaurante no segundo encontro.

 

Paulistano, filho de uma bibliotecária e de um cirurgião, Arantes não conhecia o Twelve porque mora desde 2000 na Bahia. Em Camaçari, Grande Salvador, montou a ONG Instituto Planeta Água, construiu um estúdio-pousada ao redor dela e conheceu Márcia, sua atual esposa. Antes, passou oito anos com outra Marcia, sua colega de faculdade, com quem teve a Marieta. Em 1981, casou-se com Luiza, então cantora da Gang 90, com quem viveu por 13 anos e teve três filhos, Gabriel, Pedro e Tiago. Em 1998 nasceu Paola, de um relacionamento de dois anos com Claudia. Ele ainda é avô de Davi, de 4 anos, filho de Pedro.

 

Antes de aparecer na TV pela primeira vez, ele já tinha histórias para contar. Aos 12 anos, teve uma experiência sobrenatural: ficou tetraplégico por cerca de uma hora depois uma queda, conversou com Jesus e a resposta veio 15 minutos mais tarde, quando conseguiu se levantar – fato que cita como exemplo de força interior. Na adolescência, montou o conjunto Polissonante (com o colega de colégio Kadu Moliterno), tocou com Jorge Mautner e integrou o grupo Moto Perpétuo, cujo disco de estreia, lançado em 1974, hoje é cultuado pelo mundo. O sucesso só viria dois anos depois, quando uma música que ele havia escrito aos 16 anos no silêncio do seu quarto, Meu Mundo e Nada Mais, entrou na trilha da novela Anjo Mau, da Rede Globo. Inaugurou-se ali uma longa e bem-sucedida relação: foram 27 canções em trilhas. E encerrou, também em 1976, sua participação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, depois de três anos. O pai não aceitava a carreira de cantor e “botou para fora de casa”. O curioso é que Guilherme queria mesmo era ser oftalmologista e o pai, desgostoso com a medicina, também foi contra.

 

Capaz de cativar fãs tão diversos quanto Mano Brown e Paulo Maluf, ele lançou este ano o ótimo Condição Humana, eleito melhor disco no Prêmio Multishow, com participação de músicos jovens que celebram sua influência. Ele garante que não só vive o presente como está apenas na metade do caminho.

 

O que você fez com seus Discos de Ouro?

Eles enferrujaram. Quando me mudei pra Bahia, eles ficaram encaixotados, tomando maresia em uma garagem do lado de fora da casa. E aí eu me desfiz daquilo.

 

Mas você ganhou muito Disco de Ouro e de Platina, não?

Ganhei, mas todos forçados pela gravadora. Ela mandava prensar 100 mil cópias, distribuía, fazia consignação nas lojas, obrigava o vendedor a engolir aquilo, e botava no Chacrinha que vendeu 100 mil. Era como funcionava a indústria. Eu fui um mau vendedor, um cara decepcionante para eles, paguei um alto preço por isso. Eu tinha uma imagem muito aristocrática.

 

Ao longo de mais de 20 anos em gravadoras multinacionais, você lembra de coisas que teve de engolir?

Na CBS, no final dos anos 1980, começo dos 1990, queriam que eu gravasse músicas de outros cantores. “Nós temos um projeto.” Não tem projeto! Tive que engolir boicote, falta de promoção, essas coisas. Aí, me perguntavam: “Mas você não quer vender 1 milhão de discos?” Eu não queria. Eu queria exatamente o que tenho hoje: uma carreira.

 

Em outra entrevista, você disse que toda música era pautada pelo dinheiro que as gravadoras investiam nas rádios. Você não foi muito beneficiado por esse jabá?

Olha, a escola na qual se trabalhava isso era menor do que hoje, e como eu pegava novela, quando você tem uma música estourada na novela, aí já não existe jabá. Todo mundo toca e acabou.

 

Como é que você entrava tão fácil em novela?

Fui lançado com uma música em Anjo MauMeu Mundo e Nada Mais. Deu certo. Aí lançaram a segunda, a terceira...

 

Essa canção era tema da personagem da Susana Vieira. Quem envelheceu melhor, a música ou a Susana?

Olha, acho a Susana genial, é uma mulher que mantém a alegria apesar de todos os percalços. Acho que as duas permanecem jovens. Não a conheço pessoalmente, mas acho que ela permanece tão bem quanto a canção. Ela é atrapalhada na vida pessoa, é exuberante, é engraçada, divertida. O mundo precisa de gente assim.

 

Você tem 27 canções em trilhas de novelas. Alguma em particular o irritou pela maneira como foi usada?

Teve uma que me decepcionou muito, que foi da novela Renascer (1993). A música era O Lado Prático do Amor, feita para a personagem da Patrícia Pillar, que fazia par romântico com o Taumaturgo Ferreira. E, no curso da novela, ela acabou se envolvendo com o Damião, que era o capataz da novela, teve um tórrido romance com ele, e aquele casal original não vingou. E a minha música perdeu o sentido. Porra, ela se envolve com o peão e quem se fode sou eu? (Risos.)

 

Você perdeu a mão como hitmaker num determinado momento da carreira?

Isso eu sei que perdi. Você é considerado um Midas até errar. No meu caso, como era minha música, minha letra, meu arranjo, meu piano, enquanto dava certo era uma maravilha. Na hora que isso falha, você é um bosta. O público debanda. Na verdade, a regra é o fracasso. O sucesso é a exceção.

 

O Globo de Ouro foi redescoberto pelas novas gerações ao ser reprisado pelo canal Viva. Qual é a sua lembrança das gravações do programa?

Lembro do primeiro Globo de Ouro que fiz, em 1976. Cheguei ao Teatro Fênix às 11 da manhã, e as gravações varavam a noite. Eu só fui gravar ás 5 da manhã do dia seguinte. Porra, eu esperei 18 horas, e não podia sair do teatro! Se eu saísse do teatro, estava fora. É engraçado lembrar, eu sai desesperado de fome dali.

 

Falando em novas gerações, você fez uma declaração sobre a falta de criatividade dos músicos atuais. Não parece coisa de velho saudosista?

Não, eu vejo essa turma que eu convidei pro meu disco, eles são todos alternativos, a Tulipa Ruiz, o Marcelo Jeneci. Eles são o lado nobre da música atual, mas eles não conseguem... Essa vanguarda paulistana tem uma maldição de ser vanguarda. Já conversei com eles, é preciso abolir esse negócio. Eles precisam sair do gueto do Baixo Augusta.

 

O que você quer dizer com isso?

Primeiro, que não dá para ter uma geração só de artistas de edital. O edital se tornou um vício na música brasileira. Você vê o Otto, ele é o rei do edital. Artista de edital é um cara que é muito falado, querido, mas que, se tirar o edital, ele não existe. Ele é adaptado a obter resultado de uma curadoria que não é o povo. São curadores. O Brasil virou uma república de curadores. Assim não vai. Nós somos de uma geração muito mais aventureira. Djavan passou necessidade, litou por uma carreira. Olha a coragem de um Zé Ramalho. Hoje é complicado eu dizer como eles devem fazer, qual seria a estratégia.

 

Além de gravar com músicos jovens, você tem uma filha adolescente. As drogas de hoje são mais acessíveis que na sua época?

Acho que não. Os anos 1980 foram muito agressivos nesse sentido. O perigo hoje é o da droga como caminho de destruição. Esse é um risco que a gente não teve. Nossa geração era comportamental, era toda uma cultura. O advento do crack coloca uma perspectiva hoje que a gente não viveu.

 

Seu primeiro contato com a droga foi na faculdade?

Com a maconha foi no cursinho a primeira vez. E aquilo, dentro do contexto, me ajudou. Porque eu estava num meio em que a vida cultural tinha um sentido de libertação. As drogas químicas eu não peguei, me lembro de ter tomando ácido no começo dos anos 1980, alguma coisa que era mais no sentido de ver colorido, de despertar a parte visual.

 

Esse primeiro contato com a maconha foi bacana?

Foi! Era legal porque a gente escutava Pink Floyd, Genesis. A gente fumava pra ir ver um filme do (Jean-Luc) Godard... Fumava pra ir ver (o filme de Pier Paolo Pasolini) Teorema.

 

A maconha acompanhou a sua vida durante muito tempo, ou algo que foi e voltou?

Me acompanhou por muitos anos, mas depois, não sei se o efeito não era mais o mesmo, a mágica se perdeu um pouco, tornou-se uma prática, assim, um pouco depressiva. Comecei a ficar meio para baixo. Daí eu fui parando, diminuindo, e é uma vontade que foi embora. Mesmo o álcool eu fui diminuindo, diminuindo...

 

O álcool também estava fazendo mal?

Começou a atrapalhar. Eu tomava Jim Bean, Jack Daniels, uísque americano. O costume de não beber de dia me ajudou muito. Não gosto. Quando bebo de dia é para liquidar o dia, entendeu?

 

Você bebia desde quando?

Ah, desde os 14 anos. Com 18, eu parava num boteco e tomava dois, três conhaques. Depois teve uma fase em que, morando com meus pais, eu escondia o conhaque no armário. Mas nunca me destruí com isso.

 

Era só álcool e maconha?

E cigarro, essa porcaria do cigarro. A cocaína teve um período, quando eu morei no Rio, que era tudo muito fácil. Mas era aquele clima de Réveillon todo dia, e não dá para ser Réveillon todo dia.. Eu queria o sol, queria a praia com os meninos, que eram novinhos. Fora que cocaína era uma derrota, não ajuda a criar. Era diferente da maconha, que ajudava nos delírios poéticos, os tornava mais eficientes. Agora, não teve outras drogas.

 

Não teve ácido?

Muito pouco.

 

Cigarro você ainda fuma?

Parei. Para levantar esse disco aí, eu me reviciei em tabaco, com cigarrilhas Café Creme. Eu não sei o que é, mas acho que algo há no tabaco. Quando se fumava nos estúdios, olha a música que se produziu. Aquela neblina de charuto e cigarro, John Coltrane, Frank Sinatra...Acho que é um símbolo gauche, o lado gauche do pós-guerra, né? De Simone de Beauvoir, do Jean-Paul Sartre, do Godard. Acho que todo mundo está precisando disso. Tabaco já no mundo!

 

O álcool parece ter sido a sua relação mais duradoura. Quais foram as maiores bobagens que você já fez sob efeito do álcool?

Bater carro. Acabei com um carro lá no Rio uma vez. Outra vez, descendo a serra de Santos, pra tocar em Itanhaém, dormi no volante e o carro raspou no guard rail. Sou péssimo para dirigir em estrada, durmo fácil, então dirigir alcoolizado se tornou um trauma. Eu podia ter morrido. Eu tinha uma Land Rover, fui entrar na garagem, ela entalou e estourou todo o teto. Fora quebrar instrumento musical, falar bobagem, se exceder. Uma vez, fui deselegante com a Fafá de Belém num restaurante carioca. Eu estava tomando todas ali com um amigo, a Fafá chegou e eu gritei: “Fafá, você é um bocetão!” Pô, coisas do álcool, né?

 

Ela ficou ofendida?

Não, ela achou graça, deu aquela gargalhada dela. Mas não se faz isso, eu estava achando o quê? Teve um show uma vez em Volta Redonda que eu entrei alcoolizado, esqueci letra, e depois daí nunca mais...

 

E o público percebeu?

Não, deu pra levar. Mas é muito triste um artista alcoolizado no palco. Foi uma vez só que aconteceu, nunca mais quis beber, pelo trauma. Hoje entro em show sem beber nada. Termina o show eu tomo um uísque com moderação, nunca mais enxuguei garrafa. Só vinho que eu ainda enxugo garrafa.

 

O álcool foi um desinibidor sexual também, de tomar todas á noite e acordar com gente desconhecida na sua cama?

Não, acho que o que mais me prejudicou socialmente foi uma exuberância paquerativa, uma exuberância sexual. De ser muito atirado. Eu não era pegador, era tímido, retraído. Mas aí eu bebia e tomava coragem para fazer coisas que, vendo hoje, eram inconvenientes...

 

De pegar pelo braço?

De não resistir a uma paquera. Não resistir a um encantamento. Uma compulsão. E acho que isso foi se resolvendo depois dos 50 anos. Aquietou bem. Eu me sinto bem mais adequado hoje. A minha compulsão não era sexual, era de paquera, de busca de sentimento. A minha sexualidade era com sentimento, entendeu?

 

Mas não tinha vontade de transar com gente diferente?

Não, nunca gostei disso, de fazer da minha cama um ambiente público. Mas eu tive notoriedade muito cedo, com 24, 25 anos, e pude conhecer muitas mulheres maravilhosas, muita gente interessante no meio artístico. Mas eu respeitava. Eu sinto que fui muito afoito. Quero muito dizer uma coisa: tenho muito orgulho do álbum de mulheres que eu não peguei. Com as quais não saí. A galeria é notável. E, por força dos casamentos, dos relacionamentos que eu tinha...A oferta era muito grande quando eu era jovem. O número de atrizes que me abordaram foi uma coisa inacreditável, e que eu não fui...

 

Tinha homem nessa lista também?

Não, mas eu tinha ima imagem muito andrógina, que era da minha geração, e fui a paixão de muitos jornalistas. E às vezes, como eu não sabia lidar com isso, acabou me custando algumas implicâncias...

 

Você não consumava o ato e o pessoal se voltava contra você?

Não, era de eu não saber lidar socialmente com essa paquera que existia, entendeu? Eu repelia. A gente flertava com a androginia, que era típica dos anos 60, mas não com a homossexualidade. Mais tarde é que eu soube conviver melhor. Eu vinha de uma família em que meu pai era muito radical...


Contra os homossexuais?

É, ele era muito reacionário nessas coisas. Dizia: “Esse Ney Matogrsso, pra mim esse rapaz tem problema”. E eu: “Pai, ele é um símbolo homossexual”. E ele: “Como assim? Tem isso, agora?” Meu pai tinha aversão, e eu tinha uma atração muito grande pela androginia. Eu olho lá atrás, aquela cabelão, magrinho, acho que eu tinha uma imagem muito atraente para o mundo homossexual. Você sabe, por exemplo, quem tinha adoração por mim? O Caio Fernando Abreu. Ele me adorava! Mas não era uma coisa de interesse, tinha uma aura de carinho, de amor.

 

Você nunca se sentiu atraído por um homem?

Não, nem de leve. Minha coisa era com mulher, isso sempre foi claro.


Você falou que tem orgulho de algumas das mulheres que não pegou. Mas eu queria falar de uma que rolou, a Rita Lee. Vocês namoraram?

A Rita me ligou pedindo para indicar um guitarrista que serviria de escada para o Roberto de Carvalho. E eu tinha um cara ideal, que era o Ronaldo Bastos, que trabalhava comigo. Como a Rita Lee era uma paixão antiga, e eu estava separado...

 

Nunca tinha rolado nada?

Nada! Eu conheço a Rita já muito tempo, ela era uma das mulheres mais bonitas que o Brasil já viu. Além disso, é uma letrista de mão cheia, uma cantora de enorme talento. A Rita Lee é uma paixão fulminante! Eu indiquei o guitarrista e já mandei: “O que você está fazendo?” “Ah, estou morando aqui perto”. “Mas você não morava no Morumbi?” “É que estou passando uma fase separada aqui...” Acendeu a lâmpada na hora. Que notícia boa! “Eu também estou aqui, a gente podia se ver”. Aí houve uma identificação. A gente tinha filhos na mesma faixa de idade, ambos tinham uma história bonita de vida. Por que não? A gente era compatível.

 

Foi bom pra você?

Foi maravilhoso! Foi lindo. Mas ela estava muito atrapalhada na época, tomando muito vinho. As pessoas me falavam que ela estava tomando calmantes também.

 

Só vinho e calmantes?

Acho que sim. Mas eu não via. Era coisa escondida. Eu ia na casa dela, sempre com muito respeito, indo com calma, porque era uma pessoa que eu respeitava e estava a fim mesmo, uma mulher que você tem que admirar para se apaixonar. E eu estava num estado alterado de consciência, até porque era um velho sonho sendo realizado. Lembro de ter feito uma gravação cantando If I Fell para ela. E na época ela dizia que não gostava dos Beatles. Eu estou contando coisas legais para você, porque é bonito.

 

Sim, claro...

E teve um dia em que ela me mandou uma música chamada O Homem Vinho, que eu achei que era pra mim. Depois ela deu uma caetaneada na letra, provavelmente para liberar do outro lado. Eu lembro que o Beto (Roberto de Carvalho, marido da Rita) tinha muito ciúme, porque eu estava ocupando um espaço.

 

Ele sabia?

Sabia. Era aberto. Depois eu em afastei porque percebi que eles tinham algo mais que um amor. Havia ali uma parceria de vida. Mas ela tinha muitos problemas na química, estava tomando muito vinho branco. Um dia ela me mandou uma carta por fax, com uma letra trôpega, dizendo que não estava passando bem. Fui correndo para a casa dela. Ela tinha tomado Lexotan e estava caída na sala com as caixas na mão. Eu a levei para o hospital. Três dias depois, a gente foi pro sítio, na passagem do ano, e ela tomou tudo de novo. Foi um episódio terrível, e eu me afastei. Passamos essa meia-noite de Réveillon num pronto-socorro em Cotia. E não foi possível dar sequencia a nenhum tipo de amizade.

 

Você ficou traumatizado?

Fiquei, foi terrível. Eu nadava na época, tinha folego, aí fiz respiração artificial por uns 40 minutos, uma hora sem parar, respirei por mim e por ela. A Rita é uma pessoa de um equilíbrio delicado. E agora eu olhos com muita compaixão. Os nossos delitos já prescreviam. Estamos todos mais coroas contando as histórias que a gente viveu. E tem outra conclusão a que eu cheguei em relação às divas. As divas são uma categoria de mulher à parte, né? Eu conheci uma diva, por exemplo, que tive a oportunidade mas não fui, que foi a cantora Lisa Stansfield, em Londres.

 

Ela deu mole?

Abriu a porteira legal. Fui levar uma música para ela, minha e do Nelson Motta, que chamava Ready for Love, uma música linda. Ela teria feito o maior sucesso com ela. E, além de ser uma música do Guilherme Arantes, era uma música do Nelson Motta! Era uma dupla do baruilho! Era Jobim e Vinícius batendo na porta da Lisa Stansfield, feito para ela!

 

Se vocês dois fizeram uma música para a Lisa Stansfield, alguém queria comer a moça, não?

Eu fui para Londres com a missão Lisa Stansfield. Fui visita-la em Hampstead, eu estava a fim. Só que depois fiquei pensando que havia um risco muito grande nisso. O risco de ter uma Ferrari, um Aston Martin: você pode não ter manutenção, não ter peça. Eu me defini para ela como uma espécie de Tom Jobim misturado com Elton John. E ela falou: “Dizem que os homens brasileiros são muito bons na cama”. Eu respondi: “Olha, o problema é que eu tenho quatro filhos, uma esposa...”, e ela deu risada. Era uma mulher muito bonita, muito charmosa.

 

Você ficou com medo, então?

Acho que eu não tenho essa coisa do aventureiro. Acho que não ia desempenhar como um bom amante. Acho que eu ia brochar. Sempre fui muito sensível. Sempre tive muita facilidade de brochar, muita. E tenho orgulho das minhas brochadas. Como dizia meu pai, não há termômetro mais fiel da inconveniência de uma situação do que o pênis, ele responde em que não é pra ir, a gente é que força. Os homens têm que prestar mais atenção na utilidade da brochada. Tem uma utilidade fodida para você não entrar em roubada.


Você já tomou Viagra?

Já. É bom. Melhora mesmo, ajuda. Mas não é sempre que há necessidade.

 

É coisa habitual ou esporádica?

Esporádica. Tomo com naturalidade.

 

Você e o Nelson Motta tiveram outra coisa em comum, que foi a Elis Regina. Começou com um bilhete debaixo da mesa?

Esse bilhete foi no Bar Lagoa, no Rio. Ela estava separando do César (Camargo Mariano) e estava um clima estranho entre os dois. Dizia: “Quero estar longe desse mundo insensato com você”. Logo depois, viajamos e paramos num lugar chamado Praia das Toninhas. A Elis era pudica, mas estava a fim. Sentei com ela e comecei a sentir essa atração...


Ela estava usando cocaína essa época?

Não! Quando ela morreu, publicaram irresponsavelmente que eu a teria visto fazer isso. Eu nunca vi isso acontecer. O que havia dito para amigos é quer, na banda dela, todo mundo estava usando cocaína, esse foi o meu comentário.

 

Ela não?

Ela nunca, jamais! Eu nunca vi. Quando ela faleceu, foi uma surpresa. Ela gostava de tomar uma cerveja, um vinhozinho. Depois desse encontro, rolou uma coisa quente. Era uma mulher vulnerável, muito sozinha. Aí viemos pra São Paulo, e ela disse para ir com calma. A Elis não era fácil, também. Tinha dia que ela dizia: “Hoje a creche não está aberta!” Eu comecei a me magoar. E tinha outro detalhe: ela queria que eu assumisse a banda. Que entrasse no lugar do César. Eu não tinha competência. E me assustei.

 

Quanto tempo durou?

Uns seis meses. Até que um dia ela me convidou para ir numa macarronada, e lá estava o Fábio Júnior. Aí o leonino aqui falou: “Acabou, chega”. Comecei a ver que já tinha o Fábio Júnior na parada. O Fábio eu conheci na Som Livre, no começo de carreira. Eles estavam à procura de um cantor-ator. Tanto que me convidaram para fazer novela, e eu nunca tive essa veia teatral. Coisa que o Fábio Júnior tem. Ele é um mestre, um grande ator. As pessoas podem questionar a carreira musical dele, mas como ator ele é fodaço!

 

Vocês dois já conversaram sobre isso?

Conversamos. Ele é uma pessoa muito querida. Nesse episódio ele também foi armadilhado na paixão pela Elis, foi pra Nova York, acho que ele até foi mais adiante que eu. Eu fui mais covarde, tive medo, era mais infantil do que ele. Ele era mais pegador. Ele é um profissional, eu sou um amante apaixonado.

 

Mas essa história acabou com o seu casamento?

Foi. Eu tive de abrir o jogo com a minha mulher na época, ela era minha namorada desde a faculdade, entramos juntos em 1973. Mas a relação já não ia bem. Ela foi muito solidária comigo no começo da carreira, mas não gostou do sucesso. Ela me via como um Egberto Gismonti, um intelectual. Não como um cara que ia no Chacrinha e pra quem as mulheres gritavam “lindo, lindo!”. Isso a decepcionou.

 

Era ciúme?

Tinha um preconceito. Os colegas da USP me enxergavam como um ídolo fabricado de televisão, um cantor de auditório, não davam valor para mim.

 

Você se achava um cara bonito?

Eu sabia que eu era. Agora estou com a marca da idade, acima do peso, não posso dizer que sou feio, mas não tenho mais a vaidade que tinha aos 27 anos. Eu vejo os vídeos, eu era o cara mais bonito do Brasil. Eu era bonito pra caralho!

 

Você gostava de ser um artista de programa de auditório?

Eu queria o auditório. Eu queria ser o Guilherme Arantes. Eu queria ser exatamente em que me transformei. Eu descia a Rua Augusta fantasiado de Guilherme Arantes, porque aquilo era uma fantasia, né? Isso porque eu custava a acreditar que podia dar confusão. Mas dava! Só que passou do limite. As gravadoras não tinham noção, nem eu tinha, de que ia me transformar num cara respeitado pelo João Gilberto. Foi num show no Palace. Naquele silêncio do camarim do João Gilberto, ele falou: “Você, para mim, é o máximo. Suas músicas são fantásticas. Adoro você”. Aquilo me redimiu de toda a história de preconceito, da faculdade, sabe? A Elis também me ajudou muito nisso, ela me tirou do auditório e me botou no ambiente da MPB.

 

Uma vez você foi perseguido por mulheres na rua ao sair de uma gravação do programa Sílvio Santos. Foi a única vez?

Não...Eu ia para as Lojas Pernambucanas vestido de Guilherme Arantes, para dar confusão. Eu queria ver como era isso. Eu era um infantilzão, né? Fui cantar no Sílvio Santos, que era meu sonho, e até me lembro de ter conhecido a Myrian Rios, ela era caloura, era linda. Mais tarde a conheci já casada com o Roberto Carlos. Mas não avancei o sinal, graças a Deus!

 

Mas ela deu condição?

Deu! E mais tarde, já separada do Rei, também, mas não fui porque sabia que o Roberto não ia gostar. O Roberto é ciumento. Tem um monte de coisas quer não se pode fazer porque ele não gosta. A primeira música que dei pra ele, chamada Só Deus É Quem Sabe, fui levado vestido de marrom...

 

Vocês já se conheciam?

Não. Eu já era o Guilherme Arantes. E fui oferecer essa música todo de marrom: blusão marrom...Anos depois eu contei isso pra ele, que riu muito. Tive esse privilégio de ficar na casa do Roberto Carlos jogando sinuca, tomando um uisquinho, conversando sobre a vida. Ele encaçapa uma atrás da outra, você não vê a cor da bola.

 

Você se sentia obrigado a fazer Chacrinha naquela época?

Mas eu adorava! Eu fui um dos pioneiros entre os amantes do Chacrinha. Eu saí da faculdade de arquitetura direto pro Chacrinha, não peguei esse paradigma da minha geração. Quando vieram as bandas de rock, que tinham um pé atrás com isso, eu já estava lá, já residente do programa.

 

Rolou alguma coisa com as chacretes?

Tinha uma chacrete que era a mais interessante. Chamava-se Daisy, era uma diretora geral lá e gostava muito de mim. Ela era uma moça muito simples. A gente chegou a sair pra jantar, conversar, das uns beijinhos, mas não rolou. Era linda.

 

Para terminar, depois de tudo isso, do que você se arrepende?

(Silêncio.) Eu me arrependo de te brigado no começo de carreira com gravadora para criar confusão, quando na verdade as pessoas até gostavam de mim. Me arrependo de não saber negociar com o mundo, com a vida. De ser, às vezes, prepotente. De me achar o dono da verdade. Podia ter terminado a faculdade de arquitetura também...

 

Pensa em escrever sua biografia?

Penso, mas vou viver muito mais, a biografia estaria na metade. Ainda tem muita aventura. Outro dia sonhei que estava tocando Planeta Água na abertura da Copa de 2014, para o mundo ouvir.

 

Publicado originalmente na revista “Playboy” em outubro de 2013

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Playboy entrevista Supla (fevereiro de 2002)

Playboy entrevista Supla (fevereiro de 2002)

 


O Rei da Mídia conta do tiro que levou, lembra de José Serra tomando sopa, de um pesadelo na Casa dos Artistas e fala sobre o papai e a mamãe

 

Na saída da casa noturna de São José do Rio Preto (SP), onde o show terminou há alguns minutos, uma entre as dezenas de garotas que se empolgaram no portão e na janela do banheiro localizado entre o camarim e a van da equipe chama a atenção. De minissaia jeans e blusa vermelha colada no corpo ela berra “Suuplaa”, faz o V da vitória com os dedos, os coloca sobre os lábios e treme a língua entre eles. O gesto provoca gargalhadas e espanto dentro do carro: a fã de Supla não deve ter mais que 8 anos de idade.

 

No caminho para o hotel, um jovem motoqueiro segue a equipe até emparelhar no sinal. “Pô, você deve ser o maior comedor, né, meu?”, dirige-se a Supla que sorri. “Sua irmã não falou isso ontem”, brinca o roqueiro. E despede-se, não sem antes recomendar ao garoto cuidado para não cair da moto. Supla é um cara família.

 

Protagonista de um dos maiores fenômenos de audiência da TV nas últimas décadas, o reality show Casa dos Artistas, do SBT, o perfomer já superou a marcar de 600 000 cópias vendidas do disco O Charada Brasileiro. As primeiras 100 000, distribuídas em bancas de jornal, esgotaram-se durante os primeiros dias do programa, onde ele aparecia frequentemente vestido com a camisa da promoção e tocando suas músicas no violão. O restante, após um contrato de distribuição com a Abril Music.

 

Para o rebelde que viveu no underground de Nova York por 6 anos, de punks em shows no Brasil – como na abertura da turnê dos Ramones em 1996 – e era tratado com absoluta frieza pela mídia, poder cobrar os atuais 20 000 reais de cachê por apresentação é uma conquista. Mesmo que, vestido com suas jaquetas recheadas de espetos de metal e calças rasgadas, ele seja seguido, hoje, por um público semelhante ao que o Mamonas Assassinas reunia na metade dos anos 90. Antes da música, Supla atraia pelo exotismo, tanto no visual quanto na árvore genealógica. “É uma contradição ser filho de quem sou”, confessa com um sorriso discreto, referindo-se ao papai, o senador Eduardo Matarazzo Suplicy, 60 anos, e à mamãe, a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, 56 anos.

 

“Meu público é amplo. Trato bem as pessoas que gostam de mim”, diz o comportado Supla, o Rei da Mídia, o Papito, o Charada Brasileiro, ou, para os íntimos, Eduardo Smith de Vasconcellos Suplicy, 35 anos. Desde que voltou para o Brasil para “dar uma força” na campanha vitoriosa da mãe, o roqueiro começou a aparecer na mídia com frequência de um popstar. Primeiro na MTV, ressuscitado pelo VJ Marcos Mion no programa Os Piores Clipes do Mundo. O clipe de Green Hair, música de amor na qual estrelam várias das paqueras de Supla em Nova York, se tornou cult de tão tosco. Depois veio a participação na novela global Um Anjo Caiu do Céu – nada mal para quem já tinha feito par romântico com Angélica no filme Uma Escola Atrapalhada. Em seguida, “o golpe de mestre Charada”, como ele mesmo diz, a participação estelar na Casa dos Artistas.

 

Na lista dos responsáveis pela volta de Supla aos holofotes, só fica faltando a língua solta do roqueiro. Sincero e ingênuo, o primeiro-filho de São Paulo passou a receber atenção maior depois do processo de separação dos pais. Com discrição dos irmãos, o músico João Suplicy, 27 anos, e o advogado André Suplicy, 33 anos, Supla passou a ser uma das principais fontes para se saber o que de fato ocorreu entre as quatro paredes da mansão da família, no Jardim Europa.

 

Para entrevistar o Charada Brasileiro, PLAYBOY destacou o repórter Leandro Simões. Foram 6 horas de gravação, incontáveis (e mútuos) telefonemas e 450 km de viagem no ônibus, ao lado do super-herói.

 

“Foram três encontros, e o primeiro deles aconteceu exatos dois dias antes de Supla se trancar na Casa dos Artistas. ‘Olha, na semana que vem não vai dar pra gente se encontrar para continuar a entrevista. Vou para Nova York e não sei quando volto’, me disse. Eu descobrira posteriormente que pelo contrato assinado com o SBT ele não podia abrir o jogo – e então armou a charada, numa atitude própria de seu personagem. Nesta sessão de entrevista, feita antes do reality show do SBT, um Supla mais introvertido e disposto a falar sobre a família. Nas duas outras, uma delas realizada na viagem a São José do Rio Preto, interior de São Paulo, o Supla pós-exposição maciça, mais preocupado com seus shows e o sucesso galopante.

 

Lembro-me de que no meio do show em Rio Preto, dia 13 de janeiro, Supla, diz entre uma música e outra: ‘Essa é dedicada aos jornalistas, com todo amor e carinho’. E olha ironicamente para o backstage, onde eu assistia ao show. Tratava-se de um cover de Dancing with Myself, sucesso de Billy Idol, roqueiro inglês eternamente lembrado como quem teria inspirado o visual de Supla. E que, diga-se, inspirou mesmo, o que ele odeia admitir. Daí a alfinetada dirigida aos ‘jornalistas’ no meio de um show, mostrando quem ele é. Um sujeito que sabe rir de si mesmo, embora leva algumas coisas a sério demais – a sua música – e outras de menos, como acompanhar o que a mãe anda fazendo na prefeitura da maior cidade do país.

 

Da primeira vez que o entrevistei para as duas últimas sessões, naturalmente, coisas mudaram. Menos uma: ele se mantém paciente e atencioso – às vezes até demais. Continua, como no ano passado, telefonando para avisar que vai incluir a tal música no próximo show e perguntando se eu não quero ir para ver como vai ficar. Ele, que para dormir de madrugada na estrada, dentro do ônibus que voltava para São Paulo, colocou uma fita de Drácula (sem legendas) e do horripilante Marilyn Manson no videocassete; ele, que no palco soca o ar e faz um balé típico de um ágil lutador de boxe (que realmente foi), é fora dos palcos um eterno adolescente: ávido por auto-afirmação, carente e companheiro. E muito educado”.

 

PLAYBOY – Na letra do sucesso O Charada Brasileiro, você diz: “Não me vendo por dinheiro”. Como assim?

SUPLA – É uma charada. Eu sou independente, sou geração business. Eu tô tirando sarro de tudo isso. Tô me aproveitando da mídia e, ao mesmo tempo, não.

 

PLAYBOY – Numa outra música, você canta: “A mídia tá aí/ pra te entreter/ Eu vou aproveitar pra poder me vender”. Não é uma contradição?

SUPLA – Contradição é a minha adição. Foda-se, fuck off, esta é a melhor resposta que eu tenho pra isso.

 

PLAYBOY – Então, não é pra levar nada que o Supla faz a sério?

SUPLA – Pelo contrário. O Supla é entretenimento total e é isso que é pra se levar. É muito trabalho levado a sério. Sabe por quê? Porque tudo isso eu mesmo que armei, não foi uma gravadora. Toda a mídia e o povo brasileiro comprou, com uma ajudinha do Sílvio. Eu vim pra bagunçar o coreto.

 

PLAYBOY – Isso não faz de você um pastiche eterno de você mesmo?

SUPLA – Olha, eu pude mostrar na Casa dos Artistas que tem o Eduardo, uma pessoa que antes ninguém entendia muito bem. Meu trabalho é muito sério, cara, a capa do disco, tudo é muito sério. O que é legal é que quando a gente faz sucesso todo mundo fica puto. É engraçado... Por exemplo, os jornalistas querem fazer perguntas afiadas. Acho o maior barato isso. Mas eu não me vendi por dinheiro.

 

PLAYBOY – O que você ficou fazendo 30 dias preso lá então?

SUPLA – Eu divulguei o meu disco, é por isso que eu fui lá, vamos deixar claro.

 

PLAYBOY – Divulgou o disco para ganhar o quê? Não foi por dinheiro?

SUPLA – O que é dinheiro pra mim? É ótimo ter dinheiro. Pra trocar a moto, pra se tiver um filho dar uma boa educação a ele. O que o dinheiro vai melhorar pra mim? Vou poder montar um palco bom, dar um show bom, com um som bom e uma luz legal. Eu ia ficar uma semana na Casa e depois ia embora. Mas aí comecei a lugar quando o Sílvio apareceu com aquela mãozinha de esmalte segurando meu disc. É o homem que segura o carnê do baú e estava segurando o meu disco! Falei: “Vai vender, já vendeu 100 000, vai vender mais, eu vou ficar...”

 

PLAYBOY – “...muito rico!”

SUPLA – Ao invés de você me cutucar, me por pra baixo numa coisa dessa, devia aplaudir, porque é um golpe de mestre do Charada. Driblou aqui, driblou ali e fez gol. E tá aí, agora tem que me engolir.

 

PLAYBOY – Não é perigoso se assumir uma pessoa tão contraditória sendo filho de quem é?

SUPLA – Já é uma contradição ser filho de quem eu sou. Nós todos temos contradições, é isso que eu quero dizer.

 

PLAYBOY – Você pensa em sair da casa onde você mora hoje, com seu pai e seu irmão João?

SUPLA – Meu pai mora em Brasília praticamente. O João nem fica lá. Daqui a pouco vão vender a casa, não sei. Eu tô com tanto trabalho que não tô nem pensando nisso. Está uma casa vazia, ghost, uma casa de fantasminhas.

 

PLAYBOY – É estranho morar naquela casa sem a sua mãe?

SUPLA – (Enfático.) Não, não é. Eu sei que ela está ali do lado.

 

PLAYBOY – Quando você olha para as coisas dentro da casa, para os móveis, não dá saudade dela?

SUPLA – Pra gente encerrar esse assunto de mãe e pai, por tudo isso que aconteceu eu fico muito chateado, como qualquer filho. Mas eu quero que a minha mãe seja feliz e que o meu pai seja feliz. Primeiro a felicidade deles. Mas que ficou triste por dentro, fico.

 

PLAYBOY – E a história que o Luiz Favre (petista e atual companheiro de Marta) ter se hospedado na casa de seus pais antes da separação?

SUPLA – Posso te falar honestamente? Eu não estava no Brasil. E eu não sei te dizer se esse cara ficou – esse Luís...Nem sei o nome dele direito pra falar a verdade -, se ele estava lá ou não.

 

PLAYBOY – Mas você não chegou a exigir que ele saísse?

SUPLA – Eu nem conhecia o cara.

 

PLAYBOY – Você acha que já estava rolando alguma coisa antes do romance vir a público?

SUPLA – (Evasivo.) Isso eu não sei, não sei.

 

PLAYBOY – Era um casal tão perfeito, o Brasil inteiro via assim...

SUPLA – Acontece nas melhores famílias. Acontece. O que eu acho é o seguinte. Tanto eu nessa entrevista, quanto meu pai publicamente achamos que a vida privada, nesse caso, tem que ser tratada com sigilo, com respeito. Eu não me sinto no direito de falar sobre a relação deles. Quem sou eu pra falar do meu pai ou da minha mãe? Isso é um problema deles.

 

PLAYBOY – Mas você é filho dos dois.

SUPLA – Eu fico chateado só pela coisa da família. Foi difícil. Pra minha mãe não é fácil de se separar de um cara com quem ela está há tanto tempo, não é fácil pra ela também. Com três filhos, por mais que eles já estejam grandinhos e tudo, mas não é fácil. É uma separação de sei lá quantos anos, 36 anos. Eu fico chateado. É engraçado mesmo, um casal perfeito, legal e tudo, do bem total.

 

PLAYBOY – Você sabia como estava o relacionamento dos seus pais lá de Nova York?

SUPLA – Sabia, estava normal.

 

PLAYBOY – Você imagina por que seus pais se separaram?

SUPLA – Posso até imaginar alguma coisa. É do tipo... coisa que eu sei desde o começo. Tipo... Mas também pode não ser, então eu prefiro não falar. De repente eu falo uma bobeira, aí minha mãe vem e me fala: “Você está louco, não era isso nem nada”.

 

PLAYBOY – Então teve um motivo?

SUPLA – Não saberia dizer. Deve ter sido uma série de coisas, fatores pra levar a uma separação de tanto tempo. Não é nem “eu não posso falar, mas é que eu me sinto desrespeitoso, que não estou respeitando a privacidade dos meus pais. (Pausa.) Eu tenho um amor pelo meu pai e pela minha mãe muito grande, então eu tenho que respeitar ao máximo, do fundo. Eu sou uma pessoa falante, né? Poderia te falar mil motivos por que eu acho que houve a separação, mas seria a minha opinião. (Pausa.) Meu pai deu uma entrevista para uma revista e eu vi umas fotos dele e da minha mãe, antigas... Pô, me deu uma...Sabe? Engraçado, né. A vida vai, e de repente acabou. A assessora do meu pai veio com as fotos antigas e me mostrou. (Com os olhos úmidos.) Meu pai tinha pedido a ela pra mostrar pra mim antes de deixar publicar, porque tinha a gente ali, todo mundo ali.

 

PLAYBOY – Você chorou quando viu as fotos, como agora?

SUPLA – Pô, deu uma baqueada. Me emocionei. É minha família. Se não fosse meu pai e minha mãe eu não estava aqui, é onde eu saí, do esperma do meu pai com a coisa da minha mãe lá. Saiu o Supla. Só podia sair uma coisa meio assim mesmo, né... (Rindo e lacrimejando.) Pelo menos é do bem, pode ter certeza.

 

PLAYBOY – Como está o seu pai?

SUPLA – Ele tá bem, viu, meu!

 

PLAYBOY – Está feliz com a escritora Ana Miranda (namorada do senador, segundo especulações)?

SUPLA – Isso vai ter que perguntar pra ele. Quero que ele seja feliz com quem for, não importa.

 

PLAYBOY – Você a conhece?

SUPLA – Conheço.

 

PLAYBOY – Como ela é?

SUPLA – Simpática. Uma pessoa simpática. Como o outro lá, o “Fravre”, Favre. Não o conheço bem, conheci na campanha (de Marta Suplicy para a prefeitura de São Paulo, em 2 000). Não a conheço também. Conheço assim, “oi”. Não tenho nem tempo. Mas minha mãe é sempre minha mãe e meu pai é sempre meu pai. Não tem essa de padrasto, madrasta, sem essa. Esses são os meus pais e acabou, insubstituíveis.

 

PLAYBOY – Seu pai seria um bom presidente?

SUPLA – Acho que seria um fantástico presidente para o Brasil. Pela humildade dele, pela (empolgado) luta dele. Que vem de um alto nível social e tudo, mas que poderia ser um outro tipo de pessoa, mas não. Poderia nem ter entrado na política, ter ido trabalhar num banco e ganhar dinheiro, que é mais ou menos como funciona a sociedade que eu tiro sarro.

 

PLAYBOY – O que você acha do Lula?

SUPLA – Eu acho que ele poderia ser um pouco mais democrático. Meu pai respeita muito o Lula, mas como eu sou filho tenho esse lado meio emocional, não vou mentir. E o lado que eu vou falar pode até prejudicar o Lula, mas todo mundo sabe que ele sempre começa bem e depois cai. Todo mundo sabe disso. E se o Lula falasse “todo mundo que vota em mim, vota no Suplicy”, acho que o partido ia ter mais chances.

 

PLAYBOY – Se o Lula for o candidato, tem o seu voto?

SUPLA – Eu gostaria de ver a prévia e ouvir as coisas que ele tem a dizer. Mas também quero saber como vai o respeito perante ao meu pai, um cara que deu a vida dele inteira pelo partido e pelo Brasil.

 

PLAYBOY – Você elogia muito o seu pai publicamente. O que você mais admira na sua mãe?

SUPLA – (Pensativo.) Já admiro por ser mulher e estar entrando nisso de pontapé, ainda mais numa sociedade machista como a nossa. Faz parte da luta dela, já entrando com o pé na porta. Admiro as posições dela.

 

PLAYBOY – Você falou em sociedade machista. Se fosse seu pai que tivesse arranjado uma namorada, ia ser diferente?

SUPLA – Ia ser triste...Só peço aos dois que se respeitem. Porque isso implica os filhos também e eles são pessoas públicas. Quer separar, separa. Só não fica corneando ou qualquer coisa. Tenho até uma música: “Tá namorando/ fica pensando/ que eu tô te corneando/ eu vou continuar”. Aí até uma amiga minha perguntou: “Vai continuar o que, corneando ou namorando, caralho?”. Mas, voltando, se fosse meu pai eu ia falar para ele: “Ó, meu, respeita a minha mãe. Se quiser ficar com essa menina aí que você tá não tem problema nenhum, mas avisa a minha mãe e não faz ela de trouxa”.

 

PLAYBOY – E não teve isso por parte da sua mãe?

SUPLA – Se teve eu não sei. E se teve eu ia ficar muito puto. Em respeito a nós e a ela mesmo. (Enfático.) O problema que todos nós sabemos é que quando você já está meio assim com outra pessoa é porque você já fez a bobagem, deve ser.

 

PLAYBOY – O que você conversou com sua mãe sobre isso?

SUPLA – Pedi a mesma coisa: sem esse papo de cornear e desrespeitar. Respeitar a você própria e ao seu marido que sempre te respeitou, só isso.

 

PLAYBOY – Imagine que seu pai e sua mãe são candidatos à presidência. Em quem você vota?

SUPLA – É difícil, não sei. Vou votar em branco, voto nos dois. Dá pra dividir o voto? Como eu vou fazer?

 

PLAYBOY – É verdade que havia gente querendo desvincular sua imagem do PT por causa de coisas que você fazia, como andar sem capacete?

SUPLA – Olha, saí numa revista americana chamada Outlaw Biker, que é contra a lei pra motocicleta. Eu sou contra a lei do capacete. Em Connecticut, nos EUA, você não é obrigado a andar de capacete. Eu ia pra lá só pra andar sem capacete. Gosto de andar de moto por causa da liberdade da moto, daquele vento. Num puta calorzão é um saco colocar capacete.

 

PLAYBOY – Você voltou a usar?

SUPLA – Eu uso sempre capacete. Quer dizer, às vezes uso, ás vezes não uso. No dia que tá muito quente, num domingo, aí eu não uso. Levo no braço. O que me dá tesão na moto é a liberdade, andar sem capacete. Podia ser liberado no domingo, né? É só mudar a lei.

 

PLAYBOY – Não pega mal ser filhos da prefeita e contra a lei?

SUPLA – Mas é meu ponto de vista. Quem vai perder a carta sou eu. Isso de ter que pegar bem é como aqueles políticos que ficam pegando criança no colo na periferia. Ridículo! Acho engraçado os caras segurando criancinha no colo. Ah, pára, meu! Se toca... (Risos)

 

PLAYBOY – Sua mãe também faz isso...

SUPLA – Não só ela como o Fernando Henrique e todos os políticos. O Lula também daqui a pouco vai estar beijando, com aquela barba pinicando, todas as criancinhas. (Risos).

 

PLAYBOY – Você acha que o Lula é mal assessorado?

SUPLA – Eu não gostaria de falar isso porque ia dar pano pra manga para os concorrentes. Quem faz a campanha da Roseana (Sarney), por exemplo, é o (publicitário) Nizan Guanaes? Sabe o que eu acho engraçado? Todos esses políticos precisam de pessoas pra dizer a eles o que falar, o que vestir. Por que você não pode ser você mesmo? Você tem que pagar uma pessoa pra fazer isso. Esses caras que estão aí deveriam falar: “Pô, meu, eu tô aqui pra te ajudar porque eu quero fazer um Brasil melhor. Eu já tenho muito dinheiro e acredito em você”. Mas não, é tudo coisa muito profissional, é tudo dinheiro.

 

PLAYBOY – Mas você não está sempre dizendo que é tudo business, Supla?

SUPLA – É isso mesmo, esse é o mundo em que a gente vive. Bem-vindo ao nosso mundo. Engraçados esses políticos, precisam todos de muita gente.

 

PLAYBOY – Você sempre teve a preocupação de deixar claro que fez seu nome independente dos seus pais. Você acha que as pessoas acreditam nisso?

SUPLA – É muito importante deixar claro que cada um é responsável pelos seus atos. Meu pai, meu pai; minha mãe, minha mãe.

 

PLAYBOY – As pessoas nunca pensam assim, não é?

SUPLA – Mas é assim que eu penso. Meu pai mesmo, ou minha mãe, que são políticos, podem fazer uma besteira. Eu vou ser culpado por isso? Não.

 

PLAYBOY – Sua mãe completou um ano de mandato na prefeitura de São Paulo. A cidade está diferente?

SUPLA – Acho que ela tá indo melhor. Não posso responder isso porque não tive nem tempo pra me coçar ainda. Fiquei 50 dias numa porra lá, saí, não tive tempo nem de ver jornal direito, essas coisas.

 

PLAYBOY – E pelo que você vê nas ruas, pelo que vê das pessoas?

SUPLA – Pra mim continua a mesma coisa, não mudou. Mas não é porque não tá mudando, é porque eu estou focado muito nas minhas coisas, não tenho tendo tempo de acompanhar.

 

PLAYBOY – Desde a adolescência havia muitos políticos dentro de casa. Que tipo de passagem interessante chegou a presenciar?

SUPLA – Eu não me envolvia muito, até me afastava. Tanto que até saí da minha casa quando começou a ficar muito chato. Fui embora. (Pensativo.) Mas me lembro de uma coisa há muito tempo. Na casa da (rua) Laerte Assunção, antes da casa da rua Grécia, me lembro do (José) Serra tomando sopa. Ele fazia assim, (simula uma colher na boca) “tsshhh, tsshhh”. Fazia aquele barulho com sopa, eu olhava aquilo... (balança a cabeça negativamente). Mas não tenho nada contra ele, foi sempre muito simpático comigo.

 

PLAYBOY – Falando em outra casa, como foi passar tanto tempo dormindo, acordando, vendo a Bárbara Paz de biquíni durante o dia e não transar?

SUPLA – (Batendo o dedo indicador na testa.) É tantra, é tantra. (Risos.) É na cabeça, é bem louco, meu. A gente tava curtindo: (cantando) “Deixem que digam, que pensem, falem... Eu não tô fazendo nada, você também...”

 

PLAYBOY – Então não rolou sexo lá dentro e nem depois?

SUPLA – O povo vai querer ficar sabendo e não vai saber. Lá não rolou e aqui eu guardo a minha privacidade.

 

PLAYBOY – Isso já é uma resposta.

SUPLA – Mas não é. Posso até te dar: não rolou, tudo bem. Mas eu não entre lá para comer ninguém. Até falei pra Bárbara antes que, se a gente começasse a se beijar, aquilo era um mundo irreal. Nos curtimos, em vez de ficar armando planos para ver quem vai ganhar.

 

PLAYBOY – Aquelas brigas então não existiam de verdade?

SUPLA – Aquilo era discussão mesmo. Mas tudo relativo aquele momento. Ela é totalmente hippie, é outro estilo. Me lembro que um dia começaram a cair uns trovões e todo mundo foi tomar banho fora de casa. Eu dava uns berros hardcore, “huooo huooo”. E de repente ela sai e grita “vida, vida...” Puta bicho-grilo do caramba! (Risos.)

 

PLAYBOY – Como era acordar todo dia e dar de casa com o Alexandre Frota?

SUPLA – Podem falar o que quiser, ele é um cara muito engraçado. (Sério.) E cara de teatrinho aí, que tem preconceito com ele, pode ir à merda também. Ele me fez rir muito. Quando ele imitou a Núbia levantando a sobrancelha eu não conseguia me controlar.

 

PLAYBOY – Você tinha pesadelos?

SUPLA – Não me lembro. Mas teve um sonho que o Frota me contou. “Supla, Supla, acordei de um puta sonho louco”. Perguntei o que foi, e ele: “Era um debate na TV, estava o Maluf e sua mãe, e você entrou e deu um murro na cara do Maluf”.

 

PLAYBOY – Você já experimentou drogas?

SUPLA – Quando eu tinha 16 anos. Depois, pra me liberar, fui vice-campeão de boxe da (TV) Gazeta.

 

PLAYBOY – O que você achou da atitude da Soninha, que declarou publicamente que fuma maconha?

SUPLA – Ela é uma menina bem culta, com a cabeça feita, sabe o que está falando. Não era a melhor coisa para ela falar realmente, mas não deve ter falando por mal. Não a recrimino de jeito nenhum. Achei uma judiação, ela tem filho pra sustentar. É o tipo de coisa que a igreja precisa perdoar, tá ligado? Se é coisa de igreja, cadê o perdão? Não tem perdão? Todo mundo é santo! Conheço uma pá de padres aí que ficava pegando umas minas. Se você for ver assim, querido, vai ter que tirar muita gente da televisão. Fora o que tem de político que fica bêbado por aí e não perde o mandato.

 

PLAYBOY – Você teria coragem de dar uma declaração daquele tipo?

SUPLA – Nesses casos vale a pena dar uma pensada. E seguir o meu instinto é isso, é não dar pano pra manga.

 

PLAYBOY – E em Nova York, você usava drogas?

SUPLA – Não, também não.

 

PLAYBOY – Por que você tatuou um cavalo no braço?

SUPLA – Fiz quando tinha 13 anos, escondido da minha mãe. Eu gostava muito de cavalo, jogava pólo. Mas aí eu cobri porque achei que não tinha nada a ver com a personalidade e fiz essa (simbolizando a morte), aos 18 anos, em Los Angeles, com a Nina Hagen.

 

PLAYBOY – Esse é um outro capítulo...

SUPLA – Vou te contar como foi com a Nina Hagen. É que é tão velha essa história... “Você comeu a Nina Hagen!” Grande bosta...Ela me comeu, não fui eu que comi. Daquele jeito dela, fui comido... (Risos.)

 

PLAYBOY – Como você a conheceu?

SUPLA – Conheci quando ela voltou do Rock in Rio (janeiro de 1985). No Rock in Rio só vi aquela figura, que eu achei meio esquisita e tudo, mas achei legal. Ela era da mesma gravadora (da banda Tokyo), a CBS, hoje Sony Music, e veio fazer uma turnê no Brasil. Aí o pessoal da gravadora mostrou a ela Garota de Berlim, ela viu a foto da banda e aí topou gravar. Conheci a Nina Hagen no estúdio da Transamérica, onde tem a rádio e onde eu gravava. Quem escreveu essa música foi um rapaz chamado Rodrigo Andrade, que tocava guitarra na minha primeira banda em que toquei bateria, a Metrópolis.

 

PLAYBOY – Por que ela topou gravar?

SUPLA – Ela me falou que só aceitou porque me achou bonito na foto, que tinha gostado do meu estilo e da música. E logo quando ela chegou (ao estúdio), começou a dar olhares. Aí eu já comecei a dar olhares. Ela tinha 25 anos, e eu 18. Gravamos, fomos à Latitude (casa noturna paulistana já extinta) e depois a um restaurante japonês. E depois do restaurante japonês foi ó... (batendo o dorso da mão direita na palma da mão esquerda). Como diz nosso querido (ex-narrador esportivo) Osmar Santos, ripa na xulipa! (Risos).

 

PLAYBOY – O que vocês conversavam?

SUPLA – Eu perguntava um monte de coisas e ela me convidou a ir para Los Angeles. Foi demais. Me lembro que ela me buscou numa limusine e a gente foi para Larrebe Street, em Hollywood, que era a rua da Tower Records, onde rolam todos os lançamentos. Fiquei em Los Angeles uns 2 meses só curtindo, com praticamente tudo pago, um sonho de criança. Parecia aquela música, “Garota eu vou pra Califórnia, viver a vida sobre as ondas...”

 

PLAYBOY – Como eram as amiguinhas da Nina Hagen?

SUPLA – Tinha muitas amigas punks, muita molecada. Me lembro de que na primeira semana que eu cheguei lá ela me levou a um japonês com uma mulher chamada Angeline. Tinha pôsteres dela na cidade inteira. Era uma ruiva que tinha um Corvette rosa, uns peitos gigantes e um telefone para as pessoas entrarem em contato... E morava na frente da casa da Nina Hagen. Então eu passava umas tardes lá...

 

PLAYBOY – Ajudar na campanha de sua mãe para a prefeitura de São Paulo foi a melhor desculpa que você podia ter para voltar ao Brasil?

SUPLA – Tudo foi perfeito. Quando meu pai e minha mãe me ligaram pra falar isso eu tomei um baque em Nova York. O Psycho 69 tinha acabado e eu tinha montado a Bossa Furiosa, uma banda fantástica que até tem um disco inteiro gravado que eu nunca lancei. A banda estava começando a criar um hype em Nova York. Mas aí o DJ Moby foi a um show e levou minha baixista e o meu baterista para a turnê mundial dele. Aí eu falei: “Quer saber? Vou pegar essas músicas, levar para o Brasil e cantar na periferia pra minha mãe”.

 

PLAYBOY – Como saíram as letras em português?

SUPLA – Comecei a dar rolê de carro com o senhor Fábio Boop (amigo e investigador de polícia em São Paulo). Punha o som em inglês, com aquela batida, e a gente fazia as letras, anotando num papel. Só dando rolê de carro, vendo as merdas e compondo.

 

PLAYBOY – Seu parceiro musical é um investigador de polícia?

SUPLA – Conheço o Fábio desde moleque, de pegar onda. Estudei com ele no Colégio Objetivo. Ele fez comigo a letra de Punk Funk, Bizness, São Paulo, Interesseira. Ele sempre ia aos meus shows com uns espetos na roupa. É um cara muito engraçado, meio fortão. Casou recentemente. Gostava de uma loira...

 

PLAYBOY – O que os manos achavam daquele cara de cabelo louro, filho da prefeita, cantando para eles?

SUPLA – Quando você tá cantando na periferia, se os caras não gostam de você eles te mandam à merda. Me lembro que eu toquei no Capão Redondo e estavam os caras do rap olhando para mim e eu dando aqueles berros. E com umas batidas cabulosas de Nova York, do underground de hip-hop verdadeiro, do Brooklin. Streets from fuckig Brooklyn, man. E cantando na letra de um policial, numa linguagem de rua. Não essas porras de intelectuais de merda. E é onde eu ando, na rua.

 

PLAYBOY – Você não é muito mainstream para se achar punk, não?

SUPLA – O punk é só mais uma coisa dentro do rock e eu amo rock and roll acima de tudo. O que eu acho legal é justamente não ter que virar um soldadinho, todo mundo ter que se vestir igual. O punk é você criar o seu próprio estilo, fazer sua própria coisa.

 

PLAYBOY – Como você fez sua turma em Nova York?

SUPLA – Tinha um cara que foi casado com uma tia, a Tetê, irmã da minha mãe, que era diretor de cinema e também morava lá. Conheci quando era moleque, numa das vezes que fui para Nova York antes de me mudar. Cheguei lá, ficamos um pouco mais próximos e ele me perguntou: “Você quer sair comigo? Eu conheço uma menina aqui que é bem roqueira...” Eu disse: “É lógico que eu quero sair com a mina, não quero sair é com você...” (Risos). Saí com essa me menina e ela me apresentou ao Stag, o guitarrista do Psycho 69, e à Grace, mulher do Stag, que era enfermeira e fazia roupas de couro sensacionais pra todo mundo na época, até para o AXL Rose. Aí eu passei a manter contato com esse pessoal e andar direto nas ruas de Nova York.

 

PLAYBOY – Como foram os primeiros dias?

SUPLA – Eu deveria até escrever um livro, tenho até uns diários... Depois de pouco tempo que eu fiquei amigo do Stag eu já deu um show rápido com a banda, a Psycho 69. Um show rápido, um pocket show junto com outras bandas, num lugar chamado Aka, na Houston com West Broadway. Lembro que um dia o Stag e um amigo, o Hell´s Angel, quebraram os traficantes que ficavam na rua dele. Porrada mesmo. E aí no dia seguinte, depois desse show, os caras que apanharam voltaram. Depois desse show, já tarde, estávamos lá eu, o Stag e o amigo dele – que eu não conhecia bem...Chega um japonês e disse: “Vou te revistar porque eu acho que você tem uma arma”. Mas aí o Stag já começou a dar porrada. De repente começaram a chegar outros, uns caras da Indonésia, da máfia, que ficavam vendendo umas coisas ali, todos com armas e facas. A mulher do Stag começou a berrar, da janela, e ele vira para o lago: “Entra lá e pega a shotgun”. Nessa, ele pegou o japonês e pôs uma faca na garganta desse e disse “quem vier eu corto”.

 

PLAYBOY – E você no meio disso?

SUPLA – Eu falei comigo: “Peraí, não tô entendendo, será que eu tô num filme?” Não tinha nada a ver com a história, tinha só ouvido falar que eles tinham tudo uma briga no dia anterior... Mas aí, muito rápido, o amigo do Stag veio com a shotgun e trocou com o Stag pela faca, que estava no pescoço do japonês. Só que o Stag não soube armá-la direito, o negócio disparou no chão e cortou um dedão de um dos caras. E alguns estilhaços pegaram no meu pé. Nessa hora a polícia chegou e fechou a rua. Um policial me parou e perguntou onde eu estava indo. “I´m just walking” (só estou andando) e o cara me liberou.

 

PLAYBOY – Você foi para onde?

SUPLA – Peguei um táxi e fui direto pra casa do meu tio. Entrei lá todo sangrando, no tapete branco dele, naquele apartamento maravilhoso. Disse que precisava ir a um hospital. Isso tudo em 5 dias. “Welcome to New York”, pensei. Meu tio virou para mim e disse: “Dudu, eu tô aqui sonhando, é sua primeira semana aqui e você já toma um tiro”.

 

PLAYBOY – Qual foi a primeira coisa que você fez lá para ganhar dinheiro?

SUPLA- A primeira coisa foi jogar futebol. Os colombianos me viram jogar numa pracinha, a Thompkins Square, e me chamaram. Era uma liga que os caras organizavam. E não acreditavam que eu era brasileiro, com aquele cabelo, ainda mais jogando num time de futebol de colombianos. Eu dizia que era só me pagar que eu jogava, adoro futebol. Ganhava 200 ou 300 dólares por jogo.

 

PLAYBOY – Você trabalhou também como demolidor?

SUPLA – Isso. Era contratado para demolir paredes. Punha um som alto e mandava a marreta. Ganhava 20 dólares por hora. Trabalhei como leão-de-chácara também, no melhor lugar da noite, o Coney Island High. Lá vi todas as bandas: Korn, Lim Bizkit, Iggy Pop, Ramones, bandas de hip-hop.

 

PLAYBOY – Rolava muita briga?

SUPLA – No meio de hardcore? Era sempre briga. Shows punk, sempre tinha uns shows mais violentos. O baterista que tocava comigo, Lui Gasparro, tinha uma família que parecia viver dentro de um filme, aquele do tipo Robert De Niro e Joe Pesci. Todo domingo eu ia comer na casa dele, em Astoria, com seus 6 irmãos, 3 irmãs e a mãe. Nossa...O pai tinha falecido no Segunda Guerra Mundial e a mãe sempre me perguntava: “So, you don´t like my food, Supla, ahn? (Então, você não gosta da minha comida?) E me dava uns socos no braço, era cabuloso. (Risos.)

 

PLAYBOY – Seus pais não mandavam dinheiro pra você?

SUPLA – Não. Só em treta. Por exemplo, quem pagou minha operação de joelho, que machuquei jogando bola, foi minha mãe. Na verdade, ela pagou o seguro de viagem. Me lembro que quando eu saí daqui ela me perguntou se eu não ia fazer um seguro. Disse que não, mas ela fez assim mesmo, de uns 400 dólares. Foi uma coisa de mãe, um presente. No dia da operação eles foram lá me ver.

 

PLAYBOY – Você os hospedou?

SUPLA – Até pensei em fazer um filme...Eu na praça, com a Green Hair e mais uns caras, e de repente chega uma puta limusine com a bandeirinha do Brasil. Aí a porta se abre e eles falam: “O que você tá fazendo aí?” Tipo Eddie Murphy. (Risos.)

 

PLAYBOY – Como você conheceu a Green Hair, a menina que deu o título da música que te fez voltar ao sucesso no Brasil?

SUPLA – No primeiro dia em que eu vi ela em Nova York, muito magra, com uns peitos gigantes, bonita pra caramba, com aquele cabelo liso preto até a bunda e uma parte inteira verde, parecendo uma vampira, falei “nossa”! Ela tava com uma cerveja, ao lado de um bando de crusties, aqueles caras que moravam em lugares abandonados. Convidei na hora para comer sushi. Fomos lá pra casa e aí... já foi, né? (Risos.)


PLAYBOY – E as outras meninas dessa música?

SUPLA – Na verdade essa é uma música de amor. A Monica que eu chamei de Green Hair era porto-riquenha com um pai irlandês. Uma mistura que sai fogo, né? Aí eu tava falando com um amigo, chamado Vulcan, que fez a música junto comigo e ele disse que aquela letra estava muito bunda-mole. Resolvemos por mais um monte de meninas. Aí mudou a letra, que tava muito boba. Por isso é que a música é profunda, é uma música de amor mesmo, que fala de todas as meninas. A gente decidiu então que ia falar da Cabeça Raspada, da Cabelo Roxo, das meninas com quem eu tinha tido uma experiência, alguma loucura.

 

PLAYBOY – Que tipo de loucura?

SUPLA – Da menina de cabeça raspada, por exemplo. Quem me apresentou foi o Jimmy Gestapo, de uma banda de hardcore novaiorquino chamada Murphy´s Law. Uma skinhead linda, tipo uma Sinead O´Connor, com uns olhos azuis desse tamanho. Ela era de Chicago, estava com o filhinho dela e pediu pra dormir uma noite lá em casa. Perguntei ao Jimmy se podia confiar e ele disse que sim. Aí lá em casa eu coloquei o filhinho dela, um mini-skinhead (risos), pra dormir. O pessoal da banda tava vendo vídeo, e disse que ia dar um tempinho e fui dar uma dormida. Fui pra minha casa e o filho tava do lado. De repente eu tô dormindo, acordo com alguém chupando o meu pai. Falei: “Não é possível...” Vejo e era a mina, a Cabeça Raspada. Depois disso nunca mais a vi.

 

PLAYBOY – Como você compõe?

SUPLA – Faço as letras com o George, guitarrista do Holly Tree. A banda dele só canta em inglês. Já fiz até um filme com ele. Eu, ele e o (João) Gordo. O Gordo é um psiquiatra e eu faço o Adolf Hitler morto. Eu estou todo de cinza, na banheira...Cabuloso.

 

PLAYBOY – Você acredita em Deus?

SUPLA – Claro.

 

PLAYBOY – Você se acha um bom músico?

SUPLA – Acho. Quem tem que dizer isso é o povo, mas eu acho. Eu gosto das minhas músicas. Imagina ter que cantar coisas que eu não gosto? Tô fodido, né? Acho que eu tenho um timbre de voz grave gostoso, bom de se ouvir e toco violão do meu jeito.

 

PLAYBOY – Você sente falta de uns punks no seu show?

SUPLA – Não. Meu púbico é mais amplo. Não posso fazer música para uma meia dúzia de pessoas só. Trato bem as pessoas que gostam de mim.

 

PLAYBOY – Como foi receber uma cusparada durante o show de abertura do Ramones no Brasil, em 1996?

SUPLA – Olha, era a última turnê da banda. Até entendo que os caras estavam lá para ver os Ramones e não me ver. Mas os mesmo caras que me insultaram foram pedir autógrafos depois.

 

PLAYBOY – Você ouve MPB?

SUPLA – Gosto de muito de Vinícius de Morais. Canto de Ossanha, com o Baden Powell, sempre achei uma das melhores músicas. Gosto do Tom Jobim, do começo do Caetano Veloso, do Roberto Carlos. Ele e o Erasmo falam de coisas simples, de coisas que a gente sente, de sentimentos simples, bonitos, sem frescura. Gosto do Charlie Brown e do começo do Ira! também.

 

PLAYBOY – Você tem uma música que fala de uma japa girl, sua banda se chamava Tokyo e vez ou outra tem sushi nas suas letras. Que ligação é essa?

SUPLA – É total coincidência, mas adoro a cultura japonesa. Nunca fui pra lá, mas já fiz várias entrevistas para a TV japonesa depois da Casa dos Artistas. E estou querendo ir para o Japão, na Copa do Mundo. Imagina que legal! (Risos.) Vamos ver se rola, cantar Japa Girl na Copa, já imaginou.

 

PLAYBOY – Você era bom aluno?

SUPLA – Razoável, decente. Não era fantástico, nem ruim, era normal. Só teve um ano que fiz dependência, em Geometria. Mas eu acho que foi treta particular com o professor. Acho que ele ficou sabendo que eu ia para o Havaí, que pra mim, aos 16 anos, seria a coisa mais impressionante do mundo. Era um sonho. Se eu passasse direto eu ia ter essa felicidade, mas por meio ponto ele me deixou. Aí falei: “Quer saber? Pode me repetir, tudo bem. Ano que vem vou para o Objetivo, faço dependência de Geometria e pau na sua bunda, tchau. Fica aí dando sua aulinha que eu vou pro Havaí”.

 

PLAYBOY – Quando estudava no colégio São Luís você foi expulso?

SUPLA – Teve uma história meio mal contada, em que fui convidado a me retirar. Foi treta com os padres que vinham com papo de aula de sexo. Sem condição, né, meu? O padre falava que se você beijasse antes de casar ia para o inferno. Eu era moleque, 14 anos, ouvia aquilo e falava: “Peraí, então eu vou para o inferno, estou no inferno!”. Engraçado é que meu pai até já fez propaganda para o São Luís...

 

PLAYBOY – E você já tinha até transado naquela época, suponho.

SUPLA – É, já.

 

PLAYBOY – Como e quando foi?

SUPLA – Acho que foi com 13 ou 14 anos, com uma namorada. Mas nem entrou direito, eu era muito criança.

 

PLAYBOY – Não sabe se entrou direito?

SUPLA – É, eu era muito moleque.

 

PLAYBOY – E a primeira vez que entrou, você lembra?

SUPLA – Infelizmente...Será que eu digo “infelizmente” ? Nem sei. Não foi aquela coisa de amor. Foi com puta.

 

PLAYBOY – Como era o papo em casa?

SUPLA – As pessoas imaginam que por ter uma mãe sexóloga, ela vai falar mais coisas. Não falou nada a mais do que qualquer outro pai ou mãe. A única coisa que eu me lembro pegando nos livros dela era que tinha uns negócios de doenças venéreas. E tinha uma que ia abrindo o cu assim (une as mãos e separa em seguida), rasgando o cu. Eu falei: “Nossa, essa aí eu não quero pegar de jeito nenhum”.

 

PLAYBOY – Depois de Casa dos Artistas, comercial em TV e tudo, como é que fica a história de ser punk?

SUPLA – Eu não me considero isso, não. Eu me considero acima de tudo rock and roll, bem antes de punk.

 

PLAYBOY – O João Gordo também está lançando um disco independente, mas fez uma declaração do tipo “por favor, não me comparem ao Supla”. E aí?

SUPLA – Acho engraçado o Gordo me criticar depois de ele ter feito propaganda aqui, ali. Não tem moral nenhuma para falar isso. Ele é outro rei da mídia que tá aí rebolando pra fazer as coisas.

 

PLAYBOY – Qual é o seu maior sonho?

SUPLA – (Pensativo.) Ter saúde. E quem sabe ver a música Green Hair estourar no mundo inteiro.

 

PLAYBOY – Você se veste com essas jaquetas cheias de espetos e dorme de pijama azul-bebê. Quem é o Supla?

SUPLA – É ele mesmo, eu não sigo as regras das coisas normais da vida. Sigo o meu estilo. (Cantando.) “I don´t wanna live a real life, it´s boring / I just wanna be in a comic book with you”. (Não quero viver uma vida real, isso é chato/ Só quero estar num livro de histórias em quadrinho com você). É muito chata a vida real. Eu sou eu, as pessoas que cuidem da vida delas.


Publicado originalmente na revista “Playboy” em fevereiro de 2002