quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Curta com veteranos da rua do Triunfo é premiado em Recife



O curta-metragem Lembranças de Mayo recebeu o prêmio de melhor filme na VII Janela Internacional de Recife que acabou no domingo retrasado (dia 15). A produção mineira de 28 minutos é a estreia do diretor Flávio C. von Sperling, o Flamingo, e teve no elenco dois nomes conhecidos do cinema da Rua do Triunfo: Cláudio Cunha e Nicole Puzzi. "A Boca [do Lixo] foi o ciclo mais diverso, rico, livre e debochado do nosso cinema", opina o realizador.

A história do curta gira em torno do namoro da atriz Zilda (Nicole Puzzi) com um músico mais jovem (Samuel Marotta). O rapaz apresenta a musa ao pai (Cláudio Cunha), fã da atriz no passado. O triângulo amoroso está formado. Flamingo está esbanjando otimismo com seu filme. "Vamos enviar para todos os festivais. Espero que o curta tenha uma carreira interessante e seja visto pelo maior número possível de pessoas."

O jovem realizador só lamenta que Lembranças de Mayo seja o último trabalho de Cláudio Cunha no cinema. O ator morreu em abril deste ano sem ver o curta pronto. "É um misto de uma tristeza terrível de ele ter partido e uma honra enorme de ele ter me dado essa oportunidade de trabalharmos juntos", resume Flamingo. VICE conversou com ele.

Violão, Sardinha e Pão- Qual é a emoção de o filme ter sido premiado na Janela Internacional de Recife?
Flamingo: Impossível ter estreia melhor. Vê-lo na tela do Cine São Luiz com o carinho que o Janela Internacional tem com os filmes já foi um prêmio. Confesso que não imaginava ser premiado. É uma comédia (gênero historicamente tratado como menor), além de a mostra competitiva brasileira ter sido recheada de muitos filmes bons. Agradeço ao júri e, sobretudo, a todo mundo que soltou aquelas risadas que ouvi durante a sessão – que foi linda. O filme tá aí pra isso.

Como surgiu a ideia do curta Lembranças de Mayo?
A ideia surgiu em meados de 2012. O Maurílio Martins, da produtora Filmes de Plástico, surgiu com a primeira ideia [de] que devíamos fazer um filme chamado Lembranças de Mayo. Sempre falávamos isso, sempre papo de boteco. Em 2013, me reuni com meus sócios Leonardo Amaral e Samuel Marotta, e, embalados na cachaça, fizemos uma espécie de escaleta, apontando cenas e situações. A partir disso, desenvolvi o roteiro.

Qual influência o cinema da Boca teve no curta?
O filme foi uma homenagem, uma declaração de amor a esse tipo de cinema, sobretudo às atrizes. A Boca foi o ciclo mais diverso, rico, livre e debochado do nosso cinema, tendo produzido de tudo: filmes de horror, guerra, comédias eróticas, musicais, caipiras – viva Carcaça –, westerns. As chamadas pornochanchadas são os filmes com os quais o Lembranças se relaciona de maneira mais explícita. O filme tem signos, tropos, clichês típicos do gênero: cena de voyeurismo, a figura do 'corno', etc., além de recursos de linguagem caros ao gênero homenageado (e ao cinema italiano popular, outra grandíssima influência para mim e para o filme).

É verdade que inicialmente você queria a atriz Zilda Mayo para o papel principal?
Sim. Cheguei a visitá-la em Araraquara. Zilda foi um doce, e conversamos uma tarde inteira sobre cinema. Nem chegamos a falar especificamente do roteiro, ela leu depois de nos despedirmos. Ela me ligou, agradecendo e [se] mostrando lisonjeada com a homenagem. Mas ela optou por não atuar no filme. Algumas cenas, ela achava delicada. Ela estava num momento pessoal difícil.

Como foi trabalhar com o Cláudio Cunha?
Cláudio é cinema. Ator gigante e cineasta maior ainda. Ator seguro: não ensaiávamos (apenas quando tinha mais gente em cena ou movimento de câmera), apesar de termos filmado em película e com poucas latas. Ele me passava essa segurança. Além de ser a alegria do set. Qualquer segundo de respiro (entre planos, momentos de refeições, etc.), ele chegava com as piadas horríveis que se tornavam geniais quando contadas pelo Cláudio.

E a Nicole?
Nicole tem aquilo que poucas atrizes têm: uma presença natural quase mística. Nos detalhes, no olhar. Ela e a câmera se conhecem. Se amam, aliás. A experiência e o talento extensos da Nicole me ajudaram muito a ter segurança na hora de dirigi-la. Foi, graças a ela, um desafio muito menor do que eu antecipava.

Quais as maiores dificuldades que você teve na produção do curta?
Filmamos em dezesseis milímetros. Tínhamos apenas seis latas de 66 minutos para uma fita de 30 minutos. Vacilou, já era. O filme tem dois planos-sequência e um plano da [cantora] Flávia Falcão cantando uma música inteira para a câmera. Dá aquele medo de errar e faltar. Graças à equipe e ao elenco, conseguimos filmar tudo na conta certa. Foi o primeiro filme que dirigi em película, e esse desafio de faltar filme me ensinou a dar mais atenção aos ensaios. Acredito que também ganhei mais segurança para a minha próxima direção.

Como você se sente por seu filme ser o último trabalho do Cláudio Cunha no cinema?
É um misto de uma tristeza terrível de ele ter partido e uma honra enorme de ele ter me dado essa oportunidade. É uma responsabilidade tremenda ter feito o último filme dele, e me dói profundamente que ele tenha ido sem poder assistir ao nosso filme.

Lembranças de Mayo vai ser exibido em mais festivais?
O filme foi convidado para a mostra Vingança dos Filmes B, em Porto Alegre, e mesmo no Cine Under, no Recife. Por enquanto, essas são as exibições marcadas. Mas agora vamos começar a enviar para todos os festivais e mostras. Espero que tenha uma carreira interessante e seja visto pelo maior número possível de pessoas.

Quais são seus novos projetos?
Não tem nenhum filme prestes a ser realizado agora. Os projetos ainda estão em fase de argumento ou roteiro. Posso dizer, sem dúvidas, que a Boca tem influência em tudo que fiz/faço/fizer. Mas meus próximos projetos não terão essa relação tão explícita com a Boca como o Lembranças de Mayo.

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