NOELLE
PINE
A
militante da Boca
Por Bianca Bellucci,
Heros Macedo, Heverton Bruno, Larissa Palmer, Renata Rocha e Tamires Camargo
Era apenas mais uma tarde
de um sábado nublado no centro de São Paulo quando Noelle Pine, com mais duas
colegas de trabalho, Vanessa Alves e Débora Muniz, estouraram um chamapanhe
Salton na rua do Triunfo, ás 15 horas do dia 26 de junho de 2014 e afastaram os
fantasmas das calçadas que antigamente eram passarelas de estrelas do cinema
nacional e hoje são ocupadas somente por viciados à mercê do tempo.
Para chegar a esta cena
final de novela das 21 horas, a musa, conhecida por seu profissionalismo, teve
de atravessar o Atlântico para perceber a importância da Boca do Lixo e do
cinema nacional em sua vida. Noelle morou 18 anos na Espanha e, inclusive,
chegou a escrever uma peça de teatro chamada “Com los pelos de punta” (2003). A
comédia retrata um grupo de mulheres que se encontram em um salão de beleza e
conversam a respeito de suas vidas. Em determinado momento, elas descobrem que
a grama do vizinho não é tão verde quanto parece, e suas verdadeiras histórias
são reveladas.
A chance de Noelle se
tornar uma atriz conhecida mundialmente ocorreu durante uma estranha escolha de
teste. O papel disputado era para interpretar uma personagem um tanto
inesperada para uma mulher...um travesti. Mas o surpreendente mesmo é que o
filme não era de qualquer um. Era de ninguém menos que o cineasta espanhol
vencedor de dois Oscars, Pedro Almodóvar. Bom, não foi nenhuma surpresa quando
um verdadeiro travesti foi convidado a participar. Mesmo assim, ela conta a
experiência como uma vitória apenas por ser escalada para as audições.
Noelle voltou para o
Brasil em 2008. Já formada em fotografia, e tendo a área como profissão
principal, passou a dedicar os últimos esforços para revitalizar o único polo
que lhe abriu as portas sem pestanejar: a Boca do Lixo. Ainda enquanto estava na
Espanha, ela elaborava planos para recuperar as memórias daquela região. Sua
inspiração estava na forma como a cultura cinematográfica é valorizada em
países europeus, enquanto na Terra do Carnaval e Futebol o passado – e até
mesmo o presente – do cinema nacional é deixado de lado.
Além de ter um livro
lançado sobre os bastidores (“Luz, cama, ação! – Hollyboca”, 2013) e outro
engatilhado sobre a vida pós-pornochanchada de algumas atrizes, a musa se
juntou a dois produtores, Rafael Spaca e Paulo Faria, para dar início ao
projeto que quer proporcionar um novo fôlego ao gênero e reunir velhos amigos
de uma época de outro: o Museu do Cinema e tombamento histórico da Boca do
Luxo.
No Facebook, o movimento
intitulado “Triunfo, a volta” tem atraído cada vez mais adeptos. São atores,
atrizes, produtores, cinegrafistas, diretores, maquiadores e figurantes da
Boca, além de entusiastas das produções feitas por lá. O objetivo é trazer o
espírito artístico e cultural da rua que, para os que conhecem a sua história,
ainda emana vagamente pelas esquinas daquele lugar. Porém, a produção de
audaciosas 100 pornochanchadas por mês não tem volta.
Se os filmes sumiram pela
falta de interesse do público – “para que assistir algo cômico com pitadas
eróticas se eu posso ver sexo explícito em pornôs estrangeiros ?” -, a
militante aponta ainda a falta de profissionais reais. Há 59 aos carregando o
vírus da arte em seu corpo, Noelle foi uma das poucas atrizes de pornochanchada
a serem formada na área. As outras protagonistas e coadjuvantes eram convidadas
enquanto caminhavam pela região apenas por serem...gostosas.
A ideia concreta do
memorial surgiu em uma entrevista dada em março de 2014 para a TV FATO, no
tradicional café Girondino, point dos produtores e diretores da Boca. O trio
responsável pela empreitada decidiu que o objetivo não é trazer a
pornochanchada de volta, mas sim que a Boca não se cale. Que o seu legado não
seja esquecido no tempo, mesmo que exista quem negue o seu envolvimento com a
rua do Triunfo. Mas Noelle sempre se pergunta: como é possível negar um passado
de glória? Por acaso temos como apagar nosso passado? Nossos pais, nossos
filhos? Não.
O chute inicial para o
tombamento da Boca do Lixo como patrimônio histórico-cultural foi dado e o jogo
já começou. O time tem cada vez mais convocados dispostos a defender o ataque
dos antipornochanchadas. As musas, como Noelle, saíram dos seus postos de
líderes de torcida e foram para a linha de ataque, cada uma dando o melhor
toque na bola. Spaca e Faria já deram o grito de guerra, enviando a proposta
para o Ministério da Cultura. A partida vai ser difícil, mas todos os jogadores
já estão preparados para enfrentar os maiores adversários.
- Quando podemos viver do
que gostamos de fazer, tudo tem o gosto de satisfação e realização, tornando-se
um privilégio. A Boca pra mim foi isso, fazer o que eu amava, aprender com quem
eu sabia e atar nós em laços de amizades que perduram até hoje -, é o que
Noelle diz.
FICHA TÉCNICA
Nome completo: Áurea
Ramos César
Nome artístico: Noelle
Pine
Data de nascimento: 19 de
agosto de 1955
Naturalidade: Brasília de
Minas, Minas Gerais
Principais bilheterias de
pornochanchadas:
“Chapeuzinho Vermelho, a
gula do sexo” (1980), Marcelo Motta
“O rei da Boca” (1982),
Clery Cunha
“Anúncio de Jornal”
(1984), Luiz Gonzaga dos Santos
Outros trabalhos
relevantes:
“Hotel puramente
familiar” (1982), peça de teatro de Emanoel Rodrigez
“Vida roubada” (1983),
novela SBT
“CVV, boa noite” (1986),
peça de teatro de Roberto Nogueira
“Com los pelos de punta”
(2003), peça de teatro de sua autoria
“Luz, cama, ação! –
Hollyboca” (2013), livro de sua autoria
Onde vive hoje: Mogi das
Cruzes (SP)
O que faz hoje: fotógrafa
e atriz
Publicado originalmente
no trabalho acadêmico Superfêmeas- as
mulheres que fizeram a história da pornochanchada de autoria de Bianca
Bellucci, Heros Macedo, Heverton Bruno, Larissa Palmer, Renata Rocha e Tamires
Camargo, publicado como trabalho de conclusão do bacharelado em jornalismo da
Universidade Metodista de São Paulo em 2014.
Um comentário:
Ñão conhecia,eu juro.
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