NICOLE
PUZZI
“Eu
amava aquele ambiente. Eu amava...”.
Por Bianca Bellucci,
Heros Macedo, Heverton Bruno, Larissa Palmer, Renata Rocha e Tamires Camargo.
- Coloca o som e o
microfone ali no meio das duas camas, porque capta o som da voz das duas. Vai
captar bem, mesmo quando elas pularem de uma cama para a outra. Se pegar o
barulho da cama a gente dubla, mas vai captar bem o som. Coloca o som aqui, bem
no meio das duas camas.
Algum tempo depois de
tudo ter sido preparado:
- Está tudo bom? Som?-
pergunta o diretor.
- Perfeito !
Começa a filmagem. Nicole
Puzzi de um lado. Monique Lafond de outro. As duas começam a pular de uma cama
para a outra apenas de babydolll. De repente, olham pra baixo e...
- O que é isso? Com esse
cara aqui embaixo eu não filmo!- esbraveja Nicole.
- Como? Cadê...Seu filho
da puta! Você acha que aqui é lugar de...
- Mas o senhor me mandou
colocar o som aqui.
- O som! Eu mandei colocar
você? Você quer desrespeitar as minhas atrizes?
Sem saber o que fazer, o
assistente sai debaixo da cama, onde tinha se escondido “estrategicamente” para
segurar o microfone, e pede desculpas. Mil desculpas. Em seguida pede
substituição. Nicole e Monique não deixam. A lição já tinha sido aprendida.
Nunca mais ele voltaria a cometer abuso desses.
Nicole lembra-se disso
com um sorriso no rosto. Mas nem toda confusão deixou boas lembranças. Certa
vez, entre 1978 e 1979, uma mulher deu um soco na atriz sem razão aparente.
- Ela me viu. Ela veio
com um ódio tão grande e me deu um soco. E eu não entendi. Ela sabia quem eu
era. Sabia o meu nome. Sabia tudo. Então, começou a me xingar. Eu era meio
foda...Eu ia matar aquela mulher porque eu era meio fodona mesmo. Mas aí me
seguraram e ela correu. Se eu pego ela, teria machucado muito e talvez fosse me
arrepender depois.
Nunca entendeu direito o
que aconteceu. Como a mulher sabia quem ela era e o motivo da bronca.
- Meus filmes eram
censurados. Não passava na TV e eu não era conhecida na TV. De que outro jeito
ela sabia quem eu era?
Nicole era cabeça quente,
desbocada e...Sincera. Apaixonadíssima pelo cinema produzido na Boca do Lixo.
Apaixonada pelo trabalho Antônio Polo Galante, Walter Hugo Khouri, Jean Garrett,
entre outros famosos diretores da pornochanchada. Era tão apaixonada que sua
carreira na rua do Triunfo começou antes que o tempo permitisse. Ainda não
havia completado 18 anos de idade quando a jovem Nicole começou no filme
“Possuídas pelo Pecado” (1975). A estreia só foi possível graças a um homem que
zanzava pela Praça da Sé prometendo a todos que “tirava documentos”. Esse ato
de ousadia lhe rende broncas até hoje de David Cardoso, ator conhecido como
“Rei da Pornochanchada”, e seu primeiro diretor.
A partir daí, foi um
filme atrás do outro. E poderiam ter sido muito mais, pois, segundo Nicole, ela
recusou mais produções do que fez. Embora tenha, como diz, “aptidão para papeis
dramáticos”, os diretores adoravam coloca-la como ninfeta, mesmo após seus 24
anos de idade. A atriz mexia com a imaginação dos homens mais velhos que
enxergavam nela uma doce sensualidade. De todas as personagens que fez, a que
mais marcou a sua carreira sem dúvida foi Ariella: uma jovem órfã, herdeira de
uma grande fortuna, mas que sofria nas mãos de seus pais adotivos, que
desejavam a sua herança.
Mas nem só de atuação
vivia Nicole Puzzi. Curiosa e cismada de que tinha que conhecer de tudo e mais
um pouco da vida, ela se interessou por Nietzsche, trabalhou como enfermeira,
cursou Direito e tinha um fascínio pelo comportamento do ser humano. Agora,
quer ver o lado de atriz de Nicole falar mais alto? Faça uma crítica sobre a
pornochanchada ou critique seus colegas de profissão.
- Essas coisas são
apontadas com o dedo do preconceito. Era o gênero do povinho, diziam da
pornochanchada na época. Coisas que as gentinhas, vamos dizer assim, faziam.
Todo mundo queria fazer sexo, mas empurravam a culpa para nós, como se fossemos
os culpados, os responsáveis.
Certa vez, estava em um
salão de beleza se preparando para gravar e, do nada, “uma mulher mal
resolvida”, como diz Nicole, sem mais nem menos começou a falar das atrizes da
pornochanchada:
- Por que toda atriz de
cinema é puta?
A mulher questionava a
todos do salão em voz alta, deixando o cabelereiro, que não sabia onde se
escondia, olhando para Nicole sem saber o que fazer. Depois de um tempo, sem
poder aguentar mais, Nicole respondeu em alto e bom som.
- Porque a gente faz
exatamente aquilo que você faria se estivesse no seu lugar.
Silêncio. Um pouco depois
o silêncio virou simpatia. Que virou camaradagem por parte da mulher. Até que
ela ousou mostrar umas fotos mais picantes que havia tirado para o namorado.
“Fotos ridículas e tiradas em um motelzinho de quinta”, de acordo com Nicole,
que fez questão de mostra-las ao salão todo, é claro.
Os diretores, atores e
outros personagens da Boca a amavam. O seu jeito esquentado e sincero
conquistou Walter Hugo Khouri. O diretor fazia questão de tê-la em quase todo
filme que dirigia, tornando-a uma de suas musas – talvez a principal. Khouri
praticamente criou uma personagem justamente para ela em “Eu” (1987). No longa,
Nicole vive Lila, uma das várias mulheres que não resistem aos encantos de
Marcelo, um milionário tarado interpretado por Tarcísio Meira. Nessa obra,
Nicole recebe mais espaço para mostrar o lado dramático – seu último trabalho
antes de ir para a televisão.
No entanto, antes de
atingir o status de musa da pornochanchada, Nicole largou a ideia de ir para um
colégio de freiras aos 14 anos de idade, simplesmente por que tinha na cabeça
que não queria casar. Viveu uma vida, que segundo ela, foi diferente do normal.
- Eu tinha uma família de
mentalidade mais tradicional, mas uma família espetacular. Aí eu me torno atriz
de pornochanchada. Por quê? Porque resolvi ser rebelde. Aí confronto uma porção
de coisa em mim mesma e nos outros. Tomo um caminho difícil. Eu sempre soube
que ser atriz de pornochanchada naquela época ia ser terrível.
E foi durante uma
conversa com sua família que Nicole escutou o que precisava para sair do
Paraná, tomar o seu rumo, conquistar a carreira nos cinemas e seguir para São
Paulo:
- Você vai quebrar a
cara, minha filha- disse Orlando Ferreira, pai de Nicole, quando descobriu o
que filha queria fazer – Você vai quebrar a cara; Você escolheu uma coisa que
vai ser muito dura pra você.
Nicole olhava, esperando
ser expulsa de casa.
- Você vai quebrar a cara
e tem uma coisa: quando você quebrar a cara...
“Fodeu!”, pensou Nicole,
assustada. Seu Orlando continuou:
- Quando você quebrar a
cara, você volta aqui para o pai, que o pai vai te ajudar a catar os cacos. Vai
viver a tua vida, mas eu estou aqui.
Os anos de ouro da
pornochanchada e da rua do Triunfo passaram. As idas ao boteco para comer pão com
mortadela junto ao elenco depois de cada gravação – ou melhor, Nicole,
vegetariana desde aquela época, pedia queijo ou comia pão puro – também
passaram, mas não impedem Nicole Puzzi de seguir sonhando com um merecido
reconhecimento da parte do público para com as obras que participou. Também
para com os diretores, atores e amigos que fez lá na Boca do Lixo.
- Olha, eu vivi bem por
que eu acho que amava aquele ambiente. Só viveu mal quem ia viver mal em
qualquer lugar. Eu amava aquele ambiente. Eu amava.
FICHA TÉCNICA
Nome completo: Tereza
Nicole Puzzi Ferreira
Nome artístico: Nicole
Puzzi
Data de nascimento: 17 de
maio de 1958
Naturalidade: Floraí,
Paraná.
Principais bilheterias da
pornochanchadas:
“Possuídas pelo pecado”
(1976), Jean Garrett
“Dezenove mulheres e um
homem” (1977), David Cardoso
“Escola penal de mulheres
violentadas” (1977), Antônio Meliande
“Pensionato das
vigaristas” (1977), Osvaldo de Oliveira
“Reformatório das
depravadas” (1978), Ody Fraga
Outros trabalhos
relevantes:
“Ariella” (1980), John
Herbert
”Gabriela” (1983), Bruno
Barreto
“Eu” (1987), Walter Hugo
Khouri
“Barriga de aluguel”
(1990/91), novela Rede Globo
“A Boca de São Paulo”
(2013), livro de sua autoria
“Pornolândia” (2014),
programa Canal Brasil.
Onde vive hoje: São Paulo,
capital
O que faz hoje: Ativista,
assistente social, apresentadora e atriz.
Publicado originalmente
no trabalho acadêmico Superfêmeas- as
mulheres que fizeram a história da pornochanchada de autoria de Bianca
Bellucci, Heros Macedo, Heverton Bruno, Larissa Palmer, Renata Rocha e Tamires
Camargo, publicado como trabalho de conclusão do bacharelado em jornalismo da
Universidade Metodista de São Paulo em 2014.
2 comentários:
Pornochanchada todo mundo fez,mesmo quem não era do ramo,visto em prespectiva acaba sendo.A Embrafilme copiava o melhor e o pior da Boca do Lixo,apenas acrescentava um certo vernis na produção.
Verniz,melhor assim.
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