sábado, 28 de maio de 2016

Superfêmeas IV: Nicole Puzzi

 NICOLE PUZZI
“Eu amava aquele ambiente. Eu amava...”.



Por Bianca Bellucci, Heros Macedo, Heverton Bruno, Larissa Palmer, Renata Rocha e Tamires Camargo.

- Coloca o som e o microfone ali no meio das duas camas, porque capta o som da voz das duas. Vai captar bem, mesmo quando elas pularem de uma cama para a outra. Se pegar o barulho da cama a gente dubla, mas vai captar bem o som. Coloca o som aqui, bem no meio das duas camas.

Algum tempo depois de tudo ter sido preparado:

- Está tudo bom? Som?- pergunta o diretor.

- Perfeito !

Começa a filmagem. Nicole Puzzi de um lado. Monique Lafond de outro. As duas começam a pular de uma cama para a outra apenas de babydolll. De repente, olham pra baixo e...

- O que é isso? Com esse cara aqui embaixo eu não filmo!- esbraveja Nicole.

- Como? Cadê...Seu filho da puta! Você acha que aqui é lugar de...

- Mas o senhor me mandou colocar o som aqui.

- O som! Eu mandei colocar você? Você quer desrespeitar as minhas atrizes?

Sem saber o que fazer, o assistente sai debaixo da cama, onde tinha se escondido “estrategicamente” para segurar o microfone, e pede desculpas. Mil desculpas. Em seguida pede substituição. Nicole e Monique não deixam. A lição já tinha sido aprendida. Nunca mais ele voltaria a cometer abuso desses.

Nicole lembra-se disso com um sorriso no rosto. Mas nem toda confusão deixou boas lembranças. Certa vez, entre 1978 e 1979, uma mulher deu um soco na atriz sem razão aparente.

- Ela me viu. Ela veio com um ódio tão grande e me deu um soco. E eu não entendi. Ela sabia quem eu era. Sabia o meu nome. Sabia tudo. Então, começou a me xingar. Eu era meio foda...Eu ia matar aquela mulher porque eu era meio fodona mesmo. Mas aí me seguraram e ela correu. Se eu pego ela, teria machucado muito e talvez fosse me arrepender depois.

Nunca entendeu direito o que aconteceu. Como a mulher sabia quem ela era e o motivo da bronca.

- Meus filmes eram censurados. Não passava na TV e eu não era conhecida na TV. De que outro jeito ela sabia quem eu era?

Nicole era cabeça quente, desbocada e...Sincera. Apaixonadíssima pelo cinema produzido na Boca do Lixo. Apaixonada pelo trabalho Antônio Polo Galante, Walter Hugo Khouri, Jean Garrett, entre outros famosos diretores da pornochanchada. Era tão apaixonada que sua carreira na rua do Triunfo começou antes que o tempo permitisse. Ainda não havia completado 18 anos de idade quando a jovem Nicole começou no filme “Possuídas pelo Pecado” (1975). A estreia só foi possível graças a um homem que zanzava pela Praça da Sé prometendo a todos que “tirava documentos”. Esse ato de ousadia lhe rende broncas até hoje de David Cardoso, ator conhecido como “Rei da Pornochanchada”, e seu primeiro diretor.

A partir daí, foi um filme atrás do outro. E poderiam ter sido muito mais, pois, segundo Nicole, ela recusou mais produções do que fez. Embora tenha, como diz, “aptidão para papeis dramáticos”, os diretores adoravam coloca-la como ninfeta, mesmo após seus 24 anos de idade. A atriz mexia com a imaginação dos homens mais velhos que enxergavam nela uma doce sensualidade. De todas as personagens que fez, a que mais marcou a sua carreira sem dúvida foi Ariella: uma jovem órfã, herdeira de uma grande fortuna, mas que sofria nas mãos de seus pais adotivos, que desejavam a sua herança.

Mas nem só de atuação vivia Nicole Puzzi. Curiosa e cismada de que tinha que conhecer de tudo e mais um pouco da vida, ela se interessou por Nietzsche, trabalhou como enfermeira, cursou Direito e tinha um fascínio pelo comportamento do ser humano. Agora, quer ver o lado de atriz de Nicole falar mais alto? Faça uma crítica sobre a pornochanchada ou critique seus colegas de profissão.

- Essas coisas são apontadas com o dedo do preconceito. Era o gênero do povinho, diziam da pornochanchada na época. Coisas que as gentinhas, vamos dizer assim, faziam. Todo mundo queria fazer sexo, mas empurravam a culpa para nós, como se fossemos os culpados, os responsáveis.

Certa vez, estava em um salão de beleza se preparando para gravar e, do nada, “uma mulher mal resolvida”, como diz Nicole, sem mais nem menos começou a falar das atrizes da pornochanchada:

- Por que toda atriz de cinema é puta?

A mulher questionava a todos do salão em voz alta, deixando o cabelereiro, que não sabia onde se escondia, olhando para Nicole sem saber o que fazer. Depois de um tempo, sem poder aguentar mais, Nicole respondeu em alto e bom som.

- Porque a gente faz exatamente aquilo que você faria se estivesse no seu lugar.

Silêncio. Um pouco depois o silêncio virou simpatia. Que virou camaradagem por parte da mulher. Até que ela ousou mostrar umas fotos mais picantes que havia tirado para o namorado. “Fotos ridículas e tiradas em um motelzinho de quinta”, de acordo com Nicole, que fez questão de mostra-las ao salão todo, é claro.

Os diretores, atores e outros personagens da Boca a amavam. O seu jeito esquentado e sincero conquistou Walter Hugo Khouri. O diretor fazia questão de tê-la em quase todo filme que dirigia, tornando-a uma de suas musas – talvez a principal. Khouri praticamente criou uma personagem justamente para ela em “Eu” (1987). No longa, Nicole vive Lila, uma das várias mulheres que não resistem aos encantos de Marcelo, um milionário tarado interpretado por Tarcísio Meira. Nessa obra, Nicole recebe mais espaço para mostrar o lado dramático – seu último trabalho antes de ir para a televisão.

No entanto, antes de atingir o status de musa da pornochanchada, Nicole largou a ideia de ir para um colégio de freiras aos 14 anos de idade, simplesmente por que tinha na cabeça que não queria casar. Viveu uma vida, que segundo ela, foi diferente do normal.

- Eu tinha uma família de mentalidade mais tradicional, mas uma família espetacular. Aí eu me torno atriz de pornochanchada. Por quê? Porque resolvi ser rebelde. Aí confronto uma porção de coisa em mim mesma e nos outros. Tomo um caminho difícil. Eu sempre soube que ser atriz de pornochanchada naquela época ia ser terrível.

E foi durante uma conversa com sua família que Nicole escutou o que precisava para sair do Paraná, tomar o seu rumo, conquistar a carreira nos cinemas e seguir para São Paulo:

- Você vai quebrar a cara, minha filha- disse Orlando Ferreira, pai de Nicole, quando descobriu o que filha queria fazer – Você vai quebrar a cara; Você escolheu uma coisa que vai ser muito dura pra você.

Nicole olhava, esperando ser expulsa de casa.

- Você vai quebrar a cara e tem uma coisa: quando você quebrar a cara...

“Fodeu!”, pensou Nicole, assustada. Seu Orlando continuou:

- Quando você quebrar a cara, você volta aqui para o pai, que o pai vai te ajudar a catar os cacos. Vai viver a tua vida, mas eu estou aqui.

Os anos de ouro da pornochanchada e da rua do Triunfo passaram. As idas ao boteco para comer pão com mortadela junto ao elenco depois de cada gravação – ou melhor, Nicole, vegetariana desde aquela época, pedia queijo ou comia pão puro – também passaram, mas não impedem Nicole Puzzi de seguir sonhando com um merecido reconhecimento da parte do público para com as obras que participou. Também para com os diretores, atores e amigos que fez lá na Boca do Lixo.

- Olha, eu vivi bem por que eu acho que amava aquele ambiente. Só viveu mal quem ia viver mal em qualquer lugar. Eu amava aquele ambiente. Eu amava.

FICHA TÉCNICA



Nome completo: Tereza Nicole Puzzi Ferreira
Nome artístico: Nicole Puzzi
Data de nascimento: 17 de maio de 1958
Naturalidade: Floraí, Paraná.

Principais bilheterias da pornochanchadas:
“Possuídas pelo pecado” (1976), Jean Garrett
“Dezenove mulheres e um homem” (1977), David Cardoso
“Escola penal de mulheres violentadas” (1977), Antônio Meliande
“Pensionato das vigaristas” (1977), Osvaldo de Oliveira
“Reformatório das depravadas” (1978), Ody Fraga

Outros trabalhos relevantes:
“Ariella” (1980), John Herbert
”Gabriela” (1983), Bruno Barreto
“Eu” (1987), Walter Hugo Khouri
“Barriga de aluguel” (1990/91), novela Rede Globo
“A Boca de São Paulo” (2013), livro de sua autoria
“Pornolândia” (2014), programa Canal Brasil.

Onde vive hoje: São Paulo, capital
O que faz hoje: Ativista, assistente social, apresentadora e atriz.


Publicado originalmente no trabalho acadêmico Superfêmeas- as mulheres que fizeram a história da pornochanchada de autoria de Bianca Bellucci, Heros Macedo, Heverton Bruno, Larissa Palmer, Renata Rocha e Tamires Camargo, publicado como trabalho de conclusão do bacharelado em jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo em 2014.

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Pornochanchada todo mundo fez,mesmo quem não era do ramo,visto em prespectiva acaba sendo.A Embrafilme copiava o melhor e o pior da Boca do Lixo,apenas acrescentava um certo vernis na produção.

ADEMAR AMANCIO disse...

Verniz,melhor assim.