CLARA
A 12 de
outubro de 1912, à rua Teófilo Otoni, nasceu Clara, filha de Clara Souza Netto
e Serafim Corrêa Neto, vidraceiro.
Com seus 15
anos, menina prendada, inteligente, já órfã, residindo então á rua Teodora da
Silva (defronte ao Externato Sta. Rita de Cássia), começou a auxiliar dona Rita
e dona Marta.
Contato
direto entre Clara e Noel deu motivo a um namoro de crianças. Dona Marta
anelava um casamento feliz para seu filho: ele médico e a esposa talvez
professora.
Em 1930,
porém, a família de Clara mudou-se para a rua Barão do Bom Retiro número 487.
Logo aos primeiros dias, Clara percebeu que existia ali uma séria concorrência
para sua vida sentimental. Após conversas no 487, Noel despedia-se e, ao invés
de voltar para seu chalé, demorava-se em palestras com várias criaturas
femininas, residentes a rua Moju...
Clara (então com 18 anos), com sua indiscutível superioridade moral, afastou-se logo e completamente de Noel, dedicando-se somente aos seus trabalhos no Externato Santa Rita de Cássia.
Clara (então com 18 anos), com sua indiscutível superioridade moral, afastou-se logo e completamente de Noel, dedicando-se somente aos seus trabalhos no Externato Santa Rita de Cássia.
Assim
terminou o antigo namoro. Continuaram apenas amigos.
10 de
novembro de 1931. No largo de São Francisco de Paula (episódio então
recordado por Graça Melo e que após apurei com todas as minúcias), Noel
esperava um bonde para Vila Isabel. Por acaso encontrou Clara, que dirigia o
bando de seus 9 irmãos e 5 irmãs. Acontece que Noel não possuía o dinheiro
necessário para a viagem de bonde. O impasse era desagradável. Noel, porém,
resolveu o problema de maneira simples: pediu que Clara e seus irmãos
aguardassem ali um instante e partiu imediatamente à casa de músicas Viúva
Guerreiro, à rua 7 de Setembro número 169. Encontrou ali o conhecido pianista
J. Machado e ofereceu-lhe a venda de um dos seus sambas:
- Que samba é este, Noel?- indagou J. Machado.
- Que samba é este, Noel?- indagou J. Machado.
- É meu,
mas por enquanto só fiz os versos.
Versos de
Noel já representava um indiscutível valor, razão porque o pianista aceitou o
negócio. E, no mesmo instante, Noel “fabricou” um estribilho e duas estrofes
que ele próprio rabiscou, assinando recibo com estampilhas, de acordo com a
lei. Recebeu o valor estabelecido, partiu e com aqueles 5 mil réis pagou a
passagem de bonde do bando todo...
Infelizmente
tais versos perderam-se completamente, mas seu título dá uma ideia perfeita d
desprezo que Noel revelava diante de certas situações: “Que se dane!”.
1932. Festa
na rua Conde de Bonfim, Tijuca.
A certa
altura, cercado de amigos, chega Noel. Houve um natural reboliço nas fãs, que
desejavam ver e conhecer o já notável compositor.
Clara
estava presente com seu novo namorado, estudando médico-veterinário militar,
Jorge, ciumento, que evitava todos os possíveis contatos com Noel, já informado
de suas relações anteriores.
Na alegria
de anunciar a presença do “filósofo do samba”, a dona da casa o apresentava a
todos os convidados, um a um. E coube a vez de Clara e Jorge. Desajeitada, sem
graça, com a surpresa, Clara preferiu adotar um recurso compreensível, somente
cumprimentando Noel formalísticamente:
- Prazer em
conhece-lo.
Noel
compreendeu tudo, num relance. E, sem fita-la, respondeu-lhe secamente:
- O prazer
foi todo meu.
Noel não se
demorou na festa, e alegando qualquer compromisso urgente, despediu-se. Em
companhia do velho amigo Arnaldo D´Araújo, alfaiate, dirigiu-se para o
Boulevards, sentou-se em uma das mesas do Café Ponto Chic (ao lado da Estação
dos Bondes) e escreveu uns versos para os quais posteriormente Custódio
Mesquita completou a melodia já iniciada pelo poeta:
PRAZER EM
CONHECÊ-LO
Quantas
vezes nós sorrimos sem vontade
E
escondemos um rancor no coração
Por um
simples dever de sociedade
No momento
de uma apresentação.
Se eu
soubesse que em tal festa te encontrava,
Não iria
desmanchar o teu prazer,
Porque, se
lá não fosse, eu não lembrava
Um passado
que tanto nos fez sofrer.
Lá num
canto vi o meu rival antigo,
Ex-amigo
Que
aguardava o escândalo fatal;
Fiquei
branco...amarelo...furta cor,
De terror,
Sem achar
uma ideia genial.
Ainda
lembro que ficamos de repente,
Frente a
frente,
Naquele
instante, mais frios do que o gelo,
Mas,
sorrindo, apertasse a minha mão
Dizendo,
então:
- “Tenho
muito prazer em conhece-lo”.
Eu, notei
que alguém, impaciente,
Descontente,
Ia, mais
tarde, te repreender,
Ciumento
que até nem quis saber
Que mais
prazer
Eu teria em
não te conhecer...
Retirado de ALMIRANTE. No tempo de Noel Rosa. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1963.
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