A obra versa sobre o cineasta Virgílio Roveda, diretor de fotografia que começou sua carreira pelos idos dos anos 60, com José Mojica Marins, com quem manteve – e mantém até hoje – estreita relação profissional e de amizade. Também Roveda, conhecido nos meios cinematográficos como “Gaúcho”, fez quase 10 filmes com Mazzaropi, ou como assistente ou como operador de câmara, entre outros feitos profissionais. A produção do longa é da Mamute Filmes, para direção de Sérgio Kieling e fotografia de Humberto Bassanelli. “O Coringa do Cinema”, o filme, teve sua exibição no dia 29/08 no Cine Batatais.
sexta-feira, 30 de agosto de 2019
terça-feira, 27 de agosto de 2019
"O CORINGA DO CINEMA" EM BATATAIS (SP)
Tem exibição de "O Coringa do Cinema" em Batatais!
Quinta, 29 de agosto, às 19h30
(exibição do filme, seguido de bate-papo com o diretor Sérgio Kieling e o próprio Virgílio Roveda)
Feira do Livro de Batatais
Local: Cine Batatais (Praça Cônego Joaquim Alves, 167 - Centro)
Ingressos gratuitos
(exibição do filme, seguido de bate-papo com o diretor Sérgio Kieling e o próprio Virgílio Roveda)
Feira do Livro de Batatais
Local: Cine Batatais (Praça Cônego Joaquim Alves, 167 - Centro)
Ingressos gratuitos
Marcadores:
O Coringa do Cinema,
Virgilio Roveda
segunda-feira, 12 de agosto de 2019
Grandes entrevistas de PBY: Jece Valadão em 2007
Playboy entrevista Jece
Valadão
Uma conversa franca com
aquele que foi o ator mais cafajeste do Brasil sobre aventuras com mulheres
casadas, surubas com o presidente João Figueiredo e como ele broxou com Norma
Bengell
Jece Valadão estava
animado. Em casa, um apartamento simples no centro de São Paulo, vestia camisa
e calças sociais, tinha os cabelos penteados para trás e escondia os pés
descalços na mesa da sala. Era o dia de sua primeira bateria de entrevistas
para PLAYBOY e ele se sentia prestigiado. Nos últimos dez anos, Valadão, dono
de um currículo em que constam 107 filmes, estrela do Cinema Novo e da
Chanchada, andava um tanto esquecido. Só recentemente voltara a ocupar páginas
de jornais e revistas graças ao papel principal no seriado Filhos do Carnaval, da HBO (série indicada ao Emmy Internacional),
e às filmagens do longa Encarnação do Demônio, de José Mojica Marins, o Zé do
Caixão. Também procurava patrocínio para o filme O Dia do Juízo Final – a história do apóstolo Paulo de Tarso – e
esperava a estreia no cinema de Cinco
Frações de Uma Quase História, em que interpretou um juiz corrupto. Mas o
que mexia com a vaidade de Jece Valadão era uma homenagem que acabara de
receber do Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, com a exibição
de alguns dos principais filmes de sua carreira.
Jece estava sumido
desde que se convertera à religião evangélica e aposentara o papel que o
consagrou: do cafajeste. Passou a última década dando seu depoimento evangélico
em templos Brasil afora, contando sobre a visão de Deus que o fez largar vícios
e dedicar-se à pregação de palavra. Foram dez anos afastados dos holofotes –
segundo ele, tempo necessário que se tornasse um evangélico convicto e não
caísse nas inúmeras tentações do meio artístico. Pai de nove filhos – cinco dos
quais reconhecidos -, casou-se
pela sexta vez com uma amiga de culto, Vera Valadão, de 45 anos. No dia e que
recebeu PLAYBOY pela primeira vez, Jece falou sobre suas dificuldades. Contou
que, certa vez, teve de pedir 20 reais emprestados a um amigo. Explicou que,
nesse período, sua fonte de renda foi a venda de CDs e DVDs com seus
“testemunhos de fé”. Mas estava confiante de que o tempo das vacas magras havia
passado. “Assinei um contrato com a Rede Record de três anos. Você sabe o que é
isso para um homem de 76 anos?” Jece Valadão estava certo de que viveria muito
mais do que o suficiente para honrar seu contrato com a emissora. E gabava-se
de sua saúde de ferro. “Eu não tenho nada no pulmão, nem problemas
respiratórios. Só tenho uma diabete controlada. Passei 65 anos comendo errado,
fazia tudo que desse na telha”.
Filho de pais
camponeses, Jece descobriu o talento para a sétima arte ainda criança, em
Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo. Ganhava pedaços de rolos de filmes
de um amigo que trabalhava no cinema da cidade, colava-os e, com a ajuda de uma
caixa e uma lâmpada, fazia projeções para os meninos da vizinhança. Começou sua
vida profissional como locutor de rádio, mas sabia que o seu futuro estava na
telona. Mudou-se para o Rio de Janeiro e, na primeira vez em que pediu emprego
na Atlântida, ouviu de um de seus mais importantes diretores, Watson Macedo,
que não era bonito o suficiente para o ofício de ator. “Aquilo acabou comigo”,
contou. Mas conseguiria um papel de figurante no filme Também Somos Irmãos e,
por uma artimanha do destino, despertou profunda atração física no diretor José
Carlos Burle. Deveria apenas entregar um chope ao personagem vivido por Jorge
Dória, mas terminou contracenando com Grande Otelo.
Jece Valadão adorou
aquele ambiente – “via aquelas luzes e sentia-me em Hollywood” – e passou a
frequentar congressos e seminários de cinema do Rio de Janeiro. Num deles,
conheceu o diretor Nelson Pereira dos Santos e com ele filmou Rio 40 Graus, Os Cafajestes (1962), de Ruy Guerra. Contou que bateu em mulher,
desvirginou púberes, andou com revólver sem porte de arma, virou incontornáveis
garrafas de whisky, foi amigo do peito de um membro do Esquadrão da Morte,
cheirou cocaína. Naquela ocasião, folheou, com assumida curiosidade as edições
de PLAYBOY de Mariana Felício, Flávia Alessandra e dos Aviões da Varig, que
recebeu de presente da repórter Adriana Negreiros. Sugeriu à esposa,
evangélica, que escolhesse um lugar no guia de motéis encartado na edição de
julho de PLAYBOY, para que os dois passassem uma noite. Riu, com jeito de
criança levada, quando ela lhe passou um pito pela proposta indecorosa.
Nada sugeria que o
vivaz Jece Valadão estaria morto poucos dias depois dali. Quando ele foi
internado com insuficiência respiratória, no dia 20 de novembro último, a
edição de dezembro de PLAYBOY já estava na gráfica. As sete horas de conversa
com o ator, previstas para serem publicadas nesta edição, já haviam sido
transcritas e editadas. Poucos dias antes de ir para o hospital, ele havia
pedido à repórter que o sabatinou que enviasse para sua casa a edição de
outubro, com a entrevista do ator Daniel Filho, seu colega em Os Cafajestes. Confessou que estava
curioso para ler o que sairia publicado a seu respeito. “Por favor, seja
boazinha comigo”, pediu. Jece Valadão morreu às 17h20 do dia 27 de novembro de
2006. Esta foi sua última entrevista.
PLAYBOY-
Você havia dito que não faria o novo filme do Zé do Caixão, Encarnação do Demônio, porque batia de
frente com o que você pensava. Mas resolveu aceitar o papel. O que mudou?
JECE- Eu mudei algumas
coisas no diálogo que vão justificar a minha participação. O meu personagem é um
coronel da polícia que persegue o Zé do Caixão. Não é bem um vilão. Eu
represento a Justiça. Eu acrescentei um diálogo em que meu personagem fala:
“Sou católico apostólico romano e meus santos me salvam”. A sala dele é lotada
de santos. No final do filme ele morre e diz: “Meus santinhos não resolveram
meu problema”. Ou seja, ele mostra que a idolatria não leva a nada.
PLAYBOY-
O título do filme com referência ao demônio não te incomodou?
JECE- Eu tenho acesso
direto ao Espírito Santo e ele me disse: “Meu filho, seja qual for a tua
decisão, o filme será feito. Então, melhor que seja feito com a sua voz
destoante”. Também consultei meu pastor. Além do mais, estão me pagando muito
bem.
PLAYBOY-
Do que você é proibido?
JECE- Não sou proibido
de fumar nem de beber. Se eu quiser beber um whisky agora, eu bebo e nenhum
produtor me proíbe. Mas não faço porque tenho consciência de que faz mal para o
meu corpo. Não bebo, não fumo e não cheiro pó, por convicção.
PLAYBOY-
Mas houve um tempo em que você fazia isso tudo.
JECE- Eu bebia uma
garrafa de whisky numa sentada. Só com gelo. Whisky bom, escocês. E não ficava
de porre. Fumava quatro maços de cigarro por dia. A única coisa que não
pratiquei foi o consumo de drogas.
PLAYBOY-
Nem por curiosidade?
JECE- Só uma vez, no
Rio de Janeiro, na casa de uma milionária. Toda semana ela dava festa. Ela
tinha uma mesma de mármore preta no meio da sala e preparava as carreiras de
cocaína para os convidados. Eles pegavam notas de dólar e cheiravam aquele
negócio. O único que não cheirava era eu. E ela não aceitava. Mas ela encheu
tanto o meu saco que eu falei: “Vou lá”. Cheguei, cheirei aquele negócio de uma
vez. Sabe o que aconteceu? Sentei no sofá e dormi a festa inteira. Eu preferia
o whisky.
PLAYBOY-
Muita gente que vira evangélica renega o que fez. Você não se furta a falar
sobre suas aventuras do passado. Por quê?
JECE- Meu passado é um
livro aberto, como é que eu vou negar?
PLAYBOY-
Então vamos falar dele. Você já se envolveu em muitas brigas?
JECE- Várias vezes. Eu
vivi muito perigosamente. Eu arriscava a vida praticamente toda noite. Eu e um
amigo saíamos para as boates, no Rio, e nosso prazer era tomar a mulher dos
gringos. Sentávamos numa mesa, pedíamos whisky, começávamos a beber e ver quem
era bonita. Não importava quem estivesse ao lado da mulher, a gente começava
uma paquera. Mandava o maître falar com ela, levava recadinho. E na maioria das
vezes tomava a mulher do cara. Isso é arriscar a vida. Se você pega um cara
invocado, ele puxa o revólver.
PLAYBOY-
Já aconteceu?
JECE- Uma vez, numa
boate, a mulher de um cara começou a dar bola pra mim. Começou a dançar na
minha frente, fazendo charme. E o sujeito se invocou. Esse era brasileiro.
Estava no meio de pileque e veio falar comigo. Eu falei: “Não me enche o saco”. E dei um empurrão, ele caiu sentado. Na hora
de ir embora, o cara veio me provocar. Eu já estava com alguns whiskies na
cuca. Ele disse: “Você não foi homem comigo e eu quero desfazer esse negócio
aqui agora”. Falei: “Não vou fazer nada com você. Vou mijar no teu pé”. E
mijei. Molhei a calça, o sapato. Mas o negócio foi tão agressivo que o cara
ficou parado, virou estátua. Meu amigo já estava com o carro ligado, saímos
morrendo de rir.
PLAYBOY-
E a agressão ficou por isso mesmo?
JECE- Que nada. O cara
me conhecia. Passaram-se uns três dias e toda noite passávamos na Fiorentina,
que era um restaurante do Leme (bairro da
zona sul do Rio de Janeiro) que ficava aberto a noite inteira e era
frequentado por artistas. Um dia eu vou chegando e o maître corre. “Seu Jece,
tem um cara aí com um revólver desse tamanho querendo te matar”. Olhei o cara e
reconheci. Ele estava sozinho numa mesa. Fui lá, sentei de frente pra ele e
disse: “Você veio me matar? Então que mate logo, ou eu te dou umas bolachas e
te faço engolir o revólver. Agora, se veio conversar, estou disposto a pedir
desculpas pelo que fiz. Eu sei que errei, mas você folgou demais”. Aí o cara
começou a chorar, coitado. Eu tripudiava com as pessoas, tinha uma falha de
caráter muito grande. Andava armado com uma pistola de 13 tiros, engatilhada,
sempre.
PLAYBOY-
Você tinha porte de arma?
JECE- Nada. Dirigi a
vida inteira sem carteira. Tirei quando vim morar em São Paulo, em 85. Eu tinha
motorista, mas quando ele faltava eu dirigia e fui pego várias vezes. O guarda
reconhecia e me liberava.
PLAYBOY-
Chegou a usar a arma?
JECE- Nunca dei um
tiro. Mas tinha uma arma sempre dentro do carro. Vim para São Paulo com essa
pistola 765. Eu estava casado e a mulher enchia meu saco para eu vender. Vendi
e uma semana depois saí do escritório e parei num sinal. Aí vem um cara com um
revólver 22. Eu tinha um Rolex Presidente. Tirei o relógio e dei na mão daquele
débil mental. Saiu andando para vender por 50 reais. Se eu tivesse com a arma
ali, não tenha dúvidas de que eu o matava, pelas costas. O ódio era grande.
PLAYBOY-
Na série Os Filhos do Carnaval, você
interpreta um bicheiro. Qual era a sua relação com Castor de Andrade, o
bicheiro mais famoso do Brasil?
JECE- Eu era muito
amigo dele. Ele era duas pessoas distintas. Uma era o bicheiro de Bangu, dono
da escola de samba. E era outro em Copacabana. Eu era amigo do Castor de
Copacabana. Ele foi meu sócio no filme Os Cafajestes. Teve um filme que eu fiz
em que precisava de armas. Era uma época difícil de conseguir armamento, por
causa da Ditadura. Não consegui no Exército, fui no Castor e ele me abriu o
arsenal dele. Me emprestou todas as armas e eu fiz o filme.
PLAYBOY-
Que tipo de arma?
JECE- Fuzil,
metralhadora, revólver 38 e mais alguns de 13 tiros. O Castor de Andrade tinha
um arsenal. Mas ele era uma pessoa dócil. Uma dama.
PLAYBOY-
Vocês chegaram a aprontar muito juntos?
JECE- Não. Eu aprontei
muito com o Mariel Mariscot (policial
membro do Esquadrão da Morte). Fiz um filme com ele, Eu Matei Lúcio Flávio (1979). Ele estava na prisão, eu ia lá, ele
me contava a história dele e eu anotava. Depois fiz o argumento do filme.
PLAYBOY-
O que vocês fizeram?
JECE- Teve uma vez em
que eu estava fazendo o filme, e o Mariel falou: “Ô Jece! Qualquer dia desses
eu vou te levar para um extermínio. Aí você vai ver como é, para fazer direito
no cinema. Porque um extermínio de verdade, não tem nada a ver com o que você
faz no cinema não, viu?”. Eu querendo bancar o machão, disse: “Tá bom, na hora
que você me chamar, eu estou lá”. Três ou quatro dias depois ele me telefona:
“Hoje vai ter execução lá no aterro do Flamengo. Vamos marcar em tal lugar na
Cinelândia 9 horas da noite”. Eu falei: “Tá bom”.
PLAYBOY-
E foi?
JECE- Eu desliguei o
telefone e falei: “O quê? Assistir a uma morte? Mas não há condições de eu ir”.
E obviamente não fui. No dia seguinte li no jornal: pegaram um cara, levaram
para o aterro do Flamengo, amordaçaram, degolaram com o cordão, atiraram na
cabeça. Era um bandido. A imprensa descobriu que ele estava hospedado num hotel
no centro da cidade e foi lá. E o porteiro do hotel disse: “Ontem vieram aqui
três caras e saíram com ele”. Agora imagina se eu tivesse ido? O porteiro ia
dizer: “O Jeca Valadão esteve aqui”. E no dia seguinte o Mariel me liga: “Pô,
rapaz, você não foi”. Eu inventei que o meu filho ficou doente. Ele disse:
“Então na próxima eu te chamo, hein?”. Eu falei para a secretária: “Se o Mariel
ligar, eu não estou”. Porque o Mariel era apaixonado por mim. Sabe paixão?
PLAYBOY-
Paixão?
JECE- É, paixão no bom
sentido. Se você olhasse atravessado pra mim, ele provocava você para brigar.
Então eu tinha que ter um cuidado tremendo com ele. Atrito normal do dia-a-dia,
ele já queria matar. Porque ele matou mais de 80. Ele contou. Depois que mata o
primeiro vai embora, né?
PLAYBOY-
O Mariel chegou a te meter em alguma confusão?
JECE- Quase. Um dia ele
fugiu da penitenciária e de repente eu estou em casa – a polícia inteira
procurando por ele – e recebo um cartão. Abro o envelope, é um cartão de
Brasília, com um anjo em cima de uma catedral, no ar, e ele escreveu: “Amigo
Jece, foi assim que eu fugi daquela m(*)”. E mandou para o meu endereço. Quando
ele telefonou para mim, eu falei: “Mariel, pelo amor de Deus, não manda nada
pra o meu endereço. Você está sendo procurado pela polícia do Brasil inteiro”.
Pegar uma cana porque o Mariel mandou um cartão pra mim? Porque ele casou com a
atriz Darlene Glória, tem um filho com ela e fui em quem apresentei os dois. Eu
sabia que o caminho dele não tinha volta. Mas era uma dama. Era delicado. Se o
cara o conhecesse direito, achava até que ele era veado. Era de uma gentileza,
aquelas pessoas boas, sabe? Mas um matador. Impressionante.
PLAYBOY-
Comenta-se que você deu o golpe do baú ao se casar com a Dulce Rodrigues (irmã do dramaturgo Nelson Rodrigues).
Casou-se por interesse?
JECE- Eu me casei com a
Dulce Rodrigues porque fui conhecer o apartamento em que ela morava e fiquei
entusiasmado. Aquilo não era uma apartamento, era um palácio. Para você ter uma
ideia, o imóvel foi comprado da Embaixada da Itália. Eu tentei dar o golpe do
baú, mas o baú estava furado. Comecei a trabalhar feito um louco. A Dulce era
uma mulher maravilhosa, apaixonada por mim. Depois que eu a deixei e casei com
a Vera Gimenez, ela ia receber pensão e gastava tudo em maquiagem e roupas para
me ver. Eu nem aparecia, mandava a secretária pegar. Maldade mesmo.
PLAYBOY-
Sua relação com a Vera Gimenez foi tumultuada e depois da separação ela te
acusou de não pagar a pensão do filho. Você não pagava?
JECE- Vera Gimenez foi
minha quarta mulher e nós temos um filho, o ator Marco Antônio, que está
virando celebridade como o Urubu, de Malhação. Foi um casamento muito atritado,
neurótico, as duas personalidades se batiam. Foram 13 anos de guerra. E não
entrava na minha cabeça que eu tivesse que pagar pensão alimentícia para o
Marco Antonio porque ela estava casada com outro. Mas todo mês ela me ligava,
cobrando, e eu pagava. Eu tinha horror a São Paulo e vim morar aqui para me ver
livre dela. Eu não suportaria cruzar com ela.
PLAYBOY-
Ela costuma dizer que você só é evangélico para os outros.
JECE- Ela disse isso
várias vezes. Mas não tem a menor importância. Logo que eu me converti, eu
senti vontade de pregar a palavra para a Vera. Um dia ela falou: “Eu não admito
um Deus que manda Abraão matar seu filho”. Todo mundo pensa que ela é
evangélica, mas ela é umbandista. Tenho pena, porque ela precisa da palavra. Já
teve câncer no seio. Deus já deu vários avisos. O marido dela, com quem ela se
casou depois de mim, morreu de Aids. A Vera fica preocupada, na expectativa de
ter o vírus incubado. Agora teve câncer nos ossos.
PLAYBOY-
Umbanda é coisa do diabo?
JECE- Não tenho a menor
dúvida. Quando eu era ateu, tive oportunidade de frequentar um centro espírita
de umbanda. E como eu era Jece Valadão, a mãe-de-santo me ungiu como Exu Rei.
Aí eu fingia que recebia o Exu para comer a auxiliar de mãe-de-santo que era
muito bonita.
PLAYBOY-
E comeu?
JECE- Comi. O terreiro
parava porque eu ia receber o Exu Rei. Vê se pode um negócio desses. Eu sou
ator e dizia um monte de coisas desconexas. O que eu falava era lei para eles.
Com isso, eu me credenciei tanto diante dessa mãe-de-santo auxiliar que ela
acabou se entregando para mim.
PLAYBOY-
É de supor que sua fama de cafajeste também exercesse fascínio sobre os
homossexuais.
JECE- Demais. Quando eu
me casei com a Dulce, recebi um abaixo-assinado com mais de 200 assinaturas de
bichas do Rio. De protesto. Porque casando ficava mais difícil conseguir ter um
caso comigo. O sonho das bichas era me levar para a cama. Mas tenho orgulho de
dizer que nunca tive uma relação homossexual.
PLAYBOY-
Os gays te agarravam?
JECE- Agarravam, mas eu
impunha respeito. Várias vezes eu tive que dar uns tabefes em uns. Uma vez eu
estava no Canecão, fui ao banheiro e entraram três bichas. Queriam me agarrar à
força. Eu suei, saí de lá todo amassado, distribuindo bolachas nos caras. Ainda
bem que chegaram dois amigos e botamos as bichas para correr. Quase saíram de
lá nus.
PLAYBOY-
Existe uma história de que o ator Burt Lancaster (astro do filme A Um Passo da Eternidade) deu em cima de
você. É verdade?
JECE- Depois de Os
Cafajestes, eu fui pra Itália, e a Norma Bengell estava lá, filmando na
Sicília. Me encontrei com ela num hotel onde estava também, o elenco de O
Leopardo com Alain Delon e do Burt Lancaster. E o Burt começou a dar em cima da
Norma, saía muito com ela. A Norma resolveu me apresentar pra ele. Fomos jantar
juntos, os três. Começamos a tomar vinho, eu não falava uma palavra de inglês e
a Norma fazia a tradução. E eu ali cabreiro. De repente, ele botou a mão na
minha perna., Eu pensei que fosse uma coisa natural, mas ele começou a apertar
e subir a mão. Aí eu olhei para a Norma e disse para ela traduzir a seguinte
frase: “Ou tira a mão do meu pau ou eu vou estourar esta garrafa na sua
cabeça”. A mão do cara era enorme. Cobria a minha perna inteira. A Norma ficou
apavorada e falou com ele. E ele: “Ok, I´m sorry”. Não sei se ele era bicha ou
não, mas teve uma recaída. E não estava querendo me comer, não! Queria dar para
mim.
PLAYBOY-
Você participou de todas as modalidades sexuais?
JECE- Menos
homossexualismo. O resto tudo eu topei. Não é que não gostava, eu ia no embalo.
Participei de várias surubas, inclusive com o Daniel Filho, o Herval Rossano
(diretor de TV), todo mundo junto. Bacanal mesmo.
PLAYBOY-
Qual foi o máximo de pessoas que vocês colocaram numa suruba?
JECE- Teve uma vez, na
casa do Daniel Filho – os pais dele foram para a Argentina e ele ficou morando
sozinho num apartamento grande, no Leblon, em que tinham uns quatro homens e
umas oito mulheres.
PLAYBOY-
Como foi sua primeira vez?
JECE- Foi uma
experiência ótima, com uma prima mais velha. Eu tinha 13 anos. Gostei, mas não
quis mais e eu fiquei na pior. Com 14 anos, eu não aguentei, fui na zona e
conheci a Amelinha. Tinha idade para ser minha avó. Eu entrava por trás da
casa, pulava a cerca e entrava pela janela do quarto. E foi ela que me formou
sexualmente.
PLAYBOY-
Você foi amante de mulheres casadas?
JECE- Várias vezes.
PLAYBOY-
Houve uma que quis transar com você vestido de bicheiro, não?
JECE- Eu estava fazendo
o Boca de Ouro (1963) no cinema, filmando com dentadura, prótese de outo,
aquela roupa branca, sapato bicolor. Um dia eu estou no estúdio, chega uma
grã-fina com uma Mercedes do ano, me chama e fala: “Entra aí”.
PLAYBOY-
Era bonita?
JECE- Linda. Ela falou:
“Vai lá dentro e volta com toda indumentária do Boca de Ouro”. Ela tinha visto
uma reportagem numa revista sobre o filme com uma foto minha caracterizado como
Boca de Ouro. Botei a prótese, peguei a roupa, gravata, entrei no carro e fomos
embora. Subimos a mata da Tijuca e lá em cima tinha um banco de cimento armado.
Ela possuiu o Boca de Ouro. Ela mesma tirou a minha calça e me botou deitado no
banco de cimento, uma escuridão tremenda. Daqui a pouco comecei a me coçar,
estava cheio de formigas. Eu não senti na hora, naquele entusiasmo. Eu batia
assim no peito e saíam cachos de formigas. Eu saí todo empolado. Foi a relação
sexual mais difícil que eu tive em minha vida.
PLAYBOY-
Quando surgiu a Aids, você teve medo de estar contaminado?
JECE- Ela surgiu mais
tarde. Nunca transei com camisinha. Quando eu casava, sempre tinha a casa de
uma amante teuda e manteuda e uma garçonnierè para as terceiras, um pequeno
apartamento alugado em Copacabana para atender às demandas. Porque naquela
época não tinha motel. Mas eram sempre mulheres conhecidas e eu não tinha
preocupação. Mas quando surgiu a Aids eu estava mais seletivo. Mas tive sorte.
Nunca peguei doença venérea.
PLAYBOY-
Você já disse que as mulheres dão com uma facilidade impressionante para
cafajestes. Com quantas mulheres você já transou?
JECE- Não tenho ideia,
é muita mulher. Eu passei dois anos solteiro e era questão de honra: uma mulher
por dia. Era aluguel de apartamento em Ipanema, todo transado. Transado para
transar (risos). A mulher entrava lá e tinha que dar. Não tinha jeito. Eu
transava e dava o dinheiro do táxi para ela ir embora. E era sempre mulher boa.
Porque eu frequentava os lugares e estava com tudo – dinheiro, fama, sucesso.
Mulher está sempre sobrando em determinadas circunstâncias.
PLAYBOY-
Antes do filme Os Cafajestes havia um grupo chamado “Clube dos Cafajestes”, do
qual você fazia parte, além de Carlos Niemeyer (cineasta), Baby Pignatary
(playboy) Carlos Imperial (produtor musical). O que vocês faziam?
JECE- Era uma reunião
para conversar, contar vantagem, dizer quem comeu quem. Uma vez fomos
convidados para participar do Baile do Galo, em Recife. O governador era o
Miguel Arraes. Fomos eu, Carlos Niemeyer e Mariozinho de Oliveira, que era
outro playboy. E mais um cara casado com a miss Bangu, muito bonita, que viria
a ser a mãe do ator Felipe Camargo. Cada um foi com uma mulher bonita. Éramos oito convidados do governo.
Quando chegamos lá, os playboys de Recife ficaram a fim de mulher as mulheres
da gente. E elas sabiam que se dessem para eles iam ficar porrada até dizer
chega. Mas os caras darem em cima a gente não podia proibir. Enquanto os caras
cantavam as nossas mulheres, a gente comia as mulheres deles.
PLAYBOY-
Você já transou com alguma feminista?
JECE- Não, elas eram
muito feias. Eu dizia: “Vocês são feministas porque têm bigode, usam essas
roupas”. Elas babavam de ódio. Eu dizia que mulher comigo tinha direito a três
frases: “Pra dentro, criança”, “Sim senhor, meu marido” e “Xô, galinha”. Elas me
chamavam de ignorante.
PLAYBOY-
Durante o regime militar, você teve uma rápida incursão no comunismo. Por que
caiu fora?
JECE- Eu sempre fui
capitalista. Mas o Nelson Pereira dos Santos me encheu tanto o saco que eu fui
fazer o curso Stálin. Marcaram o dia. Nove horas da noite, no centro do Rio,
lugar escuro. Comunismo era proibido. Nove horas eu estou lá com a minha
malinha. Aí para o carro e me empurram para dentro. Quando sentei no banco de
trás, me vendaram os olhos. O carro começou a rodar. Disseram: “Aqui você não
se chama Jece Valadão, aqui você se chama Rogério. Teu nome de guerra”. Rodou.
Abriram a porta, me botaram dentro de casa e tiraram a venda. Eu não sabia onde
estava. Janelas vendadas. Ficamos 15 dias ali, uma cozinhava, outro lavava.
Vinham três professores por dia dar aulas, aquela lavagem cerebral.
PLAYBOY-
Qual foi o resultado disso?
JECE- Saí de lá
querendo metralhar tudo quanto era capitalista. A primeira coisa que fiz foi ir
para a Câmara de Vereadores distribuir prospectos. Fui preso na hora. Fiquei
comunista meia hora. Me levaram para a delegacia. Não apareceu um p (*) dum
comunista lá para me salvar. O delegado viu que era um inocente útil e nem me
fichou. Fiquei preso umas três horas. Tomei ódio por comunista.
PLAYBOY-
Você foi acusado pelos comunistas de ser de direita?
JECE- Não, apesar de
ser amigo do João Figueiredo (presidente
do Brasil de 1979 a 1985). Ele era meu amigo antes da Revolução de 64.
Fomos colegas de academia do Gracie, de jiu-jitsu. O Figueiredo era chefe do
SNI (Serviço Nacional de Informação), e como eu tinha problemas de censura com
meus filmes, ia muito a Brasília. Um dia, eu salto no aeroporto de Brasília e
quando estou pegando minha bagagem entra um oficial do Exército e diz: “Você é
o Jece? Pois está preso”. Me botaram dentro dum carro, me levaram para o
Palácio do Planalto e me jogaram dentro do gabinete do Figueiredo. Ele vem lá
de dentro e diz: “Você não vem aqui, então eu mando te prender”. Na ante-sala
estavam ministros, deputados, todos esperando para falar com ele. E passamos
três horas contando piada.
PLAYBOY-
Figueiredo era cafajeste?
JECE- Era sim. Ele
participou de várias surubas comigo.
PLAYBOY-
Você participou de várias surubas com o presidente Figueiredo?
JECE- Sim. O grau de
intimidade entre homens é medido nessa hora, entende? É quando participa de
várias coisas junto. Mas foi antes de ele virar presidente da República. Quando
ele virou presidente, pensei: estou feito. Mas quem disse que eu conseguia falar
com ele? Não deixavam, com ciúmes. Na época do SNI, a censura pensava três vezes
antes de cortar um filme meu porque eu era amigo do chefe. Usei muito isso.
PLAYBOY-
É verdade que você broxou com a atriz Norma Bengell, uma das mulheres mais
desejadas da época?
JECE- Quando eu fui
produzir Os Cafajestes, chamei o Ruy Guerra e o Miguel Torres para escrever o
filme. E falei: “Quero a Norma Bengell”. O Ruy Guerra não queria, porque ela
era uma vedete. Eu disse que preferia tirar o diretor a ficar sem a Norma e ele
teve que aceitar.
PLAYBOY-
Você queria a atriz Norma Bengell no filme...
JECE- Para comê-la. Mas
quebrei a cara. Ela dava para o mundo inteiro, menos para mim. O Ruy Guerra se
apaixonou por ela e quebrou a cara também. A Norma tinha horror ao Ruy. Depois
de passar o dia filmando naquelas dunas escaldantes, ele chegava ao hotel e não
tomava banho, deitava na cama com areia e tudo. Até que um dia eu e a Norma
estávamos hospedados numa casa em Jacarepaguá, para fazer outro filme, quando ela
me agarrou por trás e disse: “Hoje eu vou dar para você”. O impacto foi tão
grande que meu pau encolheu. Quanto mais esforço eu fazia, pior as coisas
ficavam. Fiquei desesperado, queria me matar.
PLAYBOY-
Ela espalhou a história?
JECE- Espalhou e eu
também. O que eu posso fazer? Não consegui. Norma Bengell foi uma das poucas
mulheres que trabalharam comigo e com quem não tive um caso.
PLAYBOY-
O filme Rio 40 Graus, do qual você
participou, enfrentou problemas com a censura. Como vocês resolveram isso?
JECE- Fizemos acordo
com o Juscelino Kubitscheck, que estava em campanha presidencial. A gente fazia
a campanha e, se ele fosse eleito, liberaria o filme. Meu papel era pegar um
bonde e percorrer um trecho de 500 metros, fazendo discurso. Eu dizia que o JK
era a solução, que ele tinha maioria no Congresso. Ele foi eleito e cumpriu a
promessa. E o JK também era um cafajeste. Sentava, tirava o sapato, coçava o
pé. Era um mulherengo.
PLAYBOY-
Para fazer Rio 40 Graus, você e o
resto da equipe hospedaram-se num apartamento no Rio. Viveram muitas aventuras
nessa época?
JECE- Éramos seis
pessoas nesse apartamento. A produção tinha uma Kombi velha caindo aos pedaços,
uma máquina do cinema mudo, uns refletores velhos. A gente cozinhava e limpava.
Fazia uma espécie de rodízio. E eu era assistente de direção, o ator principal
da fita e encarregado de sair à noite para arranjar namorada. Ela ia na nossa
casa, ficava com pena da gente e fazia macarrão. Porque quem cozinhava era o
Nelson, quando não tinha mulher, ou o Hélio Silva, diretor de fotografia, mas
os dois cozinhavam muito mal.
PLAYBOY-
Com que frequência ia à rua?
JECE- Quando a coisa
apertava eu tinha que sair. Tinha uma mulher no apartamento de frente, totalmente
louca, e ficava me namorando pela janela. Descobrimos com o porteiro que ele
era amante de um dono de supermercado. Ela tinha uma bebê de uns seis meses,
filha do dono do armazém. Aí comecei a dar mais bola. Fui lá. A mulher era uma
ninfomaníaca. Ela me arranhava. Eu saía de lá e parecia que vinha da guerra.
Era sadomasoquista. Eu tinha que bater nela, aquelas loucuras. No dia seguinte,
mandava uma cesta básica para a gente, com biscoito, doce, uma maravilha. A
equipe não queria outra vida (risos).
PLAYBOY-
E quando acabava a ceia?
JECE- Eu tinha que para
o sacrifício outra vez. E a mulher se apaixonou de tal maneira que começou a
ficar violenta demais. A vizinhança toda sabia do caso, era uma verdadeira
tragédia. Eu me escondia de todas as maneiras possíveis. Teve uma vez que eu
não queria ir de jeito nenhum e ela pegou a filhinha pela perna, pendurou na
janela e disse: “Jece! Se você não vier agora, eu jogo a minha filha lá embaixo”.
Estávamos no sétimo andar. Olha a situação. Para salvar a criança eu fui lá.
Mas exigi três cestas. Aí o filme ficou pronto e vem a censura e proíbe (risos).
PLAYBOY-
Como você, que lidou com tamanha falta de infra-estrutura para fazer cinema, se
sentiu na primeira vez que foi ao Projac, o centro de produções da Globo?
JECE- Levei um susto.
Você entra na ante-sala e tem uma mesa enorme com todas as bebidas, doces,
salgados. E aí entra no estúdio e é aquele negócio maravilhoso, mulheres
lindas, de biquíni. É o poder, a bonança. Se você não estiver muito preparado,
leva um baque tremendo. Por isso, durante nove anos e meio, Deus não permitiu
que eu colocasse o pé no meio artístico. Toda vez que eu marcava para conhecer
o Projac, acontecia alguma coisa e eu não podia ir.
PLAYBOY-
Por quê?
JECE- Ele estava me
preparando, porque se eu conhecesse o Projac e continuasse no meio artístico
com o pouco conhecimento da palavra que tinha, eu teria voltado para o mundo. A
tentação é muito grande. Até que nove anos e meio depois eu estava orando aqui
nessa sala, Deus chegou para mim e falou: “Agora você já pode voltar ao seu
meio”. Eu estava sólido na rocha. No dia seguinte a produção de um programa da
Globo me telefona para fazer um personagem em Você Decide.
PLAYBOY-
Nesses dez anos, qual foi a sua fonte de renda?
JECE- A oferta que o
pastor me dava quando eu ia à igreja e o material que eu vendia – CDs e DVDs
com o meu testemunho. Era o dinheiro certinho. Uma vez um pastor deixou comigo
um cheque pré-datado de 500 reais, para um evento. Quando cheguei lá, encontrei
uma igreja paupérrima, na periferia de São Paulo, com pessoas pobres. Pensei: “Puxa,
ainda bem que esse pastor me deu o cheque”. Aí o Espírito disse: “Devolve,
Jece, porque ele precisa mais do que você”. Devolvi. E já tinha gasto esse
dinheiro, para mim era dinheiro que não se acabava mais. Eu estava no osso.
Três dias depois veio outra igreja que me deu 3 mil reais. Compensou tudo. Mas
era tudo ali, justinho. Um dia eu tive que pedir 20 reais emprestados a um
amigo.
PLAYBOY-
Você ganhou muito dinheiro na sua carreira?
JECE- Muito. Houve uma
época no Rio em que eu tinha uma produtora de cinema e outra de comerciais. Eu
fazia todos os comerciais da Caixa Econômica Federal. Ganhei muito dinheiro com
cinema. Construí um estúdio que ficou alugado para a Globo durante quatro anos.
Mas da mesma maneira que eu ganhava eu gastava. Eu tinha casa em Cabo Frio,
casa em Búzios, apartamento no Leblon, em Ipanema, no Quitandinha...Nunca me
preocupei com dinheiro, ganhava e gastava.
PLAYBOY-
O que aconteceu com todo esse patrimônio?
JECE- Fui separando e
dando para a mulher. Foram cinco separações. Quando me separei da Vera Gimenez,
era a época do Rock in Rio e não tinha quarto vago em hotel algum da cidade.
Saí de casa só com uma mala e o meu carro. Tive que entrar numa boate,
Hippopotamus, tirei uma senhora de uns 60 anos para dançar e levei para o
motel, só para ter onde dormir. Tomei uns whiskies e tive que comparecer. Era o
sonho dela.
PLAYBOY-
Fora o dinheiro que você gastava na vida noturna...
JECE- Ás vezes eu
estava invocado, chegava a uma boate do Rio de Janeiro e dizia: “Fecha a porta,
agora não entra mais ninguém e não sai mais ninguém. É tudo por minha conta”.
Aí fazia o que eu queria. Eu nunca liguei para dinheiro.
PLAYBOY-
Hoje, qual é a sua situação financeira?
JECE- Eu não tenho
situação financeira, não estou rico. Tenho carro, esse apartamento que comprei
porque a dona me deu até 2008 para pagar. Pago às prestações dos carros do meu
filho e da minha enteada. Eu tenho uma despesa mensal de 10 mil reais – mulher
jovem, filhos na faculdade. Tivemos várias dificuldades financeiras. Mas nunca
faltou comida na nossa mesa. Nunca faltou o que vestir. Logo que eu me
converti, paguei uma viagem para Grécia, Israel e Egito para um grupo de umas
20 pessoas. Gastei tudo que me restava.
PLAYBOY-
Antes de se converter, qual sua opinião sobre evangélicos?
JECE- Tinha horror.
Crente para mim era aquele que morava longe, se vestia mal, ganhava pouco e era
feio. Isso até eu romper com o mundo. Fui corajoso. Rompi com a televisão e o
teatro. O cara que tinha uma vida como a minha não larga por qualquer coisa.
PLAYBOY-
Você acha que foi perdoado pelo seu passado?
JECE- A partir do
momento em que você abre seu coração, tudo o que fez no passado é jogado no
lixo. Eu fui preparado para pregar a palavra de Deus no meio artístico. Aí você
me pergunta: por que não convenceu o Tarcísio Meira a se converter? O Tony
Ramos? Eu falei para eles o que aconteceu comigo. Agora, quem vai convence-los
não sou eu. Eu sou apenas um instrumento de Deus.
PLAYBOY-
Qual é seu sentimento em relação a tudo que aprontou na vida?
JECE- Não tinha
constrangimento, porque vivi intensamente. Eu repudio o que fiz, mas não
adianta apagar. Não me arrependo, fiz tudo. Mas não faria novamente.
Publicado originalmente
na revista Playboy em janeiro de 2007
segunda-feira, 5 de agosto de 2019
Mazzaropi, A Saudade de Um Povo, parte IV
Capítulo
9. ADEUS A MAZZAROPI
Mazzaropi foi enterrado na cidade de Pindamonhangaba, no interior paulista, ao lado do pai, onde quase 5 mil pessoas o esperavam para receber seu féretro.
O admirável artista conhecia a fundo a psicologia do nosso matuto, grande nos sentimentos, feliz na simplicidade da vida, forte e autêntico no seu trabalho e na expressão dos pensamentos. Interpretava o que ia na alma, o que balançava o coração, seja de mágoa ou de alegria, da mentira inocente ou da verdade matemática.
Mas, sua arte e sua glória, seu talento e fidelidade profissional continuaram marcados nas suas produções e carinhosamente tocaram os corações dos brasileiros.
Ficou a lembrança gostosa e marota do jeito engraçado com que MAZZAROPI: O NOTÁVEL CÔMICO BRASILEIRO, aparecia na tela.
Publicado originalmente em OLIVEIRA, Luiz Carlos Schroder. Mazzaropi- A Saudade de Um Povo. Londrina: CEDM Editora, 1985.
Em São Paulo, em
10/04/1958, na semana que havia lançado “O Chofer de Praça”, Mazzaropi sofreu
um acidente automobilístico, que provocou lesões, atingindo sua coluna. Essa
lesão agravou-se à partir de 1976, quando começou a sentir fortes dores.
Após vários exames, foi
diagnosticado em 1976, que, devido ao acidente ocorrido anteriormente,
exteriorizava já sintomas de mieloma múltiplo. Para amenizar essas dores,
injeria medicamentos americanos.
Mesmo acometido pela
enfermidade, Mazzaropi ainda produziu seus últimos quatro filmes e participou
de dezenas de shows pelo País.
No dia 19 de maio de
1981, foi hospitalizado no Albert Einstein, vindo a falecer, com câncer na
medula óssea, no dia 13 de junho do mesmo ano em São Paulo, aos 69 anos de
idade.
Mazzaropi foi enterrado na cidade de Pindamonhangaba, no interior paulista, ao lado do pai, onde quase 5 mil pessoas o esperavam para receber seu féretro.
No dia do enterro, a
cidadezinha estava com uma tristeza incontida pela perda do amigo que vivia
pela cidade, recrutando figuras características para atuar em seus filmes.
Seus critérios pessoais
na escolha dos elencos, a forma de conduzir seus negócios na PAM Filmes é que
dificultaram a continuidade das suas atividades pelos seus seguidores.
Estiveram no Hospital,
Hebe Camargo, David Cardoso, Geny Prado (atriz que sempre fez o papel de esposa
do Jeca em quase todos os seus filmes), entre outros amigos do comediante. No
dia do enterro estiveram, José Geraldo Alckmin Filho, Laudo Natel, Ronnie Von,
Ítalo Fittipaldi, Augusto César Ribeiro, Alice Marcondes Miranda, Gilda
Valença, Osvaldo Massaini e Primo Carbonari (produtores de cinema), a atriz
Elizabeth Hartmann, o ator Sérgio Hingst, o maestro Hector Lagna Fietta, Nena
Viana, Wilson Grey, Argeu Ferrari, Carlos Garecia, Izabel Sacramento, Péricles
Moreira (filho adotivo de Mazzaropi), empregados da PAM Filmes e outros amigos
do comediante.
No enterro houve um
momento de emoção muito forte, foi quando Izabel Sacramento e outras pessoas prestaram
uma pequena homenagem ao comediante, cantando a música “Tristeza do Jeca” de
Elpídio dos Santos (autor da maioria das letras musicais dos filmes), uma das
músicas preferidas por Mazzaropi.
Um grande amigo, Ronnie
Von, expõe sobre o comediante: “No País da falta de memória, mesmo que tentasse
apenas conseguiria ‘chover no molhado’, porque todo resgate de quem realmente é
grande, só é feito após sua morte. Não importa, de qualquer forma eu seria
suspeito, como geralmente são os amigos que dizem dos seus pares. Aliás, o
mundo se divide entre pares e ímpares, e o Mazza, sem dúvida, foi o grande par
da cultura popular, do encontro da nossa gente com a sua própria realidade.
Embora sem deixar clara a mensagem social, ele sempre existiu em seus filmes, e,
da forma mais óbvia: o cotidiano da grande massa brasileira, em todos os
níveis, principalmente a urbana, porque esta em sua maioria é produto do êxodo
rural, cuja ótica (rural) era apresentada de forma que aquele cotidiano fosse
sendo sublimado. Muito já se disse do grande cineasta, do grande ator,
produtor, etc., das injustiças sofridas, principalmente da incompreensão por
parte da imprensa que, na época, tinha apenas a visão simplista do cinema
elitista ou do mercantilista. Infelizmente, hoje é tarde para redenções. Minha
amizade com Mazza foi densa e cronologicamente curta. Nos conhecemos numa
situação bastante inusitada, quando ele foi me visitar, pois sabia que eu
estava seriamente doente, e, possivelmente com pouco tempo de vida. Tendo
conhecimento apenas da rua em que eu morava, começou uma caminhada desde o
início dela, que era longa, e, de porta em porta, de casa em casa, foi batendo
e perguntando por mim, até descobrir, acredito que bastante cansado de
caminhar, que a minha casa era a penúltima da rua. Daí em frente, visitas mais
frequentes, pude descobrir o ser humano único escondido na dualidade
homem-artista. Com ele aprendi o que os cursos de Ciências Humanas talvez
tivessem bastante dificuldade em me ensinar. Uma mescla de ingenuidade com “savoir-faire”,
de ceticismo com superstição, de lógica com fé inexplicável. Nada na vida
acontece por acaso, por isso não lamento o fato de nossos caminhos demorassem a
se cruzar, mesmo com íntimos amigos comuns (Hebe Camargo é o grande exemplo),
mas mesmo assim, acho que se tivéssemos tido um pouco mais de tempo, talvez
toda minha negligência profissional ficasse bastante comprometida, uma vez que
a alegria e a vontade de crescer profissionalmente foram reencontradas a partir
das induções e lições de vida que meu amigo ia passando, sempre fundamentadas
no propósito de sentir-se vivo e cada dia melhor. Resta-me apenas o chavão
maior: irreparável perda. Que bom ter sido amigo de alguém tão rico e poderoso
interiormente; um grande privilégio. Ronnie Von 28/01/1986, Rio de Janeiro”.
Alice Marcondes
Miranda, filha de escravos, que trabalhou na casa de Mazzaropi e o conhecia
desde os 8 anos de idade, preferia lembrar-se dele, dos tempos de traquinagens,
do garoto levado, do adolescente que montava cirquinhos no fundo do quintal.
Ela trabalhou com ele em oito filmes, fazendo papéis simples de cozinheira,
lavadeira, muito semelhantes à vida real.
Em 1981, o Prefeito de
São Paulo, Reinaldo de Barros, homenageou o comediante e cineasta Mazzaropi,
dando seu nome à Avenida “B”, conhecida por João Saad.
A atriz Geny Prado, que
desde 1951 acompanhava Mazzaropi, como esposa do personagem “Jeca” em seus
filmes, falou ao Jornal do Brasil em 14/06/1981: “Convivi com ele durante todo
esse tempo. Éramos como uma família improvisada, porque ele era engraçado mesmo
na espontaneidade, de um artista nato”.
Um dos amigos de
Mazzaropi, e atuante em vários filmes, Augusto Cezar Ribeiro, com emoção, falou
que o comediante “Era um homem de aguçada inteligência e incrível capacidade
para o trabalho e organização, amava criancinhas a velhice e o circo. Fez de
sua vida uma historinha de amor, alegria e sobretudo, muita felicidade, no
teatro, no cinema ou no circo. Seus filmes sempre continham uma mensagem de paz
e de esperança. Mazzaropi foi um gênio insubstituível do cinema nacional”.
Apesar de todo sucesso
e um patrimônio incalculável, Mazzaropi tinha uma vida bem rotineira e poucos
amigos para os quais dedicaca especial carinho. Entre eles estavam Inajá Viana
(Nena), Gilda Valença, Elis Regina, Ronnie Von, David Cardoso, Francisco di
Franco, Edgard Franco, Chico Anysio, Hebe Camargo, Beto Carrero, John Herbert,
Geny Prado, Roberto Pirilo, Osmar Santos, Orlando Orfei, Rolando Boldrin e
também João Francisco Ferreira e Domingos Mazzaropi, seus tios.
A Secretaria da Cultura
do Estado de São Paulo, no final de 1983, organizou uma coletânea de filme e
debates sobre Mazzaropi, com início em 11 de dezembro, denominada “Mazzaropi em
Casa”, na Rua Visconde de Parnaíba, 2.437. O trabalho contou com a organização
do cineasta Pedro Della Paschoa Júnior, que exibiu cartazes e fotografias
referentes aos 32 filmes do comediante. Para Della Paschoa “o que menos
interessa é a trama. Ele funciona como a figura de judas em sábado de aleluia:
tem que existir”. E continua afirmando o que importava nos cinemas de Mazzaropi
era o jeito de mostrar a ferida sempre aberta da sociedade, onde o homem comum,
sem poder, rir, ria.
“Amácio Mazzaropi foi o
meu pai cinematográfico, na minha opinião o verdadeiro Rei do Cinema
Brasileiro. Com ele aprendi muito. Consolidou minha honestidade profissional e
estímulo pelo trabalho. Foi o ator mais natural que conheci em toda a minha
vida. Foi também o mais injustiçado por todos, principalmente pela imprensa e
autoridade. Após sua morte, na semana seguinte sua foto saiu estampada na capa
da Manchete, tamanho 3x4 e uma manequim, hoje famosa, ocupava a página toda.
Com ele na presidência da EMBRAFILME, hoje seríamos o maior produtor mundial de
filmes. Deve estar fazendo os santos rirem muito. David Cardoso, São Paulo,
08/11/1985”.
A cidade Taubaté-SP não
esqueceu o artista paulistano. Homenageou-o dando seu nome a uma Escola no
Município, em dezembro de 1981, e, naquela época tramitava na Câmara Municipal
um projeto de lei que alterava o nome da Estrada dos Remédios para Amácio
Mazzaropi, que liga a cidade ao sítio-estúdio, além do título de cidadão Benemérito
daquele Município.
O prefeito Mário Covas
de São Paulo homenageou o consagrado comediante no dia 25 de outubro de 1985,
dando seu nome à Escola Municipal de Educação Infantil, localizada na Rua 34-B,
Quadra 36-B, Conjunto Habitacional Juscelino, em Guianazes, naquele município.
As ilustrações dos
primeiros filmes foram feitos pelo artista e ilustrador Jayme Cortez que,
somando essa coletânea de desenhos e cartazes, exibi em seu livro “Manual
Prático do Ilustrador”, lançado pela R. Chiesi Livros, de São Paulo, em 1972.
Nas reproduções dos
cartazes, Jayme Cortez externava o clima necessário, com simplicidade, dirigido
ao público do famoso comediante. No livro, apresentava o esboço e depois a
solução definitiva do cartaz, impresso com todos os elementos que eram
previstos antes, ou mudados no decorrer do surgimento da ideia, até a execução
final. Jayme ilustrou: Chofer de Praça, Jeca Tatu, As Aventuras de Pedro
Malazartes, Zé do Periquito, Casinha Pequenina, O Vendedor de Linguiça, O
Lamparina, O Puritano da Rua Augusta, Meu Japão Brasileiro.
O maestro Hector Lagna
Fieta fez as trilhas sonoras e arranjos musicais de todos os 24 filmes
produzidos por Mazzaropi. Elpídio dos Santos fazia as letras das músicas.
O admirável artista conhecia a fundo a psicologia do nosso matuto, grande nos sentimentos, feliz na simplicidade da vida, forte e autêntico no seu trabalho e na expressão dos pensamentos. Interpretava o que ia na alma, o que balançava o coração, seja de mágoa ou de alegria, da mentira inocente ou da verdade matemática.
A apresentadora e atriz
Hebe Camargo, em 14/06/1981, falando ao Jornal do Brasil, informou que sempre
acompanhou Mazzaropi desde a década de 1940, nos tempos do Rádio, quando ela
cantava e ele completava a apresentação fazendo humor. E quando da morte do
comediante adiantou: “Esta é uma perda terrível, numa época em que o mundo está
tão necessitado de humor. E a alegria dele era autêntica, ingênua, não apelava.
Era como um repentista, não precisava de texto para fazer rir. Com a morte dele,
o cinema brasileiro vai encerrar uma fase importante. Ele deixa uma indústria
cinematográfica perfeita, com uma equipe de técnicos de alta qualidade”.
Também David Cardoso
reconheceu uma fase importante do cinema nacional, mas não comparou Mazzaropi a
nenhum outro comediante porque “ele era único e aí está sua grandiosidade”.
Tendo trabalhado com o comediante em 1963 e 1964, informou que foi o suficiente
para estruturar sua formação cinematográfica. E concluiu: “Foram anos decisivos
para mim. Com ele aprendi tudo para continuar a minha carreira”.
No enterro também
compareceu Laudo Natel, ex-governador de São Paulo, para render homenagem ao
amigo que conheceu na época em que governava aquele Estado; onde participou do
lançamento de um dos filmes de Mazzaropi. Para Natel, ele era um artista que
agradava a todos e, “mais do que ter criado um estilo cinematográfico na figura
do Jeca, ele era uma figura humana, sempre pronto a dar chance para os mais
novos”.
Mazzaropi está ausente
do convívio com seu público, sem dúvida um dos maiores nomes do cinema
nacional. Deixou de promover seus inesquecíveis espetáculos.
Mas, sua arte e sua glória, seu talento e fidelidade profissional continuaram marcados nas suas produções e carinhosamente tocaram os corações dos brasileiros.
Ficou a lembrança gostosa e marota do jeito engraçado com que MAZZAROPI: O NOTÁVEL CÔMICO BRASILEIRO, aparecia na tela.
Havia sempre no ator
uma preocupação inteligente de preservar a simpatia com seu público, de
defender a situação humana sem perder o resultado cômico. É nessa postura
simples e simpática que ele via permanecer na memória de nossa gente. Como
alguém que deu a volta por cima de nossas infelizes estruturas sociais,
utilizando a arma pacífica de sua divertida matreirice.
“Amo o Brasil e tenho
paixão por suas paisagens. Sinto-me jeca. E cada um de nós tem um pouco da
ingenuidade e da pureza do jeca dentro de si”.
MAZZAROPI
Publicado originalmente em OLIVEIRA, Luiz Carlos Schroder. Mazzaropi- A Saudade de Um Povo. Londrina: CEDM Editora, 1985.
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