Rua das Palmeiras, bairro
de Santa Cecília, centro de São Paulo. Toda vez que passo por lá eu lembro de
um certo sujeito. Um camarada sorridente, alto e magricelo. Algumas vezes ele
usava barba e as vezes não. Ele foi um dos sujeitos mais subestimados da
história cinematográfica do Brasil. Estive no apartamento dele umas duas ou
três vezes. O prédio continua lá: velho e caindo aos pedaços. O edifício é bem
próximo ao antigo Lord Hotel e da Paróquia de Santa Cecília. É uma igreja
bonita com quadros de Benedito Calixto e Oscar Pereira da Silva, dois nomes
sagrados da pintura paulista do século XIX.
Mas esse amigo marcou
época. Ele foi um diretor ambicioso, inventivo e talentosíssimo. Foi um dos
nomes sagrados da Boca paulista. Tanto que se tornou produtor de renome na
Triunfo e teve uma briga com os monstros sagrados da família real da Embrafilme.
Por outro lado, esse realizador não soube acumular dinheiro por conta dos seus
sucessos de bilheteria. Casou diversas vezes com algumas das mulheres mais
desejadas do país. Talvez ele também não soube se colocar como figura séria. Eles
levam mais a figura do personagem que ele interpretou no teatro durante décadas:
o Analista de Bagé. Mas ele foi muito mais que isso.
Ele foi registrado como
Cláudio Francisco Cunha. Isso porque a mãe dele era devota de São Francisco de
Assis. Parece que a mãe do Cláudio saiu de uma igreja no mesmo momento conheceu
o pai dele que se chamava Horácio. Cláudio morou na sua infância e durante seus
primeiros anos no bairro da Vila Guilherme, zona norte de São Paulo. Ele me
contou que seu avô tinha uma amante muito querida por ele. O Cláudio chamava a
namorada do avô de avó. Parece coisa de filme.
Quando o avô dele ia ver
a amante ou alguma garota Cláudio ficava no Cinespacial, uma sala de cinema que
ficava na Praça da Sé. Foi lá que o então garotinho viu as chanchadas da Atlântida
e os seriados norte-americanos. Cláudio Cunha tinha preferência por cômicos nacionais
como Dercy Gonçalves, Zé Trindade e Oscarito. Entre os estrangeiros sua
preferência era Mel Brooks. Ele também decorava as crônicas do “Febeapá”, um
verdadeiro bestseller da época do imortal Stanislaw Ponte Preta. Ele
contava as piadas e as peças do livro nas festinhas do seu bairro, a Vila
Guilherme. Foi daí que começou a gostar de humorismo e depois começou a ser figurante
na TV Excelsior. Sua sorte começou a mudar quando estrelou a novela “Meu Pedacinho
de Chão”. Ali foi sua primeira grande tacada, um verdadeiro sucesso nacional. A
atração era passada na TV Globo e depois começou a ser reprisada simultaneamente
na TV Cultura de São Paulo. “Eles passavam a novela quatro vezes no mesmo dia.
Dá pra acreditar?”, me contava o Cláudio. O seu personagem chama-se Isidoro e
fazia dupla cômica com Canarinho que fazia o malandro Rodapé.
Cláudio sempre teve o
mesmo tipo físico: branquelo, grandalhão, desajeito, magricela. O baixinho Canarinho
foi o primeiro negro da TV brasileira e é mais lembrado por ser coadjuvante na “Praça
É Nossa” do SBT. Os dois tornaram-se marcas registradas da atração. Cláudio era
o grandalhão bobo feito de idiota pelo baixinho inteligente Canarinho. Os
personagens dos dois acabou crescendo muito mais que o previsto. O autor
Benedito Ruy Barbosa teve que desdobrar-se para aumentar a dupla cômica de “Meu
Pedacinho de Chão”. Canarinho tornou-se uma espécie de amuleto de Cláudio
Cunha. O baixinho esteve presente em todos os filmes dirigidos pelo realizador
menos no último. “Meu Pedacinho de Chão” é um elemento fundamental da obra do diretor
da Vila Guilherme. Isso porque foi ali que ele teve contato com pessoas que
seriam fundamentais na sua carreira de cinema: Canarinho, Dionísio de Azevedo, Maurício
do Valle e o próprio autor Benedito Ruy Barbosa. O autor mineiro fez o roteiro
de três longas-metragens de Cunha: “O Dia Em que o Santo Pecou” (1975), “Amada
Amante” (1978) e “Sábado Alucinante” (1979). Eles foram muito próximos mas
depois se afastaram. Essa é uma história bem pessoal deles. Sei de algumas
coisas que o Cláudio me contou. Tinha tanta coisa para falar desse cineasta dedicado
e talentoso de tantos sucessos de bilheteria. Se fosse escrever os dez melhores
diretores da Boca o nome do Cláudio estaria lá. Cláudio Cunha é muito mais que
o cara engraçado que correu o Brasil com as peças do Analista de Bagé. Seu nome
está perpetuado na galeria de ilustres subestimados da história do cinema, do
humorismo e da TV brasileira. Grande cara.
2 comentários:
Só uma correção : o cinema da Pça da Sé se chamava Cinemundi
Cinespacial era o cinema da S.João q possuia 3 telas
Abç
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