sábado, 22 de maio de 2021

ADONIRAN BARBOSA: “EU TORÇO PARA O POVO” (Revista Fiesta, março de 1978)

ADONIRAN BARBOSA: “EU TORÇO PARA O POVO” (Revista Fiesta, março de 1978)



 
Por Walter Negrão

 

Um dia estávamos em Taubaté gravando uma telenovela. Um homem com jeito de assessor do prefeito se aproximou de Adoniran e falou muito solene: “- Preparamos um churrasco em sua homenagem. Vai ser amanhã, ao meio dia”. A resposta veio seca e direta: “-Não quero, não quero, não quero! Não gosto de churrasco. Não encomendei churrasco”.


Malcriado? Não! Franco. Sincero. Simples e maravilhoso. Assim é Adoniran Barbosa, que na verdade se chama João Rubinato. Sua idade? Ninguém sabe. Profissão? Todas. Manias? Muitas. Uma delas: detesta entrevistas. Aceitou falar aqui porque apelei para nossa velha amizade. Fiz chantagem sentimental, inventei que perderia o emprego na revista. Mesmo assim Adoniran chegou querendo partir. Aos poucos fui relaxando e nosso papo durou duas horas.

 

Posso garantir: duas horas de conversa com sêo Rubinato representam um curso de dois anos de sabedoria popular, de humorismo e – principalmente – de humor, de alegria de viver. Alguns preferem conhecer lugar (ver Roma, depois morrer). De minha parte, confesso: prefiro conhecer gente. Troco tranquilamente Paris por uma noite de papo com Adoniran Barbosa, num botequim qualquer de uma esquina qualquer. Vejam aí porque.

 

FIESTA- Como foi sua infância Adoniran?

ADONIRAN- (vendo chegar a secretária com dois copos plásticos)- Que é que tem nesse copo aí?

 

FIESTA- Uísque.

ADONIRAN- Bom. Uísque é bom. Mas não é só eu bebendo não. É eu e o repórtis. Ah, minha infância foi pobrinha mas tranquila. Foi o grupo escolar até o terceiro ano. Depois fui trabalhar na fábrica de tecidos. Uma infância comum. Não miserável. Tinha tudo. Boa comidinha em casa. Com minha mãe, meu pai, tudo.

 

FIESTA- Seu pai e sua mãe? Cadê eles?

ADONIRAN- Se foram! Faz tempo que morreram os dois. Tenho uma lembranças dos dois. Tenho uma lembrança muito boa deles. Era bons pra mim. (Impaciente, querendo ir embora)- Acabou a fita do gravador?

 

FIESTA- Como acabou a fita? Mal começamos. Você disse que trabalhou em fábrica.

ADONIRAN- Em Santo André. Lá fui tecelão. Fazia brim no tear. Daí eu fui pintor de parede, daí eu fui serralheiro. Fazia caixilhos, janelas. Depois eu fui ferragista em loja de ferramentas. Depois eu fui metalúrgico, no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Depois...loja de tecidos. Balconista. Encanador. Uma porção de coisa eu fiz. Aí eu me meti no samba, não quis mais saber de trabalhar. Me meti em samba em 1932, 33, 34, até hoje.

 

FIESTA- Mas você ainda tem uma oficina em casa pra fazer brinquedos...

ADONIRAN- Eu gostava muito de mecânica, sabe? Tenho em mim isos aí. Faço em casa. Faço bicicleta, faço abajur, faço patins. Aos domingos fico em casa, assim à vontade, e faço meus brinquedos. Fiz agora um trenzinho elétrico. Você viu na televisão? Mostraram o meu trenzinho na televisão. Tem a locomotiva, o vagão de passageiros e o vagão de carga. O vagão é de madeira. Foi o meu compadre que fez. Bem feito. Bom sujeito o meu compadre. Isidoro se chama. Bom cara ele. Isidoro Dias Lopes.

 

FIESTA- Isso tudo você faz nos domingos em que não tem show, claro.

ADONIRAN- Eu nunca pego show de domingo. Não quero. Nem que me paguem mil vezes. Fico em casa. Levanto lá pras nove horas, tomo um banho rapidinho, vou lá pro barracão, fico até a hora da minha mulher chamar pro almoço. Aí tomo meus vinte uísques, vou almoçar ás três da tarde já meio de fogo. Começo achar defeito em tudo. Isso é comum, né? Todos nós somos assim. Acha defeito em tudo. É chato mas é isso que a gente faz mesmo. Depois do almoço dorme um pouquinho, toma um lanche, vê televisão e pumba, bum! Dormir de novo. Pra amanhecer segunda-feira lépido, né? (Querendo mudar de assunto pra terminar logo a entrevista) – Agora o samba da praça da Sé parece que todo mundo gosta. Deus queira que seja sucesso.

 

FIESTA- Divagar seu Rubinato! Depois falamos de música. Seu jardim é muito bonito. Você cuida das plantas também?

ADONIRAN- Não. A minha mulher que cuida. Eu cuido de mim só. O jardim é com dona Matilde.

 

FIESTA- Estão casados há muitos anos?

ADONIRAN- Quarenta anos. Puxa! Meio século! Sabe o que é meio século juntos? Ela acompanha todos os meus trabalhos. Minhas músicas, meus programas. Tudo ela acompanha, desde áureos tempos, quando era mais moço.

 

FIESTA- Que signo você é?

ADONIRAN- Leão. Ela é touro.

 

FIESTA- Uma briga brava!

ADONIRAN- Não. Tá bom. A gente se dá bem, graças a Deus. Matilde é formidável. Pra me aguentar tem que ser muito legal.

 

FIESTA- Te “aguentar”, por quê?

ADONIRAN- Porque eu sou chatão. Sou exigente, sabe?

 

FIESTA- Verdade que ela proíbe você de fumar?

ADONIRAN- Ô! Demais, coitada! Ela fiscaliza, mas não adianta. Não tenho cigarro no bolso, nunca. Peço pros meus amigos. Eu serro cigarro o dia inteiro. Eu filo. Cada um que passa eu já peço um cigarro. Quer dizer, em vez de vinte, fumo quarenta. E eu não posso fumar mesmo, por causa da bronquite.

 

FIESTA- E por que você não compra cigarro?

ADONIRAN- Pra não fumar. (E rindo) – Me dá um cigarro.

 

FIESTA- Dona Matilde acompanhou você no carnaval também?

ADONIRAN- (Querendo desconversar) – Pergunta do meu natal.

 

FIESTA- (Sem entender) – Do natal?! Por quê?

ADONIRAN- Porque o natal foi antes do carnaval, né? Não tá querendo perguntar tudo na ordem, organizadinho?

 

FIESTA- Vai lá, que seja, sêo Rubinato. Como foi o seu natal?

ADONIRAN- Foi uma beleza! Eu e a minha mulher só. E a minha cachorrinha, a loirinha. Natal, mesa farta. Trabalhei o ano inteiro pra ter um Natal legal. Então na minha mesa tinha...bebidas. Todas! Fanta uva e vinho Capelinha. Um garrafão. É bão. Dá urticária na unha, mas é bão! Eu tinha comprado no Mercado Central um cacho de coquinho. Desse coquinho selvagem. Um belo dum cachão. Mais de dois mil coquinhos. Aí eu fui no Ceasa e trouxe caroço de pêssego. Então tinha coquinho selvagem, caroço de pêssego, um martelo e uma bigorna. Pra quebrar o caroço e comer o miolo, que seria a avelã, a amêndoa.

 

FIESTA- E eles vendem caroço de pêssego no Ceasa?

ADONIRAN- Você vata no chão. Ih, tem bastante! Enchi uma cesta. Você parte ele com o martelo, na bigorna. Dentro tem a amêndoa. Avelão era o coquinho. Você mastigava ele, depois partia o coquinho na bigorna e comia o miolinho que vinha a ser a avelã, né? Uma hora um coquinho escorregou da bigorna com a martelada, voou pela janela, matou um pardal que tava na árvore, coitado. Mas tudo bem, ceiamos legal, fomos dormir. No outro dia amanhecemos, fomos almoçar fora. O almoço de Natal também foi cem por cento.

 

FIESTA- Onde foi?

ADONIRAN- Foi no Pizza Rodízio. Comemos pizza rodívio. Muitos pedaços. Eu e a minha mulher. Aí, de noite, tomamos um alka-seltzer cada um e fomos dormir. Assim foi o meu natal-mesa-farta.

 

FIESTA- Podemos falar do carnaval agora?

ADONIRAN- No carnaval – agora falando seriamente – eu fiquei em casa. Carnaval não é mais pra mim. Fiquei vendo televisão, torcendo pra todas as Escolas de Samba.

 

FIESTA- Torcendo pra todas?

ADONIRAN- Claro, porque eu torço pro povo e o povo tá em todas elas. Torço pra todas, mas eu sou Pérola Negra, de São Paulo.

 

FIESTA- E no Rio?

ADONIRAN- Eu sou campeão carioca do carnaval, sabia? Campeão carioca do centenário, com “Trem das Onze”. Fiquei entre os cinco mais executados. Tenho o troféu em casa, que tá lá escrito: Adoniran barbosa, campeão carioca do carnaval.; E só daqui a cem anos que vai ter outro, porque foi no Centenário do Rio de Janeiro. Ganhei dois mil de prêmio. E em tinha feito “Trem das Onze” pra carnaval. Fiz pra meio de ano.

 

FIESTA- Falando em dinheiro, como vai a vidinha? Tá com o burro na sombra?

ADONIRAN- Se eu não trabalhar entra areia. Tenho um grupo aí, o conjunto Talismã, um quarteto, que trabalha comigo. Faço shows nas faculdades, para prefeituras do interior, nas firmas.

 

FIESTA- Você tem empresário?

ADONIRAN- Não. O empresário somos eu. Semos eu mesmo. Quando alguém quer contratar um show, liga pra TV Tupi de São Paulo, eles dão o telefone da minha casa, me encontro com a pessoa e acerto tudo. Por exemplo, se ligarem pra tua revista querendo show meu pode dar o telefone.

 

FIESTA- E qual é o preço do seu show?

ADONIRAN- Ah, no interior é conforme a distância. Aqui em São Paulo é 12 mil. Lá fora é quinze, vinte, conforme o local.

 

FIESTA- Você mudou de gravadora agora, não é?

ADONIRAN- Mudei. Eu fiz dois LPs na Odeon: em 75 e 76. Depois ninguém mais me chamou, ninguém mais falou comigo, eu mudei de fábrica. O Wilson Miranda me convidou pra Continental, eu fui. Vou fazer um LP na Continental agora. Só tem quatro músicas novas. O resto é do passado, músicas que não pegaram. Que deviam pegar, não pegaram. Tô gravando de novo, eu mesmo cantando, sabe?

 

FIESTA- Tem cuidado da voz pra gravar?

ADONIRAN- Tenho. Na semana que vou gravar não fumo e não bebo. Depois que gravou, aí tiro a forra. Aí desconto os dias perdidos. Já gravei duas músicas pro LP: “Um Samba no Bexiga” e “Madame Estação Sé”, em homenagem a Praça da Sé.

 

FIESTA- Por que “madame”?

ADONIRAN- Porque ela agora é madame. Agora ela é linda por baixo e por cima.

 

FIESTA- Como é que você sente essas mudanças de São Paulo, da Sé, do Bexiga, com viadutos, muito concreto?

ADONIRAN- Tá bom. É o progréssio, né? O progréssio. Mas eu gostava mais do Bexiga antigo, das casas velhas.

 

FIESTA- Você nasceu no Bexiga?

ADONIRAN- Não. Eu sou de Valinhos, interior de São Paulo. Perto de Campinas. Perto, hein? Perto, só! Vim pra São Paulo com catorze anos. (Indignado) – Epa! Esse uísque é meu!

 

FIESTA- Estou tomando um pouquinho do seu porque acabou o meu

ADONIRAN- (Bravo) – É. Eu sei. De pouquinho em pouquinho o repórtius enche o papo.

 

FIESTA- Naquele tempo do velho Bexiga você era galã, não era?

ADONIRAN- Eu galã? Não tenho pinta de galã, mas em todo caso...JJames (Charles) Bronson também é feio e é galã.

 

FIESTA- Entendi. É galã até hoje.

ADONIRAN- Eu sou galazão. Mas fui galã de novela de rádio. No tempo do Otávio Gabus Mendes eu fazia galã, já madurão. Não mocinho, não, galã bão. Papel bão que me davam pra fazer na novela. No rádio.

 

FIESTA- Foi fácil a sua entrada para o rádio?

ADONIRAN- Não. Eu é que era uma presa fácil nas mãos de meus algozes!

 

FIESTA- Por quê? Não gostavam de você?

ADONIRAN- Gostavam tanto de mim que elevador vazio pra mim tava lotado.

 

FIESTA- E o humorista, como aconteceu na sua vida?

ADONIRAN- Foi na rádio Cruzeiro do Sul. Tava lá o Blota Júnior e o Leporace. Eles tinham um programa de humorismo e um dia botaram eu no programa. Deu certo, foi um delírio no auditório. Aí o Otávio Gabus Mendes me chamou pra Record. Lá tava o Osvaldo Molles. O meu grande amigo Molles. Ele achava eu muito engraçado. Eu fazia programa do Molles, só programa do Molles, de humorismo. Fazia quadros cômicos com Raul Duarte e outros. Tinha o programa “Zé Conversa e Catarina”, que eram dois personagens crioulinhos e tinha também “A casa da sogra” tudo do Molles, sucesso. Depois veio “O crime não compensa”. Aí era sério. Eu fazia o criminooooso! Vinham os processos do Fórum e o Molles fazia as histórias. Nem apareceu mais, nem vai aparecer. Desculpe, mas não vai aparecer outro.

 

FIESTA- Que tal publicarmos um conto do Molles no mesmo número da revista em que sair a sua entrevista?

ADONIRAN- Bão. Muito bão! O Molles mesmo morte é mais sucesso que muita gente viva. Bota aquele conto dele chamado “Piquenique Classe C” que é formidável.

 

FIESTA- Como nasceu a idéia do programa “História das Malocas”, onde você fazia o famoso Charutinho? Que nasceu primeiro, o programa ou o seu samba “Saudosa Maloca”?

ADONIRAN- O Molles teve a ideia de fazer o programa por causa do samba. Eu fiz o samba em 1950. Depois é que veio o programa e fez dez anos de sucesso. Com o Charutinho, a Terezoca, o Trabucão, Panela de Pressão, Pafunça...uma turma boa na maloca.

 

FIESTA- Como era o Molles?

ADONIRAN- Era um que nem você assim. Só que mais alto, de cabelo branco, mais calmo, sem barba, mais gordo e não bebia nunca. Único vício dele era fumar e jogar baralho. Jogava toda noite com o Pagano Sobrinho e o maestro Gabriel Migliori. Vou gravar dois sambas que fiz com ele nesse meu LP novo: “O casamento do Moacir” e “Chora na rampa, negrão”. (E rindo) – Isso é com você não, Warte. Quando fizemos o samba nem te conhecia.

 

FIESTA- E a gente se conheceu bem depois...

ADONIRAN- Lembra quando foi, lembra? Eu lembro. Eu tava no bar ao lado do Teatro Record, morrendo de medo porque ia cantar no programa da Elis Regina, aquele tal de “Fino da Bossa”.

 

FIESTA- Lembro sim. Você estava tomando café no copo...

ADONIRAN- Falei que era café pra te enganar, porque você era repórtis da Última Hora. Mas era bebida. Eu tava apavorado de entrar no programa. Depois foi aquele sucesso que eu fiz. Você foi no bar e falou: viu o teu medo? Pra quê medo? Viu o sucesso que você fez? Lembra que você falou isso, depois escreveu no jornal? Eu tenho isso aí em casa, recortado.

 

FIESTA- Depois só voltamos a cruzar quando você entrou de ator numa novela minha e do Chico de Assis.

ADONIRAN- É. Foi no “Ovelha Negra”, da Tupi. Sabe o que eu ganhei com essa novela? Sabe o que eu ganhei gravando naquele pasto desgraçado, naquele fim de mundo, naquele descampado frio, naquel lugar onde o vento balançava a mijo?

 

FIESTA- O que você ganhou?

ADONIRAN- Micuim. Carrapato. Carrapato de grama. Era um pasto, né? Tinha o pasto seco com muito micuim, que é um carrapatinho de mato. Aí eu precisei ir no médico pra tirar carrapato. Não sarava nunca, pelamor de Deus! Aí o médico deu um remédio que sarou. Eu sentia muita coceira no pé e na canela. Foi isso que eu ganhei com aquela tua novela: micuim.

 

FIESTA- Me lembro que eu ficava espantado com sua facilidade em decorar o texto da novela...

ADONIRAN- Quando o texto é ruim não dá pra decorar. Mas quando é bom eu decoro fácil. Eu decoro cantando, sabe? Ponho melodia na fala e decoro cantando. Pra mim é mais fácil decorar com música. Mas não gosta de fala muito grande. Prefiro falar pouco e aparecer bastante na televisão. É aquele negócio: microfone neles, câmera ni mim.

 

FIESTA- Quais foram as pessoas importantes na sua vida?

ADONIRAN- Tantas! O Zara, o Carlos Zara é importante. Eu tinha me aposentado na Record, fui passear na Tupi, ele me botou pra fazer o Chico Belo na novela “Mulheres de Areia”. O Zara é o único culpado de eu tá em novela, de eu ter arrumado esses shows pra fazer por aí, agora. O Zara confiou em mim, me respeita muito.

 

FIESTA- E Pelão, como entra na história?

ADONIRAN- Eu sou o Pedro Álvares Cabral. O Pelão descobriu eu. Eu sempre fui o que sou, né? Mas o Pelão ficou meu amigo, levou eu pro Teatro Treze de Maio. Chovia pra burro. Fiz sucesso no teatro. Aí ele arranjou LP na Odeon pra mim. Ele começou a botar eu no mau caminho do LP, sabe? Eu não queria fazer isso aí. Eu gosto demais dele. EU amo o Pelão. É meu amigo o Pelão. Ele que é culpado de eu tá no LP. Começou aí, viu?

 

FIESTA- Mas você já havia gravado como cantor...

ADONIRAN- Já. Em 78 rotações, na RGE. Mas tinha parado. Não ia, não dava certo, eu parei. Com o LP deu certo. Não vem reclamar comigo que a culpa é do Pelão que produziu meu LP. (Impaciente, virando-se para a fotógrafa) – Que horas são, moça? Já é tarde, hein! Manda buscar mais uísque que é tarde!

 

FIESTA- Sempre tomou uísque, Adoniran? Ou teve a fase da pinga?

ADONIRAN- Ah, muita pinga! Ô! Praça da Sé! Muita pinga! Comecei tomar uísque nas festas, nas buates, nos shows. No Clubinho, com o Paulo Vanzolini, com o Gregorian. Que cara legal, que morreu cedo também! Lima Barreto, Di Cavalcanti. Aqueles caras no Clubinho, na Bento Freitas. Eu ia pra lá. Eu, minha mulher e o meu cachorrinho. Não era a loirinha ainda. Era o Mosquito. Ele ia junto comigo no Clubinho. No meu pé e da minha mulher. Teve um outro cachorrinho meu, o Peteleco. No tempo da Vera Cruz, onde a gente filmava, ele tinha muito cartaz porque era meu. Ey tinha um pouco de prestígio lá. Então, eu e o Alberto Ruschel, a gente ia pro Nick Bar, no Bexiga, eu ia com meu cachorrinho. O porteiro abria a porta do bar, o Peteleco pulava no piano. Sentava na cauda do piano. O garção já trazia pra ele churrasquinho em pedacinho. Eu lá no balcão, ele não saía de cima do piano. Daí eu falava: vão embora! Ele pulava do piano, ia pro táxi. Era boêmio o Peteleco.

 

FIESTA- Você sempre andou de táxi? Nunca teve carro?

ADONIRAN- Tive. Tive um Ford 36. Eu dirigia, mas machuquei a perna, falei: não quero mais automóvel. Agora eu sou táxi. Táxi-man. (Procurando o botão para desligar o gravador) – Acabou a fita, né? Chega. Tá bão. Depois você destrincha tudo isso.

 

FIESTA- Mais duas perguntinhas só. Depois vamos pra padaria da esquina tumar a última, a saideira. A sua religião, sêo Rubinato?

ADONIRAN- Sou católico. Mas não vou na igreja. Não precisa ir à missa. Você é católico, pensa em Deus, tudo bem. Bobagem ir na igreja.

 

FIESTA- O que é que você pensa da morte?

ADONIRAN- Não sei. A morte eu acho que ela vem, tem que aceitar. Não penso ainda na morte. A hora que ela vier, eu digo: é agora? Ah, é sim senhora? É agora? Então vamos! O pior é ficar doente. Eu tenho bronquite, mas a minha é alérgica. Se eu não fumar não tem bronquite. Me dá um cigarro.

 

Publicado originalmente na revista “Fiesta”, ano 3, número 25, março de 1978

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Lembro bem dessa revista ''Fiesta'',bons tempos.Figuraça o Adoniran.