Uma figura inesquecível, pelas suas características únicas, exóticas e excêntricas, foi o peso leve Sebastião Ladislau, o “Gibi”. Não tinha punch, mas em habilidade e malícia jamais foi igualado. Era malandro em todos os sentidos-, mas nunca um mau elemento. Seu problema era a carência, a solidão. Não tinha pai nem mãe, ninguém. E por isso se apegava aos amigos, na maioria elementos da vida noturna, todos da malandragem. Entre eles, o célebre “Quinzinho” (que chegou a lutar boxe), chamado “o rei da Boca do Lixo”. Gibi nunca roubou, nunca traficou com tóxicos, mas viveu sempre entre traficantes e foi viciado em maconha.
Sua carreira no pugilismo desafia todas as leis da educação física e da biologia. Pela sua vida desregada- ele jamais se alimentou direito-, meio alcoólatra e notívago, Gibi nem poderia pensar em esporte, muito menos em boxe, modalidade que exige demais do físico e castiga duramente os que não se cuidam. Pois Gibi, sem treinar uma única vez como manda o figurino, sem alimentação e sem repouso (passava as noites na rua, quase sempre com cachaça e maconha), lutou muitos anos, jamais adoeceu e sempre ofereceu grandes espetáculos ao público, chegando mesmo a ser campeão brasileiro dos leves.
Duas passagens em sua carreira são verdadeiramente folclóricas. Uma foi na luta com Kaled Curi, pelo título nacional. No quarto assalto, o Beduíno colocou um forte hoock de direita no estômago e Gibi, acusando ostensivamente o golpe, gemeu, entrou em clinch e reclamou:
-Pô, Turco, não bate aí que eu não como nada há dois dias!...
O ânimo de Kaled foi pra lona. Ele não foi mais capaz de bater pra valer e, por esse gesto humano, só recebeu vaias.
Um dia Jacó Nahun contratou nada mais nada menos do que Alfredo Prada para lutar contra Gibi, que então era o campeão nacional. Prada era o campeão sul-americano e acabara de obter uma memorável vitória sobre o “Tigre” Gatica- também chamado “O Mono”- fraturando-lhe o maxilar com um gancho de direita. Aceitou a luta no Brasil encarando-a como um treino, sem saber o que esperava. Gibi nem sabia quem era ele. Quando um jornalista lhe perguntou se sabia com quem ia lutar, ele respondeu com indiferença:
- Sei lá! Um tal de Prada. Dizem que é gringo.
Na madrugada do dia da luta, o mesmo jornalista encontrou Gibi de quatro na calçada defronte a uma farmácia, na avenida São João, esquina com a rua Aurora.
- Que você está fazendo aí?- perguntou-lhe o jornalista. Gibi, embaraçado por ter sido flagrado naquela posição, ergueu a cabeça e respondeu:
- Estou procurando minha vergonha. Seu Jacó disse que ela deve estar por aqui.
Ele estava alcoolizado. Á noite, apenas dezessete horas depois desse insólito episódio, Gibi fez dez assaltos com Alfredo Prada e deu um suadouro incrível no argentino. O empato foi considerado justo e Prada comentou: - Nunca enfrentei um adversário tão complicado como esse. Ele é inortodoxo, imprevisível, um maluco! Nunca mais quero ver esse homem na minha frente.
No meio da luta, Gibi abaixou os braços e fez menção de virar as costas a Prada, dando a entender que ia desistir. O argentino sorriu e por sua vez abaixou a guarda, certo de que vencera. E nesse preciso momento o brasileiro voltou-se com incrível rapidez e acertou uma esquerda que quase derrubou o campeão. Quando um jornalista lhe perguntou que golpe era aquele, Gibi respondeu:
- Vapt-vupt. É um faz-que-vai-e-vai-mesmo
Gibi foi o mais folclórico dos nossos pugilistas. Morreu cedo, quase como indigente.
Retirado de: MATTEUCCI, Henrique. Boxe: Mitos e História. São Paulo: Hemus, 1988
Este post é uma homenagem aos jornalistas Henrique Matteucci, José Maria de Aquino e demais colegas que cobriram o boxe paulista em seus anos dourados.
6 comentários:
Excelente história, Matheus, triste e engraçada ao mesmo tempo. Espero que continue publicando esses relatos.
Oi Serjão! Quando possível, irei publicar sim. Tem coisas geniais que o Matteucci escreveu sobre grandes boxeadores brasileiros e irei botar em breve. Aguarde!
tudo bem?
Você colocaria 1 link para o meu blog http://filmescopio.blogspot.com/ que vou botar para o seu também lá?
Abraços.
Lindão, já leu aquele perfil clássico do Gay Talese sobre Cassius Clay? bjs
Oi Delia, ainda não li, mas tenho grande interesse. Devo procurar em breve. Bjo
Parabéns pela iniciativa de resgatar os textos de Mateucci. Já ouviu falar de Abraão de Souza. Trabalhei um período com Michel Laurence e ele me falava muito sobre esse boxeador.
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