quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Entrevista com Servílio de Oliveira



Servílio de Oliveira recorda carreira no boxe e medalha nas Olimpíadas de 1968

Treinador de boxe do São Caetano, Servílio de Oliveira é o único brasileiro que conquistou uma medalha olímpica na modalidade

MATHEUS TRUNK

No início dos anos 60, o boxe era o segundo esporte brasileiro. Naquele tempo, o “galinho de ouro” Éder Jofre sagrou-se bicampeão mundial e se tornou ídolo de vários jovens que estavam começando no esporte. Servílio de Oliveira, 61, foi uma dessas pessoas.

De origem humilde, Servílio sagrou-se campeão paulista, brasileiro, sul-americano e latino-americano na categoria moscas. Porém, seu maior feito foi ter conquistado a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos na Cidade do México, em 1968. “Ver a bandeira brasileira tremulando junto com as demais bandeiras no pódio foi uma emoção muito forte”, relembra.

Em dezembro de 1971, o pugilista teve de encerrar a carreira de lutador devido a um deslocamento de retina que sofreu em uma luta com o boxeador mexicano Tony Moreno. Nos anos 80, iniciou sua carreira de treinador como auxiliar técnico do Clube Atlético Pirelli, em Santo André.

Com a fundação da Associação Atlética São Caetano, Servílio torno-se técnico e coordenador da equipe de boxe do clube. Atualmente, ele é empresário e revelou grandes nomes da modalidade, como o baiano Valdemir Pereira, o Sertão, que se tornou campeão mundial em 2006.

Rudge Ramos Online- Como o senhor começou a se interessar por boxe? 
Servílio de Oliveira- Quando eu comecei a me interessar por esporte, eu pensava em ser jogador de futebol como o Pelé. Mas eu não levava muito jeito pra isso. Naquele momento, surgiu o Éder Jofre como ídolo nacional. Ele se tornou campeão mundial de boxe no dia 18 de novembro de 1960. Naquela época, houve um "boom" do boxe e todos os garotos queriam praticar a modalidade se espelhando no Éder.

RRO- Como o senhor começou a treinar em academias? 
SO- Eu fui pra academia pela primeira vez em 62, 63 na Caracu Boxe Clube. Essa academia ficava na rua Aurora, em cima do Cine Scala, no centro de São Paulo. Eu estreei com dezessete anos e me tornei campeão do torneio A Forja dos Campeões, que era organizado pelo jornal A Gazeta Esportiva. Depois, eu lutei pela academia Flamingo e logo em seguida fui treinar na Pirelli, que ficava aqui em Santo André.


RRO- Como foi a sua participação no Pan de 1967?
SO- Eu tinha somente dezoito anos. Na primeira luta, ganhei de um colombiano chamado Pedro Bendex. Acabei perdendo a segunda luta para um americano chamado Harlan Marbley e fui desclassificado. Ele era mais velho e um lutador bem mais experiente. O técnico da delegação brasileiro de boxe nessa oportunidade foi o Kid Jofre, o pai do Éder.


RRO- Se sentiu frustrado por ter sido eliminado na segunda rodada?
SO- Não. O meu adversário foi superior dentro do ringue. Em março de 68, eu fui ao Chile e ganhei do Francisco Morocho Rodrigues, venezuelano que tinha sido campeão panamericano. Portanto, éramos todos grandes boxeadores.


RRO- Logo em seguida o senhor participou das Olimpíadas de 68 na Cidade do México e conquistou a medalha de bronze. Como foi isso?
SO- Foi algo excepcional. Sou muito orgulhoso até hoje de ter conquistado esse feito. Sinto que meu nome passou pra história. Tem muita gente que procura esconder o que eu fiz mas vão continuar escondendo. Mas os meus netos, os meus bisnetos e toda a comunidade desportiva sempre vão saber da minha conquista. A delegação brasileira de boxe naquela Olimpíada tinham três membros somente: eu, o boxeador Expedito Alencar e o nosso técnico Antonio Carollo. Foi muito difícil e foi somente na última hora que se resolveu que uma equipe brasileira de boxe ia mesmo ao México, porque na época não tinha verba para o boxe. Para o futebol sempre tem verba, mas para o boxe nunca tem.


RRO- Na semifinal o senhor foi derrotado pelo mexicano Ricardo Delgado. Como isso ocorreu?
SO- O Ricardo tinha sido vice-campeão no Pan de 67. Ele estava lutando na casa dele, tinha apoio da torcida. Fizemos uma luta equilibrada, mas eu acho que ele foi melhor e a conquista dele foi justa.

RRO- Qual foi a importância do técnico Antonio Carollo para a sua carreira?
SO- Ele foi uma pessoa fundamental na minha vida e na de muitos outros boxeadores. O Carollo é uma pessoa que se dedicava mais ao boxe que a própria família dele. Foi um paizão e sempre me ajudou muito. Mesmo quando eu parei, eu fui ser assistente dele na Pirelli, aqui em Santo André. Quando eu precisei de dinheiro, ele sempre me ajudou. Devo muito ao Carollo e a maior parte da minha vida útil no boxe foi ao lado dele.

RRO- Como foi o problema em que o senhor teve um deslocamento de retina em uma luta com o mexicano Tony Moreno, em 1971?
SO- Tive um deslocamento no sétimo round da luta. Eu sofri um golpe ou uma cabeçada que inchou muito o meu olho direito. Depois, o Moreno começou a bater muito em cima e me abriu ainda mais. Mas mesmo assim eu acabei vencendo a luta no décimo round. Eu estava tão concentrado que naquela noite ninguém me derrotaria. Por causa desse descolamento, eu fiquei impedido de lutar boxe.

RRO- O senhor sentiu alguma frustração por estar distante do esporte?
SO- Eu sentia saudades e senti aquele sentido de injustiça. Eu me questionava o motivo daquilo tudo, logo comigo. George Foreman foi campeão do mundo em 1974 e o Miguel de Oliveira logo em seguida, em 75. São todos pessoas que tinham convivido diretamente comigo. Mas depois eu me superei, voltei a lutar novamente profissionalmente. Fiz cinco lutas e ganhei todas. Em 1978, eu desafiei o campeão sulamericano, o chileno Martin Vargas para uma luta. Mas fui impedido de lutar.

RRO- Por causa do ferimento da retina? 
SO- Sim. Eles diziam que estavam protegendo a minha integridade física, mas na verdade eles estavam protegendo a integridade física do chileno. Eu tinha todas condições para vencê-lo. Depois disso, continuei somente no boxe amador. Na minha carreira profissional toda, eu não sofri nenhuma derrota.

RRO- O senhor passou a ser técnico logo depois que parou de lutar? 
SO- Sim. Passei a ser auxiliar do Carollo. Mas a Pirelli terminou em 1992, o Carollo foi ser treinador do São Paulo. Eu montei o departamento do São Caetano e passei a ser técnico do time. Depois fui coordenador e com o tempo me tornei empresário, revelando vários novos nomes do boxe brasileiro.


RRO- Como o senhor conheceu o boxeador Valdemir Pereira, o Sertão? 
SO- Quando eu conheci o Sertão, ele treinava no São Paulo Futebol Clube. Depois, o São Paulo fechou a parte de boxe. Quando isso aconteceu, ele queria voltar pra terra dele, na Bahia, de qualquer maneira. Mas eu sabia que ele tinha um potencial, e insisti pra ele permanecer aqui. Em 2000, ele participou dos Jogos Olímpicos e depois se tornou campeão mundial. Tornou-se um grande campeão e tenho muito orgulho de ter participado disso de alguma maneira.


RRO- O senhor ainda é o único boxeador brasileiro que ganhou uma medalha em Olimpíadas. Na sua opinião, por que isso acontece?
SO- No passado, o material humano do boxe brasileiro era bem melhor. Hoje em dia, em todos os esportes tem muito dinheiro e os jovens acabam se perdendo um pouco. Na minha opinião, falta no Brasil uma massificação da modalidade. Acredito que todas essas leis e bolsas para atletas deveriam ser usados na massificação da prática do boxe. Isso pode incentivar mais a prática do esporte.

RRO- O senhor ganhou muito dinheiro com o boxe profissional? 
SO- Absolutamente nada. A maior verba que eu ganhei em uma luta foi mil e cem dólares, quando ganhei o título sul-americano. Hoje, qualquer lutadorzinho que vai para fora do Brasil recebe oito, dez mil dólares por combate. Atualmente, mesmo no boxe amador gira muito dinheiro. Na minha época, não tinha nada disso.

RRO- Como era o seu dia-a-dia como boxeador? 
SO- Era de muita dedicação, muito treinamento. Eu não bebia álcool, não fumava, não vivia na noite. Eu era um atleta muito disciplinado, passava sede, passava fome. Eu tinha muita dificuldade para dar o peso certo. Era tão concentrado na minha vida atlética que eu esquecia de sexo, de namorar.

RRO- Então, o senhor abriu mão de muitas coisas para ser um boxeador? 
SO- Claro. Pra você ser um grande nome em qualquer segmento, você tem que abrir mão de um monte de coisas. Pra ser um grande ator, um bom ator, um bom advogado você precisa abrir mão de muitas coisas. Porque se não abrir mão, nunca será um grande nome no segmento dele.


RRO- Muitos ex-boxeadores como Luiz Faustino Pires, que foi campeão sul-americano e chegou a lutar contra o George Foreman, tiveram um final de vida muito difícil. Na opinião do senhor, por que isso acontece?
SO- Cada um escolhe o seu caminho. No dia-a-dia, todo ex-atleta tem que procurar crescer dentro da sua área profissional. Eu já estive no fundo do poço e continuei trabalhando e me dedicando. Hoje, eu faço o meu serviço e consigo me manter. Muitas vezes, o atleta não tem uma estrutura familiar muito forte e isso acaba trazendo muitos problemas pra pessoa. Isso acontece também em outras modalidades, como o futebol.


RRO- É verdade que boxeador precisa saber apanhar?
SO- Sim. Saber bater é muito fácil, todo mundo sabe bater. Saber apanhar é muito difícil, poucos sabem. E poucos sabem continuar uma luta depois de apanhar e saber sair de uma situação adversa como essa.

RRO- O senhor sofreu algum preconceito racial dentro do boxe por ser negro? 
SO- Na verdade, o nosso país sempre foi um lugar preconceituoso. Quando eu era menino, a coisa era pior. Hoje, já mudou bastante felizmente. Mas mesmo assim o preconceito, mesmo velado, ainda existe.

RRO- O senhor acredita que ainda existe muito preconceito contra o boxe? 
SO- Existe ainda alguns intelectuais que dizem que o boxe gera a violência. Na verdade, é justamente o contrário. O boxe é uma prática desportiva em que o sujeito deixa de ser violento. Lutador luta contra um oponente do mesmo peso, com as mesmas condições físicas. Quando termina a luta, eles se abraçam e são amigos abaixo do ringue. Diferente do futebol em que um quebra a perna do outro, dá pernada e existem até mesmo as torcidas organizadas. Na minha opinião, o futebol é muito mais violento que o boxe.


Publicado originalmente no Rudge Ramos Online da Universidade Metodista de São Paulo

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