sábado, 1 de agosto de 2009

A bela primazia de Galasso



Em fins de 1946, um garotinho do Bixiga, tímido, pálido e um tanto encurvado, procurou o técnico Waldemar Zumbano na academia do Clube Espéria, na Ponte Grande. Naquele ano centenas de jovens estavam se apresentando para treinar, e aquele menino franzino não chamou a atenção de ninguém. Parecia ser mais um desses que se apresentam, treinam uma ou duas vezes e desaparecem. Parecia, mas não era. No dia seguinte, quando Waldemar chegou para abrir a academia, ele já estava na porta, sentado na soleira. E no outro também. Três semanas depois, quando o garoto entrou no ringue e fez o primeiro treino com luvas, Waldemar observou:

- Esse é daqueles que, se não tem talento, vencem pela garra e, se não têm garra, vencem na teimosia...

Foi uma observação profética. Talento, relativo. Garra, demais. Quanto á teimosia, algo assim invadindo o terreno da obstinação. Seu nome é Pedro Galasso. Pela garra, pela obstinação, pelo boxe agressivo logo demonstrado, foi chamado de “Piranha”. E também fez história. Mais do que isso. Deu brilho a essa história com sua coragem fora do comum e uma dedicação quase religiosa ao boxe. Como Kaled Curi, com Lúcio Inácio e como todos os Jofre e todos os Zumbano. Pedro Galasso mergulhou tão fundo na alma do pugilismo e a ele se integrou de tal maneira que jamais se poderá se desvincular um do outro.

Enquanto pugilista, Galasso foi em tudo um exemplo para os demais. Dedicado aos treinos como poucos, consciente da disciplina e da sua responsabilidade perante o público, jamais subiu num ringue fora de forma e sempre, sem nunca decepcionar, ofereceu grandes espetáculos, mesmo quando derrotado. Sua dedicação era tanta que, quando voltou ao Latino-Americano de Lima, com a mão quebrada e gessada, no dia seguinte ao embarque foi à academia, fez ginástica e bateu no saco de areia com a outra mão. E assim treinou todos os dias, até tirar o gesso e receber do médico a autorização para o treinamento completo.

Galasso estreou no campeonato de A Gazeta Esportiva em 1947 e foi campeão dos penas. No mesmo ano foi, ainda, campeão de Novíssimos, Novos e Paulista. Quatro títulos para começar, e depois uma série tão longa que ele talvez seja o boxeador brasileiro que mais títulos conquistou até hoje. Em 1948 foi campeão de Novíssimos, Novos, Paulista e Brasileiro, tendo ainda integrado a equipe nacional no Sul-Americano de Santiago. Em 1949 foi apenas vice-campeão paulista, mas em 1950 foi campeão paulista e brasileiro, repetindo o feito em 1951, quando participou, mas sem êxito, do Pan-Americano de Buenos Aires. Em 1952, idem e participação na Olimpíada de Helsinque. Com tanto empenho e tanta raça, ele não poderia encerrar a carreira amadorística sem um título internacional. Tentou-o no Latino-Americano de Lima, onde foi prejudicado pelos jurados, mas conseguiu realizar o sonho no Latino-Americano de 1953, em Montevidéu, onde foi não apenas o campeão dos leves, mas também, segundo a imprensa uruguaia, “o melhor boxeador do campeonato”.

No profissionalismo, que ele abraçou em 1953, não havia a possibilidade de tantos títulos, mesmo porque não existem campeonatos atuais tipo Novos, Novíssimos, essas coisas do amadorismo. Nem por isso, porém, Galasso deixou de brilhar. Brigador, valente, enfrentou os melhores leves da América do Sul e chegou até a lutar duas vezes com o campeão italiano em Campari. Na primeira, empatou (em Roma), em dez assaltos. Na segunda, quando levava vantagem, a luta foi suspensa porque faltou luz no estádio. Antes disso, numa memorável luta com Sebastião Ladislau (“Gibi”), que destronara Kaled Curi, Galasso ganhou o título de campeão brasileiro.

Foi nessa condição que ele enfrentou, no Rio, o famoso norte-americano Joe Brown, ex-campeão mundial dos penas. Uma luta duríssima, na qual Galasso mostrou toda a sua bravura. Escorou como um estóico a agressividade de Joe Brown, que levou sobre ele apenas uma pequena vantagem. Galasso perdeu por decisão médica no oitavo assalto, em razão de um profundo corte no supercílio e de uma perigosa hemorragia.

No camarim, Galasso protestou:

- Ele estava cansado. Eu ia vencer a luta, não foi justo.

Disse isso com o médico “costurando” seu supercílio, sem se importar com a dor ou com a possibilidade de uma pequena deformação. Era do seu feitio. Nunca temeu nenhum adversário, nem sequer ficou tenso antes de qualquer combate, por mais perigoso que fosse o adversário. Ele era um homem tranqüilo e em toda a sua carreira procurou transmitir essa calma aos companheiros. Quando não estava programado, ia ao camarim e ficava ao lado dos companheiros ajudando a colocar-lhes as bandagens e dizendo-lhes palavras de estímulo.

O maior feito de Galasso, porém, aconteceu na noite de 25 de agosto de 1958, quando ele enfrentou o campeão sul-americano de peso leve, o então invicto chileno Sergio Salvia. Salvia era um mestre, inclusive com pretensões ao título mundial. Sabia tudo. Só não sabia da obstinação e da agressividade de Pedro Galasso. E foi surpreendido pela garra do brasileiro, que não parou de atacar até a última batida do gongo, no 12º assalto. Galasso venceu por pontos, uma vitória justa, indiscutível. Na revanche, em Santiago, Galasso sofreu uma tremenda “guerra fria” antes da luta. Nem camarim lhe deram. Trocou de roupa debaixo de uma escada, no mesmo corredor por onde passava o público. Não pôde se concentrar, não teve condições psicológicas. E perdeu. Contudo, ficou-lhe a glória de uma maravilhosa primazia: foi o primeiro profissional brasileiro a conquistar um título internacional.

Imagem e texto retirado de MATTEUCCI, Henrique. Boxe: Mitos e História. São Paulo: Hemus, 1988.

3 comentários:

autoblogger disse...

CONHECI MUITO BEM O PEDRO GALASSO, MEU GRANDE AMIGO E TREINADOR, FIQUEI NA ACADEMIA DO WILSON RUSSO DURANTE 8 ANOS, ALI COMECEI EM 1.955 E ESTREEI EM 1.956 NO CAMPEONATO DA GAZETA, SEMPRE LUTEI P/ WILSON RUSSO, NO COMEÇO ERA O GALASSO E UM ESPANHOL DE NOME LUIZ, TB PESSOA OTIMA COM BASTANTE CONHECIMENTO DO BOX, DEPOIS COM A VINDA DA ACADEMIA DAS LOJAS TREZ LEÕES, POIS ESTA HAVIA TERMINADO COM O BOX, PASSARAM PARA NOSSA ACADEMIA MUITOS BOXEADORES, E TAMBEM O TECNICO WALDEMAR ZUMBANO,NESTE EVENTO TAMBEM VIERAM FUTUROS GRANDE S LUTADORES COMO JACONIAS AMORIM, RICARDO ZUMBANO,MARIO DOS SANTOS,ORIPES DOS SANTOS, QUE VIRIA MAIS TARDE SER CAMPEÃO SUL AMERICANO E TER SIDO TB ESPARRING DO EDER JOFRE NAS LUTAS DESTE LA NO JAPÃO, ALEM DE MUITOS OUTROS QUE NÃO LEMBRO,GALASSO UM AMIGO PARA TODAS AS HORAS, LEMBRO-ME DO SEU CASAMENTO C/ D. JANETE, SE NÃO ME ENGANO FOI NO FINAL DO ANO DE 1.955,ENFIM, SINTO MUITO ORGULHO DE TE-LO CONHECIDO E DE TER SIDO SEU ALUNO E AMIGO,NUNCA VOU ESQUECE-LO, PESSOA HUMILDE, EDUCADO, BRINCALHÃO, FIZ ALGUMAS EXIBIÇÕES ENFRENTANDO ELE EM ALGUNS EVENTOS , MINHA ULTIMA LUTA FOI EM 1.963, NA INAUGURAÇÃO DO GINASIO DA VIDRAÇARIA SANTA MARINA NA AGUA BRANCA, ALI EU JÁ ÉRA CASADO E MINHA ESPOSA NÃO APROVAVA MAIS EU COMO PUGILISTA,O GALASSO TENHO CERTEZA, VIVE NOS CORAÇÕES DE TODOS AQUELES ATLETAS QUE FORAM SEUS PUPILOS, MUITAS SAUDADES, QUE DEUS O TENHA EM SEU SEIO DE AMOR. MARQUEZIN, 29/6/2.16.

mundoenfermo disse...

Morreu na ppbreza consertava maquina de lavar para sobreviver, era amigo do meu avo, conheci quando era menino

Anônimo disse...

Quem morreu na pobreza foi seu comentário