Miguel de Oliveira: Maestro de Socos
Com a estupenda evolução de seu pupilo Maguila, o ex-campeão mundial começa a despontar como o maior técnico de boxe que o Brasil já teve.
Por Alfredo Ogawa
Em fins de novembro passado, o telefone tocou na casa do técnico de boxe Miguel de Oliveira. Do outro lado da linha, a voz anasalada e com forte sotaque nordestino do campeão sul-americano dos pesos pesados, Adílson “Maguila” Rodrigues, clamava por socorro. Nocauteado dias antes pelo holandês André van der Oestelaar e sob as pressões de sombrias críticas sobre seu futuro como lutador, Maguila havia rompido com o técnico Ralph Zumbano. Ele procurava alguém capaz de colocá-lo novamente de pé. “Miguel, estou disposto a qualquer sacrifício”, prometia.
O campeão encontrou o homem certo. Há oito meses começava a surgir umas das mais bem-sucedidas associações do boxe nacional. De um lado, Maguila, um vigoroso e valente sergipano de 28 anos, que graças á determinação e à força bruta chegara ao 20º lugar do mundo- mas, ao trombar com rivais de maior porte, começara a desabar por falta de melhor orientação. Do outro, Miguel de Oliveira, 36 anos, que uma década antes ostentara o cinturão de campeão mundial dos médio-ligeiros. Trata-se de uma figura atípica no pequeno e extravagante universo do boxe brasileiro. De fato, Miguel não fuma charutos, nem usa coletes xadreses, como o empresário Abraham Katznelson não costuma animar os treinos com gritos como o saudoso técnico Kid Jofre; não é visto com carrões coloridos como o boxeador Tomás Cruz; nem encerrou a carreira estropiado como alguns heróis dos ringues nacionais. Nada disso. Mesmo tendo decidido momentos cruciais de sua vida trocando murros num tablado, o Miguel de roupas discretas e gestos sóbrios pode passar tranqüilamente por um meticuloso gerente de banco.
Operário do Ringue- Se demonstra tarimba para lidar com os sócios da academia, as virtudes de Miguel não são menores para atuar com os profissionais. Um boxeador, pela natureza de sua profissão, não gosta de receber de outro homem nem reconhecer erros ou submeter-se a regas disciplinares. É o caso, por exemplo, de outro pupilo de Miguel, o superfina Tomás Cruz, número 1 do ranking, que deve lutar em setembro pelo título mundial, mas que há dez dias não aparece na Companhia Athlética. “Ele vai estragar sua carreira”, adverte Miguel. O mundo do boxe, porém, sabe que, se alguém ainda puder colocar um pouco de bom senso na cabeça de Cruz, esta pessoa é seu treinador. Capaz de falar por meio de pequenas metáforas e com voz sempre tranqüila. Miguel freqüenta há quatro anos os cursos da misteriosa Pró-Vida, uma instituição que se propõe a aumentar os recursos mentais do ser humano. “O objetivo é ampliar a percepção do mundo nas pessoas”, explica.
De quebra, ele traz em seu currículo a bagagem de alguém que já conheceu várias facetas da vida. Sua cabeça e dedicação de operário da Pirelli, ele transportou para a academia de boxe da empresa, junto com o soco forte que exercitava em Lençóis Paulista (SP), sua cidade natal. “Miguel era um lutador limitado. Só sabia enfiar seu forte braço direito”, lembra Antônio Carollo, seu técnico na Pirelli. Com paciência, Miguel domou a afoiteza, semelhante à de Maguila, e disciplinou-se em todas as regras do boxe.
Último campeão mundial que o Brasil teve, Miguel enfrentou seu destino sem maiores traumas. Continua morando em Osasco, onde montou seu pequeno patrimônio: duas casas e uma chácara. Avesso as extravagâncias, usa um Volkswagen 1980 para se movimentar e é ligadíssimo nas duas filhas adolescentes. “É do tipo caseiro”, define a mulher Maria de Lourdes.
Assim, no lugar do desengonçado Maguila, surge um pugilista que se esquiva bem dos golpes, usa com desenvoltura o jogo de pernas e sabe esperar o momento certo de bater. Ou seja, o mestre das regras do boxe encontrou em Maguila um diamante puro. “O Maguila brigão não existe mais”, orgulha-se o campeão de sua evolução no ringue. Luvas em frente ao rosto, posicionamento do corpo, jogo de pernas e colocações dos golpes são lições que ele repete até a exaustão. “Viemos desde os princípios do boxe e lapida mentos cada detalhe”, ensina Miguel.
O técnico, porém, não se limitou o boxe. Usou todos os seus conhecimentos científicos- nem sempre ao alcance dos boxeadores brasileiros. A avaliação médica inicial mostrou que Maguila só usava 40% do potencial físico. Atualmente, com uma rigorosa rotina diária de 4 horas, já alcançou 60% de sua capacidade total. Isso fica evidente em seus exercícios de musculação. Em fevereiro ele erguia apenas 40 kg com as pernas. Na semana passada, essa carga chegava a 60 kg e breve atingirá os 80 kg. Mais: uma tendinite nos dois punhos enfraquecia seus golpes. Ela foi curada com ultra-som e microondas. Com Miguel, Maguila passou a servir-se de todo o arsenal da medicina do esporte.
Freqüentemente Miguel é visto correndo junto com seu pupilo nos 10 ou 15 km diários planejados. Nesses momentos Miguel conta histórias de suas lutas e escuta as dúvidas de Maguila. São conversas que selam uma união das mais promissoras para o boxe brasileiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário