Durante toda a década de 80, o Carnaval seria responsável por manter o NP saudável nas bancas.
A cobertura dos bailes da cidade já acontecia desde o primeiro Carnaval da era Jean Mellé, nos anos 60. Apesar de anunciar na primeira página uma cobertura ousada (“sem censura”, prometia a capa), a cena mais despudorada de 1964 mostrava uma folia com o umbigo para fora (“O salão de baile estava repleto de brotinhos, alguns dos quais ostentando audaciosos Saint-Tropez”, dizia o texto). Como era difícil identificar os participantes da festa, bolava-se algo engraçado apenas para não fugir do padrão gráfico, que exigia legenda nas fotos. Assim, um casal formado por uma mulher bonita e um rapaz nem tanto era identificado como “A bela e o feio”. Outra foto mostrava uma curvilínea mulata se divertindo ao lado do parceiro do parceiro, enquanto um senhor de terno observava a folia, desanimado. Legenda: “A inveja”. Foi assim durante dezessete anos, período em que as vendagens do Carnaval eram muito boas. Haveria cada vez mais fotos e muito mais nudez nas edições de Carnaval seguintes. Em 1978, já apareciam os primeiros seios nus na capa. Porém, em 1980, o jornal comemoraria a chegada de sua maioridade com poses ainda mais explícitas – e um belo presente vindo das bancas.
Como em todos os cantos do País, as notícias em São Paulo durante a folia eram apenas relacionadas a festas, desfiles e crimes. A pauta fraca não dava conta de preencher as páginas de uma das edições de Carnaval daquele ano. A tradicional ronda nos bailes, que sempre rendia fotos curiosas, seria a solução. Esparramadas por um caderno inteiro, centenas de imagens preenchiam o espaço sem provocar grandes reclamações – afinal, os leitores não se queixavam da falta de notícias de economia ou esporte em pleno reinado do Momo.
Na hora de escolher as capas, os critérios não eram nada rígidos. Qualquer uma que estivesse com foco valia, incluindo cenas engraçadas ou da mais pura sacanagem. Restava apenas a tarefa hercúlea de arrumar legendas para tantas fotos. Liderada pela jornalista Sonia Abrão, parte da equipe de plantão deu boas risadas inventando frases de puro nonsense para acompanhar as imagens e honrar as tradições do NP. Uma moça mais desajeitada virava a “feionilda”, um folião rechonchudo era o “bolão”, e assim por diante. Sobravam também trocadilhos (“San Chupança”, “Dona Celu Lite”, “Analfa e Beta”, “Les e Bica”) e apelidos (“Olívia Nilton João”. Procedimentos de praxe nos bailes ganhavam termos novos: “mamãe, eu quero mamar”, “alisando o pandeiro”, “de lanterna na mão”, “limpando língua com bombril”. Além disso, os termos seguiam os assuntos da moda. Em 1983, após a estréia do filme ET- O Extraterrestre, o NP mostraria o “Carnaval ET: Extra-taradas”. Em 1985, novas referências cinematográficas na manchete: “Só deu garganta profunda no império dos sentidos.” E o assunto chegava até a política: em pleno regime militar foram usadas legendas como “Ele é contra a abertura” (para um rapaz que tapava o sexo da parceira) e “Anistia ampla, geral e irrestrita” (para um grupo de rapazes que estava “alisando pandeiros” alheios).
O sucesso foi enorme. Além de vender muito, a edição era vista rodando de mão em mão em todos os cantos da cidade. Era descoberto assim um novo filão para o jornal, que seria adotado com sucesso por mais duas décadas. A explicação era simples: com fotos insinuantes e inusitadas junto de legendas hilárias, folhear o caderno de Carnaval era divertido tanto para o leitor tradicional do periódico quanto para o público da Folha e do Estadão. A procura dos exemplares de Carnaval entre os leitores mais ricos, que nunca comprariam o Notícias Populares em circunstância normais, fazia disparar as tiragem. Nos cinco anos seguintes, a venda do jornal na Quarta-feira de Cinzas – o melhor dia do ano para o NP – ficou na casa dos 200 mil exemplares, o dobro da média registrada normalmente.
A partir de 1982, a operação de Carnaval já era padrão. Fotógrafos como Tarcísio Motta e José Maria da Silva, que estavam no jornal desde a década de 70, abandonavam a cobertura policial e gastavam as madrugadas clicando os bailes. Por volta das 23 horas, saíam da redação rumo às festas familiares de clubes como Corinthians e Palmeiras. Em seguida, seguiam em direção ao baile do Araken, que já era considerado o mais ousado da cidade desde a cobertura da folia, em 1964. Iam embora, já sob a luz do dia, com uma edição quase pronta do Notícias Populares de Carnaval. Material não faltava no Arakan. O estranhíssimo ambiente do baile misturava policiais, travestis e a mais variada fauna humana de São Paulo a uma enorme tropa de prostitutas dispostas a tudo para aparecer. Todo ano trocava um tijolo de goiaba pela chance de aparecer no jornal. E aparecia.
Com cada vez mais nudez, as fotos de Carnaval do Notícias Populares passaram a incomodar a Igreja e a Justiça, e foram até motivo de um processo em 1985. O jornal foi alvo de uma ação que o acusava de estampar pornografia em suas páginas na edição de Quarta-feira de Cinzas. Ironicamente, a redação pensava estar assumindo uma postura até moralista naquelas coberturas – frases como “fim do mundo”, “Carnaval escandaliza o mundo”, e até mesmo “festa de Satanás” estavam sempre nos títulos, sinalizando que o periódico não compactuava com as baixarias da festa, apesar de mostrar tudo. Sob o gosto pela mistura de sexo e sangue, o leitor típico do jornal era considerado extremamente conservador. Apesar do processo e das críticas, nada mudou: em 1985, as fotos ousadas continuaram e 230 mil jornais foram vendidos na edição de Cinzas.
Na verdade, a maior dor de cabeça na redação depois do Carnaval era outra. No dia seguinte, os jornalistas cansavam de receber reclamações e ameaças. Eram pessoas que flagraram seus cônjuges nas fotos publicadas pelo NP, curtindo a baixaria com outros parceiros. Separações e divórcios foram inevitáveis.
A cobertura dos bailes da cidade já acontecia desde o primeiro Carnaval da era Jean Mellé, nos anos 60. Apesar de anunciar na primeira página uma cobertura ousada (“sem censura”, prometia a capa), a cena mais despudorada de 1964 mostrava uma folia com o umbigo para fora (“O salão de baile estava repleto de brotinhos, alguns dos quais ostentando audaciosos Saint-Tropez”, dizia o texto). Como era difícil identificar os participantes da festa, bolava-se algo engraçado apenas para não fugir do padrão gráfico, que exigia legenda nas fotos. Assim, um casal formado por uma mulher bonita e um rapaz nem tanto era identificado como “A bela e o feio”. Outra foto mostrava uma curvilínea mulata se divertindo ao lado do parceiro do parceiro, enquanto um senhor de terno observava a folia, desanimado. Legenda: “A inveja”. Foi assim durante dezessete anos, período em que as vendagens do Carnaval eram muito boas. Haveria cada vez mais fotos e muito mais nudez nas edições de Carnaval seguintes. Em 1978, já apareciam os primeiros seios nus na capa. Porém, em 1980, o jornal comemoraria a chegada de sua maioridade com poses ainda mais explícitas – e um belo presente vindo das bancas.
Como em todos os cantos do País, as notícias em São Paulo durante a folia eram apenas relacionadas a festas, desfiles e crimes. A pauta fraca não dava conta de preencher as páginas de uma das edições de Carnaval daquele ano. A tradicional ronda nos bailes, que sempre rendia fotos curiosas, seria a solução. Esparramadas por um caderno inteiro, centenas de imagens preenchiam o espaço sem provocar grandes reclamações – afinal, os leitores não se queixavam da falta de notícias de economia ou esporte em pleno reinado do Momo.
Na hora de escolher as capas, os critérios não eram nada rígidos. Qualquer uma que estivesse com foco valia, incluindo cenas engraçadas ou da mais pura sacanagem. Restava apenas a tarefa hercúlea de arrumar legendas para tantas fotos. Liderada pela jornalista Sonia Abrão, parte da equipe de plantão deu boas risadas inventando frases de puro nonsense para acompanhar as imagens e honrar as tradições do NP. Uma moça mais desajeitada virava a “feionilda”, um folião rechonchudo era o “bolão”, e assim por diante. Sobravam também trocadilhos (“San Chupança”, “Dona Celu Lite”, “Analfa e Beta”, “Les e Bica”) e apelidos (“Olívia Nilton João”. Procedimentos de praxe nos bailes ganhavam termos novos: “mamãe, eu quero mamar”, “alisando o pandeiro”, “de lanterna na mão”, “limpando língua com bombril”. Além disso, os termos seguiam os assuntos da moda. Em 1983, após a estréia do filme ET- O Extraterrestre, o NP mostraria o “Carnaval ET: Extra-taradas”. Em 1985, novas referências cinematográficas na manchete: “Só deu garganta profunda no império dos sentidos.” E o assunto chegava até a política: em pleno regime militar foram usadas legendas como “Ele é contra a abertura” (para um rapaz que tapava o sexo da parceira) e “Anistia ampla, geral e irrestrita” (para um grupo de rapazes que estava “alisando pandeiros” alheios).
O sucesso foi enorme. Além de vender muito, a edição era vista rodando de mão em mão em todos os cantos da cidade. Era descoberto assim um novo filão para o jornal, que seria adotado com sucesso por mais duas décadas. A explicação era simples: com fotos insinuantes e inusitadas junto de legendas hilárias, folhear o caderno de Carnaval era divertido tanto para o leitor tradicional do periódico quanto para o público da Folha e do Estadão. A procura dos exemplares de Carnaval entre os leitores mais ricos, que nunca comprariam o Notícias Populares em circunstância normais, fazia disparar as tiragem. Nos cinco anos seguintes, a venda do jornal na Quarta-feira de Cinzas – o melhor dia do ano para o NP – ficou na casa dos 200 mil exemplares, o dobro da média registrada normalmente.
A partir de 1982, a operação de Carnaval já era padrão. Fotógrafos como Tarcísio Motta e José Maria da Silva, que estavam no jornal desde a década de 70, abandonavam a cobertura policial e gastavam as madrugadas clicando os bailes. Por volta das 23 horas, saíam da redação rumo às festas familiares de clubes como Corinthians e Palmeiras. Em seguida, seguiam em direção ao baile do Araken, que já era considerado o mais ousado da cidade desde a cobertura da folia, em 1964. Iam embora, já sob a luz do dia, com uma edição quase pronta do Notícias Populares de Carnaval. Material não faltava no Arakan. O estranhíssimo ambiente do baile misturava policiais, travestis e a mais variada fauna humana de São Paulo a uma enorme tropa de prostitutas dispostas a tudo para aparecer. Todo ano trocava um tijolo de goiaba pela chance de aparecer no jornal. E aparecia.
Com cada vez mais nudez, as fotos de Carnaval do Notícias Populares passaram a incomodar a Igreja e a Justiça, e foram até motivo de um processo em 1985. O jornal foi alvo de uma ação que o acusava de estampar pornografia em suas páginas na edição de Quarta-feira de Cinzas. Ironicamente, a redação pensava estar assumindo uma postura até moralista naquelas coberturas – frases como “fim do mundo”, “Carnaval escandaliza o mundo”, e até mesmo “festa de Satanás” estavam sempre nos títulos, sinalizando que o periódico não compactuava com as baixarias da festa, apesar de mostrar tudo. Sob o gosto pela mistura de sexo e sangue, o leitor típico do jornal era considerado extremamente conservador. Apesar do processo e das críticas, nada mudou: em 1985, as fotos ousadas continuaram e 230 mil jornais foram vendidos na edição de Cinzas.
Na verdade, a maior dor de cabeça na redação depois do Carnaval era outra. No dia seguinte, os jornalistas cansavam de receber reclamações e ameaças. Eram pessoas que flagraram seus cônjuges nas fotos publicadas pelo NP, curtindo a baixaria com outros parceiros. Separações e divórcios foram inevitáveis.
Trecho retirado do livro “Nada Mais Que a Verdade- A Extraordinária História do Jornal Notícias Populares” de autoria de Celso Campos Júnior, Denis Moreira, Giancarlo Leopiani e Maik Rene Lima, Carrenho Editorial, publicado originalmente em 2002.
Um comentário:
Meu amigo,
FFELIZ NATAL!!!
Abs
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