domingo, 28 de fevereiro de 2010

VSP Entrevista: Antonio Marcos Soldera


Nos anos 70 e 80, o jornal Notícias Populares era o veículo de comunicação mais popular do Brasil. Os casos veiculados pela publicação tinham repercussão nacional e o jornal fazia grande sucesso entre o público mais humilde.

Antonio Marcos Soldera, 52 anos, foi repórter de polícia durante seis anos no NP. Assinou diversas vezes a coluna Histórias da Boca e trabalhou ao lado de nomes históricos do jornal como o repórter Júlio Saraiva e o editor-chefe Ebrahim Ramadan. Natural de Boituva, interior de São Paulo, Soldera trabalhou em diversas outras publicações e durante muitos anos atuou como assessor de imprensa.

Segundo ele, sua passagem pelo NP foi algo muito marcante em sua vida profissional. “Na verdade, o Notícias Populares acabou sendo a minha verdadeira faculdade de jornalismo”, relembra.

De fala calma e sorriso aberto, Soldera rememora neste depoimento diversas passagens de sua carreira como jornalista. Atualmente, ele possui um blog sobre a histórica publicação (http://amsoldera.blogspot.com/).

Realizei uma extensa entrevista com este experiente profissional na unidade do Frans Café de São Bernardo do Campo, em dezembro de 2009.

Violão, Sardinha e Pão- Seu Antonio, fala um pouco do começo da carreira profissional do senhor em Boituva.

Antonio Marcos- Eu comecei no jornalismo em Boituva com 15 anos de idade. Eu era correspondente do jornal O Diário de Sorocaba. Eles tinham vários correspondentes em cada cidade da região. Praticamente até os dezessete anos os únicos documentos que eu tinha era a carteira do jornal e a carteirinha da Associação Sorocabana de Imprensa. O Diário de Sorocaba é uma publicação bastante importante e existe até hoje. Depois, numa outra época eu cheguei a trabalhar em outro jornal sorocabano chamado Cruzeiro do Sul. Lá, inclusive eu ganhei um prêmio de repórter do ano fazendo uma matéria sobre habitação. Antes, com dez anos já tinha saído um texto meu no Diário de Boituva.

VSP- Como o senhor conseguiu essa oportunidade profissional no jornalismo tão cedo?


AM- Eu trabalhava no jornal do meu colégio em Boituva. Os caras  precisavam de alguém pra ser correspondente na cidade foram me procurar. Eles foram no colégio e eu fui lembrado. O jornal do meu colégio se chamava O Periquito. A publicação não tinha esse título por minha causa, porque eu não sou palmeirense (risos), eu sou santista. O diretor da escola é que era palmeirense. Eu já tinha saído do colégio e tinha um ônibus que levava os meus textos até Sorocaba.  Depois, eu fiz um curso de datilografia e consegui comprar uma máquina portátil de escrever. Não me interessava outra coisa, só escrever. Dessa maneira, eu continuei mandando um material pro jornal sorocabano. Depois, eu comecei a ser correspondente de outras cidades além de Boituva. Eu cuidava também de Cerquilho e Iperó. Eu tinha uma comissão pelas assinaturas, cada vez que o jornal conseguisse mais assinantes na cidade você recebia mais capital. Eu fiquei no Diário até 75. Nessa época, iam ter definições políticas nas cidades.

VSP- O senhor ficou bastante tempo no Diário de Sorocaba?

AM- Foram dois anos, de 73 a 75. Minha primeira matéria lá foi a posse de um prefeito. Em 75, eu estava terminando o colegial e no ano seguinte vim pra São Paulo e passei em jornalismo na Cásper Líbero. Tinha somente sessenta vagas e eu acabei passando sem cursinho, sem nada. Não passei na ECA, mas na segunda escola de comunicação da época que era a Cásper Líbero. O curso tinha duração de três anos e em 78 eu estava formado, trabalhando no antigo Diário do Comércio e Indústria, o chamado DCI.

VSP- O senhor ficou muito tempo no DCI?

AM- Fiquei um ano. Quando eu vim pra São Paulo, o primeiro lugar que eu morei foi em Osasco. Eu era bancário no Bradesco na Cidade de Deus. Lá tinha um alojamento e eu morava lá. Todo dia eu vinha de manhã pra faculdade, na avenida Paulista. Eu fazia esse trajeto todo dia e eu trabalhava das seis da tarde á uma da manhã. De tarde, a gente fazia agitação política porque era o final da ditadura. Participei de algumas manifestações estudantis marcantes e bastante famosas. Uma aconteceu no Largo São Francisco, mas acabamos não tendo tanto sucesso porque a ditadura comandava tudo. Depois, eu saí do banco e entrei no DCI. Lá eu fazia revisão de texto e tive a oportunidade de trabalhar com o Aloysio Biondi, que era um grande jornalista de economia. Ele era editor do DCI e de outras publicações como Jornal da Semana e Shopping News. Participei da segunda greve de jornalistas também e acabei sendo demitido em função disso. Fiquei seis meses desempregado porque todas as empresas da área recebiam uma lista das pessoas que tinham participado da greve. Todo lugar você não entrava. Acabei voltando pra revisão da Folha de São Paulo, onde eu tinha feito piquete em frente. Depois da Folha, eu entrei no Notícias Populares fazendo reportagem de polícia. Isso já é na década de 80. Fiquei seis anos no Notícias.

VSP- No começo, o senhor teve receio de trabalhar num veículo popular como o NP?


AM- Não. Eu não tive uma formação de esquerda. Cheguei a participar dos movimentos porque ou você era a favor disso ou da ditadura. Mas eu não tive uma formação...você tinha que se agrupar em alguma coisa. Minha família é de origem humilde: pai foi pedreiro, tinha estudado até o terceiro ano primário. Minha mãe também tinha o terceiro ano primário. Então, não tinha isso. Eu me engajei porque tinha que defender a liberdade de expressão pelo menos. Nisso, eu fiquei conhecendo bastante gente. Mas o Notícias Populares não tinha nenhum problema pra mim porque era trabalho. A única coisa que eu achei interessante nesse livro Nada Mais Que a Verdade- A Extraordinária História do Notícias Populares é que existe uma lista de personalidades do mundo jornalístico que começaram lá. A reportagem policial era um caminho pra você começar na área. Te dava um texto ágil...eu tenho hoje um texto ágil e criativo e isso vem do jornalismo policial. O Notícias fechava muito cedo...seis, sete horas da noite tinha que estar fechando porque a Folha rodava em seguida e não podia atrasar um minuto. Fora a Folha, ainda rodavam no mesmo lugar a antiga Gazeta Esportiva, Folha da Tarde que era o jornal pros militares. O Grupo Folha funcionava como uma indústria de sabonetes. Tinha o jornal pros intelectuais que era a  Folha de São Paulo...tinha também o Notícias. Eu sempre digo que o NP foi realmente a minha universidade. A redação era comandada pelo (jornalista e editor) Ebrahim Ramadan.

VSP- Ele chegou a dar aula pro senhor na Cásper Líbero?

 
AM- Tive aula de jornalismo comparado com ele. A gente criou uma empatia...ele gostava da maneira que eu escrevia. Mas quando fomos trabalhar juntos eu não lembrava que ele tinha me dado aula.

VSP- O Ramadan era bom professor?


AM- Muito bom. Ele tinha aquele jeitão sossegado. Aliás, todos os professores da Cásper Líbero na época com raríssimas exceções eram gente do mercado. Hoje em dia, o cara que nunca entrou em uma redação de jornal, rádio ou televisão faz uma pós-graduação e vira professor. A Cásper Líbero estava começando a faculdade de jornalismo, então eles simplesmente pegavam pessoas que já eram do ramo. Eu tive o prazer de ter tido aula com Emílio Martins Nogueira que chegou a ser secretário de redação da Folha. Ele dava aula de português na Cásper. Foi ele quem criou diversas coisas que o jornal tem até hoje como as frases na capa. Ele revolucionou o jornalismo e era um cara que tinha uma grande honestidade profissional. Ele dava umas dicas pra gente...eu não uso ponto de exclamação. Toda vez que eu penso em fazer isso, eu acabo me lembrando dele: “É um ponto ridículo. Se você tem um texto bom, uma chamada boa não é necessário ter isso”. Depois, o Notícias foi a realização disso tudo na prática. Eu fazia a reportagem policial que era a base do jornal praticamente e tinha que voltar da rua com o texto rapidinho. Você ia pra redação e fazia desde a chamada de capa da manchete até a última legenda de dentro. Os textos eram feitos numa máquina de escrever da marca Royal. Muitas vezes o Ebrahim chegava na hora do fechamento, pegava o texto e rasgava tudo. Ele ainda dizia: “Está uma porcaria, está uma bosta” e você tinha que reescrever tudo. Não tinha recorta e cola, não tinha essas coisas...

VSP- O senhor entregava os texto que horas?

AM- Seis horas da tarde o texto tinha de estar fechado. Algumas vezes, atrasava um pouquinho e você tomava bronca do superior. Depois, num período no Notícias eu fiz as literatices que tinha uma seção chamada Histórias da Boca. Não fui eu que criei essa seção, ela já existia. A proposta era fazer algo parecido com o Nelson Rodrigues no A Vida Como Ela É. Tinham capítulos, depois passou a ser uma historinha curta, depois aumentou. Eu revezava com o Julinho Saraiva e com o Nelson Taumer. O Ariosto Augusto de Oliveira participava também...ele fazia uma seção chamada Amém Pra Mim Também. O Notícias era uma publicação bastante eclética. Quando ele falava de religião, ele dava espaço do espiritismo ao islamismo e juntava tudo...

VSP- Tinha a coluna do Tonico e Tinoco.

 
AM- Tinha coluna do Tonico e Tinoco, acho que do Chacrinha também. Na redação, do meu lado trabalhava a Sônia Abraão. A gente vivia brincando com ela...a mesa dela vivia cheia de fotos de artistas. A gente trocava as fotos dos artistas por fotos de cadáveres (risos). Ela ficava nervosa...hoje acho que ela não lembra disso. Era simples...então de repente entrava o Chacrinha, entrava o Tonico e Tinoco. Eu sempre perguntava: “Mas quem é o Tonico e quem é o Tinoco? Eu nunca sei”. Todo mundo queria aparecer no Notícias. Depois, o jornal ficou colorido e começou a colocar fotos de mulheres nuas na capa.

VSP- Mas quando era preto e branco também existia isso.

 
AM- Mas com o colorido isso passou a destacar mais. Quando o Ebrahim espertamente percebeu que o crime em si já estava enchendo o saco, aquela coisa do cara retalhado...parou de passar de gente estraçalhada. Botava uma foto da pessoa em vida, principalmente se fosse uma mulher bonita. Ele passou a fazer a economia...

VSP- A economia popular...

AM- A economia dividia as manchetes com a polícia. No meu caso, o meu primeiro cadáver foi uma mulher muito bonita. Dizem que o primeiro cadáver a gente nunca esquece...como a propaganda do sutiã (risos). O cara voltou da Colônia Penal Agrícola de Bauru, pegou a mulher, estraçalhou ela e botou num cobertor embaixo da cama. O corpo ficou uma semana apodrecendo.

VSP- O senhor se lembra do título da matéria?

AM- Eu não lembro o título. Era um negócio assim: “Monstro sai do presídio para retalhar bela mulher”. Eu teria de chegar um dia no arquivo do Notícias pra levantar uma série de coisas. O crime foi lá na zona oeste, aqueles bairros ali, esqueci do nome do lugar...Atrás do Pico do Jaraguá.

VSP- Pirituba?

 
AM- Acho que era Pirituba, um lugar bem pobre. A gente procurou foto, entramos com o nariz tampado no local. Depois, a polícia chegou e a gente saiu. O policial atendeu a gente muito mal e fomos na casa da mãe da moça, um cubículo atrás de um bar. A gente pediu uma foto da vítima. Conseguimos um álbum dela na praia. Ela tinha 26 anos e na foto, ela estava tomando um chopinho de biquíni na praia. O fotógrafo tirou a foto e a gente voltou pra redação. Eu fiz a matéria, saiu aquela puta capa com a mulher bonita assassinada pelo monstro do presídio de Bauru. Rendeu várias suítes depois...esse foi o meu primeiro cadáver. Durante a apuração, você tinha que ligar pra redação pra garantir que tinha uma manchete. Porque eles tinham várias opções de manchetes todo dia. Como a gente não tinha muito tempo, você tinha que correr e falar: “Pode segurar porque dá manchete”. Tinha uma revista na época chamada Agora e eles queriam fazer uma matéria sobre o mesmo tema. Eles não queriam comprar a foto do Notícias Populares e acabaram voltando no local do crime. Mas eles acabaram sendo tocados de lá porque a parenta da vítima tinha perguntado pra mim: “No jornal, só vai sair o rosto né?”, só que não saiu só o rosto (risos). Eu ia perder toda a foto? Ela não estava pelada, nem nada. Você ia perder uma oportunidade dessas? Aí acabou sujando a coisa pra outra publicação.

VSP- Como era feito o Histórias da Boca?


AM- O Histórias da Boca a gente fazia antes de sair pra rua. A gente queria caprichar um pouco mais, mas o cara gritava: “Porra, tem que sair. O cara está esperando lá, tem que ir embora”. Alguns eu fazia até em casa porque eu gostava bastante. Tem alguns de capítulos inclusive, que eu quero colocar no meu blog mas tem que digitalizar. Tem muita coisa que eu quero pesquisar no acervo do jornal.

VSP- O senhor tem ideia de quantos Histórias da Boca o senhor escreveu?


AM- Olha, estão todas recortadas em casa e dá um pacotão muito grande. Deve dar umas cento e poucas histórias. Não é todo dia que você fazia, você fazia uma e depois outra. Uma delas, a principal chamada A Praga de Mãe saiu no livro O Conto Brasileiro Hoje que tem um monte de gente desconhecida e também tem um conto do Rodolfo Konder. Essa foi a única coisa minha que saiu em livro. Eu sempre fui muito meticuloso e na correria...até janeiro de 2008 eu era gerente de imprensa do Secovi. Aquilo é um conglomerado enorme...eu editava duas revistas e não sobrava tempo.

VSP- Vocês tinham alguma preocupação ao fazer o Histórias?


AM- A gente procurava ter alguma gíria e pegar algum assunto popular. Eu coloquei muitas histórias sobre carnaval...eu ás vezes ia fazer matérias para a revista Big Man Internacional. De noite, eu ia nas boates e enquanto aguardava algum show, ficava conversando e ás vezes ouvia histórias que eu colocava na coluna. Teve uma época que eu fazia essa revista, era repórter de polícia do Notícias de dia e de noite era redator de economia no Diário do Comércio. Eu costumava dizer que só mudava o colarinho do bandido. De dia, era o colarinho do bandido e de noite era o colarinho branco. O Diário do Comércio existe até hoje e é um jornal muito bonito por sinal.

VSP- A revista era um freela do senhor?


AM- Isso. Eu fazia metade da revista praticamente porque tinha uma coluna chamada Flash, que eram os lances da noite de São Paulo. Tinha muita coisa de artista...eu pegava o arquivo do NP, pegava as fotos da Sônia Abraão. Esse Flash eu só lamento não ter registrado o nome porque depois o Amaury Júnior registrou e ficou famoso. Mas a gente fez primeiro, antes que ele. Tinha o Flash e o Caso de Polícia em que eu redigia histórias de violência com alguma coisa de sexo que você inventava. Eram coisas com sangue, sexo e violência. A gente procurava amenizar porque senão você estragava e acabava tirando o tesão do leitor. Era uma revista de sacanagem e colocar só violência podia tirar o tesão do cara. Então, você tinha que pegar aquela história. Tinha depois um cara que ilustrava as histórias...fiz várias dessas.

VSP- Eram contos eróticos?

AM- Eram contos baseados em histórias reais. Mas a gente fantasiava as partes sexuais, os encontros. Tinham algumas que eram engraçadíssimas que eu não fiz pro NP e sim pro revista. A mulher descobriu o marido estava traindo ela com a vizinha. Aí ela e a filha foram lá, amarraram a mulher e passaram pimenta malagueta no sexo dela. No Notícias saiu assim: “Sexo ardente: temperou o sexo da rival com pimenta malagueta”. Essas coisas...nessa linha. Teve também o Pelezão que foi o meu Bebê Diabo, que foi uma das histórias mais famosas do Notícias. O Pelezão foi a segunda mais famosa e também sem ter sangue, nada.

VSP- O que o senhor achou do livro Nada Mais Que a Verdade- A Extraordinária História do Notícias Populares?


AM- Não tem nenhuma linha sobre mim nessa obra. Se você pegar o arquivo todas as matérias sobre o Pelezão foram assinadas por mim. E o fotógrafo não era o Tarcísio que fez a primeira pauta com o Pelezão, era o José Maria da Silva, o Zé Maria. Ele era bem popular e tem o Conceição, ele foi meu foca inclusive. O fotógrafo saia com o Pelezão de noite porque a gente levou o Pelezão pra tudo que é lado. O Tarcísio ajeitou a coisa pra levar o Pelezão pro Hotel Ben Hur que ficava do lado da Folha, ele ficou hospedado lá.

VSP- Como foi feita aquela foto em que o Pelezão está de terno?

AM- Essa foto foi o seguinte: tudo isso era uma preparação para um comercial de um patrocinador do Perdidos na Noite do Fausto Silva. Era a propaganda de uma casa que fazia traje a rigor. Eu levei ele no Fausto Silva também, quando era na Record feito no Teatro Zácaro. Na época, o programa da Faustão tinha dois imitadores fantásticos que era o Nelson Tatá Alexandre e o Carlos Roberto Escova. Um imitava o Gil Gomes e o outro imitava o Afanásio. No dia que era pra gravar com o Pelezão, o cara não aparecia. A gente achava que um cara da Bandeirantes tinha seqüestrado o Pelezão, sumido com ele de alguma maneira. Chegamos no hotel de noite, ele estava completamente bêbado e tinha sido roubado. Tinham rasgado as roupas dele, que ele ia pro programa. Depois, na outra gravação nós levamos o Pelezão. O Fausto Silva ficava enaltecendo ele: “Todo indigente deveria ter uma deusa dessas”.

VSP- Ele cantou?

AM- Não.

VSP- No livro fala que ele cantou.

 
AM- Mas isso não aconteceu. No programa ele foi lá, contou a história dele. Depois, o Faustão ficou a semana inteira mandando abraço pra mim e pra Joana Rodrigues. No NP, a Joana fez uma das primeiras colunas gays porque o jornal tinha umas inovações. Ela assinava com pseudônimo e a coluna chamava...esqueci o nome. A coluna servia tanto pro homossexual masculino como pro homossexual feminino. Por causa disso, eu cansei de ser jurado em coisas de seios. A gente ia muito num bar chamado Mustache que era de sapatão. Se você pesquisar, você acha coisas a respeito dessa coluna.

VSP- Mas como surgiu o Pelezão?
 

AM- Tinha um repórter chamado Sílvio Lincoln que trabalhava no Notícias de madrugada. A gente chegava de manhã e ele sempre deixava algumas notinhas. Essa do Pelezão estava com cinco linhas: “Psicóloga foi presa fazendo sexo...”. Era uma coisa bem breve ainda.

VSP- Nem tinha o apelido?


AM- Não, não tinha. O Ebrahim quando chegou que sacou o nome. Mas nessa primeira madrugada, a história já tinha aparecido nos programas de rádio do Afanásio Jazadji e no Gil Gomes. Eu depois levantei toda a história. Na época, tinha um grupo de repressão a grupo armado chamado Garra. Eles estavam passando pela rua e viram um carro estacionado no meio a fio. No momento, os policiais pensaram que o veículo era roubado e foram averiguar. Chegaram lá e os dois estavam juntos...e a mulher saiu e agrediu os policiais.

VSP- Mas o problema se deu porque ela agrediu os policiais.

AM- Isso. Aí eles cataram os dois e levaram pra delegacia. Acho que foi no 6º Distrito Policial, no Cambuci. Na delegacia, ela agrediu o delegado e ele colocou todo mundo no xilindró. Pra sujar ainda mais a mulher, o delegado contou o episódio pro Afanásio e pro Gil Gomes. Então, quando eu cheguei pra trabalhar, o Ebrahim chegou em mim: “Você vai lá e vai ficar a tarde inteira. O cara já foi liberado mas ninguém sabe onde ele foi. Ele deve voltar pra pegar a sopa lá”. Eu e o Zé Maria ficamos no Cetren esperando ele. Já havíamos criado o apelido pra ele de Pelezão. Nisso, da gente ficar esperando acabamos encontrando um outro indigente igual a ele. Cheguei nele e garanti: “Então, você vai ser o primo dele” (risos). A gente tinha que levar algo pra redação, se o Pelezão tinha sumido o primo dele iria falar por ele. Depois, eu voltei pra redação e o Zé Maria continuou no lugar. Comecei a escrever uma história sobre o primo dele. Mas um tempo depois, o Zé Maria me ligou  com o próprio Pelezão no telefone. Fiz algumas perguntas e no dia seguinte acabou saindo a manchete: “Hiena do sexo foi buscar Pelezão na fila do Cetren”. Aquilo acabou gerando um processo contra ele e apareceu um advogado oportunista. Então, a gente fez uma matéria que ele seria defendido por aquele advogado. Depois fizemos um passeio com ele pela cidade e deu outra matéria: “Pelezão é o novo ídolo das mulheres”. Não tinha o que fazer...então, a gente fez: “Pelezão passa final de semana com magnatas no Guarujá” (risos).

VSP- Como foi feita essa matéria do Guarujá?

 

AM- Ah, a gente escrevia...imaginava. Uma vez eu fiquei puto com ele porque eu saí da minha casa e a gente tinha acertado com um avião pra fazer um vôo com ele. Tava um dia ensolarado, lindo. Eu estava animado porque eu só tinha voado de Boeing e nunca tinha andado de avião monomotor. Eu liguei pra redação e me falaram: “Desiste porque ele está na sua mesa completamente bêbado”. No dia seguinte, ele estava sóbrio e a gente foi até o Campo de Marte. Mas não deu teto...então a gente fez algumas fotos dele no avião. E o resto quem voou por ele fui eu, eu narrei todas as impressões do primeiro vôo dele (risos).

VSP- Tudo inventado...

AM- No dia mesmo, ele não estava. Eu gostaria de ter pego as impressões dele porque eu sempre fui um bom repórter. No Notícias Populares você não inventava tudo. Sempre tinha um fato que originava as coisas. É óbvio que você pegava o detalhe interessante do fato. Era isso que atraia os leitores. Um jornal vender 100 000 exemplares todo dia e criar uma empatia com o público não é fácil. Não existe ainda nada na imprensa brasileira que mantenha essa empatia com o público. Recomendo você ler um artigo do Proença que ele escreveu mostrando que existiu uma cumplicidade entre o jornalismo popular e o público. Você tinha certas regras que sempre eram seguidas. O jornal era lido pelo bandido e pelo trabalhador. Quando o cara era estraçalhado, picotado, a gente nunca usava isso pra um trabalhador. A gente imaginava que ele tinha família, vizinho. Você usava o picotado, estraçalhado pro bandido. Agora o trabalhador não, ele era uma vítima. Depois, quando o Ebrahim saiu, o jornal ficou muito apelativo e escachado demais. Acabou partindo pra uma linha de palavras de baixo calão, palavras chulas na primeira página. Mas depois acabou degringolando mesmo.

VSP- Tem inclusive aquela manchete do episódio Escola Base 

 AM- Eu não estava mais lá. Eu trabalhei no NP até 89. Nesse ano, eu acabei voltando pra Boituva e comprei uma danceteria. Fiquei um tempo...mas depois quebrou a danceteria. Depois, eu montei uma empresa e passei a assessorar o prefeito, que era meu amigo de infância. Um tempo depois, a minha empresa passou a assessorar duas prefeituras. Ajudei a criar uma série de políticos na região. Depois, trabalhei em Sorocaba como repórter de um jornal local chamado Cruzeiro do Sul. Eu era repórter especial...só o salário não é especial. Essa publicação existe até hoje e é um jornal muito bem-feito. Isso foi em 94...na minha entrada no mundo da internet. Eu estava com tanta vontade de trabalhar em jornal que em quatro meses eu acabei ganhando um prêmio da prefeitura e da Associação Sorocabana de Imprensa como jornalista do ano. Acabei ganhando também uma série de amizades que ajudaram quando vim trabalhar no Secovi como redator.

VSP- O senhor ficou bastante tempo no Secovi?

AM- Fiquei quase dez anos nos dois momentos em que estive no Secovi. Foram cinco como gerente de imprensa e outros quatro como redator. Depois, eu saí e trabalhei na famigerada Uniban como assessor de comunicação.

VSP- O senhor era assessor de imprensa?

AM- Eu escrevia um programa de rádio que o Zé Nelo Marques gravava. Depois, eu trabalhei com um vereador na Câmara de São Paulo e fiz parte da assessoria de imprensa da Marta Suplicy quando ela era prefeita. Nesse período, eu fui convidado pra voltar pro Secovi e fiquei cinco anos como gerente de imprensa. Atualmente, eu estou fazendo freelas. Na minha época, a gente ganhava bem mais. Como estagiário, eu recebia o piso dos jornalistas como os demais profissionais. O piso de jornalismo chegou a ser 20 salários mínimos. Isso no final da década de 70 e você era tratado como igual. Não tinha essa coisa de ajuda de custo...

VSP- O que o senhor achou desse episódio do diploma?

AM- Isso foi a resposta do Lula. Uma época, eles queriam fazer uma espécie de OAB de jornalismo. Isso é a maior sacanagem, pra colocar um monte de vagabundo lá pra controlar? Nisso, a categoria foi contra. Por que publicitário precisa de diploma? Por que advogado precisa de diploma? Se você conseguir compreender aquela droga de código civil e penal não precisa de nada. Jornalismo precisa sim. Você pode reclamar que as faculdades estão ruins e elas estão mesmo. Mas não tem faculdade de medicina que não presta? No exame da OAB mesmo são poucos que passam. Então, você pega o jornalismo como Cristo? Mas isso é outra discussão.

VSP- Incomodou o senhor trabalhar num veículo popular como o NP?

AM- Nunca. Quantos anos você tem?

VSP- Eu tenho 21.
 

AM- Então, eu tinha pouco mais que a sua idade. Pra mim, era a maior maravilha. Eu faria tudo de novo porque foi uma experiência deliciosa. Nessa época, o Notícias não tinha mais as viaturas. Em muitas lugares, a viatura do NP era apedrejada ou aplaudida, dependia do lugar. Mas o padrão da Folha era usar taxi. Antes de sair a gente fazia a escolha da matéria. A gente fazia uma busca na Polícia Militar...eles eram os guardadores do local de crime. Eles estavam tentando limpar a barra nessa época e por isso eles tinham montado uma assessoria de imprensa eficiente. A ditadura já tinha ido pro ralo e a polícia militar através da Rota estava tentando limpar a barra. Então, eles montaram uma assessoria de imprensa e nos atendiam maravilhosamente bem. A gente dava uma ligadinha e via os principais crimes. Eles davam as principais informações e a partir disso a gente ligava pro delegado. Se o delegado atendesse mal, você ligava pra corregedoria. Cinco minutos depois o delegado ligava mansinho porque a corregedoria dava uma cacetada nele. Tinham muitos que não queriam atender...você pegava o local e passava pra Polícia Civil porque eles tinham os detalhes. Muitas vezes você mandava somente o fotógrafo e ele mesmo levantava dados do crime. Muitas matérias eu fiz a partir do fotógrafo. Algumas vezes aconteciam grandes cagadas (risos).

VSP- O senhor se lembra de alguma?
 

AM- Teve uma vez que eu fiz uma matéria e foi um fotógrafo que levantou as informações. Uma universitária tinha sido assassinada na Brigadeiro Luiz Antônio, numa escola de artes. Ela deixou um caderno e no caderno tinha um poema. A gente colocou  no jornal como o último poema da menina. Eu e o Ebrahim achamos estranho porque o poema estava muito bem escrito pra ser de autoria da menina. O Ricardo Kotoscho fez pela Folha e eu fiz pro Notícias sem estar no local. Na verdade, a Folha também saiu o caderno mas aquilo era uma letra de música da Fafá de Belém. A gente deu como poema, mas era uma canção. Eu falei: “Tá vendo? Se tivessem me mandado lá o resultado seria diferente”. A gente fez aquilo correndo na hora do fechamento e acabou saindo assim. Teve um outro episódio uma vez que eu parei as rotativas da Folha. Eu fui o causador disso. Como eu escrevia pra revista de sacanagem e pro Notícias, chegou uma época que eu confundia as coisas. Eu cheguei e fiz uma historinha que era sobre um funcionário público exemplar que numa festa de fim de ano bebe um pouco a mais e enviaram uma calcinha no bolso dele. Depois, ele acaba tendo o maior erro com a mulher. Acabei botando o título: “Calcinha melecada”. Passou e nem tinha revisão muitas vezes o texto. Depois, o editor de polícia me falou: “Porra, o Turco está louco com você”. O Turco era o Ebrahim Ramadan. Já tinham rodado alguns jornais, alguns milhares e ele pegou e mandou pagar. Ele trocou o título (risos) e ficou. Depois, no dia seguinte pensei que estava demitido mas me falou: “Você fica misturando as coisas. Essa porra dessa revista sai ensacada. O Notícias não sai ensacado”. Antigamente, as revistas de sacanagem saiam em sacos. Eu acabei escrevendo uma coisa muito ousada e o Ebrahim não gostou: “Ficou uma coisa porca, você está confundindo”.

VSP- A Big Man era da editora Ondas?

AM- Editora Ondas. Você levantou isso?

VSP- Sim. Você chegou a trabalhar com o Edu Janks? Eu entrevistei ele uma vez.

AM- Sim. O Edu fazia contos, ele e a mulher dele.

VSP- A Ondas também tinha a revista Cinevídeo de cinema durante um tempo?

AM- Isso. Muita coisa pra ilustrar a minha coluna eu levantava coisas com pedacinhos filmes da Boca do Lixo. Entrevistei muita atriz de pornochanchada, essa coisa toda. Na época, você conseguia ter acesso a essas coisas e eu me lembro que escrevi uma matéria sobre a maior xoxota do Brasil. A gente pegava atriz, atriz pornô. Fiz várias histórias sobre rainha de cinema pornô, vários contos com esse tema. Mas isso eu fazia pra revista...eu não podia confundir as coisas. Além disso, eu trabalhava com jornal de economia ao mesmo tempo.

VSP-  O senhor chegou a conhecer o jornalista Marcos Faerman? Na época, ele fez algumas coisas pra Ondas.

AM- Não. Eu conheci de fama, vi ele fazendo algumas coisas. Mas não compartilhei muita coisa com ele. Admiro muito ele...tinha um texto maravilhoso.

VSP- Um grande repórter.

 

AM- Um grande repórter do Jornal da Tarde. Eu aprendi a admirar ele como repórter do Jornal da Tarde.

VSP- No NP, o senhor acabou fazendo mais polícia?


AM- Fazia mais polícia. Mas eu gostava mais quando tinha coisa curiosa. Porque polícia é meio deprimente...você se deparava com cada coisa.

VSP- Qual foi o caso mais estranho que o senhor cobriu?


AM- Teve esse...o primeiro cadáver foi muito bom. Mas teve coisas de você ver o cadáver dentro do porta-malas depois de uma semana. E teve coisas de seqüestro de banqueiro do Bradesco. Isso eu nunca entendi porque a gente teve que segurar a notícia por um bom tempo. Quando a polícia descobriu tudo, acabou vendo que era uma grande armação. Acho que o banco na época queria limpar um dinheiro. Era um figurão do banco. Depois, isso acabou com um grupo que tinha da polícia. Esse grupo foi mostrado como bandido...mudou toda a história. Teve outras histórias mas envolvendo muito sangue. Fiz muitas matérias com justiceiros. Estava começando aquela onda de justiceiros. Eu tinha guardado essa matéria nas laudas porque ela nunca saiu como deveria sair.

VSP- Como foi esse caso?


AM- Eu lembro que um dia eu saí de madrugada com uns policiais. Fomos pro 22º Distrito em São Miguel Paulista, uma coisa assim. Lá era um lugar violento e era região de São Miguel e...como chama?

VSP- Itaim Paulista.


AM- Itaim Paulista...lugar bravo. Eu fiz uma matéria com a polícia porque os policiais me levaram na casa do cara. Ele era um justiceiro chamado Chico Pé de Pato. Esse cara matou algumas pessoas porque a mulher dele tinha sido estuprada. Então, os policiais pra deixar barato simplesmente deixavam ele matar e encomendavam algumas mortes pra ele. Uma coisa horrorosa...eu fui de manhã, entrei na viatura. Naquela época, viatura era uma coisa nojenta, não sei como é hoje. Fomos pra casa dele de madrugada. Entrevistei o cara, tiramos foto dele com dois revólveres pra cima, pra baixo. Fiz a história dele e escrevi tudo, mas acabei deixando na gaveta. O Ebrahim me falou: “Guarda essa matéria porque tudo que aparecer na região a gente joga pro Chico pra aumentar o ranking dele” (risos). Só que nesse espaço de tempo ele matou um policial por engano. Aí fechou o cerco contra ele. Eu tinha a história original dele porque eu fui o único repórter a entrevistar o cara. Só que entrou o Afanásio na história...ele estava com muita fama na Rádio Capital. Se o Chico se entregasse os policiais acabariam matando ele porque matou outro integrante da corporação. Mas o Afanásio negociou a entrega dele na beira da piscina na Rádio Capital com a presença de juiz, tudo. Ele se entregou e acabou sendo preso. Mas aí acabou entrando a minha história no jornal e por essas cagadas da vida o texto entrou creditado ao Julio Saraiva. Cagada? Tudo bem, mas eu tenho guardado o original que não foi publicado. Ele foi um dos primeiros justiceiros, Chico Pé de Pato...ele era baiano de nascimento. Depois passou um tempo, ele ficou preso e depois o pessoal esqueceu a história. Ele ficou preso em um presídio na Zona Oeste onde tinha muitos bandidos presos. Muitos bandidos inclusive que ele tinha matado alguns parentes. Ele acabou sendo assassinado com 50 estocadas...e isso é uma coisa que eu posso resgatar. Eu acompanhei isso...você ir de madrugada e tudo sabendo que o negócio vinha da polícia. Depois, estranhamente um dos policiais que aparece na história acabou morrendo. Quer dizer, a própria polícia alimentava esses justiceiros. O raciocínio deles era o seguinte: “Eu não posso matar, mas solto esse cara pra fazer isso. Ele mata, atribuímos isso a ele e deixamos ele rodar”. Mas os policiais sabiam onde morava porque inclusive eles me levaram lá. Era uma coisa terrível esse submundo...pra mim, bandido e polícia é a mesma coisa. Eles saem do mesmo lugar, são vizinhos.

VSP- Se conhecem...
 

AM- Se conhecem. Se você tivesse um policial mais qualificado que é fantástico. Hoje, um crime se a perícia for feita corretamente você descobre o bandido por um fio de cabelo, DNA. Se você for na USP no Instituto de Criminalista é coisa de Primeiro Mundo. A polícia chega horas depois, o local do crime já foi modificado. Na época dos jornais populares a coisa era diferente. Eu ouvi histórias de jornalistas mais antigos que mudavam o cadáver de lugar, botavam coisas na mão do cadáver. Uma vez um cara foi degolado e colocaram a cabeça do cara numa mesa de bilhar. Tem outra história interessante de reportagem policial. Um moleque foi assassinado por um cara meio louco aqui em São Bernardo. Eu morava nessa época em São Paulo e nem esperava um dia morar aqui no ABC. O moleque foi degolado e o cara colocou a cabeça da vítima em cima de uma ponte. O cara foi pego. Quando a gente passou na delegacia em São Bernardo e somente o fotógrafo pode ver ele. A gente percebeu que o cara tinha sido amaciado, levado umas cacetadas. Ele estava todo meio arrebentado, o fotógrafo me disse e a polícia tinha falado que ele tinha se debatido na cela. Na verdade, ele apanhou pra caramba. Depois, a gente foi pra Diadema porque o enterro era ali. Eu não me lembro o nome do cemitério...

VSP- Devia ser um cemitério bem simples.

AM- Aqueles cemitérios bem simples com paredão que o cara é enterrado na vertical, na gaveta. Eu me lembro que a gente chegou bem na hora do enterro e os outros jornais que concorriam com a gente não tinham chegado. Os nossos concorrentes diretos eram o Diário Popular e a revista Agora. Eu falei pro fotógrafo: “Vai fotografando porque o pessoal está olhando feio pra gente”. A gente foi chegando e ninguém queria dar declaração, estavam todos indignados. Nessa hora, o jornalista sempre é tido como inimigo. Não sei porque. Eles acham que você está explorando o crime em si. Na hora em que foram fechar o caixão, o fotógrafo fez a foto da mãe beijando o caixão. Na hora eu pensei o título: “O último beijo”. Essa foto também foi vendida porque era a foto da mãe beijando o moleque emendado bem na hora. Essa também todo mundo ficou babando de raiva...eu falei: “Mete a foto”. Outra vez eu sai na incumbência de fazer chorar, o Ebrahim falou pra mim: “O cara matou a mulher, os três filhos e se suicidou”. Era uma família classe média, não era ralé. O enterro foi no Crematório de Vila Alpina só que o velório acontecia um ao lado do outro. Só que as famílias estavam em pé de guerra porque o cara matou a mulher porque suspeitava que ela chifrava ele. A família dela dizia que ele chegava em casa bêbado, batia nela, essas coisas. Nesse caso, toda família tinha morrido e não tinha o que fazer. Era uma matéria pra fazer chorar...eu ficava passando de um velório pro outro entrevistando os familiares. A gente nem precisava chegar no fotógrafo, ele já sabia o que precisava fazer. A dupla dependia de um bom fotógrafo e um bom jornalista, os dois entrosados. Aí o cara já foi fazendo foto dos caixões e o pessoal começou a fazer aquelas fotos todas...o flash ficou batendo nas pessoas. Eu vi que ficou fechando o circo em cima da gente, as duas famílias estavam contra a gente. Não deu pra fazer uma história de chorar porque houve um grande barraco no velório porque as famílias estavam em pé de guerra. E não ficamos lá pra ver o final, senão a gente tinha sido linchado (rindo), os pessoal estava todo revoltado. Eu estava perguntando educadamente pra cada um só que a família do cara decia a lenha na mulher: “Ela é uma vagabunda, trazia homem pra casa”. O pessoal ouvia do outro lado...foi um troço muito deprimente. Essas duas que eu lembrei ilustram bem como era feito o nosso trabalho na época.

VSP- O senhor passava mal por ver um cadáver?

 
AM- Eu não gosto e nunca gostei de sangue. Na hora você vê e tudo bem. A primeira vez que tinha um cheiro....porque o cheiro de coisa humana é pior que de animal. Já senti cheiro de animal morto no pasto pode ser insuportável mas é diferente. Agora o cheiro de carne humana apodrecendo...eu fiquei com aquele treco uma semana no meu nariz. Eu lavava o nariz e a coisa ficava. É uma coisa que impressiona os teus sentidos todos. Hoje em dia, o crime se banalizou e você vê isso no horário nobre, o Datena da vida mostrando a hora que o cara foi atropelado com os ossos pra fora...

VSP- O senhor acha que na época era mais romântico?


AM- Era. Mas era mais difícil você ver porque a TV não acompanhava esse tipo de coisa. Só depois teve o Aqui Agora que eu acho que era baseado no Notícias Populares. Nessa época também eu já estava fazendo outras coisas, tinha perdido contato com o jornalismo policial. Mas eu mantive contato com o pessoal do Notícias. Nós formamos uma verdadeira irmandade entre a gente e a maioria do pessoal continuou trabalhando ali. O meu editor imediato era o Manuel Vital...ele continuou no jornal por algum tempo. Recentemente eu fiz uma matéria com ele na revista do Secovi sobre terceira idade, ele de fumante e alcoólatra se tornou um atleta. Todo ano ele vai a pé de São Paulo até Salvador...teve um ano que a gente conseguiu patrocínio pra ele. Não sei como a gente foi parar nessa parte...

VSP- O Vital foi chefe do senhor durante todo esse tempo?

 
AM- Ele era o meu chefe imediato. Ele ficava do meu lado na mesa. O Ebrahim vinha pra editar.

VSP- Quais eram os repórteres de polícia além do senhor e do Júlio Saraiva?

AM- De polícia era eu e o Julinho Saraiva. O Júlio era mais especial, tratava de uns casos mais especiais. Você chegou a conhecer ele?

VSP- Não tive a oportunidade, só li várias coisas dele.

AM- Eu não sei onde ele anda. Ele era um grande poeta, fazia uns hai-kais maravilhosos. Pena que....

VSP- Ele era muito boêmio?

AM- Muito boêmio. Ele era filho único, mas um cara muito bom. Era um profissional de extrema competência.

VSP- É verdade que ele frequentava muito a Boca?


AM- Acho que frequentava. Ele vivia com policiais, essas coisas todas. Eu não tinha muito esses amores...mas bebemos muito juntos, saimos várias vezes juntos. A gente fazia aquelas matérias de carnaval do Notícias.

VSP- Ah, o senhor chegou a cobrir os bailes?

AM- Não. Nos carnavais eu sempre estava folgando no interior. Mas os bailes eram montados alguns dias antes do carnaval em algumas boates. Eu participava da montagem.

VSP- Aqueles bailes eram todos montados?

AM- Todos montados. A gente montava aquelas cenas, do cara beijando o seio da mulher, tudo aquilo. A gente deixava as legendas feitas e misturávamos aquilo com os bailes que eram cobertos no dia. Mas tudo era feito antes porque não dava pra você fazer tantas fotos assim num único dia.

VSP- As boates eram todas na Boca?

AM- Eram todas boates da Boca do Luxo. Tinham as da Boca do Luxo da região da Augusta...

VSP- Nesse grupo de boates está o La Licorne que ficava na Major Sertório?


AM- La Licorne...Eu cheguei a cobrir a reinauguração do La Licorne. Quando isso aconteceu, tem um episódio engraçado. Tinha uma menina da Folha, uma fotógrafa chamada Vani...a Folha sempre tem intelectual, muito intelectual. A gente ia fazer a matéria escachada e a Folha ia fazer a matéria intelectualizada: “O retorno do La Licorne”. Eu conhecia bem a Laura, eu e o Julinho íamos tomar whisky com ela durante a semana. A gente ia na Scarabocchio que era do filho dela e ela ficava conversando com a gente, contando as histórias. Ela tinha conhecido o marido dela no presídio...ele era batedor de carteiras e ela prostituta (risos). Fizeram uma sociedade e pelo bordel dela passaram políticos de todos os naipes. Quando ela relançou o La Licorne, a boate estava lotada.

VSP- O senhor se lembra o ano disso?


AM- Ah..86, 87. Isso foi pouco antes de eu sair do jornal. A Vani queria fazer uma foto da dona Laura. A dona Laura pra mim: “Fala pra essa menina que eu sou puta velha. Manda ela fazer foto das meninas, tem meninas lindas”. Cheguei na repórter: “Ela não quer fazer a foto”. Tinha uma outra boate que era do “Homem do Sapato Branco”.

VSP- O Jacinto Figueira Júnior.
 

AM- Ele teve uma boate que acabou depois perdendo pra mulher. Não sei se ainda existe a boate Vagão. Sabe onde é o teatro Cultura Artística? Do lado tem o Kilt que existe ainda que é da Tânia. O Vagão teria sido de uma mulher bonita, uma loira, esqueci o nome dela. A mulher teria roubado tudo dele e um dia a gente achou ele lá por perto. Nisso, o Ebrahim inventou uma história que o Jacinto estava tendo um caso com a Tânia da boate (risos). Isso levantou a moral do cara e acabou levando ele a ter coluna nos jornais. Tinham umas coisas maravilhosas que o Ebrahim criava que não matava ninguém, não estragava  a vida de ninguém e ainda tirava o cara da sarjeta.

VSP- Como era o relacionamento do Ebrahim com os repórteres dele?

AM- Se você chegasse no jornal na hora do fechamento, você iria ouvir ele falando palavrões, brigando. Nisso, muita gente podia pensar: “Esse cara é um carrasco”. Era um negócio que assustava as pessoas, as mulheres principalmente se vissem iam ficar horrorizadas. Ele falava: “Essa merda...fica demorando tanto, isso aqui não é revista tem que sair logo essa porcaria”. De repente ele podia rasgar o título que você tinha dado pra matéria. Mas no fundo era um puta de um paizão que dava umas dicas, discutia as coisas com você, tinha sacadas certas do que agradava o leitor. Ele tinha umas coisas fantásticas...se a gente estivesse em dúvida com algum título, a gente mostrava pro contínuo. Isso foi invenção dele. Quantas vezes os contínuos escolheram a foto que ia sair de mulher nua? Não escolheram a manchete. Esses caras escolhiam porque a gente sabia que o cara que passava na rua tinha a mesma orientação deles. Teve contínuo lá dentro que virou repórter de esportes. O Ebrahim deixava toda essa coisa, ele mesclava gerações de profissionais. Eu tive o prazer de conviver com o Eli Vanini que chegou a ser chefe da Agência Folha, um puta de um repórter de polícia. Ele já estava aposentado...a Folha queria jogar o cara fora, mas o Ebrahim ia lá e catava os caras. Dessa maneira, esses caras davam experiência pros mais novos. Ele trouxe outro que eu esqueci o nome...

VSP- O senhor chegou a conhecer o Henrique Matteucci?

AM- Henrique Matteucci...esse cara que eu ia falar. Foi o maior prazer da minha vida conhecer esse cara. Eu tenho todos os livros dele autografados, ele escrevia maravilhosamente bem. Depois, eu virei assessor de imprensa no interior e levei ele no final de ano diversas vezes pra lá junto com outros jornalistas. Ele queria ter uma chácara para colocar todos os passarinhos que estavam em gaiolas. Ele soltava passarinho...passava nas oficinas na avenida Santo Amaro e soltava os passarinhos. Ele escreveu no jornal da minha cidade, a gente criou uma coluna pra ele. O Matteucci me citava na coluna: “Meu irmão”. Lá dentro da redação a gente ficava escutando as histórias dele. Na verdade, ele tinha muita pouca participação dentro do Notícias mas ele tinha aquela coisa dele contar coisas que ele viveu. Ele era um cronista de boxe, mas todo mundo ficava cutucando ele: “Você escreve sobre boxe mas nunca lutou”. Ele pegou, entrou pra academia Jofre Zumbano e foi treinar. Foi treinando e marcaram a luta dele. Ele levou uma na cara e escreveu o livro Eu Beijei a Lona, uma obra fantástica. Depois, acho que a obra mais completa sobre a família Jofre Zumbano que foi tão importante pro boxe brasileiro como o Émerson Fittipaldi pro automobilismo...

VSP- O livro se chama O Galo de Ouro....


AM- Isso.

VSP- Ele fez também Boxe: Mitos e Histórias.


AM- Sim. Ele tem também um livro de contos chamado O Biombo Grená que é maravilhoso. São umas histórias curtas, são contos deliciosos. Ele era um cara muito talentoso e era uma figura humana maravilhosa. No fim da vida dele, eu já não tinha contato com ele mas o Matteucci foi bastante corajoso. Ele apareceu na revista Manchete dizendo que tinha feito uma operação pra aumentar o pênis. Senão me engano ele tem uma filha que também está no jornalismo.

VSP- Ele era muito amigo do Eder Jofre.

 
AM- De toda essa turma. Mas escrevia maravilhosamente bem. Depois, quando eu morava no interior, acabei vindo a vários lançamentos de livros dele aqui em São Paulo. Os lançamentos eram no Clube Espéria e depois a gente ia beber. Vim uma vez também com um carro oficial da prefeitura. Ele escrevia pro jornal da gente no interior e em troca a gente só tinha que divulgar os livros dele. Ele fazia uma coluna que qualquer hora eu tenho que resgatar os recortes. Mas foi um cara que eu adorei conhecer. Quem propiciou tudo isso foi o Ebrahim porque ele pegava gente com bastante experiência e trazia eles pra trabalhar no jornal. Esse intercâmbio com gente mais velha só enriquecia os mais jovens como eu. Hoje, numa redação não tem muita mistura de gente.

VSP- Eu sei. Não tem essa mistura. A maiora das redações só tem gente jovem.


AM- Você deve saber bem, só tem gente jovem e muitas vezes quem está no comando nem sempre tem uma experiência que se destaque. Conviver com essas pessoas com experiência na área fazem você aprender uma série de coisas. Eu cheguei a trabalhar um pouco com o Adilson Laranjeiras, que hoje é o eterno ghost-writers do Maluf. Ele foi chefe da Agência Folha...eu cheguei a participar de alguns testes. Na Agência, você escrevia com carbono num papel especial com rolo porque a mesma notícia era publicada em cinco jornais diferentes. Se era sobre um preso político, a Folha da Tarde colocava: “O terrorista”. Se fosse a Folha era um preso político, coisa e tal. Eu lembro de um episódio com o Adilson Laranjeiras. Um jornalista foi agredido e ligou pra redação dizendo que estava prestando queixa. O Adilson aos berros respondeu: “Se você está na delegacia é sinal que você não está machucado. Se você não está machucado, a primeira coisa é vir pra redação e escrever a matéria. Essa é a sua arma, a delegacia não vai resolver o seu problema”. Achei isso legal pra caramba. O prêmio que eu ganhei no jornal Cruzeiro do Sol em Sorocaba foi sobre habitação. Eu saí pautado pra fazer outra matérias mas eu percebi que a coisa era outra. A matéria era que os moradores do centro de Sorocaba que moravam em casas não gostavam de morar nessa área da cidade. Mas durante a apuração, eu achei histórias fantásticas de pessoas morando no centro. A matéria deu duas páginas e me deu um prêmio. O único prêmio da minha carreira de jornalista. O dinheiro deu pra pagar o IPVA do carro (risos), mas essa coisa eu não vejo na molecada. Eu fui durante muito tempo assessor de imprensa e vi isso muito. Hoje em dia, ninguém é mais especializado em nada. No setor imobiliário seria muito interessante se tivessem jornalistas especializados na área. Muitas vezes eles perdem muito tempo com o entrevistado fazendo perguntas idiotas, coisas básicas. Logo hoje em dia que tem facilidades como Google e tudo mais. Muitas vezes você tem que olhar o passado do entrevistado...imagine se ele foi um político. Na minha época, você não tinha Google e tinha que usar o arquivo do jornal. Vejo que hoje o pessoal tenta preencher uma pauta, mas muitas vezes a notícia não precisa ser aquilo. Antigamente, os jornalistas falavam mal dos assessores de imprensa.

VSP- Falavam que assessor de imprensa não é jornalista.

AM- Isso mesmo. Só que hoje quem comanda as coisas do jornalismo é assessoria de imprensa. As redações estão cada vez mais enxutas...quantos releases são aproveitados na íntegra? Eu estive no outro lado do balcão, sei do que estou falando.

VSP- E as redações cada vez com menos gente.

AM- Sim. Porra, lá no Secovi a minha redação era de cinco jornalistas. A minha era maior do que de muitos jornais. Eu contava com cinco pessoas e muita gente me falava: “Nossa é maior que o meu jornal”. A gente fazia com essa equipe duas revistas mensais, além desse trabalho de assessoria. Infelizmente, eu acho que justamente dessa redação enxuta e sem mescla de profissionais experientes com mais jovens. Isso é algo enriquecedor, funciona como uma troca. Eu aprendi muito ouvindo e vendo esses caras. O Julinho era mais ou menos da minha idade e eu adorava ver ele escrevendo porque ele tinha uma rapidez e é um cara que merece ser resgatado. Gostaria de encontrar ele, não sei onde ele anda. Ele tinha dom para escrever sobre a máfia, ele gostava de escrever sobre a máfia chinesa da Liberdade. Ele era um grande poeta, grande cara...

VSP- Ele tinha fontes na Polícia e nos bandidos também?

 
AM- Tinha de tudo. Marginal era mais difícil. Mas muitas vezes o malandro te passava alguma coisa. Tinham muitos malandros da época. A criminalidade existia, tinha muito crime de natureza desconhecida. Mas hoje em dia a coisa se intricou muito, ficou muito grande. Você tem um PCC, uma organização criminosa por trás.

VSP- Comando Vermelho.


AM- Comando Vermelho e o pior é que a gente sabe que eles ditam as regras. Tinham coisas mais românticos, bandidos mais engraçados...pegavam por outro lado. Teve o bandido da luz vermelha, o Osmani que até hoje dá notícia e ficou famoso pelas fugas dele. O cabo Bruno não sei que fim ele teve. Você sabe?

VSP- Não sei.

AM- Cabo Bruno...eu lembro que uma vez a gente vendeu 30 000 jornais a mais em função dele. Ele mais uma vez estava foragido. Então, eu fiz uma matéria que um pseudo-justiceiro que foi morto por uma arma de calibre 12, uma arma de matar elefante. Ela consegue arrancar a capota de um carro. A nossa matéria: “Executaram com tiro de 12 o Cabo Bruno da Zona Sul”. Somente esse detalhe acabou fazendo a gente vender 30 000 jornais a mais. Na hora que o cara via na banca, o leitor confundia.

VPS- Era uma espécie de sósia do Cabo Bruno.

AM- Era nisso que o Notícias muitas vezes faturava em cima. Era um detalhe que trazia curiosidade nas pessoas e faziam elas comprarem o jornal.

VSP- Como era essa espécie de código de honra do Ramadan?


AM- A gente usava gíria que já estavam populares. A gente não vilipendiava o trabalhador porque ele foi executado. Você tinha que ter respeito com o trabalhador, o repórter não podia dar opinião sobre a notícia. Era o fato nu e cru e você exagerava somente com o bandido porque o trabalhador tinha a família dele. Você nunca se referia ao órgão sexual da mulher como xoxota, você se referia como o sexo feminino. Nem pênis era usado, era o sexo masculino. Depois que o Ramadan saiu esse código saiu e ficou muito escachado, perdeu totalmente o senso. Acho que as coisas tinham um limite, o bom senso. A mesma coisa: você não pode usar toda hora as imagens de um cara retalhado. Você tem que respeitar o leitor popular. Na época que eu trabalhava no NP, eu não tinha carro e andava muito de ônibus. Eu saia cedo e você via de repente o cara com um exemplar do Jornal da Tarde. No meio do exemplar do JT, você via um Notícias Populares por baixo disfarçado porque o cara tinha vergonha de ser visto com esse jornal. Essa era uma coisa idiota, imbecil.

VSP- Existia preconceito contra o jornal?


AM- Existia. Isso acontecia até dentro da própria empresa Folha da Manhã. Os jornalistas da Folha estavam começando aquele negócio do Matinas Suzuki Júnior dos yuppies e jogaram um monte de gente boa no lixo. Tudo isso em nome do projeto Folha, talvez tenha alguma validade. Se tinha uma teoria que só sobrariam dois jornais: Folha e Estado e depois um só. Agora eu não sei, muitas vezes eles dão na primeira página a mesma foto. Não existe uma competição nenhuma nisso. Os yuppies olhavam a gente: “Puta que pariu, esses caras ali”. Mas o Notícias muitas vezes segurou a barra de jornais que saiam por capricho como Folha da Tarde e A Cidade de Santos que ficaram anos sem dar lucro nenhum. Um dos donos da Folha era o Caldeira e ele era de Santos, por isso a empresa tinha esse jornal. Lá dentro mesmo todo mundo subia o mesmo elevador. Um dia eu e o Julinho estávamos no elevador e o pessoal da Folha falando: “Porque eu voltei de Paris...”. Aí o Julinho me cutucou: “Mas e aí? A gente vai pra Carapicuíba daqui a pouco?” (risos). Eu lembro que no episódio do Pelezão teve uma repórter da Istoé que toda vez que a gente se encontrava, ela me maltratava. Ela achava que a gente tinha feito uma exploração do caso. Eu falava: “Tenta ouvir a mulher”, eu tentei ouvir a mulher, a psicóloga. Ela sumiu e desapareceu, nunca quis falar com os órgãos de comunicação. A gente nunca deu o nome dela, usamos somente as iniciais: DMC. O nome real dela era Dumara Marques alguma coisa. O último sobrenome eu não lembro. A gente não deu o nome porque não interessava o leitor daquela época. Quem interessava mesmo o leitor do NP era o Pelezão. Essa menina da Istoé vinha questionar a gente eticamente...mas eu tentei ouvir a mulher, tentei mesmo.

VSP- Vocês foram na casa dela?


AM- Levantei endereço, tudo e fui atrás. Quase fui expulso do prédio dela. Vocês quer que eu faça o que? Eu fiz a minha parte, tentar o outro lado. Mas acabou ficando o lado que a empresa tinha escolhido. Se eu não fizesse, outro sentaria ali e teria feito. A gente explorou o lado folclórico da coisa nos anos 80...país saindo da ditadura e as pessoas sem rumo ainda. Nessa época, o que é legal são somente algumas bandas que ficaram porque fora isso era um pessoal sem rumo.

VSP- O inimigo em comum acabou...

AM- O inimigo acabou, o que vamos fazer agora? Isso é como a Guerra Fria. Depois que acabou o conflito os americanos tinham que ficar alimentando a indústria armamentista e isso não parou. No nosso caso você pega um Plínio Marcos que foi importantíssimo e quando chegou esses anos 80, ele ficou sem função. A obra dele é legal até hoje mas sempre que você vê uma peça dele você tem que contextualizar, a obra está dentro de um período. De qualquer maneira, muita coisa se encaixa muito até hoje, pobreza não muda muito, excessos, miséria não muda. Mas algumas coisas você tem que analizar em seu determinado período. Tinham os preconceitos da própria imprensa achando que você estava fazendo um jornalismo menor mais depois que o jornal morreu ficou cult. Os caras fizeram um projeto gráfico de revitalização do NP...ele ia ficar parecido com o The Sun inglês em forma de tablóide. Eu lembro que quando eu vi o jornal encartado, eu quase chorei. Eu comprei e pena que não guardei a última edição do NP.

VSP- O último número do Notícias veio encartado com uma propaganda do Agora São Paulo...

AM- Veio encartado dentro isso...que coisa horrorosa. É a mesma coisa se você falar: “Seu novo jornal popular caro leitor vai ser esse”. Isso não existe. O que é o Agora? Não é nada. Eu estava na assessoria de imprensa e o repórter do Agora questionou uma coisa e eu não conseguia uma fonte pra ele. Era algo que a gente não tinha como responder mesmo. Mas o cara queria que eu respondesse, mas eu era assessor de imprensa e não poderia responder em nome de ninguém. Pô, eles botaram o meu nome na matéria. Eu olhei e fiquei esperando pra ver se alguém falava alguma coisa, mas ninguém falou nada e eu larguei quieto. Se tivesse alguma coisa, alguém do sindicato teria falado comigo. Depois, eu falei com o carinha: “Você precisa aprender a fazer jornalismo. Não é por aí, agora mesmo que não vou botar ninguém pra falar com você”. Falei até com o editor dele. Isso é antiético o que eles estão fazendo. Eu não sou porta-voz, eu sou assessor de imprensa, eu faço o meio de campo. Não tomei nenhuma atitude de desmentir ou exigir um espaço porque não cheira, nem fede. Quem fala do Agora? Quem fala assim: “Eu vou passar na banca e comprar o Agora”. Ninguém compra...infelizmente tem alguns jornais que estão indo água abaixo. Jornal da Tarde...o JT era uma coisa linda. No meu tempo de faculdade esse era o meu veículo preferido até porque era um dos poucos que davam alguma coisa do movimento estudantil. Então, quando a gente levava porrada dos militares eles davam. Os outros jornais não davam nada.

VSP- O senhor chegou a tomar porrada?

AM- Não cheguei a tomar porrada, mas encarei os militares e levei muita bomba de gás lacrimogêneo na cara. Quem comandava o outro lado era o Erasmo Dias...depois fui trabalhar na Câmara Municipal e tinha que cruzar com ele todo dia. Ele era vereador e a gente se cumprimentara todo dia. Sendo que uma vez ele comandou a tropa de choque contra cinco mil estudantes no Vale do Anhangabaú. Eu era um desses estudantes. Nós levamos bomba de gás lacrimogêneo na cara até que resolvemos recuar senão ia ter gente que ia cair do Viaduto do Chá pra baixo. O Erasmo Dias era quem comandava o outro lado. No dia da invasão da PUC eu não fui. Mas um monte de gente ficou ferida, teve gente da própria Cásper Líbero que ficou com seqüelas. A bomba de gás lacrimogêneo queima se explode perto. Nesse dia, eu tinha que trabalhar pro meu tio senão ficava chato. Eu acabei não indo nessa manifestação, mas em muitos eu acabei indo. Era no Jornal da Tarde que a gente procurava saber os acontecimentos relacionados a isso. Os outros jornais eram amordaçados e a Rede Globo não dava nada. Eles só davam a versão dos militares.

VSP- A versão oficial vamos dizer.

AM- A versão oficial. Eles entrevistavam somente o Erasmo Dias. O meu pai ficava louco porque eu falava que estava no negócio. “Mas eu vi na TV que eles são um bando de terrorista, de baderneiro”. Eu questionava: “Mas você viu alguém dos estudantes falando?”, ele não tinha visto porque só mostrava um lado. A Rede Globo só foi noticiar as Diretas Já depois que o pessoal andou apedrejando algumas viaturas deles. O Diretas Já tinha levado um milhão de pessoas pro Vale do Anhangabaú e eles não tinham dado nada disso. Eu estava nesse dia e sou testemunha disso.

VSP- Foi nesse dia que teve um show da Fafá de Belém?

AM- Teve show da Fafá de Belém, tudo. Tudo que você pode imaginar de político estava lá na época. Da esquerda aos fingidos, todos estavam lá com o Osmar Santos comandando as coisas. Era um milhão de pessoas mesmo, as fotos da Folha não mentem. Sabe você imaginar aquele Vale todinho cheio de gente? Eu mesmo não fiquei perto do palco, tive que ficar num prédio na Líbero Badaró. Foi o espaço que eu arranjei pra ficar...um milhão de pessoas nas ruas. Os caras ignorarem isso? Uma televisão ignorar aquilo? É medo demais da repressão. Eles tinham poder pra fazer isso. Tem um livro muito bom que eu recomendo pra você do Walter Clark que foi editado por um jornalista chamado Gabriel Prioli. É uma história fascinante pra você entender as origens da Rede Globo. O Walter Clark era um personagem fascinante e ele criou esse monstro. Não foi o Boni.

VSP- O senhor chegou a conhecer o Ramão Gomes Portão? Foi outro repórter importante do NP.

AM-  Cheguei a conhecer ele vagamente, mas não convivemos muito. Sei que ele trabalhou muito tempo no Notícias.

VSP- Quando ele se suicidou foi um trauma na redação?

AM- Foi muito chato...o pessoal ficou chateado.

VSP- O senhor acha que o jeito do Ramadan levar a redação incomodava a empresa Folha da Manhã?

AM- Eu acho que o Ramadan não se adaptava a regras. Ele nunca gostou disso. Isso é uma mordaça de certa forma...algumas regras você tem que ter. Ele tinha regras mas de repente ele tinha percebido que algumas medidas da direção poderia matar o jornal. Sabe se adequar a um manual de redação? O Notícias não escrevia tudo errado. Se você não colocasse gírias, você matava o jornal. O diferencial da publicação era falar como as pessoas falam, ter uma visão popular das coisas. Isso é uma coisa que modestamente que eu quero que o meu blog vire: um representante do web jornalismo popular. Eu quero pegar aquele pessoal que vai na lan house. Esse negócio da certo somente em lugares populares. Eu quero fazer um veículo com as gírias de hoje: “É nóis mano, é nóis na fita”. O Notícias se existisse hoje iria usar essas expressões. Mas o veículo não teve substituto, como nós falamos o Agora não é nada. Mesmo na Internet não teve um substituto.

VSP- O NP significou bastante coisa na carreira profissional do senhor?

AM- Significou qualidade de texto, agilidade na edição de uma matéria. Eu consigo pensar muito rapidamente num título pra alguma coisa. Eu adorava editar as revistas que eu fazia porque eu sacava o título rapidamente. O Notícias foi a maior experiência mesmo...

VSP- O NP foi o veículo que o senhor mais gostou de trabalhar?

AM- O Notícias era direto, objetivo, sem floreios. Não tive coisa mais compensadora. Os outros lugares eu gostei de trabalhar e os outros lugares me deram um profissionalismo maior. O Notícias tinha um lado romântico muito forte, essa coisa toda. Mas o NP foi sem dúvida o lugar que eu julgo como a minha universidade no jornalismo.

VSP- O Diário era o principal concorrente de vocês?

AM- Era o Diário Popular. Era um jornal mais bem sedimentado. Quando o Quércia comprou o Diário, ele espertamente trouxe o Miranda Jordão. Esse era um jornalista de primeira linha e ele estruturou o jornal de tal forma que quase derrotou o Notícias Populares. Foi um pesadelo pro pessoal porque ele fazia um jornalismo de qualidade valorizando o lado da polícia. O jornalista Gilberto Lobato Vasconcelos, o Giba, foi durante anos editor responsável pela parte de polícia. A reportagem policial é extremamente importante num jornal diário porque é ali que você vê o detrito da sociedade. O jornalismo policial está sendo abolido dos jornais porque as notícias são cada vez mais sinistras. Não existe mais uma editoria de polícia como não tem uma editora de educação. Isso é pior ainda. O próprio Notícias Populares tinha uma editora de educação e isso não existe mais nos jornais. Hoje você tem muita coisa escandalosa na política...um Notícias Populares hoje teria muito mais coisa pra noticiar nessa área. O plantão da gente era feito de quinze em quinze dias no sábado e domingo. A gente deixava umas matérias na gaveta e só tirava da rotina alguma coisa que acontecesse. Eu me lembro do caso da rua Cuba que aconteceu no meu plantão.

VSP- O senhor cobriu esse caso?

AM- Somente o comecinho. Depois o Julinho Saraiva cobriu tudo. A gente já tinha tudo pronto. A gente pegava muita coisa do O Liberal do Pará que tinham casos escabrosos. Cara com faca atravessada na cabeça...a gente pegava muita coisa de um jornal da Bahia também.

VSP- A Tarde?

AM- A Tarde tinha coisas maravilhosas. Você pegava, dava uma cozinhada no negócio, tirava a data e ficava no arquivo. Eu lembro que nesse corre-corre uma vez eu coloquei que o crime era em Osasco e o título saiu em Carapicuíba. Tinha muito material da Agência Folha que você moldava porque vinha muito certinho, muito bonitinho. Era uma visão de cada lado.  Eu acho o Notícias merece mais estudos a respeito. Tem um filme chamado Primeira Página que pra mim retrata bem o que foi o Notícias Populares. Eu preciso inclusive achar esse filme.

VSP- É verdade que o Ramadan dificilmente tirava férias?

AM- Ele não tirava férias. O Notícias ia parar muito no fórum, então era engraçado que tinha dia que ele chegava de paletó, gravata e tênis. A gente pensava: “Poxa, o Turco vai hoje pro fórum. Mais um processo que o jornal está recebendo” (rindo).

VSP- Mas era um cara muito dedicado ao trabalho?

AM- Ele almoçava lá dentro! Você chegava lá e ele estava almoçando.

VSP- O jornal era parte da vida dele?

AM- O jornal era a vida dele. Ele vivia aquilo, era foda. Eu ficava feliz quando o meu plantão coincidia com ele porque era gostoso. Plantão com ele era muito legal. Tinha muitas vezes dias que não era pra ele aparecer na redação e ele aparecia. Ele não largava, não descuidava um minuto da publicação. Tudo passava por ele de alguma forma e ele vinha: “Aqui, usa isso aqui”, com aquele jeitão turco dele.
 

2 comentários:

Suely disse...

Parabéns. Maravilhosa a entrevista com esse mais do que competente jornalista. Sou fã já há algum tempo de seu texto, sempre escrito com clareza e objetividade. Adoro seus contos publicados no NP, na coluna "Histórias da Boca". Um texto limpo,bem Rodriguiano. Mais uma vez, parabéns para vc, por mostrar em seu blog, da qual também sou fã, o profissionalismo e capacidade de seu entrevistado.

Alexandre Pereira disse...

Matheus. Este post não poderia ser melhor. Além da brilhante entrevista, ficamos conhecendo também os bastidores do lendário Notícias Populares. Valeu !