segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

VSP Entrevista: Paulo Planet Buarque


A memória do jornalismo esportivo brasileiro está na lata do lixo. Nomes ilustres de um passado não muito distante são desconhecidos pelas gerações atuais.


Pensando nisso, Violão, Sardinha e Pão esteve durante uma manhã inteira com uma das grandes lendas da cobertura esportiva brasileira: Paulo Planet Buarque. Repórter de A Gazeta Esportiva e ex-comentarista da rádio e televisão, ele participou ativamente da cobertura das Copas de 1950, 1954 e 1958. Em 1970, ele transmitiu os jogos da Copa do México para a Televisa local.


Aos 83 anos, Buarque mantém uma privilegiada memória fotográfica. Lembra-se com detalhes sobre pessoas e fatos distantes. Mesmo assim, consegue dar opiniões sobre fatos atuais com a mesma desenvoltura. Durante toda a entrevista, manteve uma fala pausada e uma educação de lorde inglês. “Fique sossegado porque eu também fui jornalista. Então eu sei todas as dificuldades por quais você está passando na sua profissão”, ele me disse.


Formado em direito em 1954, ele teve longa carreira jurídica e política. Foi ministro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e deputado estadual por vários mandatos. Também foi amigo pessoal e membro do gabinete do ex-governador e ex-presidente Jânio Quadros.


No depoimento a este blog, falamos apenas sobre futebol e jornalismo esportivo do passado. São-paulino fanático, Paulo Planet Buarque é sócio do clube paulistano desde 1939. Chegou a assumir a presidência do clube em 2005.


Esta entrevista foi realizada em 2008 quando se completaram 50 anos da conquista da Copa da Suécia.


Violão, Sardinha e Pão- Como o senhor iniciou sua carreira no jornalismo?


PPB- Foi em 1947. Eu comecei minha vida jornalística na Gazeta Esportiva que já era naquela época um jornal semanal. Não era uma publicação diária, mas tinha larga repercussão. Tinha também o Jornal dos Sports do Rio de Janeiro e A Gazeta Esportiva de São Paulo. E o jornal O Esporte do Lídio Pichinini.

VSP- O Bretas escrevia no O Esporte?


PPB- Não, ele escrevia no Mundo Esportivo. Então, podemos dizer que naquele período havia um procedimento esportivo muito grande, maior que hoje. Hoje a vida mudou e vivemos numa cidade de quase vinte milhões de habitantes que você não consegue nem transitar. Lamentavelmente eu assisti o início das obras do metrô com o Faria Lima. Nós estamos em 2008 e não chegamos ainda aos 50 quilômetros. Isso representa o caos, nem sei como está a cidade porque proibiram os caminhões e não sei o que está acontecendo.


VSP- Havia uma rivalidade muito grande da mídia do Rio com São Paulo naquele tempo?

PPB- Sempre houve. Desde que o Brasil existe que havia já uma rivalidade entre Rio e São Paulo, que não é apenas esportiva. Hoje menos por causa de Brasília, mas enquanto não houve Brasília o Rio era capital da República. Portanto, sob todos os aspectos inclusive esportivo havia uma rivalidade muito grande. Naquele tempo, os cariocas dominavam sobre todos os aspectos. Inclusive a capacidade diretiva, eles eram os donos da CBD. Não existia a presença de São Paulo, salvo a ocorrência dos campeonatos brasileiros que nós ganhávamos. Como ganhamos dentro do Maracanã, na competição interestadual. Era um mundo diferente aquele que nós vivíamos mas era um mundo esportivamente muito destacado com ênfase pro futebol que sempre foi o esporte preferido das multidões brasileiras. Mas sempre vivíamos um mundo amargo das derrotas internacionais, que nós não tínhamos uma presença internacional. Ela só começou a acontecer quando o Santos com o Pelé passou a ser objeto de interesse dos clubes estrangeiros, das federações estrangeiras porque aquele time era uma máquina de jogar futebol. Mas antes disso nós não existíamos internacionalmente, agravado isso com as derrotas de 50 e 54. Em 1950, foi uma tragédia brasileira, perdemos em pleno Maracanã, 220 mil pessoas e eu lá. Você imagina: tudo tinha sido preparado para as comemorações. Os jogadores haviam tirado fotografia com as faixas de campeões, um absurdo mas aconteceu. Então, a decepção foi coletiva.

VSP- O país inteiro perdeu a Copa.


PPB- O país inteiro perdeu a Copa. Imagine 220 mil pessoas assistindo o desfile daqueles vinte e cinco uruguaios a gritar: “Uruguai campeão do mundo!”. E nós lá sem saber o que fazer. Foi uma tragédia. Uma tragédia que se repetiu em 54, mas aí em condições piores. A chefia da delegação não sabia que o jogo com a Iugoslávia o empate classificava as duas equipes. Antes do jogo contra a Hungria, o time inteiro estava abalado emocionalmente. Alguns jogadores passaram a noite na privada e íamos enfrentar sem nenhuma dúvida o maior time de futebol que eu tinha visto até então. Antes da copa, eu tinha assistido em Budapeste o jogo deles contra a Inglaterra e eu tinha ficado aturdido porque eu nunca tinha visto aquele tipo de futebol. Então, eu já sabia mais ou menos que íamos enfrentar uma equipe fantástica mas os nossos jogadores poderiam vencer se não fosse segundo o meu ponto de vista a arbitragem. O mister Ellis, que foi o árbitro daquela partida foi excluído da FIFA porque era membro do Partido Comunista. Então, eu acho que ele nos prejudicou.


VSP- Portanto, ele teve um olhar mais simpático para um país socialista como a Hungria naquela ocasião.


PPB- Sim. Mas não sei se nem com uma arbitragem normal nós teríamos capacidade pra vencer. Nós perdemos muitos gols, mas nós enfrentávamos um futebol que a gente não tinha visto jogar. Era um jogo coletivo, uma diferença muito acentuada. Você veja que eu tive a oportunidade de vivenciar aspectos diferentes do futebol até chegar a 1958.

VSP- Quando o senhor chegou na Gazeta Esportiva o chefe era o Meli?


PPB- O Meli era o diretor geral. O chefe era o Thomaz Mazzoni. Thomaz Mazzoni: uma figura que deve ser referenciada. Em que pese ele ser italiano, em que pese ele ser de temperamento difícil mas ele é criador de uma série de slogans famosos do futebol brasileiro marcantes e que nunca mais deixaram de existir.

VSP- Majestoso (nome do clássico entre Corinthians e São Paulo)

PPB- Majestoso, foi ele que criou.

VSP- Choque-rei (nome do clássico entre São Paulo e Palmeiras)

 
PPB- Choque-rei. Tudo isso nasceu da pena brilhante daquele cérebro privilegiado que quase não falava.

VSP- Ele era um cara muito quieto?


PPB- Muito quieto, fechado. Ao ponto de nós uma vez resolver brincar com Thomaz Mazzoni, imagine só. Nós nos reuníamos no fundo da sala da Gazeta Esportiva, ligávamos o telefone pra ele, ele atendia e nós falávamos uma porção de bobagens para deixá-lo irritado. Ele ficava irritadíssimo (risos). Nós fizemos isso duas, três vezes seguidas até que ele resolveu jogar o telefone pra fora (risos). Mas o Thomaz Mazzoni era uma figura folclórica, extremamente competente como era o Dimas de Almeida e o Miguel Munhoz, principalmente ele. Ele se assinava como MM e foi um dos cronistas mais brilhantes que eu conheci na história da imprensa esportiva brasileira. Era um ambiente festivo, gostoso, onde eu comecei abrindo carta. Abrindo carta para os jogos da várzea e depois por acaso me tornei repórter, redator e fui seguindo carreira.

VSP- O senhor depois passou pro rádio.


PPB- Também foi uma conseqüência. Primeiro foi a rádio Panamericana onde eu fazia comentários diários. Num destes, eu acabei sendo despedido. Porque escrevi e li uma crônica exaltando a possibilidade do São Paulo vir a construir o seu estádio. Isso significou a minha despedida...o Paulo Machado de Carvalho me mandou um bilhete que eu recebi dizendo o seguinte: “Nas Emissoras Unidas só quem tem opinião sou eu. O senhor está despedido”. E acabei sendo despedido...o Paulo Machado de Carvalho com certa razão era contra a construção do estádio. Ele sabia que enquanto o estádio fosse construído, o São Paulo teria prejuízos em sua equipe de futebol. Como de fato aconteceu. Mas depois fizemos as pazes, ele me convidou pra voltarmos a trabalhar juntos. Isso aconteceu já na televisão Record. Convivemos maravilhosamente bem até o instante da Copa do Mundo onde ele convidou para fazer parte de um grupo de trabalho constituído pelo Feola. Então, eu já soube que o Feola iria ser o técnico da Seleção Brasileira, o Ary Silva e o Flávio Iazetti. Todas as terças-feiras nós nos reuníamos para traçar os planos que originaram o chamado Plano Paulo Machado de Carvalho que nos levou a conquista do título.


VSP- Só voltando um pouco atrás, o senhor trabalhou com o Pedro Luís e o Mário de Moraes


PPB- Sem dúvida nenhuma. O Pedro era o titular da locução e o Mário era o comentarista de futebol dos mais competentes. Aliás, a dupla Pedro Luís e Mário Moraes era extremamente competente. O Pedro tinha um estilo que foi o primeiro narrador a dar sequencia rápida aos lances do futebol. Os locutores anteriores preferiam dar ênfase as jogadas, o Pedro preferia transmitir o futebol tal como ele acontecia no campo. Já o Mário Moraes era muito competente na análise do futebol nos seus detalhes.


VSP- E eles eram bem amigos? Porque depois em várias emissoras, eles continuaram trabalhando juntos.


PPB- Eles se completavam. O Pedro achava que o Mário era indispensável e o Mário achava que a grande sorte dele era trabalhar com o Pedro Luís.


VSP- O Pedro Luís também era um homem de personalidade forte? O Fiori disse numa entrevista que não se dava bem com ele.


PPB- O Pedro era complicado. Eu acho que todo intulo, todo primus inter paris na sua atividade profissional seja ela qual for, pode levá-lo a uma condição de se achar acima do bem e do mal. O Pedro era mais ou menos assim, eu tive uma passagem com ele muito complicada. Uma vez eu estava na Suíça e eu recebi uma determinação da rádio Panamericana para ir transmitir o jogo Hungria e Inglaterra em Budapeste. Eu fui...não sou locutor, nunca fui mas era uma determinação superior e acabei indo. Foi muito difícil chegar no Nepstadium...

VSP- O senhor conta na sua biografia.


PPB- Foi uma aventura...eu conto no meu livro de memórias. Mas quando eu estava começando a transmissão o Pedro chega. O Pedro chega e indignado porque eu estava ocupando a linha que era dele. Eu falei: “Isso eu lamento muito mas a linha é minha e eu vou transmitir aqui”. E transmiti. Ele não se conformou nunca com isso e sempre dizia que eu tinha roubado a condição de transmitir o jogo. Mas não é verdade. Eu recebi uma comunicação de quem era de direito e transmiti o jogo. A gravação tem até hoje, mas mal e mal. Incidente que não se repetiu porque eu fui o primeiro cidadão da crônica esportiva a transmitir algo de Moscou. Naquele tempo, a União Soviética era impenetrável e eu fui transmitir lá o jogo da seleção local contra a Inglaterra. Eu tenho a gravação que o Tuta me deu, eu guardei. Claro que não é uma das gravações mais modernas, mas eu guardo com muito carinho. Esse galardão eu tenho: fui o primeiro sujeito a transmitir alguma coisa da União Soviética, que era um regime fechado. Mas valeu a pena. Que mais você quer saber?


VSP- Vamos falar sobre 50. Como era o relacionamento de vocês com o Flávio Costa?


PPB- O Flávio Costa era impenetrável. Se existe a palavra, eu não sei se existe: indialogável (risos). Acho que nem existe no português mas expressa bem o que ele era. Ele era um homem fechado, muito senhor de si porque era o dono do futebol daquela época. Não esqueça que ele era o técnico do Flamengo (imitando sotaque carioca) e tudo que dizia respeito ao Flamengo (imitando sotaque carioca) naquela época era mais ou menos uma coisa privativa. O Flávio era um homem difícil, não estava nunca disposto a dar explicações.

VSP- Não gostava de dar entrevistas?


PPB- Não. Ele quando indagado de alguma coisa, ele dizia: “Isso é ponto de vista meu”. Isso até com respeito a seleção de jogadores que a gente queria discutir, mas ele não queria discutir. Porque ele era o primus interparis da época. Precisamente porque ele era o técnico efetivo da Seleção Brasileira, era o técnico do Flamengo e naquele tempo prevalecia a vontade carioca acima de tudo. Era um homem difícil, mas diga-se de passagem naquela fase do futebol os técnicos eram mais ou menos parecidos. Eles eram os donos da verdade. Exceção feita ao futebol de São Paulo porque aqui prevalecia o homem forte dos clubes. Por exemplo: ninguém discutia com o Alfredo Trindade do Corinthians. Na época do Palmeiras, era o Ferrucio Sandoli e no São Paulo era o Paulo de Carvalho. Então, eram comportamentos diferenciados. No Rio, era a palavra do técnico e aqui era a palavra do diretor de futebol quando não do próprio presidente do clube.

VSP- O Zezé Moreira também era nessa linha do Flávio?


PPB- Mais ou menos. Ele era produto do futebol diferente dos tempos atuais, onde o técnico é peça importante mas não onipresente, dono da verdade. Mesmo o senhor consagrado técnico do Palmeiras que é um homem muito considerado até pelas suas inequívocas qualidades, eu suponho que na Sociedade Esportiva Palmeiras ele não dê muita satisfação de seus atos. Mas nos outros clubes a gente percebe que essa onipresença são peças-importantes e não essenciais no âmbito do futebol. Embora claro, a gente tem que entender que geralmente são ex-jogadores que passaram pelos campos e conhecem talvez melhor o futebol que os dirigentes que nunca jogaram. É um problema de perspectiva de opinião. Técnico tem que ser considerado na luz da sua competência, da sua capacidade mas até o ponto em que deva explicações ao clube.


VSP- O que o Feola tinha de diferente deles?


PPB- O Feola era completamente diferente deles. Até pelo aspecto físico. Toda pessoa mais gorda, vamos dizer mais desprendido- que é o caso do Feola. Ele é diferente em termos de personalidade também, o Feola era completamente aberto ao diálogo, a conversação. Isso ficou provado no Campeonato de 58. Primeiro porque o Paulo Machado de Carvalho estava levando um técnico que se sabia que a última palavra sempre pertenceria ao Paulo Machado. Ele era um homem que entendia de futebol e que tinha o direito de saber porque este, porque não aquele, como nós vamos jogar.  Ele inclusive dava alguns palpites que ás vezes estavam certos. O Feola era um técnico aberto, tão aberto que quando o Nílton Santos e o Didi procuraram o Paulo Machado para falar que era importantíssimo que o Garrincha entrasse no time. Mas o Paulo Machado perguntou: “Por quê?”, porque o Garrincha era aquela figura folclórica que brincava com ele de esteja preso na delegacia. Para o Paulo Machado o Garrincha originalmente não era um homem de muita responsabilidade. Ele via talvez no jogador uma figura depreendida, não muito afeita aquela responsabilidade daquele momento. Tanto que o Nilton Santos e o Didi disseram a ele: “Doutor Paulo, nós no Botafogo conhecemos o Garrincha. Nós sabemos como ele é, respeitamos a maneira de ser dele só que futebolisticamente ele nós tranqüiliza. Porque quando ele estiver com a bola nos pés, o pavor fica por conta dos adversários”. Eles estavam certos...nós não tínhamos uma convivência muito grande com o futebol carioca. Naquele tempo, tudo era difícil não é como hoje que a gente assiste tudo na televisão como eu assisti Espanha e Alemanha na final do Campeonato Europeu podendo ver detalhes, coisas muito interessantes. Então, o Paulo chamou o Feola e disse: “Feola ouça o que eles estão falando”. Nisso, o Feola fez uma observação importantíssima: “Mas se o Garrincha entrar precisa entrar alguém que marque melhor. Porque o Dino é um craque, mas ele não é muito afeito a marcação ou a perseguição de um adversário”. Isso era pelas características dele que era um notável jogador que abafou na Europa inteira. Daí a presença do Zito que tinha um estilo diferente. Nisso, o Garrincha entrou e foi aquilo que todos nós sabemos. Não tanto em 58 mas principalmente em 62. Porque quando o Pelé se machucou o pânico na delegação brasileira foi grande. Como se pode viver sem Pelé? No entanto, o Garrincha assumiu por incrível que pareça as responsabilidades e comandou o time do Brasil em todas as partidas. Então, ele era com a bola nos pés, jogando futebol um. Fora de campo, o Garrincha era um cidadão que comprou um radinho lá na Suécia e depois avisaram que o rádio não falava português.

VSP- É verdade esse caso? Muita gente diz que é folclore.


PPB- É verdade sim. Muitos pensam que com isso nós estamos minimizando o Garrincha, não. Estamos querendo mostrar principalmente isso, que dentro daquela criatura simplória havia um super craque motivado pela deformação que ele tinha nas pernas. Como ele tinha as pernas tortas, ele transformou essa perna numa potência muscular que dava a ele um impulso que nenhum jogador conseguia impedir e copiar. São detalhes, mas são detalhes importantes porque muitas vezes a gente vê o resultado e não vê o porque. No futebol, é importante você pesquisar também os porquês. Então, todos esses detalhes também devem ser considerados no futebol de hoje. No futebol de hoje, você precisa pegar um jogador e verificar as características dele, porque isso é o que o grande técnico faz. Ter dois ou três jogadores de diferentes características, mas saber aproveitá-los nesta ou naquela partida.


VSP- O senhor conta na sua biografia que o Mário Moraes era um grande comentarista, mas ele tinha um problema com álcool.


PPB- Sim. Infelizmente, o Mário por razões que eu desconheço. Cada um de nós tem os seus problemas pessoais...o Mário terminou bebendo. Talvez ele não tenha suportado o ostracismo. Quando a pessoa de repente galga posições de muito destaque, ele precisa ter o equilíbrio emocional muito grande pra saber que mais adiante ele não vai ser ninguém. E esse chegar a ninguém, eu acho que influiu muito ao Mário, que ele sentiu-se. Sabe o sujeito que é ídolo e de repente deixa de ser? Algumas pessoas não resistem a esse desequilíbrio e daí talvez tenha sido o motivo pela razão que o Mário tenha se dado a bebida. Lamentavelmente.

VSP- Era um grande comentarista e um cara que escrevia muito bem.


PPB- Falava bem, era um grande comentarista. Ele tinha a particularidade do detalhe que era uma coisa importante. Você na análise de uma partida ou um jogador, o detalhe ás vezes é mais importante que o conjunto das coisas. O Mário era perfeito. Ele e o Pedro formavam uma dupla que eu acho que nunca mais existiu no futebol.

VSP- Aqui no interior de São Paulo, o Pedro Luís foi mais famoso que o Fiori?


PPB- O Pedro Luís foi mais que o Fiori na época dele. Isso é algo evidente. Depois foi o Fiori porque ele adotou uma outra postura de transmissão. Ele se diferenciava do Pedro Luís porque o Fiori inseria na transmissão frases que identificavam as suas frases e o autor. Ou seja: ele criou alguns slogans que nunca mais foram esquecidos até a morte dele. Ambos por coincidência, nascidos no interior de São Paulo, o Fiori em Lins, o Pedro em Piracicaba. É uma coisa bonita, é uma história bonita que se identifica também com alguns locutores do Rio de Janeiro. Como o Ary Barroso...ele criou a gaitinha na hora dos gols. Então, veja nas transmissões é importante criar alguma coisa própria como o Tabajara. O Tabajara criou na televisão slogans que eram dele e ninguém mais esqueceu, o Walter Abraão criou a mesma coisa na Tupi. Porque é preciso que o locutor se identifique com o telespectador ou com o ouvinte com alguns bordões que nós chamamos futebolísticos que o identifica até o final da vida.

VSP- Podermos dizer que o Fiori era um cara mais romântico?


PPB- Não...cada um é um. Cada um de nós tem uma perspectiva, uma visão da vida. Talvez o vida de eu ter sido criado sem pai e com mãe distante pode ter transformado a personalidade minha numa personalidade diferente. Mas eu nunca deixei de acompanhar vamos dizer assim...os companheiros de rádio e televisão porque eu achava que eu era um complemento. Eu não era “o”, eu era um dos, o que é muito diferente.

VSP- Na Bandeirantes o senhor trabalhou muito com o Edson Leite.


PPB- Trabalhei muitos anos com o Edson Leite como comentarista dele. Isso inclusive em campeonatos mundiais. O Edson era no meu modo de ver, um dos mais fantásticos locutores que eu conheci. Tinha uma voz muito favorável para as transmissões, era um homem extremamente inteligente e dava as transmissões aquele calor humano que era indispensável. Ele antecedeu o Fiori e foi concomitante ao Pedro Luís. Estilos diferentes, maneiras diferentes mas eu me lembro muito bem do Edson Leite com muito carinho porque ele me deu muitas oportunidades.

VSP- Ele era um cara mais tranquilo que o Pedro?


PPB- Era diferente. Cada um é um, as personalidades são diferentes. O Pedro era mais centrado em si mesmo, o Edson era mais centrado na equipe, nos companheiros. São personalidades diferentes que a gente deve respeitar.


VSP- Claro. O Edson depois trabalhou em TV e fez uma série de outras coisas. Mas nessa época o Pedro e a Panamericana eram mais populares que a Bandeirantes?


PPB- Não há dúvida. O Pedro foi sem nenhuma dúvida o melhor e o mais completo locutor brasileiro quando não havia televisão. É preciso distinguir essa época. Uma coisa é narrar uma partida sem a televisão, a televisão mostra tudo. O rádio era a criatividade do locutor.

VSP- Improviso?


PPB- Improviso. Os comentaristas precisavam transmitir para o ouvinte alguma coisa que a pessoa não estava vendo. Então, você tinha que transmitir o ambiente, as sensações, o público, a reação do público. Tudo isso fazia parte da misce en scène da transmissão radiofônica da época. Com a televisão, o telespectador estava vendo. Então, você podia quando muito chamar a atenção de algum detalhe que pudesse eventualmente ter escapado da visão do telespectador. Mas não esqueçamos que o telespectador estava vendo tudo. Então, não podia nem inventar coisas na ocasião do gol A ou gol B, como acontecia com o locutor. O locutor pra criar um ambiente, para transmitir mais emoção, ás vezes inventava coisas que não estavam acontecendo no campo. A televisão não permitia isso, esse veículo era a céu aberto, estava todo mundo vendo. Você podia transmitir e sempre realçando: “Segundo nós estamos vendo. Porém, não sei se é a visão do telespectador”.

VSP- E o Geraldo José de Almeida?


PPB- Geraldo José de Almeida era rádio, rádio. Era um locutor diferente do Pedro e diferente do Edson, porque cada locutor tinha as suas características como era o Oduvaldo Cozzi, Ary Barroso, Luís Mendes no Rio de Janeiro. Cada um transmitia para o microfone as suas características de sua personalidade, a tonalidade de voz, a sua visão de jogo, é diferente. A televisão mudou tudo, você pode ver. Tanto que isso é verdade que não nos esqueçamos que à partir do advento da televisão os locutores de rádio foram perdendo bastante da sua importância. Porque mudou o contexto, é a mesma coisa que você ouvir uma ópera e assistir uma ópera. Então, esse conceito teve que ser mudado porque não adiantava mais criar o que não estivesse acontecendo.

VSP- Porque a pessoa pode ver tudo.


PPB- Claro, você estava vendo não adiantava você transmitir algo que não estivesse acontecendo.


VSP- O senhor foi pra Suíça cobrir a Copa de 54. Como o senhor tornou-se capa da Paris Match?


PPB- Aí foi um fato: nós fomos roubados. Mr. Ellis nos roubou, tantos nos roubou que ele foi expulso da Fifa depois porque foi comprovado que ele era membro do Partido Comunista. Portanto, ele tinha todo o interesse de prestigiar os países da Cortina de Ferro. Mas naquela partida Brasil e Hungria ele nos prejudicou sem nenhuma dúvida. Não sei se nós ganharíamos mesmo que ele não tivesse nos prejudicado, porque a equipe húngara era uma máquina de jogar futebol. Porém, nós jogamos bastante bem naquela partida, tivemos oportunidades múltiplas de mudar o placar. Ele anulou o gol que me pareceu legítimo, não deu um pênalti que eu achei que houve. Então, antes de terminar a partida eu não agüentei, deixei o Edson Leite falando sozinho lá na tribuna, desci e eu ia interpelar o árbitro, porque a divisão entre o público e o campo era de 40 centímetros de altura. Eles são um povo civilizado...então, eu pulei a cerquinha no bom sentido e ia me dirigir ao mr. Ellis para interpera-lo. Foi uma indignação de torcedor brasileiro, claro que eu ultrapassei os limites...eu perdi absolutamente o sentido da coisa porque não tinha cabimento eu fazer o que fiz. Só que no momento que eu entrei no campo estes guardas suíço só aproximou no intuito de me prender ou me colocar pra fora do campo como deveria fazê-lo. Ele estava no legítimo procedimento da ordem pública. Só que ao invés dele me educadamente ou suiçamente compreender aquele ímpeto, ele me empurrou. No que ele me empurrou ativou a minha circulação sanguínea e eu me afastei um pouco. Nisso, eu passei um rabo de pé no melhor estilo do melhor jiu jitsu que eu tinha treinado e ele subiu e caiu. E aí eu tive a infelicidade do repórter do Paris Match, a maior revista de circulação do mundo naquela época me colocar na capa. Eu sou o único brasileiro que foi capa da Paris Match (risos), pelo menos essa glória eu tenho. Quando o guarda caiu, ele colocou a mão no bolso e eu pensei: “Morri. Estou morto”. Só que ele tirou um lenço do bolso e foi limpar-se, enquanto isso o Pinheiro e o Bauer que vinham correndo me pegaram e me levaram junto com eles pro túnel. Foi nesse momento que deu-se a maior briga que eu vi  minha vida num espaço mínimo que era um túnel só para as duas equipes. Os jogadores brasileiros estavam exaltadíssimos e o Zezé Moreira em particular. Então aí esse bocó desse técnico húngaro resolveu falar qualquer coisa que ninguém sabe o que é para o Zezé Moreira. E o Zezé que estava com a chuteira na mão pregou a chuteira na cara do Gustav Sebes que era o ministro de esportes da Hungria. Abriu o supercílio dele muito bem aberto e aí foi aquela pancadaria onde o Luiz Vinhaes se mostrou de uma coragem que eu nunca vi. Que ele enfrentou aquele bando de jogadores húngaros e dava pancada neles que dava gosto. Muitos pularam...o muro era pequeno que dividia os vestiários. Nisso, pra minha felicidade o Mário Trujué que era um dos integrantes da delegação brasileira me emprestou a capa dele e eu saí de braço dado com ele pra não ser preso. Eu sai de capuz e nisso ninguém me identificou...é um episódio que eu lamento muito mas que faz parte da minha vida.


VSP- Seu Paulo, nessa época o senhor conheceu outro jornalista esportivo que era bastante polêmico que era o Geraldo Bretas. Como ele era?


PPB- O Geraldo Bretas era um homem muito inteligente. Então, ele percebeu muito claramente dada a sua inteligência, que se ele fosse normal, um crítico normal provavelmente ninguém tomaria conhecimento dele. Então, o que ele fez: adotou uma postura crítica permanente, ele era contra tudo. Tanto que o apelido dele era Geraldo Contra. Qualquer coisa ele era contra: nos programas de mesa redonda, no jornal dele, nas entrevistas. E com isso ele conseguiu o que ele queria: se destacar. Ele era sempre convidado pra tudo, como ele era corajoso ao extremo de xingar a CBF, xingar os técnicos, xingar jogador, ele se diferenciou dos demais. Mas ele era uma pessoa de muito bom trato na intimidade e tem uma passagem dele comigo muito interessante. Na Copa da Suíça inicialmente cada um foi pra seu hotel, mas eu achei muito caro e descobri uma pensão que era muito mais barata. Acabei me hospedando nessa pensão. Então, no primeiro treino todos os jornalistas me perguntaram: “Em que hotel você está”, “Estou numa pensão barata”. Nisso, todo mundo acabou se mudando para a pensão, todo mundo. Os hóspedes que tinham lá acabaram se mudando e nós assumimos o local, hasteamos a bandeira brasileira. O Geraldo Bretas fazia parte desse grupo de jornalistas. Um belo dia ele aos brabos: “Meu roubaram! Roubaram minha carteira, era todo dinheiro que eu tinha”. Eu falei: “Bretas vamos chamar a polícia. Se você foi roubado”, “Que polícia coisa nenhuma”. Ele pensou que a coisa fosse claramente brasileira. O inspetor de polícia chegou lá, ouviu claramente e o Bretas explicou tudo. Ele também explicou a quantidade de dinheiro que ele tinha perdido. Dois dias depois aparece um anúncio no jornal porque o inspetor tinha nos falado sobre isso: “O senhor coloca um anúncio no jornal”, o Bretas aos palavrões e eu mentia pro policial em francês porque senão o Bretas ia preso. Nisso, ele colocou o anúncio no jornal e dois dias depois aparece uma senhora de uns setenta anos com a carteira dele. O Bretas ficava falando: “Eles me roubaram tudo. Tenho certeza. Não deve ter nem metade”. Falei pra ele: “Faz favor de conferir”, o inspetor de polícia estava do lado e estava tudo na carteira. O inspetor falou: “Agora o senhor tem que dar 10% pra essa senhora”, o Bretas xingava Deus e todo mundo. O suíço me perguntava em francês: “O que ele está falando?”, “Ele está dizendo que ele não acreditava que isso pudesse acontecer”. Senão ele seria preso porque a lei suíça estabelece isso. O Bretas muito a contragosto deu 10% mas pelo menos ficou com o bruto. Ele só perdeu um pouquinho. O Bretas era assim: uma criatura bastante nervosa, mas um homem de bem sem dúvida nenhuma.

VSP- Mas o que ele na imprensa era igual na vida real?


PPB- Não. Ele fazia um tipo, na vida real ele era um homem muito tranquilo. O Bretas vivia muito bem com todo mundo, mas sempre mantendo as suas opiniões. Ele era contra tudo, nós chamávamos ele de Bretas Contra.


VSP- Uma vez eu li naquele livro Os Donos do Espetáculo do André Ribeiro, que o senhor até deu depoimento.

PPB- Muito bom esse livro. André é um grande escritor. 


VSP- Muita justiça é feita naquele livro a pessoas que não são tão citadas. Naquele livro, a esposa do Bretas fala que as pessoas na rua batiam nele.


PPB- O Bretas no rádio, na televisão e no jornal dele ele sempre se manifestava uma opinião contra tudo. Então, ele foi angariando obviamente certa animozidade de todas torcidas. Porque não é que ele favorecia A, B ou C. Não, ele era contra tudo porque ele fazia o tipo dele. É claro que ele tinha inimigos em toda parte. Uma vez no Pacaembu ele foi agredido pelo Alfredo de Carvalho, o filho do Paulo, ambos falecidos. O Alfredinho deu supapos nele porque ele criticava o Paulo de Carvalho e o filho achou-se no direito de defender o pai. Provavelmente isso deve ter acontecido em muitas oportunidades que nós nem viemos a saber.

VSP- Ele achava que o Brasil não iria ganhar em 58.


PPB- Não, o Bretas era contra tudo. Até com uma certa razão: nós tínhamos perdido em 50 dentro do Maracanã, tínhamos perdido em 54 na Suíça. Então, a expectativa do povo brasileiro em geral era negativa. Ninguém imaginava que nós poderíamos ser campeões. Esse era o comentário generalizado das rádios, jornalistas em geral. Era um ponto de vista que talvez a única exceção fosse o Nelson Rodrigues que sempre alimentava a possibilidade de se resgatada a soberania nacional. O Nelson se posicionou...ele sempre foi um homem também polêmico. Ele também era contra tudo que a maioria pensava. Mas de qualquer maneira ele foi o único que achava que nós podíamos ser campeões.

VSP- E o Thomaz Mazzoni?


PPB- Thomas Mazzoni era uma pessoa mas não era o Bretas. Ele era parcimonioso nos seus elogios mas ele era daqueles que acreditava. Mas de forma parcimoniosa, nada exagerava. Ninguém acreditava.


VSP- O Feola era um técnico de São Paulo. Como a imprensa do Rio recebeu isso?

PPB- Quando o Havelange veio em segredo em São Paulo para convidar o Paulo Machado de Carvalho, isso nunca tinha acontecido na história do futebol brasileiro. Alguém de fora do Rio de Janeiro ser convidado, chamado pra alguma coisa da nossa seleção. O Havelange fez isso em segredo porque ele tinha sido eleito recentemente para a Confederação Brasileira de Desportos e imediatamente veio o campeonato do mundo. Então, o Havelange fez a grande jogada da vida dele. Ele já tinha uma certa presença em São Paulo por ser alto funcionário da Cometa e ele sabia da história do futebol paulista, acompanhava de perto. Ele teve a intuição de convidar o Paulo Machado de Carvalho quem sabe para inovar alguma coisa diferente do tradicional, que era sempre chamar alguém do Rio de Janeiro. Então, o Paulo Machado se reuniu com ele, o Havelange transmitiu o convite e o Paulo pediu tempo pra pensar. Nisso, ele me chamou, conversou comigo porque eu trabalhava nas Emissoras Unidas, eu disse a ele: “Doutor Paulo, honra maior é impossível. Eu acho que podemos ganhar sim senão cometermos os erros de 50 e 54, pra qual impõe-se um projeto. Não vamos fazer como sempre se fez: tudo assim ao Deus dará, vamos fazer uma coisa pensada”. Nisso nasceu aquele grupinho: o Feola, o Flávio Iazetti, o Ary Silva e eu. Estudamos onde foram os fracassos, porque fracassamos e o que deve ser feito. O plano Paulo de Machado de Carvalho nada mais foi do que a somatória dos erros transformada em possibilidades de encontros.

VSP- Quantos encontros vocês tiveram?


PPB- Ah...a conversa do Havelange do Paulo foi em 57. Pelo menos seis meses foram com certeza tivemos encontros no Ziller Town, em almoços.

VSP- Onde era esse lugar?


PPB- Ziller Town era um bar que ficava debaixo do prédio antigo da Federação Paulista de Futebol. Onde nós nos reuníamos na hora do almoço. O Paulo comia bem pra danar, era um bom garfo no qual era acompanhado pelo Feola (risos). Discutíamos tudo: por quê fracassamos? E íamos buscar as razões dos fracassos: o que faltou, o que aconteceu. Em Poços de Caldas ninguém treinava, então anotou-se isso: “Não se pode dispensar ninguém de treinamentos enquanto estiver efetivamente contundido”. Daí nasceu a presença do Paulo Amaral que era sargento da Polícia Militar e uma vez dada a ele a autoridade e responsabilidade, ele se transformou no que ele achava que devia ser. Ele era um ditador da preparação física. O Feola continuou sendo técnico e os mesmos integrantes do campeonato passado foram lembrados porque tinham experiência já acontecido e poderiam, portanto, não repetir os mesmos erros.


VSP- Muitos grandes jogadores acabaram não sendo lembrados como o Julinho Botelho, Canhoteiro, Luizinho do Corinthians.


PPB- Na análise dos jogadores para o efeito de convocação, nós partimos de uma premissa importante. O campeonato mundial é disputado em 20 dias, no máximo 22 dias. Isso implica na necessidade de ter jogadores aptos fisicamente. O Pelé estava machucado e foi.

VSP- Foi mesmo.


PPB- Ele porque é o Pelé. Todos sabíamos o que ele poderia representar apesar de ser um menino (enfático). Mas todo mundo sabia o que era o Pelé já. As preocupações eram as seguintes: uma condição física excepcional e nisso a defesa tinha que ser constituída de grandes cabeceadores. Naquele tempo, o futebol europeu era caracterizado pelo jogo aéreo. Diferente de agora porque quem assistiu como eu assisti Espanha e Alemanha, verificou que os espanhóis deram um banho de futebol porque colocaram a bola no chão. A bola está no chão. Hoje, o futebol europeu é muito diferente daquele futebol de 58, onde prevalecia o estilo inglês. A Alemanha mesmo...você via a estatura dos jogadores da seleção deles, todos de 1,80. Porém, todos esses detalhes foram sempre lembrados na hora da convocação. É claro que o Djalma Santos tecnicamente sempre foi melhor que De Sordi, sempre. Djalma Santos é um craque. Em qualquer seleção do mundo ele estaria escalado. Porém, o De Sordi subia mais que o Bellini e o Mauro porque ele tinha uma impulsão fantástica. Ele foi titular porque era um grande cabeceador, a exceção foi o Nílton Santos, porque o Nílton Santos não precisava saber cabecear, não precisava saber nada. Ele foi um dos maiores craques do mundo...pena saber dele na miséria vivendo das custas de um diretor do Botafogo, ele que poderia estar milionário. Porém, pelo amor ao Botafogo ele ficou no futebol brasileiro quando centenas de clubes ofereceram para contratá-lo por grandes importâncias. No entanto, ele ficou no Botafogo porque ele amava o clube. O resultado foi esse: ele está vivendo de favor, tomara que viva ainda por muito tempo. Tanto que o senhor presidente assinará a possibilidade de dar uma ajuda de custo aos jogadores que não estejam em condições de se sustentar por conta própria. O que ele faz muito bem porque são ídolos. Infelizmente, o Nílton Santos era um aficionado do Botafogo, ele adorava o Botafogo. Então ele ficou no clube ganhando um salariozinho que se ganhava naquela oportunidade...hoje os jogadores ganham infinitamente mais e nem sempre com as qualidades do Nilton Santos. No entanto, o Nilton num caso raro de amor ao clube ficou por aqui e foi prejudicado nas suas possibilidades econômicas e financeiras. Uma pena porque ele foi um dos maiores jogadores do futebol mundial de todos os tempos. Eu só vi o Nilton Santos uma vez na minha vida deitado no chão, foi quando ele enfrentou o Stanley Fauss num jogo Brasil e Inglaterra em 1967. Foi uma excursão que o Brasil fez a Europa que foi um desastre tremendo, uma coisa horrível mesmo. Nisso nós vimos que grandes talentos como o Canhoteiro não serviam pra seleção.

VSP- Em 57?


PPB- Eu falei 67? Foi em 57, exatamente. Foi uma excursão que se fez a Europa presidida pelo João Mendonça Falcão e se percebeu que vários jogadores não tinham as qualificações para a seleção. Eram craques notáveis nos seus clubes, mas sem a qualidade para atuar numa seleção. Essas coisas é que foram consideradas para o ensejo da convocação para 1958. Nós queríamos talentos sim, mas jogadores que fossem capazes de se dar integralmente para a seleção. Realmente aquele grupo foi excepcional, inclusive quando substituídos eventualmente por qualquer necessidade tática ou técnica eles torciam por aquele que ia jogar. Quer dizer: era um grupo amalgamado, forte e que se dedicou. Talvez por isso eles foram premiados com a conquista do título.


VSP- Quando vocês estavam decidindo nos planos, o Ary Silva também era jornalista, tinha ido pra copa de 38.

PPB- Não me lembro, não em lembro. Mas com certeza ele tinha estado nas anteriores.

VSP- Vocês tinham um pensamento que o time deferia vencer, não precisava jogar bonito?


PPB- Não. O jogador brasileiro é habilidoso por natureza, o atleta brasileiro tem qualificações diferenciadas. Hoje nem tanto, estamos nivelados para o futebol europeu mas foi considerando isso que com um Didi você não pode deixar de contar com ele. Ele tinha toda a qualificação técnica, mas ele tinha algo mais. O Didi tinha um espírito de liderança, ele já era líder no Botafogo e comandava o meio-de-campo do time porque ele tinha grande habilidade no pé direito. Agora eu vim a saber que ele tinha uma deformidade no pé que o obrigava a bater na bola de uma forma diferenciada. Dessa maneira, ele dava um destino de altíssima qualificação mas de uma maneira diferenciada dos passes normais. O Didi colocava uma bola a trinta metros, quarenta metros onde ele queria. Além disso, ele tinha uma liderança como aconteceu quando a Suécia fez o primeiro gol. A todos nós que estávamos lá foi um momento difícil, como deve ter sido pra cada um daqueles jogadores porque veio o fantasma de 50 e o fantasma de 54. Mas o que fez o Didi? Só a genialidade. Ele foi dentro do gol, pegou a bola, colocou ela debaixo do braço e levou pelo menos cinco minutos pra chegar no meio-de-campo pra dar nova saída. Ele ia dizendo pra cada um dos companheiros: “Isso aí não foi nada. Nós vamos ganhar esse jogo. Tranquilidade”. Quer dizer? É um jogador fora de série como eram todos os convocados que tinham qualificação e habilidade como tinham personalidades mais qualificados. Eram pessoas que nós sabíamos que iriam se dedicar a seleção. Alguns naquele tempo foram dispensados como o Luisinho, o Luisinho do Corinthians. Ele era um craque, um notável craque. Entre o Luisinho e o Didi a comissão ficou sempre com o Didi. Muitos jogadores que estavam em uma fase fantástica não foram chamados porque se preferiu um homem também. Além da qualificação técnica se preferiu o homem, o cidadão em que se poderia confiar em qualquer circunstância. E de fato aqueles 22 jogadores, 24 jogadores eram fora de série, todos eles. Por exemplo: de repente o Mazzola é substituído pelo Vavá, o Mazzola era um craque mas já tinha saído contratado pela Internazionale de Milão. Portanto, era um jogador que evidentemente numa bola dividida ia tirar o pezinho porque o que ele ia ganhar financeiramente na Itália nem se falava aqui no Brasil. Ao passo que o Vavá era justamente o contrário: este era um jogador destemido, impetuoso, corajoso, um complemento das habilidades do Garrincha. Um complemento as qualificações do Pelé também. Ou seja, como se jogasse ao mesmo tempo a arte e a força. No futebol sempre se impõe e você precisa ter as duas coisas: a força e precisa ter também a arte. O Pelé é a arte, a força, tudo que você quiser imaginar. Eu duvido que vá surgir outro jogador igual a ele porque ele substancia tudo. Isso ele deve muito ao pai dele, mas muito ao Dondinho...começa que o Dondinho colocava ao Pelé e isso me foi contado por ele com chuteira no pé esquerdo somente. Nisso, ele mandava o Pelé ficar batendo bola na parede da casa dele até ele se tornar ambidestro. Tanto que se você ver a maioria dos gols que o Pelé fez foram de pé esquerdo. Enquanto os adversários estavam preocupados com o pé direito dele, ele acabava chutando com o pé esquerdo. O Pelé foi um cabeceador fantástico produto de um lado da raça negra: o negro tem a ossatura mais leve e a musculação mais forte, então o impulso é maior. Tanto que você vê que os grandes velocistas são negros, os saltadores de distância são negros. Eles tem essa facilitação orgânica ou sei lá como se deva chamar isso. Então, o Pelé conjugou tudo isso na arte de jogar futebol, porque ele inventava. O Pelé foi fantástico em 58? Foi, mas em 70, ele só faltou fazer chover. Acho que se ele tivesse dito: “Chove”, chovia porque o que ele fez em 70 nunca mais se vai ver. Eu sei disso porque eu estava transmitindo os jogos em castelhano pra todo mundo espanhol e eu ficava estarrecido. Só faltou alguns lances mais fantásticos que eu vi na minha vida que ele não fez o gol porque Deus não quis, foi uma cabeçada que o Banks não sei como pegou no Brasil e Inglaterra. Aquele lance deveria ter entrado...o outro foi um drible de corpo que ele deu na defesa uruguaia que a bola saiu a centímetros. E finalmente o lance dos lances: pra cá do meio de campo, ele resolveu chutar. Imagine você: só quem tem esse dom maravilhoso...o Pelé foi e será sempre o primus interparis do futebol. Nunca apareceu e eu duvido muito que apareça alguém igual porque em 70 ele jogou ainda muito mais que em 58. Ele estava mais maduro e ele fez questão de jogar bem porque o João Saldanha tinha falado que ele estava cego. E não queria nem levá-lo. Felizmente tiraram o João Saldanha e ficou o Pelé. O Pelé além do Gérson, do Rivellino, do Tostão eu não sei. Se fosse possível colocar duas seleções frente a frente eu não sei o que aconteceria porque seria o maior espetáculo da Terra. Foram duas seleções incomparáveis, nunca mais o futebol brasileiro terá a oportunidade de ver esses dois times jogando.

VSP- O time de 50 também era muito bom.

PPB- O de 50 era ótimo mas seria derrotado fragorosamente pelo time de 58 e de 70.

VSP- Muitas pessoas fazem comparações. A seleção de 82 também era muito boa.


PPB- Todos os times eram ótimos, porém, nenhum superou 58 e 70. E olha que a defesa de 70 não era essas coisas.

VSP- Verdade.


PPB- Se você pensar o goleiro não era o Gilmar, compreendeu? O Brito infelizmente não tinha a qualificação do Bellini, do Mauro. E aquele lateral-esquerdo que eu não lembro o nome, você acaba nem lembrando compreendeu? Nunca teria as condições dos outros companheiros que jogaram em 58 e 70. Mas eu gostaria de poder ver esses dois times jogando um contra o outro.

VSP- Qual de vocês pensou em botar um psicólogo? Um dentista?


PPB- O Paulo Machado de Carvalho, bem como o Ary, o Flávio e eu. Aí vem uma explicação que precisa ser dada. Por que nós perdemos nas edições anteriores da Copa. Talvez seja por isso que queríamos fazer algo diferente em 58.

VSP- Vamos falar do jornalismo esportivo atual. O que o senhor acha do Milton Neves?


PPB- O Milton Neves é um empreendedor, um homem que acertou no fazer da sua atividade um negócio. Então, ele vende os seus programas. Veja bem: isso é muito importante. Nunca ninguém pensou na minha época de jornalista esportivo em vender-se, em promover-se. Mas ele descobriu essa mina, então ele sabe como ninguém se promover. Portanto, indiscutivelmente ele tem qualidades excepcionais.

VSP- Ele valoriza os profissionais da geração do senhor.


PPB- Sim. Porque ele aprendeu com muita sagacidade que sempre terá leitores, ouvintes e telespectadores do passado. A juventude presta menos atenção nessas coisas do que as pessoas de meia e de idade. Todas essas pessoas de mais idade gostam de rememorar, recordar, lembrar. O Milton percebeu isso e especializou-se em mostrar o passado através do seu site e programa. Então, puxa vida essa é uma qualidade que precisa ser destacada. Cada um na sua atividade.

VSP- O senhor acha que o jornalista fazer propaganda é algo que interfere na profissão dele?


PPB- Esse é um problema muito discutível. Eu sinceramente não tenho opinião porque eu nunca me propus a me vender. Há quem ache que isso está certo e que é um negócio como outro qualquer. Muitos acreditam que isso não é bom para a profissão. Por exemplo: o Juca Kfouri, ele é um jornalista fantástico. Trata-se de um homem que trabalha feito um mouro para dar conta das suas atividades. Ele é um homem mais radical, ele acaba não admitindo essa propaganda de si mesmo. O Juca combate isso e ele é muito explicito nas suas opiniões sobre esse tema não procurando agradar ninguém. Nem os mais poderosos. Muito pelo contrário: os mais poderosos são veementemente criticados por ele e eu respeito bastante e até admiro a coragem e os pontos de vista dele que muitas vezes estão certos.

VSP- Como o Jorge Kajuru de certa forma?


PPB- O Jorge Kajuru é outro que eu gostaria de perguntar se ele é assim mesmo ou se ele está fazendo o Geraldo Bretas. Eu nunca tive a oportunidade de perguntar isso pra ele. Porque se ele está sendo autêntico parabéns, ele tem a opinião dele, critica quem tem que criticar e merece o nosso respeito. Mas se ele está fazendo isso para se diferenciar da normalidade, ele acabou criando um tipo e isso faz parte da vida jornalística. O David Nasser era assim...ele era um jornalista razoável que se tornou imensamente conhecido quando ele passou a adotar posturas de crítica. Claro que você é muito mais ouvido e lido se você criticar, se você for apenas bonzinho e elogiar todo mundo alguém não vai gostar. Então, é necessário que você tenha o meio-termo: criticar quando achar que deve criticar e elogiar quando achar que deve criticar. Todas as pessoas do mundo tem o lado mal e o lado bom. Existem os que preferem realçar o lado bom e os que preferem o lado mal. Eu respeito todos.


VSP- Agora se deu cinqüenta anos da conquista da Copa da Suécia. Teve o documentário do Asberg que ele fez um grande trabalho. (me refiro ao documentário 1958- O Ano Em Que o Mundo Descobriu o Brasil).


PPB- Ele fez uma pesquisa fantástica. Foi o primeiro e a grande qualidade é que ele nunca tinha participado dessa atividade. Ele teve a luminosa idéia de fazer um filme sobre a Copa do Mundo no ano de 2001. Então veja você a clara evidência dessa criatura. Ele jogou todas suas parcas fichas nesse empreendimento e felizmente ele conseguiu o patrocínio da Petrobras. Mas eu acredito que a Petrobras não deve ter pagado os custos dele. Eu acho que não e eu faço votos que o filme tenha o resultado que ele sonha ter no cinema, na televisão. Não é fácil porque trata-se de um filme que fala sobre 1958 e os que participaram daquela epopéia devem estar entre os oitenta anos. Quando não, muitos devem ter morrido. Foi uma tarefa que ele se propôs maravilhosa, ele está de parabéns e eu espero que ele pague pelo menos os seus custos.

VSP- O senhor acha que a CBF deveria ter feito mais coisa pelos ex-jogadores de 58?


PPB- Eu acho. Não sei porque a CBF esteve a margem deste episódio. Isso eu não sei o motivo. Afinal, o presidente da CBD é o Havelange que é o sogro do Ricardo Teixeira. O Havelange é o homem da FIFA, foi presidente da FIFA. Aliás, o Ricardo Teixeira deveria mandar fazer um filme sobre o Havelange. Ele tem uma história maravilhosa: o Havelange foi o primeiro brasileiro, o primeiro sul-americano a enfrentar os ingleses e vencê-los na presidência da FIFA. Ele foi o melhor presidente da entidade porque abriu a FIFA para o mundo.

VSP- Pra África, pra Ásia.


PPB- Pra toda parte. A FIFA era um feudo inglês que se transformou numa entidade internacional. A história do Havelange merecia um filme. Eu me proponho até a escrever a história desse filme.

VSP- O senhor acha que a CBF deveria ter criado um fundo pelos ex-jogadores?


PPB- Claro. A CBF deveria ter tomado a iniciativa de promover alguma solenidade que marcasse esse evento que foi o primeiro título da CBF e a entidade se omitiu. Porque ela podia pelo menos homenagear o Havelange. Invés de ter ficado tudo concentrado no Lula, a CBF poderia ter feito uma grande solenidade de comemoração dos 50 anos do primeiro título mundial do futebol brasileiro.

VSP- O senhor acha que as pessoas que cobriram o evento como o senhor, o Orlando Duarte...

PPB- Eu já não me lembro de todos que lá estiveram. Faz tanto tempo (risos). 


VSP- O senhor acha que os jornalistas da época deveriam ter um reconhecimento?


PPB- Não. Eu só acho que cada um de nós exerceu a sua profissão. Se nós estávamos no rádio ou no jornal, nós tínhamos que empenhar a nossa atividade sem reconhecimento nenhum. Nós exercemos a nossa profissão, tivemos a felicidade de estar lá de modo que só isso cumpriu a nossa tarefa. O jornalista é aquele que está presente em determinados fatos mas não tem a menor importância pra história.

VSP- Pra gente fechar seu Paulo, o que o senhor acha que fica da Copa de 58? Dessas pessoas, do Paulo Machado que foi grande amigo do senhor.


PPB- Fica o exemplo de que o Brasil pode sim. Como eu digo no título do filme: “1958 foi o ano em que o mundo conheceu o Brasil”. Então é isso. Fica a certeza que naquele instante o mundo passou a conhecer um país que até então era fracassado. Á partir daí se sucederam os títulos e não sei daqui pra frente como será, porque eu vejo o futebol europeu muito evoluído. Ao mesmo tempo, nós estamos aqui organizando uma Seleção Brasileira somente com valores que jogam na Europa. Eu não sei se isso está certo.

3 comentários:

David da Silva disse...

Caro Matheus,
nem lí a entrevista e já gostei. Vou imprimi-la para saborear no ônibus na viagem que farei amanhã.
Aproveito a passada por aqui para te parabenizar pelo prêmio citado na postagem anterior.
O que o Fausto escreveu sobre você e o seu trabalho, é tipo texto de abertura de abaixo-assinado: não há quem se recuse a endossar.
Dá orgulho a gente ser seu amigo. Dá prazer a gente acompanhar suas reportagens.
Feliz 2011 pro legendário Paulo Planet Buarque.
Só um garimpeiro de preciosidades nacionais feito o Matheus para nos dar este presente raro na pssagem do ano.

Bernardo Schmidt disse...

Matheus, excelente trabalho! Entrevista interessante, detalhada, que explorou com inteligência a experiência semi-secular do Planet. Muito bom!

Francisco J.Oliveira disse...

Lí a entrevista e voltei ao passado,matei a saudade. Foi uma época fantástica.Hoje com 70 anos de idade e ainda apaixonado pelo futebol,rever o Paulo nessa entrevista foi muito bom.Parabéns pela materia Matheus.