Abril de 2012. O
pessoal da Boca do Lixo de São Paulo estava em festa. O realizador Mário Vaz
Filho apresentou seu novo curta-metragem (A
Mulher Barata) protagonizado pela atriz Débora Muniz. Pouco depois da
exibição, os papos se prolongam num bar anexo ao Pessoal do Faroeste. Nesse interim,
converso rapidamente com o diretor sobre esse trabalho. Marinho ficou famoso
por dirigir diversos clássicos do pornô brasileiro nos anos 1980 como Um
Pistoleiro Chamado Papaco, Abre as Pernas, Coração e A
Dama de Paus. Sarcástico e explosivo, Marinho é do tipo de entrevistado que não foge
das perguntas. Confiram o papo que tive com ele.
Violão,
Sardinha e Pão- Como surgiu a ideia desse curta?
Mário Vaz Filho- Eu sou
fã do Kafka. Mas isso eu fiz uma brincadeira né? Uma brincadeira porque eu
achei que o barato era uma mulher barata de cobrar barato. As características na
minha opinião...relendo eu percebi que dava pra fazer uma brincadeira em cima.
VSP-
Como foi trabalhar com a Débora Muniz mais uma vez?
MVF- Só teria feito o
filme se ela pudesse. Tenho uma certa liberdade com ela pra trabalhar. Eu achei
que a personagem tinha que ter certa disponibilidade de ficar pelada, aquelas
coisas todas. Hoje tem uma certa cabreragem em relação a isso. Encontrei com
ela num evento e falei o que ia ser. Ela topou, escrevi o roteiro. Fiz algumas
mudanças...eu não sabia como fazer a barata. Mas o Ciambra (Antônio Ciambra,
diretor de fotografia) falou que ele ia resolver o problema. Com essas duas
coisas resolvidas, eu já tinha falado com o Diomédio (Diomédio Piskator,
produtor). Ele achou legal a ideia do curta. Esse filme irá entrar num longa de
cinco episódios. O Diomédio produziu, foi um parceiro muito importante. Cuidou
de toda parte da produção. A gente juntou os amigos e a coisa aconteceu.
VSP-
Quais são seus próximos projetos na área?
MVF- Eu tenho dois
projetos aprovados pela lei mas é difícil de arrumar. Estou com um parceiro
como captador de recursos. Um projeto é ficção e outro é documentário. O
documentário é sobre água baseado num livro. Esse gênero não é o muito meu
esquema...prefiro ficção. Mas acho que vou partir pra essa porque não dependo
de ator. Não que eu não goste de ator. Mas hoje é meio complicado. Querem gente
global, quer isso, aquilo. Se você não tiver certo entrosamento com esse
pessoal começa a inviabilizar os projetos.
VSP-
Dos seus filmes, qual é o preferido?
MVF- Não sei...filme é
como filho. Lógico que alguns estão com mais problemas. Outros menos. Mas é
difícil né? Ultimamente tenho feito somente curta-metragem mas a maioria eu
gosto. Não vejo outra forma de fazer dentro da proposta. Não posso dizer gosto
mais desse, gosto mais daquele. Gosto muito do Autofagia, um filme pouco visto. O que eu fiz com as crianças
também em Sorocaba.
VSP-
O seu filme Um Pistoleiro Chamado Papaco
continua fazendo muito sucesso na Internet. O que você acha disso?
MVF- Eu acho...fazer o
quê?
VSP-
É verdade que você está escrevendo um livro de memórias sobre o Cinema da Boca?
MVF- O livro está
praticamente pronto. Estou dando os retoques finais pra ver como vou poder
viabilizar com alguma editora. Mas o trabalho está concluído e fala sobre os
mais de 40 longas-metragens que eu trabalhei. Falta somente o acabamento final,
colocar as fotos. Mas a mão-de-obra pesada está feita. Falta os retoques. Cada
vez que eu pego mudo alguma coisa. De uma certa forma, está pronto.
VSP-
Você foi assistente de muita gente na Boca: Kopesky, Ody, Toninho, Jean. Qual
foi o mais importante pra você?
MVF- Jean Garrett. Não
digo que ele seja o meu mestre, mas foi o cara que eu me senti melhor
trabalhando. O pouco que eu sei aprendi muito com ele. Ele era como um irmão
pra mim. Dois caras da Boca que eram como irmãos pra mim: ele e o Cláudio
Portioli (diretor de fotografia). Tive outros grandes amigos. Mas esses eram
amigos da gente ficar juntos todos os dias.
VSP-
No livro vai ter muitas histórias sobre o Jean?
MVF- Claro. Isso vai
ter. Tudo aquilo que você queria me perguntar vai estar no livro.
VSP-
Só pra sintetizar Marinho: a Boca foi uma faculdade pra você?
MVF- Isso é conversa.
Que papo furado é esse? Não tem faculdade. Cinema é aquilo, o cara aprende. Faz
ou não faz, sabe ou não sabe. O Plínio Marcos é que falava um negócio legal: “Não
tem escola pra artista”. Embora eu não me considere artista. O cara pode
aprimorar, adquirir conhecimento. Mas ou você tem aquela coisa de saber fazer
ou não tem. Se ele não tiver, não adianta Boca, não adianta porra nenhuma. Não
é qualquer um que pode chegar e falar: “Eu vou dirigir um filme”. Lógico que a
Boca foi uma escola. Aí você vai sacando as coisas. Mas eu acho que o teatro
foi. É uma somatória de coisas que a gente tem e depois tenta colocar. Ou sabe
ou não sabe.
VSP-
O que você acha do cinema brasileiro atual?
MVF- Eu tenho visto
pouco. Não tenho visto com a intensidade que eu gostaria. Ás vezes falta de
tempo, falta de saco. Uma série de coisas. Mas dos últimos que eu vi...o que eu
gostei foi o Cama de Gato. Um filme
barato, feito meio na raça sem muito nhem nhem nhem. Eu gosto do Tropa de Elite, mais do primeiro que do
segundo. Gosto do Carandiru, Cidade de Deus. Mas eu não poderia falar
porque muitas coisas boas eu não vi. Vi algumas coisas em DVD e muitas eu não
gosto. Mas eu teria que ter um tempo pra raciocinar em cima.
VSP-
Você acha que ainda existe muito preconceito contra os cineastas que eram da
Boca?
MVF- Lógico que existe.
Existe muito. Aquela velha coisa: “Será que eles vão colocar o dinheiro no
bolso? Será que eles vão fazer?”. Uma coisa é certa: bem ou mal, a gente
aprendeu a fazer cinema com muito pouco. Já pensou eu com dois, três pau na
minha mão vão falar: “O cara vai colocar metade do dinheiro no bolso e ainda
vai fazer um filme legal”. Esse filme não custou nada. Sabe o que esse filme
custou? Foram três almoços. Tá certo: o pessoal colaborou, não ganhou. Se o
produtor pagasse todo mundo seria uns 50 mil. Sobre a Boca...o pessoal de
faculdade curte muito. Quer levar a gente toda hora pra ir falar...
VSP-
Dar palestra...
MVF- Inclusive eu estou
com saco cheio disso. Estou querendo dar palestras mas recebendo. O que eu tinha fazer de
graça já fiz. Quem tinha que levar o meu já levou. Isso eu falo até pras
mulheres que deram pra mim. Ou me dá algum ou eu não vou. Agora se tiver algum
e algum legal. Senão, eu não vou. É aquela história: a Cacilda Becker colocou
no teatro dela: “Não me pessa de graça a única coisa que eu tenho pra vender”.
O que eu pra vender hoje é isso: a minha experiência, o que eu participei. Por
quê eu vou dar de graça isso? Sendo que os negos cobram. Quem quiser
compartilhar com isso vai ter que pagar. Senão, eu fico no bar jogando conversa
fora com os meus amigos. Aí sim eu posso fazer de graça.
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