domingo, 7 de julho de 2013

“Essa história de dizerem que a Boca foi faculdade é papo furado”



Abril de 2012. O pessoal da Boca do Lixo de São Paulo estava em festa. O realizador Mário Vaz Filho apresentou seu novo curta-metragem (A Mulher Barata) protagonizado pela atriz Débora Muniz. Pouco depois da exibição, os papos se prolongam num bar anexo ao Pessoal do Faroeste. Nesse interim, converso rapidamente com o diretor sobre esse trabalho. Marinho ficou famoso por dirigir diversos clássicos do pornô brasileiro nos anos 1980 como Um Pistoleiro Chamado PapacoAbre as Pernas, Coração e A Dama de Paus. Sarcástico e explosivo, Marinho é do tipo de entrevistado que não foge das perguntas. Confiram o papo que tive com ele.



Violão, Sardinha e Pão- Como surgiu a ideia desse curta?



Mário Vaz Filho- Eu sou fã do Kafka. Mas isso eu fiz uma brincadeira né? Uma brincadeira porque eu achei que o barato era uma mulher barata de cobrar barato. As características na minha opinião...relendo eu percebi que dava pra fazer uma brincadeira em cima.



VSP- Como foi trabalhar com a Débora Muniz mais uma vez?



MVF- Só teria feito o filme se ela pudesse. Tenho uma certa liberdade com ela pra trabalhar. Eu achei que a personagem tinha que ter certa disponibilidade de ficar pelada, aquelas coisas todas. Hoje tem uma certa cabreragem em relação a isso. Encontrei com ela num evento e falei o que ia ser. Ela topou, escrevi o roteiro. Fiz algumas mudanças...eu não sabia como fazer a barata. Mas o Ciambra (Antônio Ciambra, diretor de fotografia) falou que ele ia resolver o problema. Com essas duas coisas resolvidas, eu já tinha falado com o Diomédio (Diomédio Piskator, produtor). Ele achou legal a ideia do curta. Esse filme irá entrar num longa de cinco episódios. O Diomédio produziu, foi um parceiro muito importante. Cuidou de toda parte da produção. A gente juntou os amigos e a coisa aconteceu.



VSP- Quais são seus próximos projetos na área?



MVF- Eu tenho dois projetos aprovados pela lei mas é difícil de arrumar. Estou com um parceiro como captador de recursos. Um projeto é ficção e outro é documentário. O documentário é sobre água baseado num livro. Esse gênero não é o muito meu esquema...prefiro ficção. Mas acho que vou partir pra essa porque não dependo de ator. Não que eu não goste de ator. Mas hoje é meio complicado. Querem gente global, quer isso, aquilo. Se você não tiver certo entrosamento com esse pessoal começa a inviabilizar os projetos.



VSP- Dos seus filmes, qual é o preferido?



MVF- Não sei...filme é como filho. Lógico que alguns estão com mais problemas. Outros menos. Mas é difícil né? Ultimamente tenho feito somente curta-metragem mas a maioria eu gosto. Não vejo outra forma de fazer dentro da proposta. Não posso dizer gosto mais desse, gosto mais daquele. Gosto muito do Autofagia, um filme pouco visto. O que eu fiz com as crianças também em Sorocaba.



VSP- O seu filme Um Pistoleiro Chamado Papaco continua fazendo muito sucesso na Internet. O que você acha disso?



MVF- Eu acho...fazer o quê?



VSP- É verdade que você está escrevendo um livro de memórias sobre o Cinema da Boca?



MVF- O livro está praticamente pronto. Estou dando os retoques finais pra ver como vou poder viabilizar com alguma editora. Mas o trabalho está concluído e fala sobre os mais de 40 longas-metragens que eu trabalhei. Falta somente o acabamento final, colocar as fotos. Mas a mão-de-obra pesada está feita. Falta os retoques. Cada vez que eu pego mudo alguma coisa. De uma certa forma, está pronto.



VSP- Você foi assistente de muita gente na Boca: Kopesky, Ody, Toninho, Jean. Qual foi o mais importante pra você?



MVF- Jean Garrett. Não digo que ele seja o meu mestre, mas foi o cara que eu me senti melhor trabalhando. O pouco que eu sei aprendi muito com ele. Ele era como um irmão pra mim. Dois caras da Boca que eram como irmãos pra mim: ele e o Cláudio Portioli (diretor de fotografia). Tive outros grandes amigos. Mas esses eram amigos da gente ficar juntos todos os dias.



VSP- No livro vai ter muitas histórias sobre o Jean?



MVF- Claro. Isso vai ter. Tudo aquilo que você queria me perguntar vai estar no livro.



VSP- Só pra sintetizar Marinho: a Boca foi uma faculdade pra você?



MVF- Isso é conversa. Que papo furado é esse? Não tem faculdade. Cinema é aquilo, o cara aprende. Faz ou não faz, sabe ou não sabe. O Plínio Marcos é que falava um negócio legal: “Não tem escola pra artista”. Embora eu não me considere artista. O cara pode aprimorar, adquirir conhecimento. Mas ou você tem aquela coisa de saber fazer ou não tem. Se ele não tiver, não adianta Boca, não adianta porra nenhuma. Não é qualquer um que pode chegar e falar: “Eu vou dirigir um filme”. Lógico que a Boca foi uma escola. Aí você vai sacando as coisas. Mas eu acho que o teatro foi. É uma somatória de coisas que a gente tem e depois tenta colocar. Ou sabe ou não sabe.



VSP- O que você acha do cinema brasileiro atual?



MVF- Eu tenho visto pouco. Não tenho visto com a intensidade que eu gostaria. Ás vezes falta de tempo, falta de saco. Uma série de coisas. Mas dos últimos que eu vi...o que eu gostei foi o Cama de Gato. Um filme barato, feito meio na raça sem muito nhem nhem nhem. Eu gosto do Tropa de Elite, mais do primeiro que do segundo. Gosto do Carandiru, Cidade de Deus. Mas eu não poderia falar porque muitas coisas boas eu não vi. Vi algumas coisas em DVD e muitas eu não gosto. Mas eu teria que ter um tempo pra raciocinar em cima.



VSP- Você acha que ainda existe muito preconceito contra os cineastas que eram da Boca?



MVF- Lógico que existe. Existe muito. Aquela velha coisa: “Será que eles vão colocar o dinheiro no bolso? Será que eles vão fazer?”. Uma coisa é certa: bem ou mal, a gente aprendeu a fazer cinema com muito pouco. Já pensou eu com dois, três pau na minha mão vão falar: “O cara vai colocar metade do dinheiro no bolso e ainda vai fazer um filme legal”. Esse filme não custou nada. Sabe o que esse filme custou? Foram três almoços. Tá certo: o pessoal colaborou, não ganhou. Se o produtor pagasse todo mundo seria uns 50 mil. Sobre a Boca...o pessoal de faculdade curte muito. Quer levar a gente toda hora pra ir falar...



VSP- Dar palestra...



MVF- Inclusive eu estou com saco cheio disso. Estou querendo dar palestras mas recebendo. O que eu tinha fazer de graça já fiz. Quem tinha que levar o meu já levou. Isso eu falo até pras mulheres que deram pra mim. Ou me dá algum ou eu não vou. Agora se tiver algum e algum legal. Senão, eu não vou. É aquela história: a Cacilda Becker colocou no teatro dela: “Não me pessa de graça a única coisa que eu tenho pra vender”. O que eu pra vender hoje é isso: a minha experiência, o que eu participei. Por quê eu vou dar de graça isso? Sendo que os negos cobram. Quem quiser compartilhar com isso vai ter que pagar. Senão, eu fico no bar jogando conversa fora com os meus amigos. Aí sim eu posso fazer de graça.

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