segunda-feira, 14 de outubro de 2013

“Não tenho visto filmes. Insistem para que eu volte a dirigir”



São 12 longas-metragens como diretor. Aos 71 anos, Braz Chediak construiu uma obra emblemática dentro do cinema brasileiro. O realizador dirigiu comédias (como Os Mansos e Banana Mecânica) e algumas das mais audaciosas adaptações da obra de dramaturgos polêmicos como Plínio Marcos (Navalha na Carne) e Nelson Rodrigues (Bonitinha, mas Ordinária). “Nelson era nosso Shakespeare”, relembra. Atualmente, o diretor está afastado do meio cinematográfico. Ele mora em Três Corações, sudoeste de Minas Gerais, onde comanda uma banda e um projeto de teatro para crianças carentes. “Alguns atores e atrizes, quando os encontro, insistem para que eu volte a dirigir. Ainda hoje recebi o convite de um velho ator pra dirigir um filme que ele quer fazer”.

Recentemente, o realizador estreou como escritor publicando um romance policial (Cortina de Sangue- Uma Aventura de Popeye, publicado pela editora Mirabolante em 2007). Bastante gentil, Braz Chediak conversou comigo com enorme generosidade.  

Violão, Sardinha e Pão- No início de carreira, senhor trabalhou com um diretor muito injustiçado na história do cinema brasileiro chamado Aurélio Teixeira. O que o senhor se lembra dele como amigo e realizador?

Braz Chediak- O Aurélio era um ótimo diretor, tanto de imagens como de atores (ele também era excelente ator). Conhecia tudo de cinema: da maquiagem à fotografia, montagem, etc. Foi um grande aprendizado. Como homem, era querido por todos, um ser humano maravilhoso. Fizemos muitos filmes juntos, eu trabalhava como seu roteirista, assistente de produção, assistente de direção, assistente de montagem, etc., etc.


VSP - De todos os seus filmes como diretor, existe algum preferido?

BC- A crítica sempre elogiou muito o Navalha na Carne que foi, também, sucesso de público. Eu, particularmente, não vejo nenhum de meus filmes. Fiquei irritado quando vi que os produtores, para encaixá-los em horário de TV, cortaram muito, eliminaram cenas que eram importantes, transformaram um trabalho sério num emendado de sequências.


VSP- O senhor dirigiu muitos longas-metragens para diversos produtores. Mesmo assim, acredita que conseguiu deixar sua marca nos seus filmes?

BC- Creio que existe uma certa unidade nos filmes chamados “sérios”, assim como há certa unidade nas comédias. Nunca me indaguei sobre isto.


VSP- Como era trabalhar com o produtor e ator Jece Valadão? Ele respeitava o seu trabalho?

BC- O Jece, ao contrário do que pensam, era um homem tímido. Não tinha uma cultura vasta mas era muito inteligente. Como nos encontrávamos diariamente, vi ele passar por cima de muitos diretores. A mim, me escutava, respeitava. Em Quelé do Pajeu, dirigido pelo Anselmo Duarte, ele pediu que eu fosse para Itu, onde o filme estava sendo rodado, para ensaiá-lo (escondido do Anselmo, é claro), pois confiava muito em mim como diretor. Como já disse, encontrávamos todos os dias e eu opinava em suas produções, mesmo em filmes dirigidos por outros. E ele, quase sempre, acatava meus palpites.Só em Dois Perdidos Numa Noite Suja é que me forçou a sonorizar o filme em seu estúdio, que era uma grossa porcaria. E lançou mal o filme. Por isto me afastei dele e não mais aceitei seu convite para fazer outro trabalho. Mas sempre o considerei um ótimo ator.


VSP- O senhor dirigiu algumas comédias (como Banana Mecânica e Os Mansos) tidas como pornochanchadas. Isso incomodou o senhor?

BC- Este foi um rótulo criado para denegrir os filmes que tinham bilheteria. Creio que foi forjado por algum crítico pago pelos americanos. As comédias brasileiras eram amadas por seu público e tomavam lugar dos filmes americanos. E o Brasil era a 5ª maior bilheteria do mundo. Foi a repetição das comédias da Atlântida, que chamavam de CHANCHADAS. Chancho vem de porco, em espanhol. CHANCHADA, então, queria dizer porcaria.  Hoje são Cults. Mas isto é natural nos países subdesenvolvidos. Mas eu não reconhecia, nos críticos da época, nenhuma cultura. Por isto não me incomodava.


VSP- Foram três filmes dirigidos pelo senhor baseados na obra do dramaturgo Nelson Rodrigues. Como foi essa convivência com um nome importante das artes brasileiras como ele?

BC- NELSON RODRIGUES era nosso Shakespeare. O maior dramaturgo brasileiro de todos os tempos. Como ser humano era um santo. Ouvi-lo, conversar com ele, conviver, era um prazer inenarrável. Até  hoje tenho ligação com a família dele, falo quase sempre com o Nelsinho, com a Crica (sua neta) e com o Sacha (Nelson Rodrigues Neto).  Me sinto privilegiado de ter convivido tão de perto com o Nelson e até hoje sinto saudades dele. Foi um mestre e um pai. Amava e amo Nelson Rodrigues, o gênio da raça.


VSP- O senhor dirigiu algumas vezes o ator Wilson Grey, profissional recordista de presença em filmes nacionais. O senhor se lembra alguma história curiosa sobre ele? Como era dirigi-lo?

BC- Não dirigi o Wilson Grey. Em Bonitinha, Mas Ordinária ele faz uma ponta. O tipo de interpretação dele era diferente das dos atores com quem eu trabalhava.


VSP- Militando no cinema carioca, o senhor chegou a conhecer o centro cinematográfico local, o Beco da Fome? Como era esse ambiente?

BC- O Beco era uma ruazinha pequena na Cinelândia que, por ter algumas firmas que vendiam material cinematográfico, era frequentado por gente do cinema, teatro, circo, etc. Sobre o Beco eu narrei em Braz Chediak- Fragmentos de Uma Vida (biografia publicada pela Coleção Aplauso da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo) algumas curiosidades. Tinha outro Beco da Fome em Copacabana, na Prado Júnior que era frequentado mais por músicos. Eu também ia lá com frequência pois tinha alguns botecos com um bom tira-gosto para as madrugadas.


VSP- Por quê o senhor decidiu morar em Três Corações?

BC- Quando me afastei do cinema resolvi morar em Três Corações porque sou daqui, nasci aqui. E ainda tinha aquele sonho mineiro de “criar galinha caipira, etc”. Minha família morava aqui e seria bom para meu filho (Yassír Chediak – hoje cantor e compositor) ter esse contato familiar, já que eu havia me separado de minha mulher na época e a mãe dele não estava no Rio. Hoje eu tenho dois projetos aqui: uma banda com 45 crianças carentes e um projeto de teatro, também com crianças carentes. Daqui já saiu uma jovem que fez a peça Clandestinos, direção de João Falcão durante uns dois anos, fez o especial da Globo, novela na Globo, etc., etc. e outra que está fazendo teatro no Rio. Enfim, são dois projetos que dão certo.


VSP- Qual é a sua opinião sobre o cinema brasileiro atual? O senhor continua acompanhando os lançamentos?

BC- Não tenho visto filmes. Prefiro a literatura. Aliás, quando ainda estava dirigindo, fiquei preocupado porque não ia ao cinema há uns 5 anos. Então, li uma entrevista do Fellini dizendo que há 30 anos ele não ia ao cinema, e outra do Ruy Guerra falando a mesma coisa.


VSP- Recentemente, o senhor publicou um romance policial (Cortina de Sangue- Uma Aventura de Popeye). Pretende seguir carreira como escritor?

BC- Os dois projetos me tomam muito tempo e, como tenho 71 anos, já estou começando a me cansar. E o livro papel também está em crise, as editoras estão se reestruturando para o livro digital. Mas pode ser que eu escreva outro romance ainda este ano, ou faça uma antologia de contos ou crônicas que já estão escritos(as).


VSP- O senhor continua tendo projetos para a área cinematográfica?

BC- Não tenho projetos. O Nelsinho (filho do Nelson Rodrigues) me convidou para fazer um trabalho sobre um texto do pai. Alguns atores e atrizes, quando os encontro, insistem para que eu volte a dirigir. Ainda hoje recebi o convite de um velho ator pra dirigir um filme que ele quer fazer.  Meu filho também insiste para que eu volte a filmar. Ele é músico, cantor e ator e quer trabalhar comigo. Mas, por enquanto, não tenho tempo. Para sair de Três Corações, por período longo, teria que abandonar os projetos, o que significa matar os sonhos de 75 crianças carentes que são verdadeiros artistas, talentosos, com grande potencial.

Um comentário:

Anônimo disse...

Grande Braz Chediak, sou fã do seu trabalho