sábado, 12 de outubro de 2013

Memórias de um Cafajeste- parte X: Opiniões sobre a Embrafilme


                   
Por Jece Valadão

Quando a Embrafilme foi fundada, eu fui um dos primeiros produtores a ser chamado para participar como sócio, comprando cotas.

Era uma época de ditadura. Como eu não era comunista, fui logo chamado.

Nunca fui de direita, mas não era comunista.

Figueiredo
O fato de eu ter amigos como o ex-presidente Figueiredo também colaborou para a discriminação do pessoal do Cinema Novo em relação a mim.

Aconteceu que eu conheci o Figueiredo antes de ele ser presidente.

Nunca vi motivos para deixar de ser amigo dele.

Ameaça americana
Por causa das minhas idas à Brasília para defender o cinema nacional, tive a oportunidade de falar com quatro presidentes.

Sempre acontecia a mesma coisa. O presidente se assustava com o que a gente falava – como, por exemplo, que o negativo pagava mais imposto do que o filme pronto que vinha de fora – mas quando ele estava se preparando para tomar alguma atitude, chegava o representante do cinema americano e ameaçava com o corte de importação do café ou de outro produto que o Brasil estivesse exportando para os Estados Unidos.

Reivindicações
O objetivo das nossas conversas com os presidentes era sempre o mesmo: uma lei que permitisse a formação de uma indústria de cinema nacional

Resultados
Depois de muita luta, conseguimos uma reserva de mercado. A lei existe até hoje, mas ninguém cumpre mais.

Cabide de empregos
A finalidade da Embrafilme, quando foi criada, era incentivar e prestigiar a indústria de cinema nacional, com recursos advindos das taxas cobradas sobre os filmes americanos exibidos aqui no Brasil.

Na razão direta em que a produção brasileira fosse crescendo, automaticamente iria diminuindo também a arrecadação sob o filme estrangeiro.

A ideia era que com o tempo, ao fortalecer a produção nacional, a Embrafilme acabasse.

Só que não foi isso que aconteceu. Pelo contrário, a Embrafilme acabou virando um cabide de empregos deixando de lado, inclusive, o interesse em desestimular a entrada do filme americano no Brasil.

PROTECIONISMO NORTE-AMERICANO
O cinema americano é protegido pela mídia e por interesses muito poderosos. É no bojo do cinema que vem a música americana, o costume americano, o carro, o chiclete...

Por causa disso, a postura do cinema americano sempre foi de domínio.

Postura de domínio
Para manter o mercado funcionando, o Brasil consumia quatrocentos filmes por ano.

Na época, nós produzíamos cerca de cem filmes por ano, portanto o mais justo seria o governo permitir a importação de no máximo trezentos filmes estrangeiros.

Mas o que acontecia era bem diferente. Importávamos seissentos, setessentos filmes por ano, sobrando produto. O melhor, a oferta era maior do que a procura.

Pressão
O resultado disso era que o exibidor, que é um comerciante, obviamente preferia programar filmes americanos, que já vinham com um grande apoio da mídia.

A imprensa brasileira era a primeira a divulgar o cinema americano, pressionada pelas empresas americanas que ameaçavam parar de anunciar nos jornais, revistas e TVs.

Quer dizer, todos eles estavam unidos no sentido de exibir o cinema americano no Brasil e acabar com o cinema nacional.

Isso porque o cinema brasileiro já estava começando a fazer frente ao filme americano no nosso mercado.

Lucro fácil
Além de todo o apoio da mídia, o filme americano também já chegava aqui pago e com lucro.

Como o que ganhasse aqui já seria lucro extra, o distribuidor americano oferecia o filme praticamente de graça para o exibidor.

Foi dessa situação absurda que teve início a nossa luta pela reserva de mercado.

Representante americano
Qualquer reivindicação dos cineastas brasileiros repercurtia imediatamente nos Estados Unidos.

Eles não eram bobos, não. A Associação dos Produtores Americanos pagava um sujeito, o Harry Stone, para representar os interesses deles aqui no Brasil.

O interesse era tão grande que ele, que não era muito chegado ao sexo feminino, chegou até a se casar com uma brasileira.

CINEMA BRASILEIRO HOJE
A saída do cinema brasileiro hoje são as grandes produções.

Não acredito mais na produção em ritmo industrial; o fime brasileiro tem que ser pensado para atingir o mercado exterior. Como está acontecendo com filmes como O Cangaceiro, Tieta do Agreste, O Quatrilho...

Em vez de muitas produções, vamos fazer uma média de apenas dez filmes por ano. Mas filmes que tenham condições de despertar interesse no mundo todo.

Divulgação
O cinema nacional é discriminado sem culpa.

O Brasil sempre foi um importador de filmes; de repente nas décadas de 60 e 70 começou a ser produtor.

Só que o país não se preparou para ser um produtor de cinema. Todas as leis eram direcionados ao filme que vinha pronto.

Trailer
Existia uma lei, por exemplo, que proibia você de exibir um trailer antes de o filme estar pronto. A censura só dava o certificado para o trailer se a cópia estivesse junto. E isso ficou valendo também para o filme nacional.

Consequentemente, você não podia promover seu filme no cinema onde ele seria exibido.

Já o filme americano, que vinha pronto, podia ser divulgado à vontade.

Qualidade do som
Além disso tinha o problema da qualidade dos equipamentos das salas de exibição. O som era péssimo, mas como as fitas americanas tinham legenda, ninguém notava.

Quando as pessoas tiveram que prestar atenção nos diálogos dos filmes nacionais, se assustaram.

As salas tinham os piores equipamentos do mundo.

A EXPERIÊNCIA DO FILME AMERICANO
O hábito de assistir filmes americanos com legenda também prejudicou muito o crescimento do cinema nacional.

Como o brasileiro não fala nem português, quanto mais inglês, quando ele via um filme com legendas era como se estivesse assistindo uma história de quadrinhos. O cara lia a legenda e quando ia ver a cena, já tinha outra legenda. E ficava nesse vai-e-vem a projeção inteira.

De acordo com o estado de espírito do cara, ele julgava aquele filme.

Ele via um filme dois filmes, dez filmes americanos.

Aí, de repente, ele é apanhado de surpresa por um filme brasileiro. Apagam-se as luzes e não tem legenda. De cara, ele já leva um susto.

Sem o empecilho da legenda, o cara liberta todos os seus sentidos: auditivo, visual, tudo.

Em consequencia, ele começa a ver o filme de uma forma totalmente diferente: em toda a sua plenitude.

Aí ele percebe que o som é ruim.

Por quê? Porque não tem acústica, porque o alto-falante está rachado.

Ele começa a ver a fotografia esmaecida.

Por quê Porque a projeção é ruim, a lente está suja, a tela está imunda.

E, ainda, não tendo que ler a legenda, pela primeira vez ele se depara com um filme na sua totalidade.

Enfim, ele vê todos os defeitos que não vê no filme americano; porque se ele se libertasse também no filme americano, veria defeitos também.

É verdade que menos defeitos, porque o cinema americano era e é melhor que o nosso. Mas também tem defeitos.

Julgamento
Outra coisa muito comum era o julgamento que o cara fazia do filme.

Ele via um filme americanizado; se não gostasse, dizia que aquele filme era ruim.

Já quando não gostava de um filme brasileiro, o cara culpava de cara todo o cinema nacional.

Saía alardeando contra toda a produção brasileira.

O público brasileiro
Graças a Deus essa dominação americana está acabando.

O brasileiro está começando a ter auto-estima; está aprendendo a exigir os seus direitos.

Cinema na TV
Você não consegue vender filme brasileiro para a Globo. A Globo acha melhor importar qualquer porcaria americana.

Originalmente publicado em: VALADÃO, Jece. Memórias de Um Cafajeste. São Paulo: Geração Editorial, 1996.

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