terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Boca caipira: E a Vaca Foi Pro Brejo

Os dois viveram juntos durante 42 anos de casamento. Cantaram juntos durante 41 anos. E juntos eles gravaram 32 LPs, mais uma infinidade de outros discos.

A VIDA DE CASCATINHA AGORA SEM INHANA


Ficou a certeza de que não haverá parceira de dupla como foi Inhana. Mas não há desespero na saudade de Cascatinha. “A vida tem que seguir em frente”, afirma ele.

Reportagem e fotos: Eliana Ferrer

Não fossem as amarguras do destino, a veterana dupla Cascatinha e Inhana teria lançado nesse mês seu 33º LP pela gravadora Continental. Infelizmente, isso não foi possível. Depois de 42 anos de casados com muito amor, respeito e admiração, 41 anos de carreira artística, Francisco dos Santos (que quando menino recebeu o apelido de Cascatinha porque fugia da escola para tomar gostosos banhos de cachoeira na Fazenda Cascata, em Araraquara) e Ana Eufrosina da Silva Santos (que em Araras, sua cidade natal, passou a ser chamada carinhosamente de Inhana) se separaram para sempre. Desde o dia 11 de junho do ano passado, Cacatinha está sem sua querida companheira: Deus a levou pra bem longe daqui, talvez para cantar lá nos Céus.

- Como me faz falta a minha amada Inhana, excelente esposa, artista, mãe e mulher exemplar nas horas tristes e alegres – desabafa Cacatinha. Sinto saudades das nossas viagens, dos nossos shows, das nossas pescarias, dos nossos diálogos, dos nossos momentos de amor...



Apesar de toda a dor, não há desespero na saudade de Cascatinha. No começo, foi um choque, ele tinha a impressão de que Inhana tinha ido fazer um passeio. Depois, com os meses se passando, foi caindo na realidade dura e cruel que lhe dava a certeza de que aquele passeio era sem volta.

- Hoje, sinto que a vida tem que continuar, com ela longe dos olhos, mas dentro do meu coração. Percebo que em tudo o que faço, Inhana está ao meu lado, me dando força para ir em frente, continuar o que juntos começamos.

Cascatinha não diz isso tudo á toa. Ele relembra até que, uma semana antes de sua morte, Inhana lhe falou assim: “Se um dia eu morrer, por favor, cuide de tudo, lute pelo nosso trabalho, é preciso viver”.

E é bem isso o que Cascatinha tem feito, graças à sua inabalável fé em Deus, muito talento e, segundo ele, ao enorme apoio que têm recebido da Continental, gravadora em que estava com Inhana há 32 anos e com quem tem contrato assinado por mais três anos.


Cascatinha continua sua luta pela carreira artística, pela música sertaneja, pelo público que sempre lhe foi fiel. E, pela primeira vez sem Inhana, acompanhado agora por um coral, está lançando um novo LP intitulado Canto com Saudade, onde reuniu em 12 faixas as canções que consagraram a dupla nessas quatro décadas e que tanto marcaram as gerações passadas, transformando-se em clássicos sertanejos de hoje.

- Todas as músicas são em homenagem a Inhana, letras que falam da minha solidão, da minha tristeza. E tenho certeza de que as pessoas que se acostumaram a ouvir a dupla nesses anos todos vão recordar com saudade a voz inesquecível de Inhana – explica.

O disco tem arranjos do “maestro caipira” Elcio Alves e traz composições famosas de José Fortuna (Solidão, Vai com Deus e Minha Oração), Motinha (Recordando), Alberto Conde (Sem Ela) além de Maringá de Joubert Carvalho, entre elas.


Com seus 62 anos, Cascatinha admite estar procurando por uma nova companheira. Mas, dentro do seu coração, leva uma certeza: jamais voltará a formar uma outra dupla.

- Inhanha foi uma só. Uma nova companheira seria apenas para ficar comigo, porque qualquer ser humano em boa companhia ter condições de ser feliz por mais tempo e seguir sobrevivendo.

E, antes que os boatos corram, ele faz questão de enfatizar que, apesar da procura, ainda continua sozinho, confessando-se estar apenas na fase da “pesquisa, do raio X, para saber das intenções femininas”.

Enquanto isso, Cascatinha segue morando no bairro do Ipiranga, em São Paulo, com seu filho Marcelo, de 25 anos, e a irmã de Inhana, Eufrosina, de 54 anos.


Esporadicamente, ele viaja pelo interior paulista para presidir o júri dos festivais de música sertaneja, organizados pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, prestigiando os novos valores que estão tentando um lugar ao sol. E, com toda sua experiência, não tem medo de afirmar:

- A música sertaneja nunca esteve tão bem como hoje e a tendência é que melhore ainda mais. Basta que as rádios abram sempre suas portas para que nossas raízes penetrem e que procurem entender que essa é a maneira mais fácil do público saber da singeleza, da pureza, do amor, da paz, dos nossos costumes, da própria cultura do povo.

E, revelando-se um grande admirador das duplas sertanejas mais recentes, entre elas Milionário e Zé Rico, Tião Carreiro e Pardinho e Cacique e Pajé, Cascatinha aproveita para dar alguns conselhos aos principiantes:



- É preciso respeitar o público, ter consciência de que pornografia tem hora, que todos nasceram de uma mulher e não devem vulgariza-la, já que não é pra isso que a música sertaneja existe. Em segundo lugar, sejam humildes porque da mesma forma que subiram, podem descer se forem orgulhosos e mal-intencionados. Ser artista é uma dádiva de Deus. 

Publicado originalmente na revista “Som do Sertão”, editora Abril, número 353A

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