Playboy entrevista
Carlos Castello Branco
Uma conversa franca com
o jornalista que já cobriu onze presidentes sobre humor, as fofocas e os
afrodisíacos do poder, imprensa e o que nunca pôde contar em sua coluna.
Neste mês de março,
enquanto toma posse o primeiro presidente da República eleito pelo voto direto
desde 1960, o Brasil se debruça sobre seu futuro político – e lança também um
longo olhar na direção do próprio passado, sobretudo as últimas décadas, quando
o poder mudou tantas vezes de mãos, em meio a crises e esperanças renovadas. Há
poucas pessoas mais credenciadas a refletir em cima desses dois planos do que o
jornalista Carlos Castello Branco. Como um dos mais importantes, articulados e
lidos jornalistas da história da imprensa brasileira, ele acompanhou o governo
de onze presidentes e assistiu pessoalmente à posse de nove deles.
Agora, aos 70 anos e
com 52 de jornalismo, Castelinho, como é conhecido por colegas e pelo mundo
político, está assistindo a investidura de um jovem que foi amigo de seu filho
mais velho: Fernando Collor de Mello, colega de juventude de Rodrigo, o
predileto de Castelinho, que morreu aos 25 anos, num estranho acidente de
automóvel.
Primeiro no Rio de
Janeiro e desde 1962 em Brasília, mas sempre nas vizinhanças dos gabinetes em
que são tomadas as decisões que realmente mexem com nossas vidas, ele
transformou-se numa instituição da imprensa. Tem garimpado com tanto empenho as
novidades da política que se tornou sua “Coluna do Castello” uma espécie de
Diário da Corte. Com exatas 75 linhas de 72 toques, ela é publicada diariamente
na nobre página 2 do Jornal do Brasil e por outros trinta jornais.
Sua coluna é leitura
obrigatória para quem pretende saber o que se passa na política brasileira.
Hoje, é certo, o autor já não corre tanto atrás da notícia. E nem precisa: a
notícia corre atrás dele, pela boca de amigos e conhecidos de todas as
tendências, que lhe telefonam passando informações exclusivas, fofocas,
análises e pequenas sacadas que costura com a manha de quem se diz vacinado
contra a sedução do poder – embora tenha sido um dos únicos amigos que o
presidente Sarney pôde contar na imprensa, nos últimos anos.
A constância e o faro
político fizeram Castelinho prever, pelas linhas e entrelinhas de sua coluna, a
crise e 1961, quando se aprovou a emenda parlamentarista, o AI5, semanas antes
de ser assinado, em dezembro de 1968, e até o destino trágico de Tancredo
Neves. Agora, ele imagina um governo Collor bem-sucedido, mesmo sem ocultar um
temor: o de que o novo presidente exagere no autoritarismo. O futuro dos
derrotados na última eleição é bem menos cor-de-rosa, segundo Castelinho, que
só salva um partido da vala comum: o Partido dos Trabalhadores, para quem
vislumbra um futuro importante.
Quando o editor
contribuinte de PLAYBOY Paulo Markun foi encontra-lo para o último round desta
longa entrevista, Castelinho tinha levado um longo tombo na escada da sucursal
do JB: confundiu-se na penumbra e caiu um lance de quinze degraus. Ficou cheio
de hematomas e fraturou o cotovelo esquerdo, mas no dia seguinte lá estava pela
manhã em sua sala, batucando a coluna.
Que ele é duro na
queda, não há dúvida: há dezoito anos, sofreu um enfarte violentíssimo – e sua
recuperação virou tese em congresso de medicina. Depois, enfrentou num hospital
de Houston, Texas, a mais alta dose de radioterapia que um ser humano pode
receber, para conter um câncer na nasofaringe. O tumor desapareceu, mas a
radioterapia queimou suas papilas gustativas, matou as glândulas salivares e,
de quebra, deixou-lhe um herpes renitente e sapinhos. Castelinho superou tudo e
hoje consegue manter conversas mais demoradas, à custa de goles de água e balas
de hortelã (para substituir a saliva). A dicção, que nunca foi boa, ficou quase
ininteligível. Quem supera essa barreira, porém, encontra o Castello da coluna,
e seu discurso ácido e bem-humorado, muito mais mordaz do que o do texto
marcado por uma mineirice incorporada nos anos de juventude.
Esse piauiense
atarracado é, na verdade, imortal: em 1983 foi eleito para a Academia
Brasileira de Letras. Tem apenas dois livros de ficção publicados, ambos
festejados pela crítica: o romance Arco do Triunfo e Continhos Brasileiros.
Inédito, guarda um depoimento que narra a trajetória do governo Jânio Quadros
vista por quem foi secretário de imprensa do presidente – e pretende deixar a
tesoura na gaveta enquanto os protagonistas daqueles episódios estiverem vivos.
Nesta entrevista a
PLAYBOY, realizada no Rio e em Brasília, falou sobre o que não escreve
habitualmente em sua coluna – histórias e bastidores do poder, com opiniões
muitas vezes surpreendentes sobre seus protagonistas e definições não raro
picantes a respeito de alguns de seus mais famosos colegas de profissão.
PLAYBOY-
Vamos começar por um assunto que está terminando- o governo Sarney. Qual a sua
avaliação sobre ele?
CARLOS CASTELLO BRANCO-
É, evidentemente, um governo insuficiente. Ele não estava preparado para ser
presidente. Era um político do Nordeste em cuja perspectiva de vida não
figurava essa hipótese. O acaso levou-o a ser vice-presidente e o presidente, a
morrer, tendo ele de assumir. Sarney herdou uma estrutura de governo muito
complexa, que foi montada para atender aos compromissos de campanha de Tancredo
numa complicada eleição indireta. O maior ônus do Sarney foi a herança de
Tancredo.
PLAYBOY-
Mas qual foi o maior defeito do governo Sarney?
CASTELLO- Sua falta de
experiência na gestão econômica, que fez com que ele fosse levado pelos
assessores que o aconselharam mal. Porque, politicamente, foi um governo
razoável. Ele chegou a seu desfecho com essa eleição fantástica, inédita em
termos de liberdade.
PLAYBOY-
Então a maior qualidade foi essa- a gestão política?
CASTELLO- Foi a tolerância
e a liberdade, condições básicas de qualquer sistema democrático.
PLAYBOY-
E o presidente Sarney, tem futuro?
CASTELLO- Pode ser
senador pelo Maranhão ou governador...É um bom político, de vocação
provinciana, muito ligado a sua terra.
PLAYBOY-
Vocês são amigos...
CASTELLO- Somos. E eu
sempre fui muito criticado por isso. O que vou fazer? Fiquei amigo der
frequentar a casa dele, e ele a minha, desde os tempos da bossa nova da UDN, no
Rio de Janeiro.
PLAYBOY-
Essa amizade foi atrapalhada pela presidência?
CASTELLO- Não, mas os
nossos colegas passaram a me olhar com muita desconfiança por causa disso. Como
o Sarney fez um governo muito impopular, teve rejeição da opinião pública,
entre jornalistas eu fui punido por ser seu amigo.
PLAYBOY-
Entre os leitores...
CASTELLO- Nunca. Eu
nunca escrevi como amigo do Sarney. Acho que não misturei. Só não usei contra
ele a má vontade que todo mundo da imprensa tem. Eu não gosto de política, mas
tenho muitos amigos políticos. Até o Villas Boas Corrêa (do Jornal do Brasil),
um ótimo jornalista, um grande repórter, que foi amigo do Sarney também, movido
pela opinião do Figueiredo contra o Sarney...Refletia isso nos artigos dele. Um
fato que deve ter sido muito arguido contra mim foi a nomeação da minha mulher
para o Tribunal de Contas da União. Há 25 anos, ela era procuradora-geral do
Tribunal de Contas do Distrito Federal. Entrou para o serviço público por
concurso e eu não pedi nada ao Sarney. Fiquei sabendo disso pelo Ulysses. Eu
não podia pedir ao Sarney para não nomear a minha mulher! Para mim foi
interessante ver um amigo na Presidência. Há contrapartida para tudo...Ele será
menos duramente julgado pela História.
PLAYBOY-
E se justifica a acusação de provincianismo que se faz ao presidente?
CASTELLO- Todos os
nossos presidentes, até hoje, foram basicamente provincianos. Eu assisti o
Jânio chegar ao poder, com um grupo de paulistas, gente muito boa, mas
basicamente provinciana, que não sabiam quem era quem no Brasil, não conhecia
os generais, os homens que tinham influência em Brasília e no Rio.
PLAYBOY-
E o senhor acha que nós podemos repetir essa experiência provinciana?
CASTELLO- Esse rapaz, o
Collor, nasceu no Rio, estudou em bons colégios, viveu no meio da classe
dirigente, passou a adolescência em Brasília, como filho de um senador, e seus
amigos da época são grandes empresários da cidade. Ele não é um provinciano.
PLAYBOY-
Os políticos que vieram com ele de Alagoas não são?
CASTELLO- São
extremamente provincianos, têm a ronha da província como se diz. Menos o Renan
Calheiros, que está no segundo mandato como deputado federal e é mais
preparado. E o irmão dele, Leopoldo, que vem de São Paulo e está afinado com a
classe dirigente.
PLAYBOY-
Mas antes de falar mais do governo Collor, vamos passar a limpo um fantasma que
parece estar ausente pelo menos do noticiário – o poder militar.
CASTELLO- É um poder
subjacente. Nossa República nasceu desse poder e foi por ele tutelada, sempre.
Tanto que o Collor não conseguiu criar um Ministério da Defesa, coisa que o
próprio Marechal Castello Branco tentou e não conseguiu concretizar...
PLAYBOY-
E o fim do SNI já foi assimilado?
CASTELLO- Acho que sim,
até porque o que a nós, civis, repugna, as fichas, essas existem nos organismos
de informação do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, até mais sofisticadas, e
ali nunca teremos acesso. Ficha, no Brasil, não é novidade. Em 1943, alguém me
disse que o DOPS tinha a minha ficha como comunista – coisa que eu nunca fui.
Então, até hoje deve ter uma ficha minha rolando por aí.
PLAYBOY-
Esse poder subjacente pode emergir novamente?
CASTELLO- Acho que
poderia, se o Lula fosse eleito. Os militares não iam assimilar. Iam dar posse,
mas depois começariam a gerar fatos...E o Lula poderia cair nas provocações, o
Jair Meneghelli, da CUT, fazendo suas greves malucas...
PLAYBOY-
Quer dizer, se o Lula tivesse ganho, iam começar as provocações?
CASTELLO- Iam surgir
fatos. Como o Lula não está preparado para isso, não tem a malícia do jogo
político, esse jogo é muito pesada para ele. E ele iria dar motivos para essa
coisa crescer.
PLAYBOY-
Mas o senhor não acha que o Lula evoluiu?
CASTELLO- Eu o conheci
em 1978, quando era presidente do Sindicato dos Jornalistas de Brasília e ele
esteve lá para alguns debates. Era muito competente como líder sindical. Era
prático para colocar os problemas de uma categoria num debate, levar a questão
até o ponto certo. Mas era muito ingênuo politicamente. Hoje está bem melhor,
mas ainda não está em condições. Ele tem aqueles grupos internos no PT que são
muito radicais. Eles não aceitam a convivência democrática. Para avançar, o
Lula precisa assimilar esse pessoal, deglutir essa turma...
PLAYBOY-
Quer dizer que o PT também tem lá seus sapos barbudos...
CASTELLO- Tem seus sapos
barbudos internos (risos). O próprio deputado José Genoíno aprendeu muito na
Câmara, na convivência. Não é mais o radical que era.
PLAYBOY-
Como é seu relacionamento com o Lula? Ele é sua fonte?
CASTELLO- Não. Hoje, o
número de jornalistas que é do PT é muito grande. Quando eu preciso saber
alguma coisa do PT pergunto para um colega (risos).
PLAYBOY-
E essa derrota do Lula é definitiva, vai tirá-lo do cenário?
CASTELLO- O Lula tem
uma chance extraordinária: o PT vai ser o segundo partido do país, nenhum outro
tem essa perspectiva. A votação do Lula foi quase uniforme em todo país, com
exceção do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, onde acabou beneficiado pelos
votos do Brizola. O PT vai ser um partido nacional. Com uma diferença: é o
primeiro partido de esquerda com base na classe trabalhadora, não é um partido
de elite como o PTB, criado pelo Getúlio Vargas para reduzir a influência dos
comunistas, ou como o próprio PC, formado por intelectuais. Acho que ele vai
ser muito útil para a vida democrática do país, vai ter um poder de barganha
muito grande.
PLAYBOY-
A experiência administrativa do PT nas prefeituras de capitais muda alguma
coisa?
CASTELLO- Não.
Trabalhador não pode governar um país. Nenhum país. Nenhum país tem trabalhador
no governo. Tem economista, bacharel, engenheiro...
PLAYBOY-
E o polonês Lech Walesa?
CASTELLO- Ele não é
presidente, não quis ser, sabe que não tem competência para ser. É um líder
sindical. E ele disse isso para o Lula!
PLAYBOY-
O senhor considera uma demonstração do subdesenvolvimento político um torneiro
mecânico aspirar à Presidência?
CASTELLO- Legalmente,
até pode ser. O Collor em si não é melhor do que o Lula, mas quando ele foi
eleito toda a inteligência do país correu a se oferecer. Economistas de todas
as escolas – ortodoxa, heterodoxa – estão oferecendo seus serviços, fazem
fóruns nacionais para servir ao Collor. O Lula não teria isso.
PLAYBOY-
Apesar disso, o senhor acha que o PT tem futuro. E qual o futuro político do
PMDB?
CASTELLO- O mesmo do
PTB, do PDS, da Arena...Vai acabar, vai minguar. Porque as tentativas de
expurgo nunca vão dar certo. Por acaso vão expurgar o Quércia, que não fez
campanha? O Quércia é o PMDB em São Paulo.
PLAYBOY-
O governador Orestes Quércia vai apoiar o Collor?
CASTELLO- Não vai
apoiar agora, porque não sabe se isso é bom ou ruim, diante do quadro eleitoral
deste ano. Mas também não pode assumir uma posição de esquerda, porque a
esquerda em São Paulo é o Lula, é o Covas. O Quércia tem que disputar a linha
conservadora em São Paulo, a linha que votou no Collor.
PLAYBOY-
Quer dizer que o PMDB tende a se transformar num partido de centro-direita?
CASTELLO- Ele já não
existe no Amazonas. No Pará, é residual. Acabou no Maranhão, no Piauí, no
Ceará, na Paraíba, em Sergipe. Na Bahia é conservador...Como é que esse partido
vai ser de esquerda? O Ulysses Guimarães cometeu um erro político infantil –
ele, um velho político, conservador, oriundo do PSD, da ditadura do Estado
Novo, resolveu ser o candidato da esquerda, impediu ministros de subir ao
palanque...Se ele ficasse com o Sarney também não se elegia, mas teria 10
milhões de votos! Se ficasse na faixa tradicional do partido, dos governadores,
teria tantos votos quanto o Lula ou o Brizola...
PLAYBOY-
E o que teria levado o doutor Ulysses a agir dessa maneira?
CASTELLO- Ilusão. O
Ulysses nunca disputou uma eleição majoritária. Sempre se elegeu deputado. E
quase sempre com uma votação medíocre, à exceção da última em que encarnou o
Senhor Diretas. Ele já queria ser o presidente quando o Tancredo se elegeu, mas
o Tancredo era muito mais habilidoso, muito melhor político...O Ulysses é um
homem sério, correto, mas é fraco politicamente. Ele se manteve no PMDB por
causa da articulação entre radicais e a massa do partido. Os radicais eram o
sal do partido e a massa era meio insossa. Cometeu outro erro político grave:
tentou dominar o Sarney, não conseguiu, ficou ressentido e levou o PMDB para a
oposição, depois de, na Constituinte, ter favorecido o projeto do mandato
presidencial de cinco anos. Aliás, nesse caso, o Sarney vem sendo culpado
injustamente. Até hoje, ninguém percebeu que ele não aumentou o seu salário, mas
diminuiu, de seis para cinco. E não por vontade própria, mas por imposição dos
militares achavam que, com os quatro anos, o Brizola levaria a eleição na onda
do anti-Sarney. Tinham razão...Para o Sarney era indiferente, eu sei disso,
convivendo com ele. Ele tinha queda aquela missão, determinada pelos militares.
PLAYBOY-
Mas ninguém poderia imaginar que ia dar Collor?
CASTELLO- Collor e Lula
(risos). O ex-deputado Aliomar Baleeiro dizia que em política costuma acontecer
o improvável...E acontece...
PLAYBOY-
A seu ver, o ex-governador Leonel Brizola também perdeu o bonde da história?
CASTELLO- Acho que sim.
Vai ser governador do Rio Grande do Sul
ou do Rio de Janeiro, mas que importância têm isso? O partido dele é um partido
sem esperança. Não há um líder substituto. Ninguém se elege presidente da
República sem ter votação m São Paulo. É impossível. E o Brizola não entrou em
São Paulo. Nunca houve um paulista importante no PTB. Era tudo segundo time-
Ivete Vargas, gente assim. São Paulo nunca teve políticos fortes, mas tinha
lideranças populares, como Adhemar de Barros e Jânio Quadros.
PLAYBOY-
Por falar em Jânio Quadros, ele tem algum futuro político?
CASTELLO- Não, está nas
razões finais. Ele tinha ilusões de que poderia ser candidato, chegou a se
movimentar. Mas descobriu que o espaço dele estava ocupado pelo Collor e
desistiu, rapidamente.
PLAYBOY-
Quer dizer, ele mostrou com isso que está bem ligado ainda...
CASTELLO- A cabeça dele
funciona muito bem. Quando deixou de ser candidato, alegando doença na vista,
fui a São Paulo e conversei muito com ele. Dona Eloá me explicou o problema: é
que ele não trocava de óculos há cinco anos e, por isso, não estava enxergando
direito. Trocou de óculos, passou a ver. E não falou mais do olho.
PLAYBOY-
Mas, para a política, ele não continua um lince?
CASTELLO- Ah, sem
dúvida, é um craque! Mas o Collor também foi bem. Ele percebeu só uma ameaça
real – o Sílvio Santos. E reagiu de modo mais violento possível. Ele bate duro,
bate para doer. Foi o que fez também diante da história do Fernandinho que ia
morrer na praia. E não morreu na praia (risos).
PLAYBOY-
O senhor acha que o Covas é carta fora do baralho, também?
CASTELLO- Ele é um
homem de 60 anos, safenado, não é? O sujeito vai perdendo a capacidade de
competir perdendo a capacidade de competir. Agora, eu acho que só teremos
partidos políticos fortes com o regime parlamentarista, que exige partidos bem
estruturados. Hoje os deputados não exercem o poder – podem até eventualmente
participar dele, mas normalmente são auxiliares do poder.
PLAYBOY-
E o parlamentarismo vem?
CASTELLO- Acho que sim.
A modernização da sociedade brasileira exige isso. Porque o sistema presidencialista
americano não pegou em nenhum país da América Latina. Lá, eles têm um
Legislativo forte, um Judiciário forte e têm opinião pública. Aqui, a opinião
pública não coincide com o eleitorado, é menor do que ele. A opinião pública
nesta eleição estava com o Lula. O eleitorado, não. Um sujeito da nossa classe
não podia dizer que não ia votar no Lula. Era vaiado. A patrulha estava
violenta...
PLAYBOY-
O senhor acredita que possa acontecer com o governo Collor algo semelhante ao
que aconteceu no fim do governo Sarney? Todo mundo na oposição?
CASTELLO- Mas todo
mundo vai acabar indo para o governo. No momento eles estão é com
vergonha...Quando começarem a chamar, vem tudo...
PLAYBOY-
O eleitorado não está contra o Collor, está?
CASTELLO- Não, o povo
espera que ele acerte. Em relação ao Sarney é um homem de vontade fraca, o
Collor é de vontade forte. O risco é que essa autoridade seja excessiva, não
que seja carente...Como o problema do Brasil é de falta de autoridade, ele
preenche essa carência. Meu medo é que ele ultrapasse a medida.
PLAYBOY-
O senhor conhece bem o Collor?
CASTELLO- Eu o conheci
como um rapazinho, em Brasília, ás vezes ele passava lá em casa, era amigo do
meu filho. E eu tinha boa relação com o pai dele, ás vezes ia jantar com ele.
Eu me dou também com a mãe dele. Coisa de família. Depois, ele foi prefeito de
Maceió e o perdi de vista. Nessa época, ele mandou um livrinho que estava
editando com discursos e artigos, pedindo que eu fizesse o prefácio. Fiz, mas
até hoje não me lembro do que escrevi.
PLAYBOY-
E o senhor acha que o trabalho dos comentaristas políticos vai ser interessante
no governo dele?
CASTELLO- Acho. O Jânio
tinha traços semelhantes, mas tinha compromissos com a UDN e outros partidos
que o apoiaram. O Collor não tem a sua UDN. Seu governo vai atender às
formulações das classes dirigentes, colocando o Brasil no percurso da economia
internacional. Vai tentar resolver o problema da dívida de acordo com as ações
capitalistas – é claro que sabe que não pode pagar a dívida, precisa achar uma
solução. Quanto à inflação, vai adotar remédios ortodoxos, com alguma
recessão...
PLAYBOY-
E qual deve ser a reação da sociedade civil, dos sindicatos, dos chamados
movimentos populares ao governo Collor?
CASTELLO- Aquele estado
de espírito da campanha, a promessa de greves, é bobagem. Greve só é possível
com o apoio dos trabalhadores. Greve política é cada vez mais difícil fazer...
PLAYBOY-
Vamos ver um pouco a política do outro lado. Nunca o convidaram a ser
candidato?
CASTELLO- Quiseram me
fazer suplente de senador pelo Piauí...Eu não queria. A política não tem apelo
para mim. Afinal, o sujeito vai para a política ou por um interesse específico,
por certo carreirismo, interesse de grupo, de família, ou então vai por uma
certa paranoia, achando que irá salvar o mundo. E ninguém salva o mundo. É algo
entre a paranoia e o mau-caráter (risos).
PLAYBOY-
Apesar de tudo isso, o senhor acabou sendo presidente do Sindicato dos
Jornalistas de Brasília, não foi?
CASTELLO- Fui resolver
uma questão. O sindicato tinha sido ocupada por um grupo de pelegos, que não
saía. Então o pessoal precisava de um nome para ganhar as eleições. Os colegas
me cercaram e eu apoiei ser o veículo dessa ação.
PLAYBOY-
Falando um pouco de imprensa: no Brasil de hoje um jornal é mais importante do
que um partido?
CASTELLO- Não sei. O
jornal tem uma presença muito grande, numa cidade como São Paulo e como o Rio.
Mas acho que o leitor escolhe muito o jornal de acordo com a sua tendência e
não é o jornal que faz a cabeça do leitor. Quando o Correio da Manhã, jornal
carioca que foi udenista, getulista, conservador, passou a ser o órgão oficial
da campanha de Juscelino e Jango, perdeu muitos leitores. Caiu.
PLAYBOY-
Como é que o senhor foi parar no jornalismo?
CASTELLO- Eu saí do
Piauí para estudar em Belo Horizonte, que era uma cidade pequena e tranquila.
Dois anos depois, meu pai teve problemas financeiros graves e não aguentou mais
mandar minha mesada. E quem me contratou foi o Partido Comunista!
PLAYBOY-
Ah, é?
CASTELLO- (risos) O
chefe da cédula na Faculdade de Direito era um colega meu que já morreu:
Humberto Motta. Ele me levou ao jornal Estado de Minas, onde o editor era o
Orlando Bonfim, também do Partido Comunista – aquele que acabou assassinado pela
ditadura. Éramos dois procurando emprego, eu e um colega. Depois de alguns dias
de teste, o Bonfim disse: “Vou ficar com aquele que escreve como quem manda
bilhetes para uma lavadeira!”. Era eu. Isso foi em março de 1939!
PLAYBOY-
Sua carreira começou na reportagem policial...Diz a lenda entre os jornalistas
que a cobertura de polícia ensina muito. É verdade?
CASTELLO- É uma escola
importante, porque dá humildade. Os jornalistas tendem a exagerar na
auto-estima, porque conversam com políticos, com o governador, e ficam se
achando melhor que os demais. Na reportagem policial você convive com aquela
sub-humanidade e isso dá o tom. Fiquei ali um ano e pouco.
PLAYBOY-
Depois, quem o trouxe para o Rio foi o Carlos Lacerda, não?
CASTELLO- Ele dirigia O
Jornal e me encomendou uma série de reportagens sobre o interior de Minas. Eu
fiz e, tempos depois, ele me chamou para trabalhar no Diário Carioca, que ele
tinha assumido. Eu era solteiro, estava disponível, e quando cheguei ao Rio o
Lacerda tinha deixado o jornal...Cheguei na Avenida Rio Branco, ainda sem saber
o que fazer, e encontrei o Neiva Moreira, que tinha sido meu companheiro de
jornalzinho lá em Teresina e era redator de O Jornal...Tinha uma vaga de
subsecretário e comecei imediatamente. Em 1948 eu casei, fui para a Europa, e
em janeiro de 1949 comecei a trabalhar como repórter político. No dia 1º de
janeiro de 1962, fiz pela primeira vez minha coluna, a “Coluna do Castello”,
que está aí até hoje.
PLAYBOY-
Hoje em dia, quem são na sua avaliação os craques do jornalismo político?
CASTELLO- Essa geração
é muito diferente da minha...É muito engajada politicamente. O Clóvis Rossi
(Folha de São Paulo) é muito bom jornalista, mas tem posições muito nítidas:
contra o Sarney, a favor do Lula, contra o Collor. Ele ainda não passou a raiva
do Sarney e já está com raiva do Collor. Eu não tinha raiva de
ninguém...(risos). O Gilberto Dimenstein (também da Folha) é bom jornalista,
investigativo. Mas isso, para o colunista, não é bom. Acho que é um bom
repórter...O Ricardo Noblat (ex-Jornal do Brasil) é bom também, mas engajado –
e mais político que jornalista. O Villas Bôas Corrêa tem uma linguagem muito
desabrida. Não é engajado, é raivoso. Eu procuro não ser.
PLAYBOY-
O senhor se considera um udenista?
CASTELLO- Minha turma
surgiu na resistência ao Estado Novo. Ou se era udenista, ou comunista. Orlando
Bonfim ou Pedro Aleixo...Minha turma era um saco de gatos. Mas eu nunca me
engajei na UDN. O jornalista político não deve se engajar até por sobrevivência
na profissão. Se seu engajamento for igual ao do seu jornal, tudo bem. Se não
for, pode perder o emprego. Por isso, a gente não deve nem declarar seu voto.
Os comunistas alegam que engajamento não existe, e psicologicamente isso está
certo. Mas a gente deve ter isenção como meta, ainda que não seja viável. O
engajamento é natural numa situação de ditadura, em que toda sociedade está
contra.
PLAYBOY-
E por que a sua coluna conseguiu sobreviver à ditadura militar?
CASTELLO- Por duas
razões. Primeiro, porque os militares tinham certos compromissos internacionais
e uma coluna política com alguma liberdade atendia a esses compromissos.
Segundo, por um certo pudor – eu tinha relacionamento com todos os presidentes.
Um dia, depois que o general Médici deixou o governo, eu encontrei com ele e
disse: “General, de Getúlio Vargas a João Figueiredo, eu conversei com todos os
presidentes. A única exceção foi o senhor”. Ele me disse: “E o senhor achava
que eu era um general atrabiliário e violento”. Eu respondi: “Mais ou
menos...”. Ele riu e nós batemos um longo papo...Mas eu nunca tive acesso a
ele, embora me desse com os seus ministros. Sempre fui meio cético. Até hoje
não consigo dar importância ao jornalismo político. O que os políticos querem é
nos usar e você precisar estar sempre atento para não fazer aquele jogo. Não
somos nós os importantes. São os veículos.
PLAYBOY-
O senhor disse que a sua coluna era uma espécie de referência para os
embaixadores. Mas não era também uma espécie de sinal de que a ditadura não era
tão dura assim?
CASTELLO- Na medida em
que permitiam que eu dissesse algumas coisas, é porque a situação não era tão
difícil. Não era tão difícil quanto no tempo do Estado Novo, em que nada se
permitia. O ministro conversava comigo, eu recebia o recado do presidente...Uma
vez, o Nascimento Brito (diretor-presidente do Jornal do Brasil) me chamou ao
Rio e disse que estava recebendo muita pressão contra a coluna. E me apresentou
seis ou sete normas que tinha estabelecido para a minha coluna: não podia falar
em estudante, em tortura, etc., etc. Fui para Brasília e escrevi uma carta
pedindo demissão, liberando-o desse constrangimento. Ele pediu que eu não
fizesse aquilo. Os próprios militares não queriam que a coluna acabasse. Um ano
depois a pressão voltou com muita intensidade.
PLAYBOY-
Quem era o falcão?
CASTELLO- Os militares.
Uma vez usaram o então ministro Delfim Netto, que tinha poder sobre os
empresários. Hoje me dou bem com ele, sou amigo dele. Mas numa das vezes foi
ele o intermediário. Quando a pressão recrudesceu, escrevi outra carta, pedindo
demissão. Telefonou-me o Jarbas Passarinho, que era ministro da Educação. Foi
lá em casa almoçar e pediu, em nome dele, do Mário Andreazza e de outros
membros do governo, para que eu não saísse do jornal. Com isso, a pressão
acabou cedendo. Minha coluna interessava ao universo de leitores, ao governo e
à própria empresa...
PLAYBOY-
Quem são as melhores fontes?
CASTELLO- Os políticos
que não são ostensivos, não criam fatos. Políticos como o Carlos Lacerda não
são boas fontes. Já o ex-deputado Thales Ramalho, por exemplo, é uma boa fonte.
Ocorre que todo político quando dá uma versão dá algo referente a seu
interesse, a sua visão das coisas. Por isso a gente tem de ter pontos de
referência. A não ser que tenha tanta experiência com a fonte que já dá um
desconto-padrão...(risos)
PLAYBOY-
Hoje, como o senhor garimpa suas informações?
CASTELLO- Hoje não
procuro, eu recebo muita informação. O Luís Vianna me telefona da Bahia...O
Collor vai lá me visitar. Encontro com o Maílson de Nóbrega numa reunião
social, ele me conta coisas. Quando o fato é importante, eu completo, dou
telefonemas, esclareço. A gente já conhece as pessoas, sabe a capacidade de
manobra.
PLAYBOY-
O leitor não fica ás vezes com a impressão de que o senhor tem mais informações
do que as que são publicadas?
CASTELLO- A gente tem
um limite ético, do relacionamento com as pessoas. Ás vezes me contam as coisas
em confiança. E eu não estou na faixa da corrida pela notícia.
PLAYBOY-
O senhor tem vários livros publicados, de história recente do Brasil. E um
inédito sobre o governo Jânio, de quem o senhor foi assessor de imprensa.
Quando sairá?
CASTELLO- É um
depoimento de 100 páginas. Como eu tive um cargo de confiança, enquanto o Jânio
estiver aí e o Zé Aparecido (José Aparecido de Oliveira, ministra da Cultura do
governo Sarney) também, não vou publicar, pois não sei se pode prejudicar um
deles. Depois, talvez não haja interesse sobre o assunto.
PLAYBOY-
E como o senhor foi ser secretário de imprensa do Jânio presidente?
CASTELLO- Eu tinha ido
a Brasília para cobrir a armação do governo para a antiga revista O Cruzeiro. E
o Zé Aparecido, meu amigo de Minas, virou secretário particular do presidente
na hora em que estava na fila dos cumprimentos, no dia da posse. É que o Jânio
estava cercado pela turma do Magalhães Pinto, da UDN, e não queria entrar no
palácio sozinho. O Zé me levou ao Jânio. Eu disse que trabalhava no Rio, estava
bem, que minha mulher era juíza lá. Enquanto eu telefonava, o presidente pegou
o telefone, ligou para o Leão Gondim, diretor de O Cruzeiro, e disse: “Leão,
quero que você me empreste o Castello por seis meses. São só seus meses...Ah
obrigado”. E bateu o telefone. Eu tinha sido emprestado. Minhas razões caíram
por terra. Depois que eu tinha assumido o cargo, saiu um artigo meu onde dizia
que, com o Jânio, estávamos dando um salto no escuro...Era a última frase da
reportagem (risos).
PLAYBOY-
Mas até esse momento o senhor não tinha muita intimidade com ele?
CASTELLO- Não.
Entrevistei-o quando candidato a prefeito, algumas vezes quando era governador
e, já como candidato, estive com ele na Europa, cobrindo uma viagem. Fomos
juntos a Istambul e aí tivemos mais contato. Toda tarde, ele entrava no bar do
hotel e pedia: “A double schoth” e eu “a single schotch” (risos).
PLAYBOY-
O senhor bebia bem na época?
CASTELLO- Bebia. Mas
ele era barra pesada! Entre uma dose e outra, ele tomava uma cervejinha
gelada...
PLAYBOY-
E como foi a experiência de ser secretário de imprensa de um presidente?
CASTELLO- Foi dose. Não
por ele, mas pelo corte – todo mundo competindo com todo mundo. Quando o Jânio
renunciou, eu fiquei aliviado...
PLAYBOY-
Mas notícia era o que não faltava mesmo no governo Jânio...
CASTELLO- Não faltava.
Ele governava voltado para a opinião pública. Transformava todos os despachos
em bilhetinhos. Depois, nós percebemos que podíamos fazer alguns bilhetinhos,
que ele assinava. E passamos a montar uma fábrica de bilhetinhos. O Zé
Aparecido e eu...(risos). Fiz um que deu bode. Recebi um pedido do Piauí
pleiteando que se acelerasse a obra de um novo aeroporto. Isso foi no começo de
junho. E em julho o Jânio iria a uma reunião no Piauí. Redigi um bilhetinho ao
ministro da Aeronáutica, assim: “Senhor ministro, quando descer, em julho, no
aeroporto do Piauí, quero descer na nova pista...” O ministro da Aeronáutica
pediu demissão (risos) porque não dava tempo de construir a nova pista. O Jânio
era curioso. A razão era inarredável – não se podia construir a pista em tempo.
Ele simplesmente mudou o local da reunião para o Maranhão. Só para não
contrariar o seu bilhetinho. Ele era atento à palavra dele.
PLAYBOY-
Como presidente, ele era absolutamente fora do convencional...
CASTELLO- Era. Chegava
de manhã e batia ele mesmo, no telex, suas mensagens para o Itamaraty. Um dia,
escreveu a mensagem e assinou: “Operador J. Quadros”. Do outro lado, o operador
devolveu: “Aqui Kennedy” (risos).
PLAYBOY-
E aquela lenda de que ele gostava de beber?
CASTELLO- Começava a
trabalhar ás seis e meia da manhã. Saia ao meio-dia para almoçar, voltava á uma
e vinte. Trabalhava até ás oito horas. Se ele bebia depois...Ele estava com
restrição para beber uísque nessa época...bebia cerveja. Dizem que ele tomava
muita cerveja à noite e mandava repetir várias vezes o mesmo bangue-bangue no
cinema do palácio...e, segundo a versão de um cidadão lá, ás vezes entrava no
bangue-bangue, jogava garrafas de cerveja na tela...(risos). Mas ás seis e meia
da manhã estava no palácio de novo. E uma das objeções quer eu fiz para assumir
o cargo foi essa – eu não conseguia acordar tão cedo. Não chegava antes das
nove e meia...
PLAYBOY-
E quando o senhor desconfiou que o governo poderia terminar mal?
CASTELLO- Quando as
pressões do Carlos Lacerda aumentaram. Só que nunca imaginei aquele final. O Zé
Aparecido, o Affonso Arinos e o Castro Neves, seus homens de confiança,
chegaram a supor que Jânio estivesse envolvido numa conspiração, num golpe. Mas
não havia indícios concretos. E os três estava mobilizados para não aderir ao
golpe...
PLAYBOY-
O senhor o que acha: Jânio tinha intenção de dar um golpe quando renunciou à
Presidência, a 25 de agosto de 1961?
CASTELLO- Acho que foi
uma tentativa de golpe romântica e ingênua. Porque o sujeito que vai dar um
golpe não pode abrir mão do instrumento de poder. Jânio, imaginou sair
espetacularmente e voltar nos braços do povo. E isso é uma ideia
romântica...essa ideia não existe. Se ele realmente teve essa intenção, foi mal
pensada. No dia seguinte à renúncia, ainda em São Paulo, ele me disse: “Dentro
de, no máximo, três meses, estaremos de volta. Atrás de mim não fica ninguém
com rapidez...” e enumerou quatro qualidades de um governante que nem lembro
exatamente quais eram. Mas ele mesmo bloqueou qualquer ação. Os sindicatos da
orla marítima que queriam entrar em greve, o Brizola...Fui eu quem atendi o
telefonema do Brizola, que ofereceu a possibilidade de resistência: “Castello,
diga a ele que venha para cá, que daqui voltaremos ao poder juntos”. Falei com
o presidente, mas ele não fez um gesto, não disse uma palavra.
PLAYBOY-
E ele parecia são nessa hora?
CASTELLO- Estava
emocionado. O rádio transmitiu a demissão de um embaixador que ele tinha
acabado de nomear. E ficou com os olhos marejados...
PLAYBOY-
Daí o senhor voltou para Brasília e só parou de escrever a coluna por causa de
um enfarte, de um câncer e da prisão...
CASTELLO- É. Fui preso
a primeira vez a quatro dias e depois por algumas horas – não chegou a me
perturbar. Uma vez, na véspera da chegada de Nelson Rockfeller ao Brasil, por
causa das reportagens que mandamos sobre seu esquema de segurança. Como era o
chefe da sucursal, eles queriam que eu denunciasse quem tinha escrito. Assumi a
responsabilidade e me deixaram mofando algumas horas numa sala do DOPS, até que
me levantei e pedi para falar com alguém. Expliquei que, se ficasse ali, não
poderia ir a um jantar na embaixada americana. E eles me soltaram. (Risos)
PLAYBOY-
O senhor vai a muitos jantares?
CASTELLO- Não. Só na
casa de amigos.
PLAYBOY-
E bebe ainda?
CASTELLO- Pouco. Uísque
com muita água, porque bebidas mais fortes descem mal pela minha garganta,
afetada pela radioterapia contra o câncer.
PLAYBOY-
Foi ordem média, então?
CASTELLO- Não, passou a
sede (risos). Quando saí do hospital em Houston, nos Estados Unidos, perguntei
se podia beber. O médico respondeu: “Uísque ou vodca. Evite o vinho, e cerveja,
nunca”. Eu sigo muito esse conselho.
PLAYBOY-
E o senhor fuma?
CASTELLO- Parei de
fumar há dezoito anos, quando tive o enfarte. Foi um enfarte muito violento,
que estourou o coração todo. Nem safena dava para fazer. Quatro meses depois
voltei a tomar uísque e bebi sem medida, para valer. Nove anos depois fui fazer
outra angiocardiografia com a mesma equipe, no mesmo hospital. No fim, o médico
me perguntou: “Qual é o seu uísque”. Eu: “Black Label”. E ele: “Esse uísque lhe
fez um bem danado...”. A restauração tinha sido de tal medida que acontece num
caso em 50 000. Meu caso foi até relatado num congresso médico.
PLAYBOY-
O senhor faz exercício?
CASTELLO- Não. Uísque
(risos). Na verdade, eu andava quatro quilômetros por dia...
PLAYBOY-
Vamos voltar um pouco no tempo. Como foi sua infância?
CASTELLO- Meu pai era
desembargador, casou com a prima, órfã de pai e mãe desde os 5 anos. Uma
família classe média do Nordeste, muito religiosa. Quando nasci, Teresina era
uma cidade provinciana, embora tenha sido uma das poucas cidades planejadas do
Brasil. Fui moleque de rua, tive minhas namoradinhas, namoro assim de flerte,
de vizinho.
PLAYBOY-
Belo Horizonte, então, deve ter sido uma mudança radical, não?
CASTELLO- Foi, nos dois
primeiros anos, estudei muito, porque tive contato com matérias que nunca tinha
visto. E estudava na biblioteca pública. Foi o melhor curso que eu fiz vida.
Depois, na faculdade, já trabalhava em jornal, não tinha interesse pelas
matérias e fiz um mau curso.
PLAYBOY-
O senhor trabalhou com grandes jornalistas de várias gerações. Qual o
profissional mais completo que o senhor conheceu?
CASTELLO- O Carlos
Lacerda era um talento fantástico, uma tempestade, né? Um homem muito
imprevisível, difícil, mas de muito talento, de muito calor humano. O Samuel
Wainer, criador do Última Hora, era
um homem frio, obcecado, ambicioso, trabalhava muito...mas o Samuel não era
basicamente honesto. Era homem que fazia reportagens para receber dinheiro do
grupo das refinarias de petróleo, entrou na jogada de Getúlio para tirar
proveito pessoal...
PLAYBOY-
A imagem atual do Samuel Wainer não seria melhor que a do Carlos Lacerda?
CASTELLO- Por causa do
livro dele, escrito pelo Augusto Nunes. Um livro muito bem-feito, mas nele está
descrito um bandido! Ele tinha talento humano. Eu cheguei a conviver com o
Samuel na intimidade...Ia para a casa dele depois de fechar o jornal.
PLAYBOY-
E do Lacerda, o senhor foi amigo?
CASTELLO- Não tive
maior convivência com ele. Foi uma convivência razoável, até que ele entrou em
conflito com a reportagem política do Rio, na campanha do Jânio. Era uma
metralhadora giratória. Nos chamava de Sindicato da Injúria e da Calúnia – a
mim, ao Villas Bôas, a todos os repórteres políticos. Mas depois ele voltou às
boas.
PLAYBOY-
Um tema difícil: o senhor aceitaria falar da morte de seu filho Rodrigo, em
1976, num estranho acidente de automóvel?
CASTELLO- Eu estava na
Espanha. Tinha saído para jantar fora e quando cheguei ao hotel estava o
ministro-conselheiro em Madrid me esperando e me disse que meu filho estava em
estado grave e queriam que eu voltasse. Liguei para Brasília...Queria saber o
que havia acontecido. Porque se ele estivesse morto, eu não voltaria. Mas o
médico havia proibido de me contar a verdade – eu já tinha tido o enfarte. Não
tinha mais avião, peguei um para Buenos Aires. Um amigo meu em Brasília
conseguiu que o avião fizesse um pouso técnico em Campinas. De lá, telefonei
para o hospital e fiquei sabendo que ele tinha morrido...
PLAYBOY-
Como foi?
CASTELLO- Um acidente
de automóvel. Ele trabalhava na Siderbrás e tinha havido um almoço num
restaurante nos arredores de Brasília. Saiu dali e foi para o aeroporto esperar
um casal de amigos. Nesse caminho, ele vinha sozinho, não sei o que aconteceu
com o carro, capotou e ele morreu na hora...Algum tempo depois, eu conversando
com o Jango Goulart, ele me perguntou: “Castello, você nunca mandou investigar
as razões da morte do seu filho?”. E eu disse: “Não, foi um acidente...”. E ele
perguntou: “Você nunca foi ameaçado de morte?”. E eu me lembrei que recebia com
muita frequência ameaças...E me lembro de uma carta que dizia: “Se você não tem
medo de morrer, lembra-se de seus velhos pais, que moram no Rio de Janeiro na
rua tal, número tal, e que podem sofrer um acidente”. No fim, eu nem abria mais
os envelopes. Era esse meu filho que cuidava da minha vida – era muito amigo
meu -, quem pegava os envelopes e tinha a guarda dessas cartas. Numa delas, eu
me lembro, havia uma foto – do jornalista Vladmir Herzog (morto em 1975 nos
porões da repressão), com os dizeres: “O próximo será você seu filho da p...”.
Naquela conversa, o Jango me disse que eu não devia ter sido tão descuidado,
porque eu tinha causado muito mais dano aos militares do que imaginava.
PLAYBOY-
Quer dizer que hoje o senhor não descarta essa possibilidade...
CASTELLO- Eu não
descarto. Se o Jango não tivesse me falado, aquilo não teria me ocorrido.
Porque achava que as cartas eram maluquices...O Jango era um homem experiente,
vivia muito preocupado com a segurança da sua família.
PLAYBOY-
Foi o maior baque da sua vida?
CASTELLO- É...Até hoje
me emociona.
PLAYBOY-
Mudando de assunto: dos jornalistas de televisão, quais os seus prediletos?
CASTELLO- A Marília
Gabriela é uma boa entrevistadora. Agora, o Boris Casoy fez um grande mal a
seus colegas. Ele é muito bom, mas é muito cafona, com aquela coisa: “Isto é
uma indecência”. Meio canastrão. O povo adora o Casoy. E como deu certo, o
Joelmir Beting, que é um bom repórter, foi colocado pela Globo para dizer
besteira entre uma notícia e outra (risos). O Cid Moreira lê a notícia, chama
“Joelmir Beting” e ele aparece dizendo uma bobagem qualquer – com ar
inteligente...Até a Gabi está mais solta. É o efeito Boris Casoy. Apesar
daquela boca dele, de chupar ovo, boca de sabiá, ele deu certo...Na Globo, eu
gosto daquele rapaz, o Paulo Henrique Amorim, que é competente e sabe dizer as
coisas. Já o Alexandre Garcia...Você acha graça naquilo? É uma coisa incrível!
Eu, se fosse dono da Globo, mandava acabar com aquilo...
PLAYBOY-
Que jornais o senhor lê?
CASTELLO- No Exterior, Le Monde e The New York Times. Aqui, leio os sete principais de Brasília, Rio
e São Paulo.
PLAYBOY-
E o senhor acha os jornais brasileiros de boa qualidade?
CASTELLO- O melhor
padrão é o Jornal do Brasil – textos
mais distribuídos, melhor edição...Mas é irregular. Na fase editorial, a melhor
cobertura foi da Folha de S. Paulo.
Só que ela tem uma coisa que eu não gosto – uma massa de cadernos, aquela
confusão. Porque eu gosto de jornal intocado, tenho o prazer de desvirginar.
PLAYBOY-
Uma associação de ideias com este último verbo: o senhor escreve contos
eróticos...
CASTELLO- Escrevi um
conto que PLAYBOY considerou erótico...(Uma interligação suburbana, publicado
em março de 1976).
PLAYBOY-
Mas o erotismo ainda toma seu tempo?
CASTELLO- Mentalmente,
ainda é muito importante. Fisicamente, não (risos). Eu sempre me interessei muito...
PLAYBOY-
E entre os políticos, quem é o mais mulherengo?
CASTELLO- Varia muito.
O Gustavo Capanema, ministro do Estado Novo, tinha uma pose de quem não se
interessava por mulher, de alguém superior. Um dia, uma senhora me disse: “Esse
Capanema crava os olhos na anca da gente e não desgruda mais...” (risos). Na
política, o sujeito se afasta muito da família e fica muito vulnerável.
PLAYBOY-
A política hoje em dia parece uma luta livre...
CASTELLO- É, mas já foi
pior. O Benedito Valadares e o José Maria Alckmin, por exemplo, mantiveram uma
longa relação de amor e ódio, embora ambos fossem mineiros e do PSD. No dia de
abertura da penitenciária de Neves, o Valadares, que era governador, disse no
discurso de inauguração que o Alckmin tinha se empenhado tanto por aquela obra
que estava sendo demitido da Secretaria do Interior para assumir o cargo de
diretor da penitenciária...(risos). E o Alckmin assumiu, levou a sério e acabou
se transformando num penitenciarista renomado...Essa famosa frase: “O que vale
é a versão e não o fato”, pelo que me lembro, foi o Gustavo Capanema quem falou
pela primeira vez, lá no Palácio Tiradentes. Eu achei interessante a tirada,
anotei e publiquei no dia seguinte. E o Alckmin, sabe lá como, apoderou-se da
frase, que todo mundo atribui a ele, hoje em dia. E quando o Capanema cobrou a
autoria, o Alckmin admitiu a apropriação indébita, mas completou: “Pois é
Capanema, como você diz, em política, o que vale é a versão e não o fato”
(risos).
PLAYBOY-
Qual foi a entrevista mais curiosa que o senhor fez?
CASTELLO- Foram duas.
Uma com o general Dutra, já ex-presidente. Nós viajamos para Paulo Afonso, na
Bahia. Quando deu uma chance, eu lhe disse: “Presidente, o senhor vai me dar
uma entrevista...”. E ele: “Na volta”. Conversei com ele muito durante a
viagem, chequei várias informações dos tempos do Estado Novo – por incrível que
pareça, as informações que eu tinha eram todas verdadeiras – e na volta ele me
mandou sentar ao lado dele e disse: “Faça a primeira pergunta...”. Eu fiz,
falou. “Oh diabo...” e não respondeu mais nada (risos).
PLAYBOY-
Qual era a pergunta?
CASTELLO- Não me lembro
mais... (risos).
PLAYBOY-
A outra entrevista, qual foi?
CASTELLO- Quando o
Jânio foi eleito prefeito de São Paulo, em 1953, eu fui entrevista-lo. Ele me
recebeu, me cumprimentou, sentou-se e não disse uma palavra. Eu arrisquei
“Prefeito, vou fazer as perguntas...” e ele, nada. Eu fiz, nada de novo.
Publiquei só as perguntas...(risos). Ah, e teve uma outra, com o Juscelino
presidente. Eu perguntei se as medidas que ele tomara em relação a uma rebelião
na Aeronáutica seriam estendidas ao Exército. Ele respondeu sim. Quando eu fui
lhe levar o texto de noite, para ele aprovar, ele escreveu não. Depois, seu
secretário particular me fez um apelo para que eu retirasse a pergunta...Porque
ele não podia responder nem sim, nem não (risos). Como ele estava com poucos
meses de governo, eu retirei...
PLAYBOY-
Essa foi a única vez em que o senhor extrapolou os limites da atividade
jornalística?
CASTELLO- Não. Na
formação do governo Tancredo, havia muita curiosidade sobre o que ele faria com
os ministérios militares. Os generais estavam todos querendo conversar com o
Tancredo e ele não queria encontra-los individualmente – havia designado o general
Valdir Pires, ministro do Exército do governo Figueiredo, como seu
interlocutor. Eles procuraram um intermediário, que me conhecia. E eu os
conhecia bem também. Daí fui ao Tancredo e fiz a ligação. Fizemos cinco
jantares, aqui e na casa desse intermediário. O primeiro foi o Ivan de Souza
Mendes. No fim, os cinco se encontraram com Tancredo e nunca saiu notícia
nenhuma disso nesses cinco anos. Nunca ninguém soube!
PLAYBOY-
Vamos falar um pouco da Academia Brasileira de Letras. O senhor continua
frequentando?
CASTELLO- Muito pouco.
Eu moro em Brasília e vou ao Rio nos finais de semana. Vou ás vezes numa
eleição, numa posse. Depois do meu câncer, tenho dificuldade de usar colarinho
e gravata. E lá ainda é muito convencional.
PLAYBOY-
Então por que o senhor se candidatou à Academia?
CASTELLO- Fui candidato
duas vezes. A primeira, foi o Zé Aparecido quem lançou meu nome. Havia sido
eleito o general Lyra Tavares. Surgiu outra vaga. O Zé e o Mário Palmério
lançaram meu nome como de oposição ao regime. Tive dezessete votos, mas ninguém
foi eleito. A segunda vez quem lançou meu nome foi o Nascimento Brito.
Concordei em ser, mais por causa do meu pai, a quem agradava a ideia de que eu
fosse um imortal...Tenho um romance e um livro de contos. Na verdade, o jornal
me absorveu. E minha vocação de escritor não devia ser muito firme...
PLAYBOY-
O senhor lê o quê?
CASTELLO- Romance e
história. Li recentemente o Declínio do
Império Romano, do Gibbons. Está bem traduzido...
PLAYBOY-
E romances? Quais?
CASTELLO- Não estou bem
atualizado. Saiu um livro chamado Boca do
Inferno, dessa moça, Ana Miranda. É ótimo, de primeira qualidade. Tem a
melhor qualidade literária e uma nitidez de pesquisa histórica fantástica. Leio
muito o Rubem Fonseca, o Dalton Trevisan, o Autran Dourado, Otto Lara...Gente
de Minas. Não sou de best seller.
Porque não tem qualidade. Li um, o Fogueira
das Vaidades, do Tom Wolfe, que está bem-feito, bem armado.
PLAYBOY-
Em algum desses best sellers, o cenário é o do poder, onde sempre há dinheiro,
mulheres, corrupção...Na vida real, Brasília é assim?
CASTELLO- A frase
famosa do Kissinger: “O poder é afrodisíaco”. Quem usava muito a frase era o
Roberto Campos...
PLAYBOY-
Mas há ligação entre o poder e as mulheres?
CASTELLO- Há, sim. O
poder é uma lâmpada, que atrai as mulheres.
PLAYBOY-
E isso não é assunto da “Coluna do Castello”?
CASTELLO- Não.
PLAYBOY-
Mas não há no Brasil uma imprensa marrom, há?
CASTELLO- Ainda não
houve. Vai haver. Aqui, o general Reinaldo Mello de Almeida não foi presidente
por causa das gravações que o SNI fez de seus casos com mulheres...Uma vez
recebi cópias de gravações de conversas minhas e uma cópia de conversa do então
senador Daniel Krieger com uma mulher. Falei com ele, quer ficou uma fera! Ele
cruzou com o general Golbery e esculhambou: “Isso é uma sacanagem, uma
molecagem, não admito!” O Golbery negou. No dia seguinte, o marechal Castello
Branco mandou o general Venturini conversar comigo. E ele me garantiu que não
era o SNI, que ainda estava sendo montado. Eram gravações do Exército. E foi o
padre Godinho, ex-deputado da UDN paulista, quem me deu as gravações...
PLAYBOY-
Para terminar: o brasileiro está evoluindo politicamente?
CASTELLO- Acho que
está. As últimas eleições foram um bom teste para a formação da opinião
pública. Isso vai alertar muito os políticos. Os políticos vão melhorar muito
depois dessa eleição. Vai acontecer uma renovação no Congresso. O novo
Congresso será advertido. Hoje ele é muito ideologizado. O Brasil não pode ser
governado com ideologia. Precisa de senso de equilíbrio, com visão objetiva dos
problemas.
PLAYBOY-
Como o senhor se define politicamente?
CASTELLO- É claro que
eu tenho um anseio socialista. O problema da igualdade social é um problema
básico da sociedade humana. Na nossa experiência de vida, a aspiração pessoal é
da liberdade. Esses episódios da Europa Ocidental demonstraram que a liberdade
é um parâmetro da igualdade. Não se chega à igualdade sem liberdade. O problema
da Revolução Francesa foi que ela deu liberdade, mas não igualdade. O jogo
político é a prevalência da liberdade e da igualdade. Os partidos comunistas
acenaram muito com a promessa da igualdade. Todos têm escola, tem saúde em
Cuba. Mas o povo não pode estar feliz sem liberdade. E não se pode viver também
numa sociedade tão desigual como a nossa. Quem tem liberdade aqui é gente da
nossa classe. Para os nossos pobres-diabos, a liberdade é muito relativa...Na
frase de Michelet, historiador da Revolução Francesa: “A igualdade é a dimensão
econômica da liberdade”.
Publicado originalmente
na revista Playboy em março de 1990
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