sexta-feira, 3 de maio de 2019

A praça está mais triste




A morte de Manoel de Nóbrega deixou todo mundo triste. O público perdeu um grande artista; os artistas perderam um verdadeiro pai

A morte de Manoel de Nóbrega, mais do que um acontecimento que levou cerca de vinte mil pessoas ao cemitério da Vila Alpina, dia 18, representou uma perda pessoal para muitos artistas. Homem de rádio e televisão durante 45 anos, ele foi responsável pelo lançamento ou consagração de grandes nomes no meio artístico, como Sílvio Santos, Moacir Franco, Canarinho e muitos outros, entre eles seu filho único, Carlos Alberto de Nóbrega.

Quando souberam de sua morte – ocorrida ás 22h55 min do dia 17 depois de uma terceira intervenção cirúrgica em um câncer de pâncreas -, dezenas de artistas compareceram ao saguão da Assembleia Legislativa de São Paulo (Nóbrega foi deputado estadual em 1948), onde o corpo foi velado das duas da madrugada ás 13 horas do dia 18. Tristes, abatidos, alguns chorando mesmo, todos lamentavam a morte do amigo Manoel de Nóbrega.

De todos, o que mais sofria, sem dúvida, era Carlos Alberto de Nóbrega, que além de filho único tinha em seu pai seu grande amigo. “Ele me criou, me incentivou e fez de mim um homem. Foi meu grande, maior amigo. Com que saudade já começo a sentir sua falta, seus conselhos e sua orientação”.

Durante os preparativos para a cremação do corpo, na Vila Alpina, Ronald Golias esteve à frente de tudo, com a fisionomia triste que nunca mostrou na TV. “Vivo as emoções de uma perda inconsolável. Afinal de contas, tinha em Manoel de Nóbrega mais do que um amigo, um pai”.

Moacir Franco também se mostrava tenso, inconsolável. “Para dizer alguma coisa sobre Manoel de Nóbrega gostaria que fosse para poder desejar-lhe saúde e felicidade. Mas já que não posso, desejo que ele descanse em paz e que as bondades que espalhou por onde andou lhe sirvam de subsídios para a luz na vida eterna”.

Airton e Lolita Rodrigues também lamentavam a perda de “um grande amigo, uma pessoa divinamente alegre, sempre pronta a ajudar os outros”.

Na televisão a alegria, na vida, o apoio de todos

Manoel de Nóbrega não foi apenas o ator que a televisão projetou como criador da Praça da Alegria. Nascido em Niterói no dia 18 de fevereiro de 1913, filho de português, ele começou a trabalhar como taquígrafo, em inglês e português, do poeta e prosador Olegário Mariano. Depois foi trabalhar no rádio, atividade que começou em 1931. Foi ator e redator da Rádio Mayrink Veiga e da Jornal do Brasil, responsável pelo remodelação e lançamento de vários programas da Rádio Ipanema, da Tupi do Rio e de São Paulo, da Cultura e da Nacional de São Paulo. Em São Paulo, trabalhou também nas rádios Record, Piratininga, Atlântica de Campinas, e Difusora.

Poliglota – falava inglês, alemão e francês -, Nóbrega trabalhou ainda nas cadeias americanas CBS e NBC, produzindo programas de rádio em 1944 e 45.

Em 1948, foi o deputado estadual mais votado de São Paulo (cerca de 40 mil votos entre três milhões de eleitores).

Na televisão, além de ter lançado grandes nomes como Sílvio Santos, Golias, Moacir Franco e outros e programas como Praça da Alegria, escreveu para artistas como Derci Gonçalves, Procópio e Bibi Ferreira. Com seu trabalho de criador, redator, produtor e intérprete, passou pela TV Rio, TV Continental, TV Excelsior, no Rio e TV Paulista e TV Record, em São Paulo, onde ultimamente atuava como jurado do Programa Sílvio Santos.

Ele foi amigo de todos. Mais de Sílvio


Sílvio Santos fala de seu grande amigo Manoel de Nóbrega, o homem que o lançou no rádio, na televisão e que lhe deu o Baú da Felicidade, com muita sorte

Sílvio Santos conheceu Manoel de Nóbrega quando resolveu candidatar-se a locutor da Rádio Nacional de São Paulo, numa época em que já tinha sido locutor em três rádios do Rio, figurante de televisão e dono de um serviço de alto-falantes nas barcas da Cantareira. Ele mesmo conta como viu Nóbrega pela primeira vez:

“O Nóbrega tinha um programa de grande audiência em matéria de rádio. Quando eu resolvi ir para São Paulo, pedi uma carta de apresentação ao seu irmão, Antônio Nóbrega, que morava em Niterói. Chegando à Nacional, antes de falar com o Nóbrega fiz primeiro o teste para locutor e passei em primeiro lugar. Depois fui esperar o Nóbrega na rádio e quando ele terminou o programa eu lhe falei pela primeira vez: “Olha seu Manoel, eu tenho aqui uma careta de seu irmão lá de Niterói”. O Nóbrega, que nunca tinha me visto, me atendeu prontamente e ficou espantado quando eu lhe disse que, antes de apresentar a carta, já havia feito o teste. A partir daí ficou meu amigo”.

Sílvio passou a trabalhar na Rádio Nacional. Seus laços de amizade com Nóbrega fortificaram-se mais ainda quando Nóbrega, iludido por um alemão de quem era sócio no Baú da Felicidade, foi socorrido por Sílvio. “O alemão – conta Sílvio – havia sumido com o dinheiro e o Nóbrega, que nunca tinha ido à loja – que ficava num porão -, me pediu que fosse para lá atender os clientes, pedindo-lhes que não fossem fazer escândalos nos jornais e dizendo-lhes que o dinheiro deles seria devolvido. Depois de quatro ou cinco dias trabalhando numa loja, vi que aquilo, bem administrado, poderia tornar-se uma boa firma. Falei com o Nóbrega e nos tornamos sócios, eu investindo o dinheiro que ganhavam com os shows em circos e ele pagando a publicidade na Rádio Nacional. Comecei a fazer grandes negócios e o Nóbrega, meio apavorado, com medo de que a coisa não desse certo novamente e fosse manchar sua reputação em São Paulo, disse-me que não queria mais nada com o Baú. Paguei-lhe cinco mil cruzeiros que ele havia perdido no negócio e fiquei sozinho”.

A entrada de Sílvio para a televisão também foi um empurrão de Manoel de Nóbrega. “Em 1964, - conta Sílvio -, quando o Baú já era bastante conhecido, eu tinha um programa noturno na Rádio Nacional de São Paulo e resolvi fazer na televisão um programa de prêmios, com base no Baú. Naquela época, a TV Globo, canal 5, ficava fechada aos domingos, só operando para futebol, depois das 15h30min. Fui ao Vítor Costa, diretor do canal 5, e pedi que me desse o horário de meio-dia às duas da tarde, para eu fazer um programa. Mas o Nóbrega também já havia pedido o horário: no entanto, quando soube que eu queria meu programa de meio-dia às duas, mais uma vez foi meu amigo e me socorreu. Ele disse: ‘Não, Sílvio, não faz mal: eu queria fazer esse horário, mas cedo-o para você’. Mas uma vez ele me deu a mão, mostrando ser o grande amigo que sempre foi, um Homem com H maiúsculo”.

Na alegria da praça, o respeito também era fundamental

Antes de escrever qualquer piada, Manoel de Nóbrega costumava perguntar-se: “Poderei contar essa piada a minha mãe? Se posso, também poderei conta-la à mãe dos outros na televisão”.

Era assim que ele agia na Praça da Alegria, a mais famosa de todas as suas criações, um banco de praça que já sentaram grandes nomes, alguns pela primeira vez na TV, e que tiveram ao lado de Nóbrega momentos de consagração.  O programa foi lançado em 1957, na TV Paulista (hoje Globo), e ficou mais de 10 anos no ar, em várias emissoras. Ronald Golias, Moacir Franco e Carlos Alberto de Nóbrega começaram suas carreiras naquele banco, por onde passaram também Consuelo Leandro, Simplício e José Vasconcelos. Este, em certa época, foi roubado por Manoel de Nóbrega de um programa de calouros de Ari Barroso.

A Praça chegou a ser relançada no Programa Sílvio Santos, com a participação do próprio Sílvio.

Publicado originalmente na revista Amiga em 7 de abril de 1976

Um comentário:

Unknown disse...
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