quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Memórias de Setorista da Boca XV (e final): Cláudio Cunha





Rua das Palmeiras, bairro de Santa Cecília, centro de São Paulo. Toda vez que passo por lá eu lembro de um certo sujeito. Um camarada sorridente, alto e magricelo. Algumas vezes ele usava barba e as vezes não. Ele foi um dos sujeitos mais subestimados da história cinematográfica do Brasil. Estive no apartamento dele umas duas ou três vezes. O prédio continua lá: velho e caindo aos pedaços. O edifício é bem próximo ao antigo Lord Hotel e da Paróquia de Santa Cecília. É uma igreja bonita com quadros de Benedito Calixto e Oscar Pereira da Silva, dois nomes sagrados da pintura paulista do século XIX.



Mas esse amigo marcou época. Ele foi um diretor ambicioso, inventivo e talentosíssimo. Foi um dos nomes sagrados da Boca paulista. Tanto que se tornou produtor de renome na Triunfo e teve uma briga com os monstros sagrados da família real da Embrafilme. Por outro lado, esse realizador não soube acumular dinheiro por conta dos seus sucessos de bilheteria. Casou diversas vezes com algumas das mulheres mais desejadas do país. Talvez ele também não soube se colocar como figura séria. Eles levam mais a figura do personagem que ele interpretou no teatro durante décadas: o Analista de Bagé. Mas ele foi muito mais que isso.



Ele foi registrado como Cláudio Francisco Cunha. Isso porque a mãe dele era devota de São Francisco de Assis. Parece que a mãe do Cláudio saiu de uma igreja no mesmo momento conheceu o pai dele que se chamava Horácio. Cláudio morou na sua infância e durante seus primeiros anos no bairro da Vila Guilherme, zona norte de São Paulo. Ele me contou que seu avô tinha uma amante muito querida por ele. O Cláudio chamava a namorada do avô de avó. Parece coisa de filme.



Quando o avô dele ia ver a amante ou alguma garota Cláudio ficava no Cinespacial, uma sala de cinema que ficava na Praça da Sé. Foi lá que o então garotinho viu as chanchadas da Atlântida e os seriados norte-americanos. Cláudio Cunha tinha preferência por cômicos nacionais como Dercy Gonçalves, Zé Trindade e Oscarito. Entre os estrangeiros sua preferência era Mel Brooks. Ele também decorava as crônicas do “Febeapá”, um verdadeiro bestseller da época do imortal Stanislaw Ponte Preta. Ele contava as piadas e as peças do livro nas festinhas do seu bairro, a Vila Guilherme. Foi daí que começou a gostar de humorismo e depois começou a ser figurante na TV Excelsior. Sua sorte começou a mudar quando estrelou a novela “Meu Pedacinho de Chão”. Ali foi sua primeira grande tacada, um verdadeiro sucesso nacional. A atração era passada na TV Globo e depois começou a ser reprisada simultaneamente na TV Cultura de São Paulo. “Eles passavam a novela quatro vezes no mesmo dia. Dá pra acreditar?”, me contava o Cláudio. O seu personagem chama-se Isidoro e fazia dupla cômica com Canarinho que fazia o malandro Rodapé.



Cláudio sempre teve o mesmo tipo físico: branquelo, grandalhão, desajeito, magricela. O baixinho Canarinho foi o primeiro negro da TV brasileira e é mais lembrado por ser coadjuvante na “Praça É Nossa” do SBT. Os dois tornaram-se marcas registradas da atração. Cláudio era o grandalhão bobo feito de idiota pelo baixinho inteligente Canarinho. Os personagens dos dois acabou crescendo muito mais que o previsto. O autor Benedito Ruy Barbosa teve que desdobrar-se para aumentar a dupla cômica de “Meu Pedacinho de Chão”. Canarinho tornou-se uma espécie de amuleto de Cláudio Cunha. O baixinho esteve presente em todos os filmes dirigidos pelo realizador menos no último. “Meu Pedacinho de Chão” é um elemento fundamental da obra do diretor da Vila Guilherme. Isso porque foi ali que ele teve contato com pessoas que seriam fundamentais na sua carreira de cinema: Canarinho, Dionísio de Azevedo, Maurício do Valle e o próprio autor Benedito Ruy Barbosa. O autor mineiro fez o roteiro de três longas-metragens de Cunha: “O Dia Em que o Santo Pecou” (1975), “Amada Amante” (1978) e “Sábado Alucinante” (1979). Eles foram muito próximos mas depois se afastaram. Essa é uma história bem pessoal deles. Sei de algumas coisas que o Cláudio me contou. Tinha tanta coisa para falar desse cineasta dedicado e talentoso de tantos sucessos de bilheteria. Se fosse escrever os dez melhores diretores da Boca o nome do Cláudio estaria lá. Cláudio Cunha é muito mais que o cara engraçado que correu o Brasil com as peças do Analista de Bagé. Seu nome está perpetuado na galeria de ilustres subestimados da história do cinema, do humorismo e da TV brasileira. Grande cara.

2 comentários:

RODRIGO ALVES ( RAMS ) disse...

Só uma correção : o cinema da Pça da Sé se chamava Cinemundi
Cinespacial era o cinema da S.João q possuia 3 telas
Abç

Unknown disse...
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