quinta-feira, 7 de maio de 2020

Semana “Placar Mais” no VSP: “Meio século na pior” (Placar, 12 de maio de 1989)


O eterno perdedor Íbis

MEIO SÉCULO NA PIOR


Por Jorge Luiz Rodrigues

Com uma história cheia de goleadas humilhantes e personagens pitorescos, o Íbis completa 50 anos de vexame

O dia 16 de abril de 1989 tinha tudo para entrar na história do Íbis Sport Club, do Recife. Já acabara o primeiro tempo e os poucos mais de cinquenta espectadores no Estádio do Arruda testemunhavam o que parecia impossível: com um gol de Derivaldo, cobrando pênalti, o Íbis vencia o Estudantes de Timbaúba. “Temos de nos fechar e jogar no erro deles”, dizia um entusiasmado Derivaldo, em meio os eufóricos companheiros, durante o intervalo. Era a esperança de vitória que o time não via há onze meses, desde os 2 X 0 no Sete de Setembro, em maio de 1988. Pois continua sem ver. Final do jogo e o Estudantes virou o marcador para humilhantes 5 X 1.

Quer dizer, goleada humilhante para qualquer outro time. Mas o Íbis não é qualquer um. Basta ver os números. Entre julho de 1980 e junho de 1984, por exemplo, passou exatos três anos, dez meses e 26 dias sem vencer – foram 54 partidas, 48 derrotas e seis empates. Um autêntico recorde, mas não o único. Outra marca insuperável são as 23 derrotas consecutivas em 1981. Ano em que o Íbis perdeu todas as partidas que disputou no Campeonato Estadual.

Um retrospecto que levaria qualquer clube á extinção. Mas não o Íbis. Ele chegou a seu cinquentenário, comemorado sem estardalhaço no dia 15 de novembro do ano passado, dentro da filosofia de seu presidente Ozir Ramos, no cargo há 31 anos. “O Íbis é como paixão de bêbado por cachaça”, compara. “Sabe que faz mal, mas não larga o vício”. Afinal, como lembra Ozir, para o time rubro-negro mais que competir “o importante é existir”.

Nessa dura existência do Íbis não faltam personagens pitorescos fora de campo. O zagueiro Omar, filho do presidente, é delegado, o ponta Miratan comissário de polícia, e o volante Xuxa, vigilante. Pelo menos, segurança não falta ao time. Muito menos gráficos, estudantes, professores, comerciantes, funcionários públicos e até um cabelereiro. É o apropriadamente batizado Mauro Shampoo, camisa 10.

Dono de dois salões de beleza, Shampoo se considera o mais bem sucedido do time. Por incrível que pareça, o responsável é o próprio Íbis. “As partidas ajudam a me promover como cabelereiro”, contra o responsável pela cabeça de mais de vinte jogadores de outras equipes, entre eles Betão, lateral do Sport, e Rinaldo, hoje centroavante do Fluminense. O problema é que Shampoo não retribui o favor. Ele está há três anos no clube e nunca sentiu o gostinho de vitória. “O time só ganhou quando eu não estava em campo”, explica sem jeito. Não é um caso único. O centroavante Alexandre também está “invicto”. Pior, não marcou um gol sequer em dois anos. Como castigo, virou goleiro reserva do time.

“Pior que o Íbis só o meu salário”, completa o volante Xua, ainda encontrando humor para falar do time. Nem a falta de recursos parece irritá-lo. “Difícil mesmo é sustentar mulher e quatro filhos com os 93 cruzados novos que ganho como vigilante”, explica. Na verdade, o próprio Íbis, em matéria de finanças, não fica longe de Xuxa. Em dia de jogo, a condução fica por conta dos jogadores. “Nossa concentração é o ponto de ônibus. E quem, quiser bicho tem de esticar até o jardim zoológico”, brinca o zagueiro Iaúca.


Com um pouco de imaginação, pode-se fazer um contrato vantajoso. No fim dos anos 70, o Íbis estava desesperado atrás de um goleiro. O atual preparador físico Carnaval era uma boa opção. Só não havia dinheiro para contratá-lo. “Se me derem uma dentadura nova, eu topo”, propôs o jogador. O negócio foi fechado na hora.

Infelizmente, desde então, Carnaval não teve muitos motivos para rir. Em 50 anos de vida, possui pouco ou quase nada do que orgulhar: o título juvenil de 1946 – o único de sua história – e a inacreditável vitória de 1 X 0 que tirou o derrotado Sport da luta pelo título de 1970.

Tantas histórias vão virar documentário. Um projeto do jornalista Pedro Osterno. “Vou mostrar o lado poético desses cinquenta anos”, explica. Ele só não sabe onde vai exibir a sua obra. “O futuro do documentário é tão incerto quanto o do Íbis”, admite. Exagero. Na vida do eterno derrotado Íbis nada é mais previsível que o futuro.



CRAQUE TAMBÉM NASCE NO ÍBIS
Se o time tradicional só dá vexame, as divisões inferiores do Íbis, pelo menos, têm um passado glorioso. Além do título estadual juvenil de 1946, quatro ídolos passaram pelo clube no início de carreira. “Foi lá, em 1947, que dei meus primeiros passos no futebol”, lembra o centroavante Vavá, bicampeão mundial em 1958 e 1962. Outros dois ex-jogadores da Seleção Brasileira usaram a camisa rubro-negra foram o lateral santista Rildo, em 1959, e o meia-direita Bodinho, sensação do Internacional, de Porto Alegre, na década de 50. Mais recentemente, foi a vez de outro colorado, o meia Vasconcelos, hoje no La Serena, do Chile.

Nos tempos atuais, os juniores seguem o figurino dos profissionais. Em 1988, o Íbis só venceu dois jogos, um deles por WO. Nas duas primeiras partidas do Campeonato Estadual, a garotada já levou dezenove gols: Santa Cruz 8 X 1 e Náutico 11 X 0. “É difícil, mas não podemos desanimar”, argumenta o técnico Paraguai. Assim, logo cedo, eles já aprendem o que é ser um jogador sofrido do Íbis.


Publicado originalmente na revista Placar, edição 986, em 12 de maio de 1989.

Nenhum comentário: