sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

VSP Entrevista: Inti Queiroz, do PSOL: “O Boulos é um político em construção. Ainda vai crescer muito mais”

 

A professora e produtora cultural Inti Queiroz (PSOL) foi candidata a vereadora de São Paulo em 2020. Foto: acervo pessoal

A professora, linguista e produtora cultural Inti Queiroz, 47 anos, foi candidata do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) a vereadora da cidade de São Paulo em 2020. Ela participou ativamente da chapa “Pra Virar o Jogo” (PSOL-PCB-UP) com a candidatura de Guilherme Boulos para prefeito e Luiza Erundina a vice. Inti tem atuação marcante nas áreas de cultura e educação. Nesta entrevista exclusiva ao VSP, a professora reflete sobre o resultado das eleições 2020 e este novo momento da esquerda e do PSOL no Brasil.                                                       

VSP- Como a senhora iniciou sua militância no PSOL?

Inti Queiroz- Eu atuo politicamente há mais de 30 anos. Comecei no movimento estudantil desde a escola, depois na universidade e mais tarde nos movimentos sociais da cultura onde atuo mais fortemente de uns 5 anos pra cá, até por ser especialista no assunto. Ambas são minhas áreas de trabalho. Entrei no Psol em 2019, mas já fazia algumas parcerias com eles há alguns anos, articulando nas lutas da cultura e educação. Minha militância dentro do partido é recente e busco ajudar nas lutas dos setores que eu atuo.


VSP- A senhora é da área de educação. Qual é a sua avaliação do modelo educacional desenvolvido pelo PSDB na prefeitura e governo do estado de São Paulo?

IQ- (Sou trabalhadora da educação e da cultura). O modelo de educação no Brasil como um todo é muito ultrapassado apesar de termos alguns avanços importantes nos últimos anos. Não é culpa exclusiva do PSDB. Isso vem de anos e anos de escolhas ruins e de um projeto político conservador que norteia a gestão pública desde sempre. Porém um olhar mais atento a política no estado de SP, que é governado há mais de 30 anos pelo mesmo grupo político, tem mostrado um projeto de sucateamento da educação pública visando a privatização, e isso inclui também as Universidades Estaduais. Trabalhadores da educação cada vez mais desvalorizados e muitos problemas de ordem pedagógica e estrutural.



VSP- A senhora também tinha muitas propostas para a área da cultura. Muita gente tem uma visão equivocada dos profissionais dessa área. Quais eram as propostas da senhora e do PSOL para essa área?

IQ- Eu sou trabalhadora da cultura desde a adolescência. É minha principal área de atuação. Comecei como artista muito cedo, depois virei produtora, gestora, pesquisadora e de uns anos pra cá atuo também como professora de gestão cultural na universidade. Além trabalhar na área sou pesquisadora de referência de uns anos pra cá principalmente sobre legislação de cultura.

Tanto minhas propostas de campanha quanto as do Psol dialogam com o Plano Municipal de Cultura de SP, mas também trazem alguns avanços. Inclusive eu participei diretamente da escrita do projeto de Guilherme Boulos para a cultura. Tem bastante do que eu propus ali.  Inclusive um programa novo criado por mim para a chapa majoritária, o Escola da Cultura. Este programa busca colocar em diálogo a produção cultural nos territórios e as escolas da prefeitura, que passariam a atuar também como equipamentos culturais em algumas regiões da cidade. Das minhas propostas, destaco a criação de leis de fomentos a literatura, as artes visuais e para a produção cultural de artistas com deficiência. E também a criação de um projeto de lei de cotas de gênero e raciais para editais de cultura. Mesmo não tendo sido eleita, pretendo dar andamento a esses projetos a partir dos movimentos culturais.

Inti Queiroz e a deputada federal Sâmia Bonfim, ambas do PSOL. Foto: acervo pessoal

                               
VSP- A senhora conheceu bem a chapa Boulos e Erundina desde o início. Os dois tiveram um desempenho marcante chegando ao Segundo Turno. Na avaliação da senhora, quais eram as maiores virtudes do Boulos?

IQ- Eu fiz parte da chapa como candidata a vereadora e como integrante do grupo que escreveu o plano de governo da chapa. Já conhecia a Luiza Erundina, com quem tive a oportunidade de me reunir algumas vezes nos últimos anos, e considero uma mestra inspiradora. O Guilherme Boulos eu conheci pessoalmente no início desse ano. Acho que o Boulos é um político em construção. Ainda vai crescer muito mais. Porém sua maior virtude vem de sua trajetória de mais de 20 anos em movimentos de educação e moradia. Isso é uma importante escola de política, uma construção orgânica e que não vem de uma construção apenas institucional. Não há possibilidade de construir política social sem conhecer quais são realmente as demandas das bases. Não num país tão desigual quanto o Brasil. Só a atuação em movimentos sociais proporciona esse olhar. Também venho dessa escola, ainda que minha trajetória seja nos movimentos de educação e cultura. Boulos tem carisma, é um bom comunicador e sabe dialogar com a juventude. Isso é uma grande vantagem também.


VSP- A senhora acredita que o Guilherme Boulos tornou-se um novo nome nacional da esquerda pela votação marcante?

IQ- Acho que sim. A eleição muito disputada de SP acabou reverberando em todo país. Ele cresceu bastante politicamente com essa eleição. Sua atuação forte nas redes sociais fez a campanha dele ser nacional. O Brasil inteiro assistiu os vídeos e lives do Boulos.


VSP- No segundo turno, o Boulos juntou apoios de líderes de esquerda ou centro-esquerda de diferentes legendas como Ciro Gomes, Flávio Dino, Luís Inácio Lula da Silva e Marina Silva. Na avaliação da senhora o quanto isso foi positivo? Se isso tivesse acontecido desde o primeiro turno o resultado final poderia ter sido diferente?

IQ- Acho que isso aconteceu no segundo turno por conta da importância de SP em âmbito nacional. Para estes nomes fortes nacionalmente e possíveis presidenciáveis, esse apoio falava mais sobre eles do que pela chapa do Psol efetivamente. Mas ao mesmo tempo trouxe um peso muito grande ao nome do Boulos e até do Psol, que com certeza cresceu muito politicamente com essa eleição.  Difícil dizer o quanto isso foi positivo de fato, já que foram apoios por motivos diferentes e realizados de formas diferentes. Em tempos de tanta polarização política é difícil dizer o que de fato é positivo e pra quem. Curiosamente, em eleições passadas alguns deles preferiram apoiar candidatos tucanos, como por exemplo fez Marina Silva em 2015. Eu duvido que haveria qualquer possibilidade de apoio no primeiro turno, já que todos os partidos lançaram candidatos à prefeitura por conta do fim da coligação proporcional e a fim de garantir um mínimo de votos para seus candidatos a vereança.

VSP- O PSOL triplicou sua chapa na Câmara Municipal de São Paulo elegendo seis vereadores. A senhora acredita que isso seja um fator positivo para a legenda?

IQ- Com certeza que sim. O partido cresceu muito em termos de quantidade de votos para os parlamentos nas últimas eleições e provavelmente crescerá mais. É muito bom termos a bancada mais plural do Brasil. Isso nos fez crescer e nos fará crescer cada vez mais pois representatividade importa. E o fato de agora sermos a terceira maior bancada da Câmara Municipal possibilitará ganharmos mais espaço em comissões importantes e com isso mais força politicamente.


VSP- Qual a avaliação que a senhora faz da sua candidatura? Quais foram as maiores dificuldades da senhora?

IQ- Foi minha primeira eleição e tive 5713 votos. Foi um bom resultado se avaliar pela minha inexperiência eleitoral (foi a primeira eleição para todas as pessoas da minha equipe também), os poucos recursos disponíveis, o fato de ser mulher e o fato de ser uma candidata independente no Psol. Mas acho que a maior dificuldade foi lidar com as incertezas da pandemia, que atrapalhou muito o planejamento. Era impossível saber o que aconteceria adiante. Foi necessária uma dose extra de coragem e determinação.


VSP-  O PSOL elegeu um prefeito numa capital em Belém. Mas poucos no estado de São Paulo. Isso é reflexo do domínio do PSDB no estado? Como é ser oposição a um partido tão forte em São Paulo?

IQ- O Psol ainda é um partido pequeno e jovem mas muito combativo. Sem dúvida é bem difícil ser oposição a uma máquina partidária que tem o dobro de tempo de existência e dez vezes mais recursos como o PSDB.


VSP- No meio legislativo, o PSOL é conhecido pelos parlamentares combativos e fiscalizadores. Como a senhora reagiu ao ato covarde do deputado Fernando Cury a deputada Isa Penna do seu partido?

IQ- Como mulher, eu fiquei chocada e muito triste pois já sofri várias situações misóginas, de assédios e abusos, inclusive dentro do meio político. Assim que soube do ocorrido, postei em minhas redes meu repúdio e não só por ser minha companheira de partido. Reagiria da mesma maneira se tivesse acontecido com qualquer outra mulher parlamentar pois foi muito absurdo.


VSP-  A senhora acredita que lideranças de outros partidos como o governador João Doria e o prefeito Bruno Covas também deveriam se pronunciar nesse caso?

IQ- Qualquer pessoa com um mínimo de ética e respeito pelas mulheres deveriam repudiar o ocorrido pois foi um ato de abuso sexual.


VSP- Muitos analistas políticos acreditam que o PSOL seja uma espécie de PT dos anos 1980 ou pré-PT. O que a senhora acha disso?

IQ- Acho que não. São construções e histórias muito diferentes. Só pelas conjunturas vividas por cada partido é impossível comparar.


VSP- Num debate longo no Brasil 247, o deputado federal Marcelo Freixo avaliou que dois problemas da esquerda atual é a falta de diálogo com o meio evangélico e a falta de um projeto real de segurança pública. O que a senhora acha disso?

IQ- Eu concordo com ele de um modo mais geral nisso, apesar de não concordar totalmente em relação a algumas propostas dele sobre segurança pública.

VSP- Na sua avaliação, como vem sendo o desempenho dos governos municipal e estadual com a pandemia do Coronavírus?

IQ- Infelizmente a atuação de ambos acabou tendo um olhar muito mais eleitoreiro do que de eficiência e preocupação social. Perderam a possibilidade de fazer um período de lockdown mais radical por medo de perderem apoio político. Isso poderia ter evitado muitas mortes nos primeiros meses. Não fizeram testes na população que teve que continuar trabalhando. Não deixaram que os legislativos aprovassem auxílios emergenciais locais aos trabalhadores. Eu mesma participei ativamente das lutas pela aprovação de leis emergenciais para a cultura e vi o descaso a esse setor tão importante para a economia do estado e tão afetado com a pandemia.  A aprovação de um auxílio emergencial aos trabalhadores seria muito importante principalmente a nível municipal já que o custo de vida na cidade de São Paulo é altíssimo. Mas ainda assim foram um pouco mais racionais e sensatos do que o governo federal que agiu de forma completamente absurda em diversos momentos.


VSP- O que a senhora achou do prefeito Bruno Covas aumentar o próprio salário logo após assumir a prefeitura?

IQ- Qualquer aumento salarial do executivo é sempre bem complicado. E em tempos de crise e que não há aumento real do salário dos servidores de base é um absurdo. Agora é preciso dizer que esse aumento não funciona bem assim, ele é balizado pelo legislativo e pelo judiciário que tem muito interesse em subir o teto salarial para que possam ganhar mais também.

VSP- Quais são as expectativas da senhora para o governo Bruno Covas?

IQ- Acredito que a ala mais conservadora deve ganhar força nessa nova gestão. Na distribuição de cargos e secretarias isso ficará bem evidente. Ricardo Nunes não é o vice dele à toa. Temo muito pela revisão do Plano Diretor a partir do ano que vem. Prevejo muita luta nossa contra o desmonte do PDE.

Inti Queiroz e a vereadora eleita Erika Hilton, ambas do PSOL. Foto: acervo pessoal