domingo, 18 de abril de 2021

Bastidores do rádio, parte VII de VII: Apêndice

Bastidores do rádio, parte VII de VII: Apêndice

 

Por Renato Murce

Seleção e transcrição: Matheus Trunk

 

“Alma da Sertão”

Pouca gente sabe que, entre todos os programas que produzi, era o meu preferido. Nele sentia eu a verdadeira alma do nosso caboclo, quase sempre ignorante, analfabeto mesmo, mas cheio de qualidades que eu desejava ressaltar: argúcia, malícia, sua pertinácia lutando contra tudo e contra todos. Enfim, via no homem do interior o verdadeiro cerne de nossa nacionalidade. “Alma do Sertão”, por isso, fugia aos padrões comuns de outros gêneros. Apenas com modas de viola, conversas caipiras, cheias de tolices, etc. Sempre apoiando-me nos grandes nomes que se dedicavam ao gênero, como Amadeu Amaral, Luís da Câmara Cascudo, Leonardo Mota, Rodrigues de Carvalho, Ari de Lima, Eduardo Campos, Zé da Luz, Frei José M Audin (conviveu com o nosso homem do campo por mais de 40 anos). Encontrei assunto o mais variado. Desde poesia, os costumes, as lendas, os ditados, a medicina do sertão (diversificada conforme a região onde era usada), tudo era devidamente radiofonizado e levado até o ouvinte.

Tive a ventura de constatar que, ás quintas-feiras no horário de “Alma do Sertão”, o Brasil, no seu interior, quase que parava. Só para ouvi-lo. Explica-se, pois, a minha preferência por “Alma do Sertão”. Mesmo perdendo ligeiramente em popularidade para o “Papel Carbono”, que revelou um sem-número de astros e estrelas.

 

Catulo

Ao radiofonizar os poemas de Catulo (alguns deles muito bonitos e bem feitos) “ressuscitei” um nome que estava completamente no ostracismo. Seus livros, antes encalhados nas livrarias, esgotaram-se rapidamente. Novas edições foram feitas, e ele se animou a escrever mais dois ou três livros. Resolveu, também, vaidoso que era, ir ele mesmo divulgar seus versos na Rádio Nacional (eu ainda não estava lá), passando quase despercebido. Em pouco tempo desistiu.

Os poemas de Catulo como “A Promessa”, “A Vaquejada”, “Quincas Micuá”, “A Resposta do Jeca Tatu”, “O Lenhador”, “A Justiça do Crime”, “Terra Caída”, e tantos outros, eram muito bonitos em sua essência, mas “chatérrimos” pelo seu tamanho. Era necessário, para o rádio, transmitir somente aquilo que interessasse e prendesse a atenção do ouvinte. Intercalava-se, nos lugares oportunos, a música condizente com o assunto. Era o segredo do sucesso que fazíamos com os poemas. Catulo não se conformava. Chamava isso de “estropiar a sua poesia”. Além de vaidoso, era um ingrato de boa cepa.

Certa vez, quando estava na Transmissora, escreveu-me um bilhete pedindo para irradiar poemas do seu livro Um Boêmio no Céu. Um verdadeiro manancial do auto endeusamento. Qualquer pessoa que folheá-lo poderá constatar. Fiz, como de costume; resumi uma das partes, musiquei-a e incluí-a em “Alma do Sertão”. Ele, que já era muito popular (às minhas custas), não teve dúvida. Escreveu-me um bilhete, danado da vida, onde dizia: “Renato, estou aborrecido com você por não ter aparecido. Nem ao menos ter feito o que lhe pedi em carta anterior. Quem perde com essa desatenção é você. Desejava apenas dar-lhe umas opiniões e “guiar-lhe” nos seus propósitos de irradiações. Pois bem, você anuncia-me pelo rádio, e eu mesmo irei recitar, caso queira, uns fragmentos do Boêmio. Depois da detenção que teve para comigo não sei lhe merecerei esse obséquio. Catulo”. Isso foi em 17 de março de 1936. Diante dos termos desse bilhete, não irradiei nem respondi a coisa nenhuma.

Dias depois ele apareceu em pessoa. Ainda para reclamar. Mas disse-lhe apenas: Catulo, você está ficando muito paulificante. Para evitar mútuos aborrecimentos, resolvi não irradiar mais os seus poemas. Aí, ele caiu em si. Muito humilde, retrucou: “Não é nada disso, eu não quero aborrecê-lo! Pensei que pudesse colaborar, mas se você não quer, paciência. Mas não deixe de divulgar minha obra, que isso me tem sido muito útil”. Fiquei penalizado. Continuei incluindo seus versos nos meus programas, mas à minha moda. Só deixei de fazê-lo depois da sua morte: o herdeiro artístico, um jornalista desconhecido, um tal de Guimarães Martins, passou a exigir direitos autorais exorbitantes sobre a obra do vale maranhense...

 


As revistas sobre rádio

Tiveram influência muito grande na vida do rádio. Eram revistas especializadas no assunto: faziam a cobertura de toda a vida radiofônica. As principais foram: A Voz do Rádio (a mais bem feita), Cine Arte, Cinerádio Jornal, Carioca (do grupo A Noite), Cinelândia Alô e Revista do Rádio (esta a mais famosa e de vida mais longa, abordando todos os assuntos de modo muito popularesco). Isso convinha, aliás, ao grande público, que lhe dava preferência. Só fotos de Emilinha, Marlene, Ângela Maria, como “capa”, foram publicadas mais de 50 de cada. Era preciso vender, e assim, vendia!

 

Os técnicos

Injusto seria escrever o rádio sem uma referência elogiosa aos técnicos: operadores de cabine, contra-regras e sonoplastas. A lista é grande, não comporta a enumeração dos nomes de todos, mesmo porque não sei. Mas é a classe mais útil. E a mais injustiçada do rádio. Basta dizer que, no livro comemorativo dos 20 anos de Rádio Nacional, constam apenas de passagem uma referência aos 59 magníficos operários desse setor. Pessoas imprescindíveis ao funcionamento da emissora. Contudo nem um só nome de todos os outros departamentos foi esquecido. Infelizmente não disponho de elementos, nem de memória, nem de arquivo pessoal para reparar essa injustiça. Mas, pelo menos, os dois melhores sonoplastas e melhores contrarregras posso lembra-los aqui: Edmo do Vale, Lourival Faissal, Jorge Bico e Ivan Faria.

 

Promoção de conjuntos do interior do país

Realmente importante será contar o esforço da Rádio Nacional para trazer aos seus estúdios, no Rio de Janeiro, conjuntos atuantes no interior. Só por intermédio do programa “Papel Carbono”, vieram: Centro de Tradições Gaúchas Lalau Miranda, de Passo Fundo, com 55 pessoas; Conjunto Artístico do Liceu de Uberlândia, 30 pessoas; Orquestra Continental de Jaú, com 27 músicos e um excelente cantor, Waldomiro de Oliveira; Madrigal Renascentista, com Isaac Karabtchevsky. Finalmente, a série imensa de bandas do interior, que aqui aportaram para atuar no famoso programa de um dos maiores radialistas que o Brasil já conheceu, o Paulo Roberto: a célebre “Lira do Xopotó”.

 

Heber de Bôscoli e “Trem da Alegria”

Na citação dos programas famosos e de auditórios, merece lugar destacado, pelo dinamismo e habilidade, um grande radialista, prematuramente desaparecido: Heber de Bôscoli. Formava com Yara Sales e Lamartine Babo o famoso “Trio de Osso” (eram todos muito magros). Faziam a apresentação diária do “Trem da Alegria”. Tinha tanta frequência que precisou sair dos acanhados estúdios das rádios para ser transmitido diretamente do Teatro Carlos Gomes. Foi uma etapa brilhante nesse gênero de programas. A “Hora do Pato” (que era uma das suas secções), ao receber, de vez em quando alguma crítica, mereceu, do Heber, este slogan que ficou célebre: “Se o ouvinte prefere a “Hora do Pato”, porque discutir com o ouvinte?”.

 

O rádio evoluiu ou involuiu

É evidente que o rádio evoluiu. E muito, com o correr do tempo. Depois de luta ingente para a sua sobrevivência com o advento da televisão vem obtendo relativo sucesso. Infelizmente, porém, em alguns setores vem involuindo, assim como quem tem uma “recaída”. Reparem no grande número de programas musicais: voltou aquele costume nitidamente provinciano de “Agora vamos irradiar..., que Fulaninha de Brás de Pina ofereceu a sua amiguinha de Nova Iguaçu”. Os responsáveis por esse tipo de programação foram sempre uma das grandes “pragas” do rádio brasileiro.

 

Curiosidades do rádio

Logo depois de inaugurada a Rádio Nacional, numa reunião com as diretorias das demais emissoras, ficou resolvido: seria instituído o Dia do Rádio, a ser comemorado a 21 de setembro, data mantida até hoje. No primeiro ano, o Dia do Rádio foi comemorado: todas as estações silenciaram (no que deram uma prova extraordinária de força, pela falta que fizeram). Realizaram uma grande festa na Quinta da Boa Vista: churrascada, corridas de calhambeques, diversas gincanas, música e outras diversões.

No segundo ano, o rádio “fez meio dia”. Irradiou até ás 12 horas. Depois houve um churrasco nos transmissores da Nacional. No terceiro ano, o dia do rádio foi “comemorado” com uma transmissão de 24 horas consecutivas, trabalho insano. Ninguém sabe por quê. Depois dos festejos do Dia do Rádio foram sumindo...Hoje pouca gente sabe que 21 de setembro é Dia do Rádio.

 

Greve no rádio

Pouca gente, muita pouca mesmo sabe que o rádio já fez uma greve. Pois fez. Foi assim: a 12 de julho de 1933, as emissoras então existentes, a Rádio Sociedade, Rádio Clube do Brasil, Rádio Philips, Rádio Educadora, Rádio Guanabara, Rádio Dacuji e Rádio Jornal do Brasil saíram do ar, em represália a uma medida, que elas acharam exagerada, das Sociedades Arrecadoras: a cobrança dos direitos autorais. Devo essa preciosa informação ao meu amigo, grande baluarte do rádio em todos os tempos, Floriano Faissal. Ignorava eu os detalhes do fato.

 

Donga e o samba

Ernesto dos Santos, o popularíssimo Donga, é considerado um dos grandes do nosso samba. Autor de tantas músicas que se celebrizaram, a começar pelo tão “badalado” “Pelo Telefone”. Era muito meu amigo. Gostava muito de um bate-papo. Donga, em 1933, tinha se casado com uma moça de belíssima voz de soprano lírico, Zaíra de Oliveira dos Santos. Foi escalada diversas vezes no meu programa “Horas do Outro Mundo”. Donga, muito justamente, tinha enorme orgulho da esposa e desmedida admiração por sua arte.

Certa vez, em conversa, ele me disse (assim muito confidencialmente, como em segredo), referindo-se ao gênero que sua mulher cantava: “Renato, eu agora estou convencido: música, arte, é isso. Esse negócio de sambinhas, chorinhos, etc., é muito bom pra gente se divertir, pra gravar, ganhar dinheiro. Não chega aos pés da música clássica”. Lamento que ele tenha desaparecido, e que não haja quem possa testemunhar declaração tão original, partindo de quem partiu.

 

Francisco Alves

Certa vez apareceu em meu programa um cantor de voz admirável. Perfeitamente igual, em timbre, à do Chico Viola. Com uma vantagem: mais nova, mais potente (Chico já tinha ultrapassado a casa dos 50). Chamava-se Ericson Marta. Vítor Costa mandou que ele fizesse o programa da Casa Garson, “Quando os Ponteiros se Encontram”, ao meio-dia dos domingos, substituindo o titular, que estava de férias ou fazendo uma excursão, já não me lembro bem.

O rapaz fez uma “onda” tremenda. Todos queriam saber quem era. Muitos pensavam que era o próprio Chico rejuvenescido. O Chico, mesmo em viagem, ouviu o programa. Não gostou: tinha alguém fazendo-lhe concorrência (e dentro da própria estação). Ao voltar, dirigiu-se imediatamente ao Vítor Costa e impôs: se esse “cara” continuar me imitando saiu da rádio. E levo comigo o patrocinador. O patrocinador era o seu grande amigo Abraão Medina (então sócio da Casa Garson), a quem o rádio muito deve. Não houve dúvida. Vítor dispensou o Ericson. Pôs o Orlando Silva em seu lugar. Algumas semanas depois, o Chico trazia de São Paulo um cantor, apresentando-o ao Vítor: “Olhe, aqui está o João Dias; este é que é meu substituto. E o herdeiro da minha voz”. Depois, mais que herdeiro da voz de Chico Alves, o João Dias se tornou cantor de grande renome.

 

A ABR: Associação Brasileira de Rádio

A Associação Brasileira de Rádio (da qual sou sócio proprietário e fundador nº 8) foi presidida por Gilberto de Andrade e por Vítor Costa, depois por Manoel Barcelos (ocupei a presidência por dois meses, quando Barcelos tirou férias para se casar). Manoel Barcelos foi, um presidente eficientíssimo. Levara a cabo uma série louvável de iniciativas em prol dos associados. Porém, tinha a associação como feudo. Tanto era assim que fazia tudo sem dar satisfação a ninguém.

Anunciava sempre, como bandeira, para as suas reeleições, a construção do Hospital do Radialista. Ninguém reclamava: o hospital realmente foi construído. Serviu mesmo de padrão para qualquer iniciativa do gênero. Pomposa foi a inauguração. Teve presença até do presidente da república; altas autoridades, inúmeros radialistas e grande massa de povo. Todos se regozijavam com a obra, capaz de enaltecer qualquer administração.

Daí para frente a coisa começou a declinar. O hospital carecia ainda de ser complementado. Não prestava todos os serviços a que se propunha. Manoel Barcelos fazia questão de comparecer a todas as reuniões sobre qualquer assunto representando a ABR. Começou a faltar a essas reuniões. Até afastar-se e deixar, com surpresa para todos nós, a presidência da ABR.

 

César de Alencar

Foi, sem a menor sombra de dúvida, o mais popular e o melhor animador de programas de auditório que o rádio já teve. Já frisei o quanto seu programa era ouvido e apreciado. Basta dizer que o “Programa César de Alencar” era um dos poucos que vendia ingressos para o auditório. Os ingressos, via de regra, esgotavam com duas semanas de antecedência. Hoje, no entanto, a imagem do César – que tive como filho durante muito tempo (quem o colocou no rádio, fui eu) – está algo esmaecida; e sua popularidade um pouco esquecida.

 


Os programas gravados ao vivo na Rádio Nacional

Na época áurea da Rádio Nacional todos os grandes programas eram gravados ao vivo. Não só aqueles irradiados em estúdio fechado. Também os de auditório. Nestes, estavam marcadas, também, as ruidosas e espontâneas reações dos ouvintes. O que lhes dava um relevo especial. Mais de 5.000 discos (acetatos de 16 polegadas) foram assim produzidos.

No entanto, as direções que passaram pela Rádio Nacional pouca importância deram ao fato. Não souberam guardar e resguardar as referidas gravações. Tinham valor extraordinário; não só como documentário, como, até mesmo para possíveis e sempre desejadas reprises. Mandaram (diziam que por falta de espaço) um sem-número delas para a casa dos transmissores, em Brás de Pina. Ficaram jogadas em lugar inadequado e se deterioraram. Outras, fui encontrar mal empilhadas (e também se estragando) num compartimento, junto aos sanitários da rádio. Eram ainda cerca de 4.000 gravações. E quase a metade já estava inutilizada.

Pacientemente separei e arrumei mais de 2.000, ainda em bom estado e bastante aproveitáveis. Nesse trabalho, como que prevendo o que iria acontecer separei uma série dos meus principais programas: “Alma do Sertão”, “Piadas do Manduca” e “Tran-Chan Revista”. Copiei-os em fita para o meu pequeno arquivo. Também vários programas de Lauro Borges e Castro Barbosa com a famosa “PRK-30”.

Parece que estava adivinhando o que ia acontecer: a direção da rádio, alegando ter recebido ordens do Ministério da Fazenda, doou todas as gravações ao Museu da Imagem e do Som. Talvez estivesse certo, se aquela instituição desse ao fato o valor que ele merecia. Mas, depois de passados já cinco anos, os discos lá permaneceram. E ninguém se deu ao trabalho de arrumá-los. Qualquer consulta que se queira fazer, qualquer pesquisa sobre o assunto rádio, ficaram assim extremamente difíceis.

Destino idêntico teve a série de discos antigos da rádio (documentário valiosíssimo), e também as fabulosas orquestrações, feitas pelos maiores maestros do país (cuja relação já citei). Emolduravam programas sem paralelo que a Rádio Nacional transmitiu durante muitos anos para todo o Brasil.

No dia dessa inexplicável doação, o maestro Francisco Duarte (o dedicado Maestro Chiquinho, como era carinhosamente tratado), responsável pelas orquestrações, chorou de emoção. Como quem se separa de um filho muito querido. Também estão lá jogadas...

Além das orquestrações (especialmente feitas para todos os cantores da rádio), havia também as molduras musicais. Serviriam de modelo para qualquer rádio do mundo. Excepcionais eram os programas “Festivais GE”: “A Canção da Lembrança”, “Cancioneiro Royal”, “Um Milhão de Melodias”, “Carrossel Musical”, “Pelas Estradas do Mundo”, “Preferências Musicais”, “Um Musical Predileto”, “Dona Música”, “Clube do Samba”, “Horário dos Cartazes”, “Voz da RCA Victor”, “Alegria Meus Senhores”, “Caricaturas”, “Este Mundo é uma Bola”, “Nas Asas da Canção”, “Parada dos Maiorais”, “Quando os Maestros se Encontram”, “Seleções Musicais ABC”, e muitos outros. Do jeito como foram transportadas e “arrumadas” lá no museu, duvido muito que alguém, necessitando de alguma, especificamente, a encontre. É uma pena!...

 

Solidariedade: Campanhas através dos microfones

Não se pode negar certo espírito de solidariedade do rádio (e da TV). Isso, no sentido de colaborar: minorar efeitos de catástrofes; ou os sofrimentos e agruras dos que se sentiam ao desamparo. No entanto, muito mais poderia ser feito, se houvesse no meio um verdadeiro espírito de altruísmo. Este deveria presidir a todas as campanhas que foram feitas em diversos setores. Prevaleciam a emulação e ao empenho; ou a vaidade de uns aparecerem mais do que os outros. Além de certos promotores e auxiliares das referidas campanhas se acharem “sócios” dos que estavam sendo socorridos, pois sonegavam boa parte do que era arrecadado.

Promovi muitas campanhas: umas com maior, outras com menor êxito. Além de exigir a fiscalização das partes interessadas, prestei contas religiosamente de tudo o que pude apurar. Assim é que tenho, nos meus preciosos arquivos, os recibos autenticados de todas elas. Exemplo: campanha dos cigarros para os pracinhas, campanha do agasalho para nossos soldados (às quais já me referi noutra parte deste livro), campanha para ajudar as obras da matriz do Engenho de Dentro, que se constituiu na organização de dez shows com entradas pagas; tinha na bilheteria o próprio vigário da paróquia, tendo rendido um “dinheirão” para a época; campanha para os hansenianos de Curicica, sendo que desta tenho uma comovedora carta de agradecimento da grande dama que foi a Sra. Eunice Wave; campanha para o Asilo dos Cegos do Meiér (fizeram questão de mandar uma asilada ao Rádio Clube do Brasil passar o recibo e fazer um emocionante agradecimento lido em Braile, que também consta dos meus arquivos). Duas campanhas de Natal do sentenciado. Na segunda fomos à hoje Penitenciária Lemos de Brito. Entregamos ao diretor, da época (com a presença de jornalistas, fotógrafos, etc), a importância de 30 contos (muito dinheiro em 1943), além de objetos de uso, roupas, etc. Tempos depois recebia cartas de vários sentenciados. Tinham assistido à cerimônia de entrega, mas não tinham visto nem a cor nem o cheiro daquele dinheiro. Desconfio que quem teve um bom Natal foi o diretor do presídio.

Fiz duas campanhas para a Cruz Vermelha Brasileira durante a guerra. Vendi folhetos dos meus dois trabalhos: Regabofe dos Vândalos e Epopeia do Mundo. Renderam razoável quantia, da qual também conservo os recibos.

Enquanto estava preocupado com minhas próprias promoções não podia tomar conhecimento das outras. Talvez as demais emissoras as tivessem feito. O que me entristeceu profundamente foi, quando ao promover, pela Rádio Nacional, uma campanha em benefício da Rádio Clube de Passa Quatro (fora completamente destruída por um violento temporal que desabou naquela cidade sul-mineira), constatei a total indiferença e completo alheamento das grandes emissoras, tanto do Rio como de São Paulo. Fiz uma campanha intensa. Convoquei emissoras, ouvintes, banqueiros, enfim, toda a gente que pudesse colaborar. E o fiz por intermédio do programa “Papel Carbono”. Mas foi um fiasco tremendo! Apenas alguns ouvintes e três ou quatro pequenas emissoras do interior mandaram sua colaboração. Confesso que foi um tremendo fracasso. Tive até vergonha de anunciar o resultado.

Tive, porém, logo depois, uma compensação altamente valiosa: a Rádio Clube de Passa Quatro mandou ao Rio uma comissão de diretores. Era para informar que nosso esforço não fora em vão e a maneira como nos portamos frente aos microfones da Rádio Nacional sensibilizou os habitantes, tão só os da cidade como os de toda a região. Até mesmo o prefeito. Todos se mobilizaram. Em pouco tempo restauraram, pelo menos em parte, a emissora local. Já estava no ar. E o primeiro programa foi de agradecimento aqueles que, quase sozinhos, tinham compreendido o drama daqueles colegas. Tenho guardado, como joia preciosa, a manifestação dos meus amigos de Passa Quatro.

O leitor pode estranhar o fato de eu ter toda a documentação daquilo que fiz; mas não a exibo. É fácil explicar: primeiro essa documentação está à disposição de quem quer que dela duvide; segundo, é que, se fosse publicar tudo aquilo que tive a felicidade de fazer ou de cooperar (motivando as maiores informações de gratidão de pessoas, clubes, autoridades, etc.), teria que escrever outro livro. São três pastas cheias com o que já mais desvanecedor parta um homem que dedicou toda a sua vida ao rádio. Com a melhor das intenções. É parte importante da minha herança. Se não tiver valor material, terá, pelo menos, o mérito de um exemplo a seguir. Um pedido que faço aos meus netos e amigos: leiam o que contam essas três pastas depois que eu desaparecer. Estou certo de que ficarão me conhecendo melhor...

 

O rádio e a política

Ninguém desconhece a influência fantástica que o rádio teve em todos os movimentos políticos do país. Desde os tempos de Getúlio Vargas, sobretudo na propaganda (muitas vezes mentirosa) dos grandes feitos do governo, através dos órgãos e das horas que lhes deram disciplinadas, como em horários extras, por qualquer motivo e a qualquer pretexto. E também nas campanhas eleitorais.

O rádio, muito contra a vontade, era obrigado a ceder aqueles horários. A Agência Nacional impunha a fala dos candidatos, em sua maioria semi-analfabetos, ou, quando não, sem a menor vocação para um microfone. Isso foi repetido anos e anos; só não sei bem em que grau os resultados foram positivos.

Uma coisa, porém, é inegável: nunca as mães dos candidatos foram tão xingadas por esse Brasil a fora. Os tais horários designados pelo governo incidiam, quase sempre (eram os chamados horários nobres), nos programas da preferência do público. Quando a fala de algum candidato coincidia com a transmissão de um jogo de futebol (por mais burro que fosse o pretendente a uma cadeira na câmara ou no senado), ele abria mão daquele “direito” de falar: o público queria mesmo era ouvir o esporte. Pensava, assim, angariar a simpatia de meia dúzia de eleitores. Agora, o que não se pode negar é que as horas destinadas à propaganda eleitoral se transformaram, em pouco tempo, nos programas mais humorísticos do rádio brasileiro.

Houve uma campanha eleitoral em que o rádio se meteu. Teve sua curiosidade e não pode deixar de ser mencionada. Aliás, foi a primeira campanha eleitoral depois da ditadura Vargas já no governo Dutra, logo após ter sido votada a constituição de 1946. (Antes, como já nos referimos, houvera manifestações pelo sem-fio em prol de Armando Sales de Oliveira e José Américo, que batalhavam pela presidência em 1938: uma farsa que Getúlio armara para amainar os ânimos da opinião pública, e que ele mesmo ironizava, atrás do charuto e da barriga). O pessoal do rádio, animado com a popularidade dos seus nomes junto ao público, julgava a eleição dos nomes do sem-fio uma verdadeira “barbada”. Era só dizer pelo microfone: sou candidato a vereador, ou a deputado, e estava eleito! Puro e ledo engano.

Começou a campanha. Logo vimos vários candidatos do rádio pleiteando uma cadeira, qualquer que fosse: Manoel Barcelos, Celso Guimarães, César Ladeira, Paulo Roberto, César de Alencar, Paulo Gracindo, e até eu. Toda a “nata” da Rádio Nacional era a força indiscutível na ocasião. Entretanto, apareceu “uma pedra no meio do caminho”: sendo o rádio do governo, ficava terminantemente proibida qualquer campanha política pelos seus microfones. Nessa altura eu já tinha gasto um “dinheirão” com cédulas, cartazes, etc. Manoel Barcelos, então, que era o mais rico, já tinha dado um “rombo” bem razoável nas suas finanças.

No dia em que eu ia falar pela primeira vez ao meu “possível eleitorado”, veio a ordem taxativa: não pode” Mas não era só ao microfone da Nacional: o candidato daquela emissora não podia falar em nenhuma outra. Resultado: fizemos campanhas ridículas e inoperantes. Em colégios, nas ruas, em alguns comícios sem significação.

No fim, foram eleitos pelo rádio: Silvino Neto, o Pimpinela da Mayrink Veiga (levado pela força dos personagens humorísticos que criara); Ary Barroso, da Rádio Tupi, com a ajuda da “gaitinha” e da torcida do Flamengo; Átila Nunes, levado à “Gaiola de Ouro” pela umbanda. Este, com tal prestígio que, desaparecido, legou ao filho, Átila Nunes Filho, uma força política imensa, hoje deputado estadual.  Outro eleito foi Raul Brunini, da Rádio Globo. Além de culto e admirado pelo seu trabalho, teve a ajuda, inegavelmente ponderável, de Carlos Lacerda (nome discutido e muitas vezes contestado, mas ao qual não se podia negar inteligência e força política respeitáveis); finalmente (que me lembre), Sagramour de Scuvero, da Rádio Clube do Brasil, mercê de suas receitas culinárias, consultórios sentimentais, etc.

Como veem, nenhum da Rádio Nacional. E toda a gente a julgava, com razão, a grande força da época. Era engraçado ver a nossa ansiedade e a nossa decepção. Á medida que as apurações iam sendo feitas, nome e número de votos eram asfixiados nos corredores da Rádio Nacional. Custava a aparecer um votinho para cada um de nós. E o curioso é que, mesmo assim, consegui 727 votos (para pensar em ser eleito, ou mesmo para a suplência, precisava de pelo menos 3.000 votos). Assim mesmo, fiquei na frente de vários colegas da estação, que gastaram muito mais (julgavam-se, também, muito mais importantes).

Foi porém, uma experiência benéfica: deu para sentir que a política, salvo raras exceções, é um “troço” para quem tem um bom padrinho. Ou, então, muito dinheiro. E eu não tinha nem uma coisa nem outra. O engraçado é que me encontrei depois das eleições, com centenas, talvez milhares de pessoas, fãs e conhecidos. Mostravam-se compungidos por não terem votado em mim: “Ora, que pena! Eu não sabia que você era candidato!”. Pois sim! Uns 10 ou 15% talvez fossem sinceros; os demais queriam fazer média. Uma média que não tinha “pão com manteiga”...Tudo isso estou contando apenas com referência ao Rio de Janeiro. Como se sabe, por esse Brasil a fora o rádio teve influência monumental nas referidas eleições. Mas, mesmo aqui,m resumindo bastante. A passagem da gente do rádio pelo setor político, pode-se afirmar, foi algo melancólico. Pelo menos para a classe que representavam. Salvo Ary Barroso, que lutou denodadamente pela construção do Estádio do Maracanã. Venceu a campanha do Carlos Lacerda, que queria localizá-lo em Jacarepaguá (diziam que para valorizar terrenos em sua propriedade naquele subúrbio), segundo conta Nestor de Holanda, com detalhes, em seu livro Memórias do Café Nice.

Enfim, os eleitos do rádio nada ou quase nada fizeram para o sem-fio de nossa terra. Para si mesmo, devem ter feito algo. Além de receber os polpudos subsídios. A bem dizer, era essa a verdadeira meta de quase todos. Tudo isso, porém, não tira o mérito de alguns poucos: os que chegaram às áreas do legislativo depois de longa vida dedicada a um trabalho edificante e dignificante, com sinceridade de propósitos. É o caso do nosso tão conhecido Júlio Louzada, que foi nas últimas eleições para a Assembleia Constituinte de nosso Estado, e cuja biografia resumida o leitor encontrará no final desse livro.

 

Os horóscopos

Uma verdadeira praga no rádio. Principalmente nas estações que se dizem populares. Querem angariar audiência a qualquer preço. Uma besteira que não tem sentido. Mas que prende muita gente ignorante com o ouvido colado no receptor. Besteira, digo, não para atacar a astrologia que eu considero uma ciência. Mas, geralmente, os programas do gênero estão a cargo de charlatães, sem a menor noção do que estão dizendo. Desafiam uma série de sandices que não estão no mapa...

É fácil comprovar a charlatanice dos tais programas: é só ouvir dois ou três, no mesmo dia, em estações diferentes. Depois, testa-se o que foi dito ou “aconselhado”. Encontrarão prognósticos completamente contrários, que se chocam de maneira ridícula. Já ouvi, no mesmo dia, uma estação dizer: “Você, aquariano, terá um dia cheio de realizações. Aproveite para realizar seus projetos. Dia bom para viagens”. Outra estação prognóstica: “Para os aquarianos, o dia de hoje deve ser levado com cuidado e prudência. Dia bom para ficar em casa cuidando dos seus afazeres”.

Mas não é só no rádio que isso acontece. Qualquer pessoa poderá constatar o que aqui reafirmamos. Os jornais também, quase todos, têm os seus “astrólogos”. Vejam como “coincidem” as previsões. Por trás desses conselhos vem uma série de “contos de vigário”: venda de amuletos, livros, almanaques, etc. Os “trouxas” encomendam, e enriquecem os seus autores.

 

Os programas de calouros

De passagem já abordei o assunto. Mas este é um tema que merece capítulo especial. O primeiro programa (não especializado no gênero) que iniciou no rádio o lançamento de gente nova foi “Horas do Outro Mundo”, na Antiga Rádio Philips do Brasil. Revelou para o sem-fio: Aracy de Almeida, Joel e Gaúcho, Ary Barroso, Barbosa Júnior, João Petra de Barros, Saint-Clair Lopes, Ismênia dos Santos, Ecyla Jopert, Olga Nobre, Alda Verona, e alguns mais.

Deve esclarecer que sempre tive particular repulsa por esse termo “calouros”. Tanto que, nos 28 anos em que “Papel Carbono” esteve no ar revelou mais de 100 artistas, jamais o rotulei como “programa de calouros”, e sim apresentação de valores novos, “ilustres desconhecidos” à procura de uma oportunidade para se revelarem.

Os programas especificamente de calouros começaram em 1935, na antiga Rádio Cruzeiro do Sul. Situava-se no 10º andar do edifício do Cinema Império, na Cinelândia. Era comandado por Edmundo Maia e Paulo Roberto. Assumiu, posteriormente, a apresentação Ary Barroso, que para ali se transferira em 1936. Passou-se depois para a Rádio Tupi, numa mudança rumorosa para a época, assumindo a chefia as irradiações esportivas. Viria a se consagrar pela linguagem cheia de verve, a famosa gaitinha e a incontida paixão pelo Flamengo (demonstrada nas transmissões). Levou também o programa de calouros, que passou a se denominar “Calouros do Ar”.

Daí por diante essa espécie de espetáculo proliferou em inúmeras emissoras das capitais e do interior. Tornava-se uma das principais atrações de qualquer programação. Contudo, a grande maioria não se fazia notar pela qualidade. Muito pelo contrário. Alguns apresentadores parece que achavam quanto pior, melhor. Explica-se. O público, a grande mola propulsora de qualquer programa, estava, via de regra, animado por certa dose de sadismo (o dos auditórios, principalmente). Parece que se compraziam mais em ver um “pobre diabo” levar uma gongada, buzinada, ou coisa que o valha, do que mesmo constatar a vitória de um candidato de mérito. Aplaudiam. Mas o de que gostavam mesmo era de rir do fracasso do corajoso que se apresentava sem a menor condição.

É de se louvar, contudo, a tenacidade de alguns elementos. Quando não fracassavam de vez, mas tiravam segunda, terceira ou quatro lugar no programa, voltavam a se inscrever duas, três ou quantas vezes fossem necessárias. Até se fazerem notados. Alguns deles, nessa difícil maratona, conseguiram o seu intento. No “Papel Carbono” posso citar diversos que ali se apresentavam por mais de uma vez. E hoje são grandes cartazes dos meios artísticos: Dóris Monteiro, Alaíde Costa, Ângela Maria, Élen de Lima, Hélio Paiva, Almir Saint-Clair, Joelma, Claudete Soares, Ivon Curi, Ademilde Fonseca, e outros. Alguns, porém, tentaram e não tiveram sorte. Passaram a ser ironicamente chamados de “calouros-veteranos”. A título de curiosidade, cito apenas um. Parece que já “pendurou as chuteiras”. Tornou-se célebre pela assiduidade com que compareceu aos referidos programas durante mais de 20 anos. Houve um dia que cantor em três programas: “Aí Vem o Pato”, na Rádio Nacional; “Calouros do Ar”, na Tupi e “Papel Carbono”. Era um rapaz (depois um senhor, depois quase um velho) chamado Alexandre Belucci. Tinha bonita voz de tenor. O seu forte eram as canções napolitanas e algumas árias de óperas. Ganhou os primeiros lugares muitas vezes. Mas não teve a sorte de fazer carreira. Não sei se pelo repertório, ou se pela sua figura pouca sedutora: era pequenino, magro e feio. Tenho visto, porém, muita gente menor e mais feria do que ele vencer no rádio. Mistérios da carreira artística, onde o fator sorte também é preponderante...

Dentre os programas de calouros mais conhecidos no Rio podemos citar: a “Hora do Pato”, que passou a ser “Aí Vem o Pato”, na Nacional. Héber de Bôscoli, criador do programa e dono do título, saiu dali para a Mayrink Veiga. Ficou a apresentação a cargo de Jorge Curi, que sempre se houve com muita linha e discrição; “Pescando Estrelas”, que Arnaldo Amaral apresentou na Rádio Clube (quando deixei a PRA-3), substituindo meu “Papel Carbono”. Aliás, quero fazer justiça aquele saudoso amigo e colega. Procurou imprimir ao “Pecando Estrelas” a mesma linha de respeito pelo público que eu adotara nas minhas apresentações, coisa que repercutia favoravelmente junto aos ouvintes; e, finalmente, a famosa “Buzina do Chacrinha”, talvez o mais conhecido e o mais popular, em que pese a irreverência do seu tão discutido animador, sem dúvida um dos maiores comunicadores da nossa terra.

O interessante, nos programas dos calouros, é que cada animador atribui a si a descoberta de “todos” os artistas que por aí se exibem. Quando interrogado a esse respeito, sempre respondi, provando com datas, pormenores e, muitas vezes, com os depoimentos dos próprios artistas: “Papel Carbono”. Não para me enfeitar com as glórias que não são minhas, pois ninguém dá voz, ritmo ou afinação a ninguém. E se apareceram em maior número no meu programa era porque realmente tinham valor. Procuravam-me, sabendo do cuidado e do respeito com que os tratava. Ali não passariam os vexames tão comuns nas audições do gênero. Somente isso.

 

Os programas de variedades e de auditório

O primeiro grande programa de variedades durava mais de duas horas. Chegou, com o tempo, a três e até quatro horas de irradiação. Era o “Programa Casé”, começando em 1932. Embora transmitido em estúdios fechados, não deixava de ter um pequeno auditório. Ouvintes assistiam-no através do “aquário” (que era como chamávamos a janela de vidro que permitia ver de fora o que se passava dentro).

Um dos melhores programas de auditório que marcaram época foi “O Trem da Alegria”, de Héber de Bôscoli. Apresentava Yara Sales e Lamartine Babo, formando o tão celebrado Trio de Osso. Era assim chamado pela extrema magreza dos seus componentes, que aliás ficou comprometida, depois de algum tempo, pelo fato de Lamartine Babo, que era o mais magro, começar a engordar sem saber como nem por quê...

Era transmitido dos auditórios da Rádio Mayrink Veiga. Posteriormente, após passar pela Rádio Nacional, mudou-se novamente para a onda da Mayrink. Era, então, transmitido do palco do Teatro Carlos Gomes. A plateia tornou-se pequena para acolher os ouvintes que para lá se dirigiam a fim de assistir a duas ou três horas de transmissão diária.

Tivemos também o programa “Manoel Barcelos”, ás quintas-feiras, das 11 ás 14 horas, pela Nacional. E o “César de Alencar”, aos sábados das 15 ás 19 horas, também pela PRE-8. Estes dois últimos se notabilizaram pela rivalidade que provocavam, deliberadamente, entre asa cantoras Marlene e Emilinha Borba. Cada um “patrocinava” uma delas. Desencadeavam uma verdadeira (e ridícula) “guerra” entre as fãs das duas populares artistas. Portavam-se elas de tal modo que, merecidamente, passaram a ser chamadas de “macacas de auditório”.

O mais longo, porém, e o que mais tempo esteve no ar foi chamado “Programa Luís Vassalo”: estendia-se do meio-dia até às 21 horas. Tinha esse nome porque seu titular (o saudoso e excelente homem de rádio) era o corretor de quase todos os patrocinadores dos diversos quadros que a Nacional transmitia naquele período, e dos quais ele mesmo não participava pessoalmente. O “Programa Luís Vassalo” começava ao meio-dia com a audição de “Quando os Ponteiros se Encontram”, com Francisco Alves apresentado por Lúcia Helena (justamente considerada a melhor locutora do nosso rádio). Seguia-se o “Doutor Enfezulino”, animado por Osvaldo Elias; a “Hora do Pato”, com Héber, depois com Jorge Cúri; “Coisas do Arco da Velha”, com todo o cast humorístico da emissora, onde se destacavam Floriano Faissal, Brandão Filho, Nilza Magrassi, Walter e Ema D´Ávila, Apolo Correia, e outros; a transmissão esportiva com Antônio Cordeiro, depois Jorge Curi; “Tabuleiro da Baiana” com o quadro “Neguinho e Neguinha” (vividos por Floriano e Ismênia dos Santos); “A Felicidade Bate á sua Porta”, irradiado sempre de um bairro qualquer da cidade por grandes do cast de cantores, onde pontificava a Emilinha; “Tancredo e Trancado”, de Ghiaroni, com Brandão e Apolo Correa; “Piadas do Manduca”, com Lauro Borges, Castro Barbosa, Brandão, Alfredo Viviani, Alda Verona e eu; “Nada Além de Dois Minutos”, do fabuloso Paulo Roberto. Com tudo isso, creio que o “Programa Luís Vassalo”, pela sua duração e variedade, foi o precursor do hoje famoso “Programa Sílvio Santos”, que vemos todos os domingos...

 

Publicado originalmente em MURCE, Renato. Bastidores do rádio: fragmentos do rádio de ontem e hoje. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1976.