sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Grandes matérias do Jornal da República: “A resposta do Palmeiras a Márcio” (10/12/1979)

PALMEIRAS 4, FLAMENGO 1

 

A resposta do Palmeiras a Márcio




O presidente do Flamengo disse que já mandara reservar passagens para seu time jogar a final contra o Inter. Mas isso foi antes dos 4 a 1

 

MARCOS DE CASTRO, do Rio

 

Apesar de todo o esforço do almirante Heleno Nunes e dos Beijocas da vida, ainda é possível assistir um bom jogo de futebol no Brasil. Palmeiras e Flamengo provaram isso ontem à tarde no Maracanã, principalmente o Palmeiras, claro, que acabou impondo uma goleada humilhante a um time que tem justas pretensões a ser um dos melhores do Brasil.

O Palmeiras saiu do primeiro tempo com a considerável (para quem jogava pelo empate) vantagem de 1 a 0. E correu muito perigo na primeira metade do segundo tempo, quando o Flamengo empatou e, levado por sua torcida, esteve a pique de fazer o segundo gol. Mas foi o Palmeiras que marcou (Carlos Alberto, aos 24 minutos). E daí para frente o Flamengo como que endoidou. Até cometer a loucura suprema de lançar Beijoca no fim do jogo, o que é uma prova de desvario definitiva.

Antes do jogo, na festa das torcidas, a do Flamengo não gostou muito de duas novidades que a do Palmeiras trouxe: a primeira delas ninguém de bom gosto aprovaria, pois papel higiênico não chega a ser propriamente uma coisa agradável. Além do mais, é pura macaqueação da torcida argentina na Copa do Mundo e, no caso, um papel higiênico com função de sujar, o que é uma violência é a sua destinação principal. Depois, uma cornetinha insuportável, que dói no ouvido e não para.

Não chegaram aos 15 mil ou 20 mil prometidos, os torcedores do Palmeiras, mas deitaram e rolaram no segundo tempo. Eram quando muito uns 5 mil, agrupados à direita das cadeiras especiais do Maracanã, num canto das arquibancadas a que foram se juntar – outra surpresa para a torcida do Flamengo – imensas e tremulantes bandeiras do Vasco, além de discretas bandeirinhas do Fluminense e Botafogo. Casa cheia (112 mil pessoas pagaram ingresso), o jogo tinha para agradar – e agradou. Foi disputado por dois grandes times, apesar da goleada.

A vitória pode ter sido – deve ter sido – também uma lição para o presidente do Flamengo, Márcio Braga. Pretendendo assumir, de uns tempos para cá, uma posição de liderança entre os dirigentes do futebol brasileiro, ele até que tem defendido algumas posições sensatas.

Vem traindo tudo o que tinha pregada antes, espalhando aos quatro ventos que se tenta jogos por ano não dá pé. Pelo que diz, parece que quer noventa ou cem jogos por ano para seu clube, o Flamengo, que entretanto já não aguenta mais.

Uma das diferenças fundamentais entre as duas equipes foi essa. O Palmeiras desde os primeiros minutos impôs uma presença física muito superior ao Flamengo. Seus jovens jogadores davam a impressão de disputar a bola com mais vontade, ganhavam nas divididas, chegavam primeiro na bola sempre que era preciso uma corrida. E tudo num jogo muito limpo, sem pontapés, com jogadores de alta técnica e mostrar que esse lado do futebol brasileiro, a CBD ainda não conseguiu destruir.

Pode parecer paradoxal que o Palmeiras, um time que se consagrou nos seus últimos jogos em São Paulo pelas goleadas constantes (e que confirmou a alta qualidade de seu ataque ontem), tenha ganho o jogo sobretudo pelas virtudes de sua defesa. Mas isso é a pura verdade. Bem fechado lá atrás, ele irritou o Flamengo, que nunca conseguia penetrar na zaga paulista. E certo que a isso deve ser acrescentada uma incapacidade absoluta do Flamengo de jogar pelas pontas. Pelo meio ele tinha boas jogadas de Adílio (e algumas de Zico), e era principalmente por lá que ele ia.

Mas ia até certo ponto. Esbarrava sempre em uma linha de zagueiros excepcionalmente bem plantada, com Pires à frente e Polozzi e Beto Fuscão firmes em seus postos, que nunca abandonaram para ir à frente. Á frente – e muito bem – o Palmeiras ia através de seus laterais, principalmente Rosemiro, que fez um partidão. Trata-se de um jogador de alto nível.

Enquanto isso, o Flamengo tinha Toninho, que normalmente, com suas subidas, é uma das melhores opções de ataque do Flamengo, totalmente esgotado. Não rendia nada. Como não rendia Carpegiani, arrumador do meio-campo de seu time, em jornada normal. Restava ao Flamengo a habilidade de Adílio e Zico, mas mesmo assim o Palmeiras esteve melhor no primeiro tempo e 1 a 0 foi justo.

No segundo tempo, a torcida do Flamengo mostrou-se disposta a levar o time à frente desde o início. E levou. Aos 10 minutos, Zico empatou, batendo um pênalti bem marcado pelo juiz gaúcho Carlos Rosa Martins, que estava em cima do lance quando Pires derrubou Zico na área. Nem os palmeirenses reclamaram.

Aí o Flamengo deu um sufoco no Palmeiras. Mas tudo terminou aos 24 minutos, quando Baroninho bateu uma falta de direita e a defesa do Flamengo deixou Carlos Alberto (substituíra Jorginho) entrar sozinho para vencer Cantarelli com tranquilidade. Como tranquilos foram também os dois outros gols do Palmeiras, ambos nascidos em jogadas de Baroninho: no terceiro, ele escapou pela esquerda e recuou para Pedrinho dar uma pedrada e marcar; ao quarto, ele cruzou para Zé Mário (lugar de César) cabecear livre. A defesa do Flamengo estava apavorada. Com Baroninho e com Carlos Alberto que entrou muito bem no lugar de Jorginho.

Tão apavorado estava o Flamengo que cometeu a insanidade de lançar Beijoca, aos 38 minutos, em lugar de Adílio. Jogador medíocre, Beijoca não chegou a fazer um lance que prestasse. Aos 43 minutos agrediu Mococa, fingiu-se de agredido, voltou a campo para pegar Mococa de novo e a foi justamente expulso. Quase que estraga a magnífica vitória do Palmeiras. O que o Palmeiras não merecia, pela partida primorosa que fez.

 

O JOGO FOI ASSIM:

Flamengo: Cantarelli; Toninho, Manguinha, Dequinha e Júnior; Carpegiani, Adílio (Beijoca) e Zico; Reinaldo (Carlos Henrique), Cláudio Adão e Tita.

Palmeiras: Gilmar; Rosemiro, Beto Fuscão, Polozzi e Pedrinho; Pires, Mococa e Jorge Mendonça; Jorginho (Carlos Alberto), César (Zé Mário) e Baroninho.

Renda: Cr$ 8.277.830,00

Público pagante: 112.047 pessoas

Gols: Jorge Mendonça, aos 11 minutos do primeiro tempo. Zico, de pênalti, aos 10 minutos, Carlos Alberto aos 25, Pedrinho aos 31 e Zé Mário aos 45 do segundo tempo.

Expulsão: Beijoca, por agressão ao adversário.

 


Publicado originalmente no Jornal da República em 10 de dezembro de 1979, edição 90

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