FUTEBOL ALEGRE
Histórias da Vila
Belmiro
SEVERINO MENDES
Clodoaldo fez Coritiba
chorar
Clodoaldo está de
volta, pois a saudade da beira da praia era maior que o dinheiro do Coritiba, e
Pepe assumiu e acalmou os meninos. A Vila Belmiro mudou muito nos últimos dias,
nem lembra mais a, praça de guerra daqueles sessenta tumultuosos dias do
técnico Hilton Chaves. Dos velhos tempos restou apenas um tremendo
leão-de-chácara para “enquadrar” os jornalistas.
Sonhos de Pepe, o encorujadinho
Pepe já está acostumado
a ser tratado assim, desde que aposentou o chute formidável e se transformou em
técnico de futebol lá mesmo no Santos, onde está há 25 anos. Os diretores,
quando ele assumiu o lugar de Hilton Chaves na equipe principal: “Pepe ficará
no cargo até o fim do ano. Quando teremos de encontrar um técnico de gabarito
para dirigir o clube”.
Não se diz uma coisa
dessas mas Pepe, até a semana passada treinador dos juvenis, nem liga. É um
desses temperamentos dóceis. Certa vez, falando do seu filho mais velho, que
treinava na Vila, disse: “É como eu. Bate de esquerda, forte e é calado,
encorujadinho”. Pepe é assim, sempre encorujadinho, mas desta vez não
interpretem seu silencia como sinal de fraqueza – ele está disposto a ficar.
Se depender da torcida,
Pepe não sai nunca mais. Ontem, na Vila Belmiro, um grupo dizia: “Não fizemos
jogadores em casa? Porque não podemos fazer técnicos?”. Agora, Pepe pretende
resolver os problemas táticos do time e garantir a classificação para a segunda
fase do campeonato, com o apoio dos jogadores, quase todos formados por ele
mesmo, no time de juvenis. Pepe é um liberal, desses que perdoam falhas e acham
que concentração não ganha jogo. Os dirigentes é que tem medo. Afinal, dizem
sempre os cartolas, liberdade é negócio perigoso.
A cidade estava
preparada para assistir aos milagres de uma dupla realmente infernal: na boca
do túnel, o técnico Tim, genial craque do passado, chamado El Peón, um
treinador cheio de estratégia e malandragem: dentro do campo, como seu braço
direito, o futebol bonito de Clodoaldo, que aceitou deixar a Vila Belmiro para
renascer em Curitiba. Estavam preparando as câmaras de televisão, multidões de
repórteres e fotógrafos prontas para as grandes manchetes. Foi aí que o
telefone tocou e o Coritiba, o clube mais popular do Paraná, sofreu como se
tivesse perdido um campeonato para o Atlético – era Clodoaldo avisando que não
ia mais.
O presidente do
Coritiba estava disposto até a pagar 150 mil cruzeiros mensais a Clodoaldo,
quantia fabulosa para os padrões locais, mas o jogador, que já havia tirado
fotografia com a camisa do novo clube, achou que era pouco para fazê-lo
esquecer a bola da praia. “É que minha vida está aqui em Santos”, explicou
Clodoaldo: “todos os dias, mesmo quando estou machucado ou dispensado dos
treinos, passo na Vila Belmiro para bater um papo. Praticamente fui criado aqui
e, no moimento em que vesti a camisa do Coritiba, não resisti: não terei
condições psicológicas para vestir outra camisa”. Mas não é só saudade. Segundo
alguns torcedores do Santos, o destino de Corró está traçado: assim que
encerrar a carreira, ou tomará conta dos juvenis ou aceitará um cargo de
dirigente. Vai ser cartola.
Hílton sofreu na mão
dos meninos
Na véspera de sua saída
do clube, o ex-técnico Hílton Chaves declarou à imprensa, engasgado de emoção: “Eu
tenho pena deles, podem crer: tenho porque eles fazem tudo para acertar e não
estão acertando”. Falava dos jogadores, os chamados “Meninos da Vila”,
amargando derrota atrás de derrota. Mas há quem diga que Hílton Chaves foi
vítima desses jogadores e “Meninos da Vila” é uma expressão que lembra as
rebeldias da FEBEM.
É possível. Senão, como
explicar a repentina ascensão do time, que ganhou do Botafogo (3 a 1) e do Comercial
(3 a 0), jogos disputados em Ribeirão Preto, onde até o velho Santos de Pelé
tropeçava em toda sorte de dificuldades?
Mas na Vila, logo que
Hílton resolveu ter pena do Santos à distância, treinando o Cruzeiro de Belo
Horizonte, a crise está esquecida e, “meninos” como Gilberto, Toninho Vieira,
Nílton Batata, Pais, Antônio Carlos e Valdemir recebem os benefícios de uma
anistia realmente ampla e irrestrita. É o prêmio pelo bom comportamento e o
esforço em campo, uma prova de que, pelo menos por enquanto, a equipe reconhece
um comando, inexistente nos sessenta desastrosos dias que Hílton Chaves passou
na Vila.
E os culpados pelo que
houve? Não se sabe, mas, por via das dúvidas, a diretoria do Santos proibiu a
entrada da imprensa nos vestiários da Vila Belmiro. O pessoal trabalha na antessala,
vigiado por um robusto funcionário.
Publicado originalmente
no Jornal da República em 11 de
outubro de 1979, edição 40
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