quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Grandes matérias esportivas do Jornal da República: “Histórias da Vila Belmiro” (11/10/1979)

FUTEBOL ALEGRE

 

Histórias da Vila Belmiro




SEVERINO MENDES

 

Clodoaldo fez Coritiba chorar

Clodoaldo está de volta, pois a saudade da beira da praia era maior que o dinheiro do Coritiba, e Pepe assumiu e acalmou os meninos. A Vila Belmiro mudou muito nos últimos dias, nem lembra mais a, praça de guerra daqueles sessenta tumultuosos dias do técnico Hilton Chaves. Dos velhos tempos restou apenas um tremendo leão-de-chácara para “enquadrar” os jornalistas.

 

Sonhos de Pepe, o encorujadinho

Pepe já está acostumado a ser tratado assim, desde que aposentou o chute formidável e se transformou em técnico de futebol lá mesmo no Santos, onde está há 25 anos. Os diretores, quando ele assumiu o lugar de Hilton Chaves na equipe principal: “Pepe ficará no cargo até o fim do ano. Quando teremos de encontrar um técnico de gabarito para dirigir o clube”.

Não se diz uma coisa dessas mas Pepe, até a semana passada treinador dos juvenis, nem liga. É um desses temperamentos dóceis. Certa vez, falando do seu filho mais velho, que treinava na Vila, disse: “É como eu. Bate de esquerda, forte e é calado, encorujadinho”. Pepe é assim, sempre encorujadinho, mas desta vez não interpretem seu silencia como sinal de fraqueza – ele está disposto a ficar.

Se depender da torcida, Pepe não sai nunca mais. Ontem, na Vila Belmiro, um grupo dizia: “Não fizemos jogadores em casa? Porque não podemos fazer técnicos?”. Agora, Pepe pretende resolver os problemas táticos do time e garantir a classificação para a segunda fase do campeonato, com o apoio dos jogadores, quase todos formados por ele mesmo, no time de juvenis. Pepe é um liberal, desses que perdoam falhas e acham que concentração não ganha jogo. Os dirigentes é que tem medo. Afinal, dizem sempre os cartolas, liberdade é negócio perigoso.

A cidade estava preparada para assistir aos milagres de uma dupla realmente infernal: na boca do túnel, o técnico Tim, genial craque do passado, chamado El Peón, um treinador cheio de estratégia e malandragem: dentro do campo, como seu braço direito, o futebol bonito de Clodoaldo, que aceitou deixar a Vila Belmiro para renascer em Curitiba. Estavam preparando as câmaras de televisão, multidões de repórteres e fotógrafos prontas para as grandes manchetes. Foi aí que o telefone tocou e o Coritiba, o clube mais popular do Paraná, sofreu como se tivesse perdido um campeonato para o Atlético – era Clodoaldo avisando que não ia mais.

O presidente do Coritiba estava disposto até a pagar 150 mil cruzeiros mensais a Clodoaldo, quantia fabulosa para os padrões locais, mas o jogador, que já havia tirado fotografia com a camisa do novo clube, achou que era pouco para fazê-lo esquecer a bola da praia. “É que minha vida está aqui em Santos”, explicou Clodoaldo: “todos os dias, mesmo quando estou machucado ou dispensado dos treinos, passo na Vila Belmiro para bater um papo. Praticamente fui criado aqui e, no moimento em que vesti a camisa do Coritiba, não resisti: não terei condições psicológicas para vestir outra camisa”. Mas não é só saudade. Segundo alguns torcedores do Santos, o destino de Corró está traçado: assim que encerrar a carreira, ou tomará conta dos juvenis ou aceitará um cargo de dirigente. Vai ser cartola.

 

Hílton sofreu na mão dos meninos

Na véspera de sua saída do clube, o ex-técnico Hílton Chaves declarou à imprensa, engasgado de emoção: “Eu tenho pena deles, podem crer: tenho porque eles fazem tudo para acertar e não estão acertando”. Falava dos jogadores, os chamados “Meninos da Vila”, amargando derrota atrás de derrota. Mas há quem diga que Hílton Chaves foi vítima desses jogadores e “Meninos da Vila” é uma expressão que lembra as rebeldias da FEBEM.

É possível. Senão, como explicar a repentina ascensão do time, que ganhou do Botafogo (3 a 1) e do Comercial (3 a 0), jogos disputados em Ribeirão Preto, onde até o velho Santos de Pelé tropeçava em toda sorte de dificuldades?

Mas na Vila, logo que Hílton resolveu ter pena do Santos à distância, treinando o Cruzeiro de Belo Horizonte, a crise está esquecida e, “meninos” como Gilberto, Toninho Vieira, Nílton Batata, Pais, Antônio Carlos e Valdemir recebem os benefícios de uma anistia realmente ampla e irrestrita. É o prêmio pelo bom comportamento e o esforço em campo, uma prova de que, pelo menos por enquanto, a equipe reconhece um comando, inexistente nos sessenta desastrosos dias que Hílton Chaves passou na Vila.

E os culpados pelo que houve? Não se sabe, mas, por via das dúvidas, a diretoria do Santos proibiu a entrada da imprensa nos vestiários da Vila Belmiro. O pessoal trabalha na antessala, vigiado por um robusto funcionário.

 

Publicado originalmente no Jornal da República em 11 de outubro de 1979, edição 40

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