terça-feira, 30 de novembro de 2021

VSP Entrevista: José Adalto Cardoso

 

José Adalto Cardoso em Batatais em julho de 2015. Foto: Matheus Trunk

Foi em julho de 2015. Peguei um ônibus na Rodoviária do Tietê para a cidade de Batatais, interior de São Paulo. Minha intenção era fazer uma entrevista breve com o cineasta José Adalto Cardoso que iria lançar sua biografia assinada pelo colecionador e pesquisador Alexandre Aldo Neves. O município Batatais é o lar de Adalto há muitos anos. Ele oferece cursos de cinema na sua terra natal e em cidades da região através da oficina Meu Primeiro Filme. A matéria saiu publicada na edição brasileira da Vice. Mas o que foi publicado foi muito menos de 10% do material original. Saí do interior com mais de quatro horas de depoimento exclusivo.

José Adalto Cardoso ingressou bastante jovem no Cinema da Boca e teve uma carreira intensa como assistente de direção. Colaborou com realizadores bastante diferentes daquele período da sétima arte paulista como Pio Zamuner, Edward Freund, José Mojica Marins (Zé do Caixão), Cláudio Cunha e sobretudo Fauzi Mansur. Nosso papo começa na sua relação com o diretor de fotografia Pio Zamuner com quem Adalto colaborou em duas produções do ator e produtor Amácio Mazzaropi (1912-1981): O Jeca Macumbeiro (1974) e Jeca Contra o Capeta (1975). Os dois filmes foram grandes sucessos de bilheteria. Adalto teve uma carreira interessante também por ter colaborado na legendária revista Cinema em Close-Up editada pelo jornalista Minami Keizi (1945-2009). Essa publicação é tida como a revista oficial da Boca paulistana.

Para completar essa verdadeira etnografia digna de Malivoskwy até o hotel da cidade tinha nome de cinema: Candeias. Lembro que fui num sábado e voltei numa segunda-feira para São Paulo. Não lembro ao certo que desculpa dei no trabalho. Era uma época em que a Vice pagava razoavelmente bem por matérias assim e tudo se pagou. Mas o melhor de tudo foi conviver horas e horas com Adalto. Ele também me levou para passar uma tarde proseando com o roteirista Rubens Francisco Lucchetti, autor de inúmeros roteiros de Mojica e Ivan Cardoso. Lucchetti e seu filho moram na vizinha Jardinópolis, outra cidade bastante próxima a Ribeirão Preto. Os leitores poderão acompanhar o material até então inédito que tive nesses dias. É uma oportunidade de conhecer histórias diferentes sobre Adalto e personagens muito conhecidos do cinema paulista do período como Fauzi Mansur, Jean Garrett, José Mojica Marins, Marcos Rey, Mazzaropi, Minami Keizi, Pio Zamuner, entre outros.

 

Violão, Sardinha e Pão- Como você conheceu o Pio Zamuner?

 

José Adalto Cardoso- Bem...Ele tinha um apartamento na rua do Seminário perto da praça do Correio. E aí eu acabei conhecendo o Pio. Nós acabamos desenvolvendo um roteiro que eles queriam fazer um roteiro sobre um nordestino, que tudo mais, não sei o quê. E eu acabei fazendo, alinhavando esse roteiro pra eles e ajudando. Esse roteiro acabou sendo vendido pro Mazzaropi que acho que fez O Grande Xerife. Adaptou e fez O Grande Xerife. Eu não lembro muito bem a história. Mas aí eu conheci o Pio e a gente se deu bem, entende? Tanto que quando eu fiz o primeiro filme meu foi...O Fauzi. Foi o Fauzi, depois eu terminei o Fauzi o Pio me chamou, me encontrou na rua e disse: “Escuta, nós vamos começar um filme do Cláudio Cunha. É o primeiro filme dele. Ele está meio inseguro, ele queria uma sustentação melhor na parte de direção. Eu vou fazer a fotografia e queria dar uma força mais moral pra ele. Eu vou precisar um bom assistente pra ficar comigo”. Eu não era bom, estava começando ainda. Mas a gente se dava bem. Aí eu fui começar a fazer O Clube das Infiéis, entende? E, e por causa do Pio. Terminou O Clube das Infiéis e o Pio foi fazer O Jeca Macumbeiro, isso foi 1974. Ele foi fazer O Jeca Macumbeiro e uma semana depois que começaram as filmagens o cara que fazia assistente de direção teve um problema pessoal e acabou desistindo. E eles ficaram apavorados na última hora e o Pio me chamou também. Quer dizer, eu devo muito ao Pio, entende? Aí me ligaram: “Olha, o Pio está querendo que você vá lá, tal, tal e tal”. E eu devo muito ao Pio. Respeito o jeitão dele, ele era boca dura, aquela coisa mas eu tenho uma admiração muito grande pelo Pio.

 

VSP- Dizem que os atores que sofriam mais com o Pio?

 

JAC- É, é...Mas você levava na brincadeira porque o Pio tinha uma coisa, ele te dava uma, uma, uma bronca agora que era tudo estritamente profissional. Dali a dez minutos a gente estava se abraçando, curtindo, tomando cachaça no boteco. Quer dizer, não tinha essa coisa, não era nada pessoal. Era o jeito dele. Ele falava meio duro mas pra ele era o normal dele. O Pio era um grande cara. Ele era muito humano, sabe? Eu acho...eu tinha, eu gostava muito dele.

 

Um dos raros registros de José Adalto Cardoso com Pio Zamuner. Acervo pessoal de José Adalto Cardoso

VSP- E um técnico também...


JAC- Sim, sim. O problema dele é que ele bebia muito, foi pra Itália uma época morou lá um tempo. Ficou com a família um tempo parece que não deu certo profissionalmente e voltou pra cá. E continuou fazendo o que ele poderia fazer. O Mazzaropi não sei...Porque o Mazzaropi se você pegar a filmografia dele cada filme foi dirigido por um diretor diferente. Até chegar no Pio. O Pio fez acho que doze filmes, não sei quantos filmes. Dez, doze filmes. Então, quer dizer: eles se entenderam porque o Pio tinha um jeito duro de botar ordem na casa pra isso ele era importante pro Mazzaropi. Não era o cara simpaticão que deixava a correr solta e ao mesmo tempo o Pio respeitava muito o Mazzaropi, entende? Se você dissesse uma coisa e o Mazza dissesse outra valia o que o Mazza disse, né? Inclusive teve isso aí não é uma coisa para contar. É meio. O Pio ele era um cara muito humano, entende? Mas quando ele dava aquelas broncas dele ele ficava cinco, dez minutos bravo, ficava nervoso, xingava. Dali a pouco ele esquecia tudo. Eu não lembro dele ter guardado mágoas de alguém. Eu acho que eu sempre.

 

VSP- O Jean você conheceu lá atrás, né? Foi com o Mojica

 

JAC- Sim. O Jean era um cara...A gente tinha a mesma idade. E...Ele apareceu no Mojica mais ou menos na mesma época que eu. Ele tinha três meses de Brasil mais ou menos quando ele apareceu no Mojica e a gente sempre se deu bem eu e o Jean. Apesar das cavalices dele que ele dava (risos).

 

VSP- Pessoal dizia que ele bebia e aí ficava agressivo.

 

JAC- Eu acho que ele nem precisava beber. Ele era muito metido a procurar confusão, né? E quando ele chamava Jean Silva eu trabalhava na revista Cinema em Close Up. Era Jean Silva. Quando ele passou pra Jean Garrett...eu não sabia e botei Jean Silva....Nossa Senhora. O cara quis morrer porque tinha colocado: “Pô cara, Silva é qualquer um. Eu sou Garrett de Almeida Garrett”. Entende? Eu falei: “Calma Jean, eu não estava sabendo, não sei o quê, não sei o quê”. Então, mais nunca, eu nunca soube de alguma coisa que o Jean tenha feito. Provavelmente ele tenha feito mas na turma dele, né? Não sei, pode ser. Foi, foi, o Mário (Vaz Filho) tem mais, tem mais certeza do que está falando. Eu não tive, quer dizer eu não fui assim ligado. Meus amigos da Boca, olha cara...Acho que dá para contar nos dedos. Amigo, amigo com quem eu convivia era o Luiz Gonzaga (dos Santos), era o Alcides (Caversan), era meia dúzia de pessoas que tinha amizade mesmo que eu encontrava quase todo dia e batia papo. Ali na Boca era um papo casual, entende? Você se encontrava, conversava.

 

VSP- Freund.


JAC- Ah, o Freund foi o melhor de todos, o Freund foi o melhor de todos. O Freund era um cara que ele era mal encarado e ninguém gostava dele. Achavam que ele era chato, ele era realmente um pouco chato. Não cumprimentava ninguém, ele era esquisitão mas ele era um cara...Era uma mãe. Foi o melhor cara que eu conheci, entende? Quando ele morreu eu senti muito. Ele morreu num domingo dizem que assistindo o Fantástico. Na sexta-feira anterior a gente estava montando não sei achava que era coisa dele na Marte Filmes. Então, ele...A gente estava montando um filme na sexta-feira. Aí marcamos pra gente se encontrar na segunda de manhã e segunda de manhã fui lá e me avisaram: “Ele morreu”. Pô cara, foi uma sacanagem. Alguma coisa fulminante que deu nele, eu estava vizinho porque eu perdi o contato com a Sônia que era mulher dele e do Paulinho que era filho dele. O Carlos esse eu não conheci. O Paulo...Perdi o contato com eles. O meu contato era o Freund, né? Aí o velório ia ser a tarde no (cemitério da) Vila Prudente não sei onde e ele ia ser cremado. Aí eu tinha obrigação de ir mas ao mesmo tempo eu não gosto de ver o cara morto, sabe? Eu gosto de lembrar do cara vivo. Aí eu fui até o lugar do velório, mas não entrei. Fiquei na praça acompanhando toda movimentação, mas não entrei. Não entrei, mas eu fui lá. Foi um dos caras...Um dos caras que eu mais senti quando morreu foi o Freund. O Freund...

 

VSP- Ele morreu com quantos anos?

 

JAC-  50 e poucos, 50 e poucos anos. O Freund ele tinha uns problemas de...Ele foi repórter de guerra na Segunda Guerra Mundial. Ele tinha uma câmera, uma BH pequeninha assim com chassi de trinta metros que era uma câmera de aço fundido. Não quebrava nunca parecia um monobloco. Eram as câmeras que eles usavam para fazer cenas de guerra. Ele disse que foi preso, apanhou muito. As costas dele tinham umas marcas vermelhas de vergão de ter apanhado e isso fica na cabeça, né? O cara acho que por isso ele tinha cara de amargo, de não cumprimentar ninguém. Mas ele tinha um coração de ouro cara.

 

VSP- Todo mundo me conta que o problema do Freund é que ele era muito ruim de piada. Só ele ria das piadas dele, né?

 

JAC- Sim, sim. Exatamente. Ele era ruim de piada, ele era muito ruim. Ele era muito ruim pra piada. A gente fez um roteiro juntos chamava-se Romeu e Julinha, esse roteiro acabou virando Ainda Agarro Esse Machão. Então, quando ele apareceu com Romeu e Julinha era um seminarista comportado que sai com uma modelo com a vida agitada, bem pra frente, bem atual, bem cheia de triqui triqui. E eles se encontravam. Então, ele...Eu nunca esqueço...É coisa que marca, né? Tem uma cena em que a menina ataca o cara na cama, né? Alguma coisa e ele não quer, ele é ex-seminarista, é tímido. E de repente ele fala assim: “Não Julinha, isso é demais”. Ela dizia: “Não fulano, isso é de menos”. Ele achava isso uma piada cara a coisa é tão sem graça e ele morria de rir. Dava uma gargalhada. “Isso é demais”, “Não, isso é de menos”. Eu falei: “Gente do céu”. Ele queria que eu colocasse isso no filme. Eu falei: “Tá Freund, tudo bem eu respeito, é engraçadíssima essa sua piada mas não cabe”. Ele era um cara...ele ouvia, né? Ele não empunha as ideias dele e aquele roteiro inclusive o Elias da Brasecran ia começar dali um tempo a produção e ele precisava do roteiro pronto. Então, eu tive que trabalhar diretão naquele roteiro. Quando estava pronto, eu escrevia e passava pro Freund: “Como que está? Como que está?”. Até ficar pronto...aí ficou pronto. Quando ficou pronto, eu fui todo orgulhoso mostrar pro Elias: “O roteiro está aqui”. Meu, ia...Foi o meu primeiro roteiro filmado foi antes de 1979...Acho que por volta de 74, 75 isso. Aí eu cheguei pro Elias com o Freund junto: “Aí o roteiro, tal”. Todo orgulhoso, ele levou pra casa e dali uns dias ele voltou: “Está uma porcaria o seu roteiro. Está tudo errado. Você não fez nada e precisa começar o filme e não tem roteiro”. Me deu uma bronca e eu fui lá embaixo, eu achei que tinha feito um belo trabalho e de repente nada disso, né? Ele falou assim: “Eu vou passar pro Marcos Rey”. O Marcos Rey era o papa na época. “Eu vou passar pro Marcos pra ele fazer esse roteiro tudo de novo porque não tem jeito”. Aí ele ligou pro Marcos mas o Marcos estava fazendo uma novela na Globo e não tinha tempo uma novela chamada Cuca Legal naquela época. E ele não tinha tempo. Então...Mas o Elias precisava fazer o...

 

VSP- Você já conhecia o Marcos Rey?

 

JAC- Sim. Já conhecia o Marcos: “Fala pro Adalto pra ele vir aqui pra gente conversar. De repente a gente faz a quatro mãos”. E foi o que aconteceu. Aí eu ia lá pro Marcos e o Marcos me deu aula histórica de roteiro, entende? Ele falou: “Olha onde ele não gostou: aqui, aqui”. “A vida está fácil demais para aquele casal, aquele cara tinha que ter um problema ali na frente, a jogada é você complicar. Quando tem um casal namorando tudo bonitinho coloca um terceiro para atrapalhar, bota um fato pra atrapalhar, bota um parente que não gosta. Arranja a trama, né? E foi assim...Eu ia escrevendo, eu ficava porque o Marcos era o top na época, né? E a Palma mulher do Marcos falava assim: “Cola no Marcos. Ele vai te fazer um roteirista, cola nele porque ele gosta de você”. E eu acho...Bem, mas aquela coisa você não tinha idade para pensar nessas coisas. Você queria mais era...Aí foi feito, ficou o roteiro e senão me engano nos créditos do Eu Agarro Esse Machão está o meu nome e do Marcos. Não sei se está só do Marcos ou o meu. Então, foi uma experiência muito boa e um aprendizado, né? Eu aprendi a fazer roteiro a partir dali praticamente porque até então eu fazia uma coisa assim sem querer, né? Era meio empírico: “Mas eu acho que é por aqui”. Então, foi legal, o Freund foi o cara que....Ele tinha, o Freund tinha um problema com o Tony Vieira muito sério, entende? Já tinham rompido. Ele tinha um problema muito sério com o Tony Vieira e no máximo eles se cumprimentavam mas ele tinha uma mágoa muito grande do Tony Vieira e quando ele contava, ele ficava triste, ele sabe? O Tony realmente criou um problema muito sério pra ele, sabe? Profissionalmente.

 

VSP- Quando entra em cena o Comendador e o Tony deixa o Freund de escanteio para ele dirigir. Foi isso mais ou menos?

 

JAC- É...foi acho que o Gringo, o Último Matador. Foi quando começou a era Tony e foi aquela história do Comendador, entende? Aquela história deixou o Freund muito abatido, muito, nossa senhora. Da Excelsior, o Freund era iluminador e o Tony era ator. É eu não sei, não sei...Eu nunca tinha ouvido falar dele como ator na Excelsior. Então, eles eram bem amigos e parece que vieram juntos em cinema. E  o Tony deu esse chapéu no Freund. Ele ficou muito, mas muito chateado. E não esqueceu. Eu acho que o Freund se ele teve um inimigo ou alguém que magoou ele foi o Tony Vieira. Entende? Ele deve não ter esquecido disso, sabe? De resto, ele sempre teve uma boa convivência na medida do possível. Eu convivi muito bem, ele era um pai, eu acho que o Freund pra mim era realmente uma espécie de pai. Eu ouvia ele como se ouve um pai, sabe? Eu não sei em que ano ele morreu. Tem aí? Ele morreu com 50, você falou em 55. Ele é de 1927, ele tem vinte anos mais que eu. Na Polônia, ele tinha orgulho de dizer que o tio dele Carl Freund era o fotógrafo preferido da Greta Garbo. Ele falava isso com um orgulho, com a boca cheia eles falavam: “Meu tio Carl Freund você pode pegar na história os filmes da Greta Garbo a fotografia é Carl Freund”. Eu nunca fiz isso. Ele vivia dizendo: “Meu tio era o fotógrafo preferido da Greta Garbo”. Quer dizer, eram essas histórias.

 

VSP- O Gaúcho dizia que quando ele ouvia uma sirene ele ficava com medo. Porque ele tinha um problema que isso lembrava-o da guerra...

 

JAC- É...Fazia parte da neurose dele, né? Ele não ficava com medo, ele ficava preocupado, né? Lembrava acho que trazia más recordações. Ele teve uma vida sofrida, né? Ele era neurótico de guerra, era isso, entende? Mas ele era um cara muito boa gente, entende?

 

VSP- E muito generoso né, Adalto?

 

JAC- Muito, mas muito rapaz. Era uma moça para trabalhar. É o que você falou: as pessoas que conheceram o Freund gostam dele, ele era um cara bom, mas muito bom. Ele era mal encarado, quer dizer, quem não conhecia ás vezes não se aproximava por causa desse jeitão dele. Era meio duro, meio militarzão, né? Não cumprimentava ninguém. Era aquela coisa, sabe?

 

VSP- Dos filmes dele que ele fez aqui ele tinha algum preferido ou algum que você considere que tenha ficado melhor ou que ele tenha?

 

JAC- Não, não lembro. Não lembro.

 

VSP- Ele fazia coisa de indústria? Ele não pensava no cinema de maneira autoral?

 

JAC- Não, não. Naquela época acho que quase ninguém pensava assim né? A gente fazia porque tinha alguém que queria pagar a conta e você levava um projeto e não tinha essa pretensão. Quando....Eu penso o seguinte: naquela coisa não existia...Quer dizer existia, mas era meia dúzia. Todos nós, a maioria de nós, fazia o que vinha pela frente, entende? Porque a gente queria filmar e quando a gente estava filmando você dava o melhor possível, entende? Porque na época que virou os pornôs todo mundo foi fazer pornô ou saiu de cinema porque não tinha condições de fazer. O próprio Alfredinho (Sternheim, cineasta) coitado que é um gênio. Eu tenho um respeito muito grande pelo Alfredinho, ele fez senão me engano. Ele fez um filme, eu não assisti senão me engano Lucíola baseado no...José de Alencar e teve que colocar umas cenas mais picantes porque por conta...Ele pode ter sacrificado a obra. Eu acho isso uma imposição de mercado mas ele, ele com certeza queria filmar. O problema dele era filmar, entende? Como era o meu, como era o de todo mundo, entende? Eu lembro que o primeiro longa que eu fiz O Império das Taras em 1979, o Aparício foi sócio do grupo Internacional Cinematográfica, um braço da Paris. E o Alex tinha o valor, tinha um orçamento. Aí o Alex deu não sei quanto no orçamento, deu a grana, entrou com uma porcentagem: “Você entra tudo mais”. Vamos supor que ele tenha me dado um milhão de reais: “Oh, vai lá e faz o filme”. Assinamos contrato para fazer o filme com um milhão de reais. Eu fui, peguei o dinheiro e quando terminou o filme sobraram, vamos dizer sobraram 50 mil reais. Eu peguei os 50 mil reais e fui devolver pro Alex. E não era porque eu tinha feito um contrato de sociedade que ele tinha me dado um milhão para fazer o filme. Se eu gastasse um milhão e meio o problema era meu, se eu gastasse 500 o problema era meu. Então, eu fui devolver o dinheiro ingenuamente e o Alex pegou. É: “Só isso”. É, então, eu fiz aquilo para ter a minha consciência tranquila dentro da minha ingenuidade e depois que eu fui me tocar que eu tinha feito uma burrada, minha consciência ficou tranquila. Mas eu fui devolver, eu fui ingênuo totalmente porque é a mesma coisa você comprar um arroz e pagar dez reais o quilo, quinze reais e o dono do mercado falar: “Eu tive um desconto nesse arroz aqui e ficou mais barato. Devolve”. Quer dizer, é a mesma coisa e não tem mais. Mas eu fiz e não me arrependo de nada disso, que eu fiz. Fiz legal, estava consciente mas fiz uma bobagem. Mas isso me fez ganhar...Eu acho que eu devo ter tido uma moral boa na Boca, entende? Porque eu era um cara comportado, eu cumpria horários, cumpria períodos de prazos. E eu nunca tive, se alguém falar: “Eu não vou com a cara daquele cara”. Tudo bem, é um direito que a pessoa tem mas eu não lembro de ter feito algo pelo menos conscientemente para deixar alguém meio magoado comigo.

 

VSP- É gozado você sabe que o pessoal da sua geração são muito amargurados, guardam mágoas. Você é mais sossegado até por ser do interior talvez...

 

JAC- É, é...Mas eu não tenho, nunca tive mágoa de ninguém. E depois hoje o pessoal é amargurado, pelo menos a grande maioria por uma questão que eu acho que é até explicável. Você hoje está chegando nos seus 70 anos de idade. Você teve teu tempo de produtividade, a tua época, o teu período. Você fez o que deu para fazer. Podia ter feito mais mas não importa mas já passou. Fez a tua história. Você chega numa fase da vida que você tem que parar, aposentar, pendurar as chuteiras e acabou. Agora é com os outros. Agora, você fica falando: “Aí na época não vai ter mais 35 milímetros vai entrar o digital”. Eu achei aquilo péssimo, fiquei mal, eu falei: “Nossa, acabaram com o cinema”. É...Eu falei assim: “Puxa vida e agora? E o romantismo de você filmar, pegar, revelar, trazer o copião, ver o copião? Cadê? Era isso naquela época. Você segurava o ator até o dia seguinte para ver senão teve desfoque, reenquadramento. Cadê esse romantismo? Cadê o romantismo da moviola que você ficava horas inteiras naquela maquininha indo e voltando com o filme”. Hoje eu já penso: puxa vida que chatice era fazer cinema naquela época (risos).

 

VSP- Como assim?

 

JAC- É verdade. Hoje é muito mais...Então, quer dizer eu demorei um pouco para me adaptar. Mas eu acabei aderindo até porque não tinha outra forma. Ou você adere ou entra no estilo ou você cai fora. E foi o que eu fiz. Por exemplo, o Gaúcho ele ainda é um pouco resistente: “Não, porque aquele moleque não sei o quê. Porque ele não sabe nada quem sabe sou eu”. Eu acho que é um ponto de vista dele, entende? Essa vamos dizer assim esse amargor do Gaúcho eu até entendo. Mas eu já disse pra ele mais de uma vez: “Gaúcho, se nós estamos”. Você imagina que na época em que nós estávamos em plena produtividade tinha os velhos da Vera Cruz que estavam todos eles com a cabeça desse jeito. Isso, isso. Da mesma forma o preto-e-branco para colorido passou agora de colorido para digital. Então, eu acho que é natural essa resistência mas é uma coisa que não vai levar a nada. O próprio cara que vai sofrer. É...Eu acho que, que as pessoas não sei o que pensa a maioria mas uma grande maioria. Saudades daquele tempo? Lógico que eu tenho, entende? Muita saudade mas eu acho que é hoje até porque o Rogério que é meu filho, ele que está cuidando. Ele que vai dirigir o longa, ele que vai fazer esse trabalho todo. Ele já nasceu nessa geração claro e só sabe fazer isso e sabe fazer muito bem. Eu não entendo disso, entende? Na minha época eu fazia tudo porque não tinha como pagar. Então, eu fazia tudo, tudo. Até documentação do filme eu ia atrás.

 

VSP- Você chegou a fazer montagem inclusive, né?

 

JAC- Montei, montei pra outros. Montei filme pro Sady (Baby, ator, diretor e produtor), montei pra uma meia dúzia de pessoas acabei montando filme, né? Pro Alcides (Caversan), mas eu fazia tudo em cinema.


VSP- Você chegou a fazer still?

 

JAC- Não lembro de ter feito. Mas devo ter feito. Eu já servi café. No Quarto de Viúva do Sebastião de Souza, eu fiz, eu fiz...Eu servi café e foi o melhor filme que eu fiz porque eu me sentia bem. Você estando no café ali você tem que manter água, café, os copinhos ali pro pessoal, né? Mas você fica assistindo de camarote o pessoal batendo cabeça lá. E eu falei: “Puxa vida e eu estou sempre nessa bagunça, né?”. Então, eu comecei a ter uma visão geral de tudo e foi uma delícia fazer esse filme no filme em que eu servi esse café que foi nesse filme que o Ciro produziu: O Quarto da Viúva.


VSP- Sim. O roteiro do Marcos Rey senão me engano. Um filme que teve uma grana, um elenco muito bom.

 

JAC- Não lembro. Teve, teve. John Herbert, Meire Vieira, teve uma turma boa lá.

 

A comédia O Quarto da Viúva de Sebastião de Souza era baseada numa peça do escritor Marcos Rey

VSP- Você nasceu em Arapongas, interior do Paraná. Mas você só nasceu lá?

 

JAC- Por incrível que pareça eu não conheço Arapongas. Não. Eu passei por lá quando tinha oito anos de idade com parente, alguém que passou por lá e a única coisa que eu lembro é que naquela época tinha umas frases que era mais ou menos um slogan da cidade: “Visite Arapongas mas tome cuidado com os pássaros”. Eu não sei...Só sei que a araponga era um pássaro, né? Eu não sei porque mas era uma frase. É a única coisa que eu lembro de Arapongas mas é uma cidade que tem mais de 100 mil habitantes, eu tenho uma menina aqui de Batatais que é de lá. Ela trabalha aqui mas a família é de lá e todas as férias ela vai pra lá e me dá notícias de Arapongas, sabe? E eu estou doido. Ainda quero pegar um dia pegar um carro, entrar num hotel e ficar lá três dias andando feito besta pela cidade e voltar. Meu sonho é esse porque eu não conheço Arapongas. Tem mais de 100 mil habitantes, uma cidade grande, né?


VSP- Você não tinha parentes lá, nada?

 

JAC- Não. Meus pais...A família do meu pai era do Paraná. E da minha mãe daqui de Altinópolis (interior de São Paulo), né? Esse meu pai morava aqui eu não sei...Isso já é outra coisa. Não lembro muito bem. Eles se conheceram, se casaram e foram morar com a família. Meu pai tinha um sítio ou comprou não sei, lá em Arapongas. E a família dele era de Paranavaí (interior do Paraná) senão me engano. Aí eu nasci mas a minha mãe começou a ter problemas de saúde com...Não sei o quê. Acho que por causa do clima, coisa assim ela passou a ter problemas de saúde. Aí eles decidiram que era melhor ela ficar perto da mãe dela: “Ah, minha mãe é melhor”. Aí eles decidiram voltar pra Altinópolis, entende? Eu tinha dois anos, sei lá e voltar pra Altinópolis. Ficamos mais dois ou três anos em Altinópolis e daí não sei também a gente veio pra Batatais e não saiu mais.

 

VSP- Batatais já era maior que Altinópolis naquela época?

 

JAC- Sim. Altinópolis sempre foi menor que Batatais. Então, eu fiquei em Batatais quando eu tinha quatro ou cinco anos e nunca mais saí. Saí, morei em Altinópolis um período, morei em Paraíso (outra cidade do interior de São Paulo). Mas sempre fui ligado a Batatais.

 

VSP- Você começou a se interessar por cinema aqui em Batatais?


JAC- Foi aqui. A gente tinha o pessoal da rádio, eu trabalhava na rádio e o pessoal tinha vontade de fazer filminhos em super-8, sabe? Então, começou aquela coisa de reunir um grupo e começamos a fazer. E fizemos algumas coisas que nunca terminaram, entende? Mas fizemos, a gente fazia uma lista chamava ação entre amigos. Então, você saia na cidade pedindo dinheiro para fazer o filminho...Eu lembro que a primeira pessoa que deu dinheiro foi o Carlos Martinelli que era gerente da agência do Banco do Brasil na época. Não sei quanto ele deu...Mas era assim: para comprar bobina do super-8 e revelar, era isso. Era para esse gasto. Uma bobina devia ser quanto? Cinquenta, cem reais. Dava três minutos ou quatro minutos de duração, coisa assim. Então, você comprava lá quatro, cinco bobinas com essa grana e mandava revelar. Só que você mandava revelar nos Estados Unidos porque aqui não revelava aqui. Só revelava na Kodak dos Estados Unidos. Aí vinha, demorava três, quatro meses. Uma vez foi e veio. Na segunda foi e não veio mais (risos). Aí depois de algum tempo disseram que caiu no mar, não sei o quê e ficou por isso mesmo. A gente nem sabe o que houve. Então, eu acho que ainda tem algumas cenas, alguns dos caras que estavam com a gente devem ter algumas cenas do super-8 ainda, sabe? E fizemos nesse prédio inclusive (uma escola antiga de Batatais). Fizemos um dezesseis que a gente tinha acho que foi o grande impulso pra eu me interessar por cinema. Nós tínhamos no subsolo desse prédio nós tínhamos aula normal. E tinha um professor de desenho chamado Gilberto que ele fez curso de cinema em algum lugar e queria passar umas noções pra gente. Sábado nós tínhamos uma aula a menos e saia um pouco mais cedo. Então, ele falou: “Quem se interessar vamos lá no subsolo que eu passo umas noções pra vocês”. Então, foi meia dúzia de pessoas que se interessou e eu fui um deles. Acabou ficando em dois e a gente no subsolo...Ele ia falando de cinema e a gente ia curtindo. Eu pelo menos curtia desesperadamente e comecei a me interessar. E a proposta dele era fazer um curta-metragem aqui para mandar pra um festival na Bahia que era famoso: “Ah vamos fazer e tal, tal, tal”. Pra mim foi o maior entusiasmo, né? E tinha o professor Cintra que era de português. Os dois se entendiam muito bem e os dois se juntaram para fazer, começar esse movimento na cidade. E então fizeram o roteiro de um filme chamado O Peixe. Era um curta-metragem que era a história de um menininho que estudava aqui na escola. Um dia não teve aula, ele não entendeu porque não teve aula. Ele passou em frente a instituição escolar e tinha as bandeiras hasteadas, era um feriado. Aí ele lembrou que estava fechada a escola e que os peixes do aquário do laboratório, que era aqui na sala do lado, era ali o laboratório. Os peixes do aquário do laboratório estavam com fome porque não tinha ninguém para dar comida pra eles. Aí ele começou...Voltou pra casa e pegou um pedaço de pão, começou a escalar o prédio, sabe? Ele entra por esses vitrôs. Nós fizemos um rolo desgraçado. Aí ele chega, ele sobe essa escada aqui, para aqui e a chave da sala estava pendurada na parede, no portal assim. Aí ele tira a camisa até escapar a chave e cair. Ele entra e vai devagarinho morrendo de medo porque estava sozinho num prédio enorme desses uma criança, né? E de repente ele ouve um barulhão e se assusta. Leva um sustão meio suspense, era um gato...Só que na hora que o gato assustou, o gato bateu no aquário, derrubou o aquário e caiu. Aí ele vê que é o gato tudo mais, aí ele vê os peixinhos lá pulando, pega os peixinhos e começa a colocar um tapão na boca deles desesperado. E é o fim do...É uma ideia muito boa que até um dia eu penso em refazer, sabe? Mas o filme acabou não terminando. Ele trouxe um fotógrafo de Ribeirão Preto que era bom com uma máquina de dezesseis milímetros, uma pay bolex, uma dezesseis milímetros muito boa. E montou uma equipe meio...Eu era um dos principais membros da equipe e foi feito o trabalho. Eu devo...Aliás nesses pró memórias que a gente tem aí deve ter alguma cena do Peixe, do Peixe, entende? Aí quando eu vou pra São Paulo eu queria ser ator na verdade.

 

VSP- Você vai pra São Paulo pra ser ator...

 

JAC- Eu queria ser ator.

 

VSP- Mas o que de cinema você gostava na época? Algum diretor?

 

JAC- Não.


VSP- Mas o que você via? O que você curtia?

 

JAC- Eu curtia os seriados que tinham na época no Cine São Joaquim. Todo domingo passava seriado e eu queria...Obviamente filme de faroeste, filme de aventuras. E eu queria sempre ser o mocinho (risos), achava que eu ia dar certo como ator. Mas não tinha nenhuma preferência nada, não entendia muito bem das coisas. Nada, nada. Não tinha nem noção que um dia eu podia dirigir alguma coisa. Aí mais ou menos uma semana antes de eu ir pra São Paulo teve naquela época era moda o telecatch. E aqui em Batatais teve uma apresentação de telecatch. Aí na cara de pau eu fui conversar com o chefe lá deles e era da TV Excelsior esse pessoal. Eram os lutadores da TV Excelsior que se exibiam pelo interior. Eu falei pro cara: “Daqui a uma semana eu estou indo pra São Paulo e eu quero ser ator. Como que faz?”. O cara: “Não, me procura lá na Excelsior e tal, tal, tal, tal. Meu nome é esse. Vai lá me procura que eu já te indico, né?”. Eu falei: “Puxa vida já comecei bem. Vou chegar lá”. Aí quando eu estava em São Paulo claro corri e fui atrás do cara. Só que o cara já estava frio quem falou bem comigo, me recebeu bem porque estava na minha casa. “Não cara. Não tem nada haver não. Esquece isso aí tal, tal, tal”. Foi a minha primeira frustração. Eu tinha alguns dias de São Paulo e já levei a primeira pancada, né? Então, quando eu entrei no Mojica que por acaso a gente era vizinho. Eu morava na (rua) Rubino de Oliveira e ele na Casimiro de Abreu no Brás. Eu falei assim: “Puxa vida. Eu estou legal. O Zé do Caixão”. O Zé do Caixão estava na moda em 67. É, foi em 67, 68. Mas ele estava com aquele primeiro filme dele: A Meia Noite Levarei em Sua Alma em evidência. Eu falei: “Pô, meu vizinho”. Eu comecei a frequentar lá e queria ser ator. Aí e o Mário Lima era o professor da gente?

 

VSP- As arapucas, né?

 

JAC- É, as arapucas, né? Mas o Mojica sempre fez isso. Então, ele tinha...Ele dizia que os elementos que frequentavam eram os alimentos dele. Não eram os elementos (risos). E ele, e eu me esforçando pra ser ator, subia no palco. Mas eu percebia que eu não agradava, né? Até que um dia eu fui fazer que eu chamava de tragédia grega que não tinha nada de tragédia, nem de grega. Era aquela cena clássica do casal de recém casados que vai sair pra lua de mel e se perde. Fura o pneu do carro numa noite de tempestade, raio, aquela coisa toda e tem um castelo perto. Eles vão se abrigar no castelo e ali começa...Aquele clássico, né? Então, no palquinho eu entrei com a minha noiva, né? Pra gente ver como que se toca, se tinha alguém, coisa assim. Aí eu saio para ir procurar alguma coisa, ela fica sozinha e tinha um monstro que era o Paulino que era um cara de quase dois metros que era do casamento, do noivado que nós fomos com o Jean, com o Wilson na casa dele. O Paulino era uma pessoa boníssima e o Paulino era compridão, ele fazia o monstro da casa. Aí a minha namorada ficava com ele quando ela via o cara dava um berro e eu bem herói eu ia brigar com o bandido, né? Com o monstro. Era um tal de empurra, de não sei o quê e tal, tal, tal. E teve uma hora que eu tinha combinado, era um momento que eu tinha que ganhar. Como ele era alto, tinha um momento em que ele me pegava me erguia assim e eu estava perdido já. Eu agarrava a garganta do cara e ia apertando, ele ia desfalecendo e eu acabava ganhando a briga, virava heroizinho. Era mais ou menos essa a situação. Mas numa dessas movimentações da briga sem querer ele acertou com o joelho. Pô cara, eu fiquei nervoso, sabe? (risos). Puxa, mas cada bobagem, eu falei: “O cara não precisava”. Foi sem querer, né? Inclusive ele se desculpou mas eu fui pra cima dele. Fui pra cima dele meio interpretando mas com muita raiva e aí fui, peguei e quase que eu coiso a garganta dele de verdade. Ah cara o pessoal aplaudiu: “Ah cara que atuação”. Mas eu estava motivado para fazer aquilo, né? Eu falei: “Não, não tem jeito. Eu não sou ator”. E aí eu conheci o Attili que também era um cara quietão, como era o Candeias, como era o Ody. Era um cara quieto na dele mas eu comecei a me aproximar do Attili. Aí eu falei: “Já que eu não sirvo pra ser ator mas eu gosto de cinema”. Eu comecei a conversar com o Attili sobre lente, sobre câmera, como funcionava, como não sei o quê, não sei o quê. Fiz amizade com o Attili e comecei a me interessar. Aí naquela época o Mojica já tinha feito o Esta Noite, Esta Noite. É...Não lembro, não me lembro. A ideia do Zé do Caixão era uma trilogia: A Meia Noite, Esta Noite e o Encarnação. Então, o Encarnação do Demônio ele ia fazer naquela época era o seguinte, o terceiro que fechava a trilogia. E eu inclusive dei muito palpite no roteiro naquela época, tá? O Portela, você conhece o Portela?

 

VSP- Sim. O Walter Portela.

 

JAC- Então, você conhece todo mundo dessa turma, né?

 

VSP- Era o advogado.


JAC- Você tem o contato dele?

 

VSP- Tenho. Te passo cara. Mas ele está morando no centro, ele está bem de cabeça.

 

JAC- O Portela era um cara legal, eu achava ele o máximo. Porque ele deixou a família, ele era advogado, deixou a família, participou de uma peça e ganhou o prêmio de melhor ator. Deixou tudo e veio pra São Paulo fazer a carreira de ator, entende? E chegou e ficou. Bastou...E foi cair no Mojica. Então, como ele era advogado do Mojica por muito tempo. A gente fazia muito, a gente fazia roteiro juntos, então, ele, trocávamos muitas ideias. Ajudamos a fazer o roteiro do Mojica, né? E o Portela naquela época era quase um ídolo pra mim, sabe? Porque naquele meio do Mojica era tudo gente semianalfabeta, não tinham bom comportamento, coisa assim. E o Portela, sabe? Era um cara sério, advogado. Na dele impunha respeito. E a gente fez algumas coisas.

 

VSP- Foi ali que você conheceu o Gaúcho (Virgílio Roveda, o Gaúcho, diretor de fotografia)?

JAC- Sim. Mas o Gaúcho é mais velho que eu, um ano ou dois. Coisa assim. Então, aí do Mojica eu decidi que era técnico. Aí eu conheci o (Ozualdo) Candeias, o (Luiz Sérgio) Person e o Eduardo Llorente no Mojica. Eram três caras que também estavam na moda. O Candeias estava com A Margem que tinha feito em 67, o Person estava ainda com os extertores do São Paulo SA e o Llorente era o cara que eu conhecia daqui que tinha uma apostila sobre cinema, um curso sobre cinema, livro e eu tinha o livro. Puxa vida, Eduardo Llorente era meu professor por livro, então, achei legal conhecer o Llorente. Aí comecei sabe? Até chegar na Mojica.

 

VSP- Era um curso? Era um ano?

 

JAC- Não, não era nada. Era uma arapuca na verdade, né? Você pagava uma mensalidade e tinha aulas. Então, não tinha tempo para terminar, não tinha. Não, o pessoal ia lá, saia, entrava, saia, entrava. A ideia era preparar o pessoal para fazer o próximo filme dele, entende? Então quando aqueles filmes, você pega os filmes daquela época tem hora que você vê trinta, quarenta pessoas ás vezes sem necessidade. Eram os caras que ele tinha que usar no filme, entende? Ele...Os caras estavam pagando e tinham que aparecer no filme nem que fosse numa cena, sabe? De um segundo. Aí quando ele foi pra televisão ele levou toda essa fauna, entende? Então, esse pessoal estava motivado a ir: “Eu estou pagando mas eu estou vendo um programa de televisão, estou vendo uma filmagem, estou participando de alguma coisa, entende?”. Então, foi...o Mojica ele sempre foi assim, né? Era o jeito dele.

 

VSP- Você conheceu o Augusto (Cervantes, produtor) lá também na sinagoga?

 

JAC- Foi, foi. É o Augusto ia pouco lá. Quem conheceu bem ele foi o Gaúcho. O Gaúcho conheceu bem ele, a mulher dele, entende? Parece que eles não se bicavam. Veja bem: eu estou falando meio de alegre porque eu não era desse círculo, desse nível. A gente supunha mas eu sei que o Mojica não gosta muito de falar do Augusto.

 

José Adalto Cardoso começou a carreira com o  ator e cineasta José Mojica Marins

VSP- Fala um pouco da sinagoga...

 

JAC- É, era uma sinagoga...

 

VSP- Sim. Mas fala um pouco como era aquele ambiente...

 

JAC- É, é (rindo). Era isso aqui sujo (risos), era isso aqui sujo. Mas muito maior que isso umas quatro vezes, um negócio enorme e mal cuidado. Tinha gente que dormia, gente...Era uma complicação. Era meio mistura lá, né? Tinha gente que dormia e tinham umas cobras que ficavam por lá. De vez quando você encontrava, elas ficavam escondidas, né? Elas apareciam.


VSP- Mas não ficava num lugar guardado?

 

JAC- Não. Ficavam por lá, de repente você via uma cobra andando por lá. Nem lembro que cobra era e se era perigosa. Para usar pra filmagem, tudo material de cena. E a cobra era solta a casca, a escama, tem um tempo que ela solta. Então, ficava uma espécie de uma capa de cobra, né? Fica solto e morre ali. Ela troca de pele exatamente. Então, ás vezes você via a pele da cobra exatamente por ali que ela tinha trocado. Era uma coisa...Eu tinha uma bronca disso. Eu andava lá com medo de pisar em cobra, né? Mas era gostoso, sabe? Era uma delícia você trabalhar lá e se relacionar com aquele pessoal. O Mojica era muito dado, era muito acessível. Eu acho que até demais porque um cara pro nome que ele já tinha, ele devia ser um pouco mais difícil. Mas ele nunca foi de ser estrela. Eu acho isso o grande mérito dele. Então, qualquer pessoa chegava lá, pagava um conhaque pra ele, já ganhava um abraço e virava amizade. Era uma farra, sabe? Então, o Mojica sempre foi assim. Eu acho que uma das coisas que segurava e mantinha toda essa turma era exatamente esse jeitão dele? Sempre muito tranquilo, muito legal. Não se esquentava com nada. Quer dizer, por isso também que tenha...Eu conversei com a Liz (Vamp, atriz), a filha dele e ele falando isso: “Meu pai não soube administrar o que ele ganhou”. E é verdade, entende? Como eu: eu ganhei muito dinheiro mas eu gastei mais do que eu ganhei, então, eu continuo no zero, no negativo. Só que o Mojica é um cara feliz. Ele fez tudo que ele queria: tendo tomado todos os conhaques do Mundo, depois virou pra vodka e tomou todas as vodkas do Mundo, fumou todos os cigarros do Mundo e muita mulher, muita mulher. Mas foi uma época divertida e eu acho que a base a gente ganha ali porque foi meio na pancada mas a gente conheceu muita, o lado mais rústico de cinema, né? Mas foi o lado mais agradável e que mais ensinou.

 

VSP- E o que você aprendeu lá no Mojica?


JAC- Eu comecei a ter noção de direção lá. Porque eu acompanhava o Mojica fazendo os filmes dele principalmente colado no Attili, Giorgio Attili. E eu aprendi muito, ele explicava, ele tinha paciência de explicar algumas coisas que eu perguntava pra ele. E ali quando eu saí dali, eu nem sabia que existia a Boca do cinema. Quando eu saí dali pra ir pra Boca, eu já tinha uma noção do que eu queria: eu vou pra parte técnica, eu gosto de fotografia, câmera, lente. Acho que foi através do próprio Candeias que eu acabei indo na Boca porque acho que um dia ele marcou alguma coisa comigo e fui pra lá. Aí eu vi que lá era um Mundo, né? E falei: “Puxa vida, é aqui que eu vou ficar”. E passei porque o Mojica eu percebia que não ia ter nada, não ia acontecer nada. O Mojica não ia filmar se fosse filmar não ia me aproveitar e depois eu passei a me interessar por técnica, não era mais. Então, por exemplo: o Gaúcho, o Jean (Garrett) e o Dario que eram os três assistentes dele nos filmes, nas cenas lá no programa de televisão faziam isso eles também participavam da parte técnica. Eles não eram só figuração, aquela coisa, a parte técnica. Mas eu só queria participar da parte técnica e achei que não tinha que ficar. Fui mas mantive a amizade com o Mojica até hoje, sem problema nenhum. Em 1973, eu começo a minha carreira em 1974 pra valer. Mas em 73 eu fiz um filme com o Mojica que eu não consto na minha carreira que foi traumatizante. Chama O Fracasso de Um Homem em Duas Noites de Núpcias, Georginho Michel e com a Terezinha Sodré que sumiu também. Então, a gente fez esse filme em 73, o Renato Grecchi era o produtor e aí o Mojica me convidou para fazer uma semana. Porque estava fazendo um filme de pouco, picado. Falou: “Eu vou fazer uma semana de filmagem aí vamos comigo. Você vai ser assistente. Conversa com o Renato Grecchi que ele vai ver a qual vai ser a forma de pagamento”. Aí eu fui, eu queria uma chance, né? Aí eu fui, foi uma filmagem desgraçada rapaz, fiquei cinco semanas trabalhando com ele, o filme não fluía. Era uma bagunça generalizada você passava fome, era uma coisa assim muito, muito. Pouca grana ou nenhuma até. E não recebi nenhuma das semanas que eu trabalhei. E eu trabalhei cinco e o Renato ficava assim, o Renato Grecchi: “Não, você vai receber. Não sei o quê”. Ele me enrolava como ele enrolava todo mundo. Depois nós fizemos um acerto que eu não lembro como foi bem alguns anos a frente. Mas foi traumatizante o filme, foi traumatizante, sabe? Então não vou colocar isso na minha carreira. E eu achava até que não tinha terminado o filme mas o Alexandre (Aldo Neves, pesquisador) me falou que terminaram e foi lançado, entende? Eu até gostaria de ver...

 

VSP- Mas quem era da produção mesmo era o Renato Grecchi?

 

JAC- Renato era produção e grana, né? O Nelson Teixeira Mendes era produtor desse filme senão me engano. É...porque o Nelson era...Nós fizemos umas cenas em Itanhaém (litoral sul de São Paulo) e o Nelson foi, eu me lembro disso. Por isso, eu acho que o Nelson era o produtor do filme e o Renato era produtor executivo, diretor de produção, qualquer coisa assim. Eu sei que ele dava satisfação pro Renato e o Mojica dirigia. Mas era uma bagunça, né? Era uma coisa muito ruim, muito malfeita, muito mal arrumada.

 

VSP- Falando do Mojica...O Zé do Caixão e o Mazzaropi talvez sejam os grandes personagens do cinema brasileiro. O Antônio das Mortes talvez.

 

JAC- Mas o Antonio das Mortes era um personagem, né? Mazzaropi e Mojica são atores. São pessoas que existem de fato, você liga uma coisa a outra. O Maurício do Valle fez o Antonio das Mortes e fez um monte de outros. O Mojica só fez Zé do Caixão tanto que Oaxiac Odez, o pessoal não liga. E se você ele vê o Zé do Caixão. O Mazzaropi só faz Mazzaropi. Então, você liga uma coisa a outra. Eu acho que são os dois grandes ícones do cinema brasileiro de fato são o Mazzaropi e o Zé do Caixão. Eu falei com a Liz estava até falando se eu trazia ele para paraninfar a turma aqui mas ele não está mais saindo de casa.


VSP- Você conheceu o Jean lá na sinagoga?

 

JAC- É, foi lá na sinagoga.

 

VSP- Como se deu a amizade? Você chegou a participar daquela revista Melodias que ele era fotógrafo?

 

JAC- Não. Daquilo eu participei por causa do (Rubens Francisco) Lucchetti (roteirista). Nós éramos amigos mas éramos pessoas normais, éramos dois amigos, dois molecões e ele aprendia fotografia com um cara chamado Fidelis que existia lá na (avenida) Teodoro Sampaio em Pinheiros. O Lucchetti escreveu o roteiro de uma novela e eu tenho até hoje o roteiro dessa novela em casa, entende? Saiu em 1967, 68. E o Lucchetti...Foi e o Jean fotografou. Era o Fidelis que ia fotografar, acabou que o Jean estava junto e acabou que o Jean começou a aprender e superou o Fidelis. Virou um exímio fotógrafo, virou aquilo que deu. O Jean pra mim era um gênio, sabe? Ele era o máximo. Mas ele...Ele tinha as coisas dele desde que chegou. Ele tinha aquelas coisas meio arrogantes em alguns momentos. Coisa de português mas depois, eu me lembro que uma vez eu tinha que fazer uma matéria pra (revista) Cinema em Close Up com o Agnaldo Rayol. E o Agnaldo tinha feito um filme com ele, não lembro que filme que era. Aí eu falei: “Jean, eu não conheço o Agnaldo Rayol e preciso fazer uma matéria. Você me leva até ele?”. “Claro, eu te levo até ele”. Na casa dele, sítio dele em Itapecerica, Itaquaquecetuba, tudo bem. “Então tá”. Me ajudou nisso.

 

VSP-O Jean como diretor você acredita que ele fosse um dos melhores da Boca?


JAC- Era. Era, sem dúvida nenhuma. Sem dúvida nenhuma. E o primeiro filme dele com a Helena, como se chama? A Ilha do Desejo, né? Eu acho que já foi, já demonstrou bem essa habilidade dele como fotógrafo e como diretor por extensão. Porque parece que os roteiros dele eram meio de Ody Fraga qualquer coisa assim. Então, tinha um pedigree. O Ody era um belo roteirista ele se inspirava naqueles livretinhos mas fazia histórias lindíssimas. E todos os filmes do Jean, todos, tem um belo de um...Esses dias...quando eu estava lá com o David não nesse, no filme anterior. Ele projetou Amadas e Violentadas pra gente, né? E cara que filme. Mas que filme. É mais perfeito, cara? Eu falei: “Esse filme não pode chamar Amadas e Violentadas é pejorativo pro filme. Ele tinha que ter um nome mais pomposo e tinha que estar numa galeria pô”. Que filme rapaz, Amadas e Violentadas. Eu lembro até que o Luiz Gonzaga (dos Santos, assistente no filme e depois cineasta) faz um ceguinho no final do filme, né? Eu achei aquilo o máximo mas muito, muito, muito bom. O Jean era o cara. Uma pena que foi embora cedo.

 

VSP- O pessoal conta o Cláudio falava que o Jean era tido como o menino de ouro da Boca porque ele veio da Boca, fez os primeiros filmes. E além dos serem bons, tinham crítica favorável e rendiam.

 

JAC- É...Menino de ouro não sei. Nunca ouvi falar disso. Mas ele era muito, muito cotado. O problema do Jean é que nem o Fauzi: o gênio. O Fauzi é outro cara maravilhoso. Se você vê Sedução, você vê putz cara, cai duro que filmão. Foi minha primeira assistência de direção e o Jean também era assistente de direção. Aí...Mas o Fauzi tem aquele gênio que você conhece: ele não sociabiliza, ele não arranja negócios. O Jean era mais ou menos isso. O Jean acho que invejou o Fauzi e acho que pegou isso. Ele não se sociabilizava. Eles chegaram a montar um grupo de produtores de cinema que o Marinho pertencia, era o Jean, o Marinho, o Cláudio Portioli, senão me engano o (Carlos) Shin (Shintoni, assistente de direção) que era fotógrafo. Não sei se o (Luiz) Castellini estava nessa parada, era um grupo.

 

VSP- A história é que me contaram no Sedução na verdade o David queria contratar o Fauzi para dirigir a primeira produção da Dacar. Diz aí que o Fauzi falou: “Pega aquele cara ali que ele já dirige”.


JAC- Não. Porque o primeiro filme da Dacar foi A Caçada Sangrenta, foi do Candeias, Caçada Sangrenta. Foi do Candeias. Naquela época, ele abriu a Dacar em 1974 na época em que estávamos filmando, logo quando a gente filmou. O primeiro filme dele foi...Mas o David e o Jean já tinham uma empatia. Já iam fazer alguma coisa juntos, entende? Mas o David começou com o Candeias. Ele fez aquele troço lá.

 

VSP- No Sedução o Fauzi e o Jean se deram bem? Não aconteceram problemas?

 

JAC- Não. Aliás, o Fauzi gostava do Jean, né? Porque ele era um bom profissional, né? Entende? Ele era um bom profissional. O Jean era sério, tem que dividir bem o lado pessoal dele que era um grosso do lado profissional dele que era...O Jean era ótimo.

 

VSP- Como você iniciou uma parceria com o Fauzi? Porque como você sempre falou o Fauzi é uma pessoa meio introspectiva.

 

JAC- O Fauzi...Eu estava, eu estava no bar. Tinha um bar, tinha o bar Soberano e descendo no meio do quarteirão na esquina debaixo não era bar conhecido da Boca. Era esquina da (rua) Aurora, um barzinho. A gente frequentava muito pouco lá e eu estava para esperar uma resposta do Ody pro Macho e Fêmea. Tem uma história que inclusive está contada no livro. É uma história longa, é, é. Eu tinha que ir lá com o Ody e ele não apareceu. Ou se apareceu...Aí, o Fauzi sentou lá pra tomar um café e eu tomei um café porque a gente se conhecia: “Oi tudo bem”, “Tudo bem, tal”. Aí o Fauzi olhou pra mim e me falou: “Escuta, qual é o teu signo?”. Eu achei estranho falei: “Pô, o cara perguntar de signo?”. Depois ele explicou que ele conhece astrologia, que ele estuda astrologia, acha que aquilo influencia. Eu falei: “Eu sou touro”. Ele me falou: “Você quer filmar comigo? Nós vamos começar uma produção já”. Então foi assim, foi uma coisa de um minuto de papo, né? Aí eu já subi e comecei a preparar, a fazer levantamento de reconstituição de época pro Sedução. Eu fiquei quase que uns três meses trabalhando pro Fauzi nessa preparação, entende?

 

VSP- Mas você já tinha um salário?

 

JAC- Já, já ganhava um salário e eu frequentava a biblioteca na (avenida da) Consolação, a (biblioteca) Mário de Andrade. Frequentava para pegar revistas da época de 1930, ir reconstituindo época. Xerocava as roupas, xerocava os objetos que existiam na época. Arrumei filmes não sei onde, arrumava filmes documentários da época. Você via ruas de São Paulo, as pessoas, os caras se cumprimentando, tirando o chapéu para referenciar as mulheres, aquela coisa, uma frescura pra reconstituir melhor a época, sabe? Aí quer dizer foi feito todo um levantamento de um período de quase três meses na biblioteca Mário de Andrade, entende? E teve algumas, os carros. Nós alugamos os carros do Romeu que era um cara especializado nisso. Todos os carros...Porque tinha uma coisa: tem que identificar exatamente a época. Tem um diálogo que o Ney Latorraca fala assim: “Ah, eu estou muito triste”, chorando, tal. “Porque o Carlos Gardel morreu ontem”. Tem um diálogo desse no filme, eu falei: “Está aí o gancho”. Fui pegar a data que o Carlos Gardel morreu e comecei a fazer uma pra lá e pra cá. Quer dizer, se o Carlos Gardel morreu hoje é dia tal de 1930. Então, foi antes e depois e aí eu me localizei pro filme. Tentei localizar o material que eu podia para reconstituir época. Eu fui no museu da Gessy Lever pegar algumas coisas de tocador que eles chamavam pra penteadeira da Sandra e eu fui na Souza Cruz pegar um cigarro Yolanda, um cigarro que existia na época. Aí botamos um cigarro de hoje no Máximo e ele completou, fumou como cigarro Yolanda. Com o Romeu o único carro que não deu certo foi um Pakar, um Pakar meio limusine que era do Belacosa que era o chefe. Porque esse carro era 42 parece, então era o único carro que não estava dentro porque o filme era 30, 32. E tinha um rádio que a gente não conseguiu. Porque justamente era o rádio onde o Ney ouvia as músicas dele, era o rádio capelinha que existia na época e nós pegamos um rádio um pouco depois. Foram as duas únicas coisas conscientes, falhas conscientes. Devem ter outras. As duas falhas conscientes foram essas: do rádio e do carro Pakar que era alguns anos a frente. Mas foi feito todo um levantamento, foi um trabalho muito legal e acho que aí o Fauzi começou a me curtir, sabe? Tanto que eu saí dali e em seguida nós fomos fazer o Belas e Corrompidas e O Guarani. Quer dizer, eu fiquei com o Fauzi até O Guarani. Depois, ele foi fazer O Mulherengo, eu não fiquei pra fazer O Mulherengo mas eu fiz a dublagem, a direção de dublagem. Eu fiz na finalização do longa.

 

VSP- E outro filme muito bom.

 

JAC- Eu estou com saudades do Mulherengo, queria muito rever. Mulherengo teve, eu não lembro mais do filme porque eu não fiz mas eu sei que é um musical, né? São músicas populares brasileiras, né? O Frengolente, eu não lembro do filme. Edwin Luisi, né? Então, o Fauzi fez o filme e não tinha pego direitos autorais para colocar aquelas músicas. Ele chegou pra mim e falou: “Adalto, eu preciso de direitos autorais dessas dez, onze músicas que tem no filme. Se vira e você tem que procurar os escritórios que representavam os direitos autorais”. Hoje existe o ECAD mas naquela época existia SICAM, ECAM, não sei qual das quantas. Um monte de escritórios. Cada uma representava algumas músicas era tudo no Rio. Aí ele me falou: “Procura que música é de qual escritório e já pega o direito autoral”. O direito autoral era um salário mínimo, né? “Agora fala que nós estamos com a ideia de fazer um filme e fala que queremos colocar essa música. Se dar pra negociar. Senão der não tem problema. Não fala que o filme está feito senão os caras vão cobrar os olhos da cara”. Então, eu fui pro Rio e fiquei três dias no Rio correndo os escritórios de agências para comprar os direitos autorais de todas essas músicas, tá? Dizia assim: “Vai ser feito esse filme nós estamos com vontade de fazer. Dá pra fazer?”. E acabava dando, deu em todas menos em La Violetera. Tinha, tinha essa música que não era brasileira chamada La Violetera, eu não conheci, não descobri o escritório que representava La Violetera. E acabou não tendo direitos autorais dessa canção.

 

VSP- Você conheceu o Fauzi antes de conversar com ele nesse bar?

 

JAC- Eu conhecia mas não me lembro como. Conhecia de se trombar ali na Boca, né? Ele tinha feito um filme com os Trapalhões.

 

VSP- Mas na Boca ele já tinha aquele nome?

 

JAC- Ah, acho que não. Acho que a carreira decolou com o Sedução. Depois veio A Noite do Desejo que era outro...Porque o Fauzi era muito eclético, né? Por exemplo, A Noite do Desejo pra Sedução e Mulherengo não tem nada a ver as histórias, a linguagem, né? E ele foi assim, foi até o pornô. Quer dizer, ele se adaptou em todas e fez filmes bons, entende? Noite do Desejo é um grande filme que se chamava Noite das Taras e a Censura podou. Assim como o Alfredinho (Sternheim, cineasta) tinha O Anjo Devasso que a Censura podou e virou O Anjo Loiro. Naquela época eles davam dura mesmo, sabe?

 

O cineasta Fauzi Mansur e José Adalto Cardoso. Acervo pessoal de José Adalto Cardoso


VSP- Esse filme que você fez o Sedução...Como era o Fauzi no set? Como era ele dirigindo os atores?

 

JAC- Ah, o Fauzi sempre foi tranquilo. Ele tinha...Ele tem uma, uma obrigação o diretor ter: ele tem uma tranquilidade, uma segurança. É obrigatório o diretor ter isso, entende? Ele mesmo nas horas que estava mais complicado ele passava aquela cara de tranquilo, de estar tudo bem. E isso faz o pessoal trabalhar. Você acha que o cara...o Fauzi dominava, ele sabia o que ele queria também. Mas ele era tranquilo, legal, sossegado. Não era de muito papo, difícil você rir com ele e a noite...Toda noite a gente ia pro hotel lá em Pedreira, eu ia pro quarto dele e ia o Alfredo Scarlatti. Acho que era ele que fazia a produção. O Alfredo e eu sentávamos com o Fauzi na cama dele mesmo do quarto e fazia a programação pra amanhã, tá? Terminava a filmagem e sentava: “Vamos fazer tal, tal, tal”. Quando o pessoal...Porque estava todo mundo no hotel. Quando o pessoal fosse jantar a gente já botava ordem do dia e saia minutos antes, tá? E sempre se cumpria, tá? E tinha um problema porque a Sandra (Bréa, atriz) ficou num hotel em Campinas, ela não ficou com a gente. Ela não queria ficar num hotel mequetrefe, ela queria ficar num hotel e o Dávila que é de Campinas e produtor do filme, ele conhecia o cara que tinha um empresário que estava inaugurando um hotel. Esse empresário deu de presente essa estadia da Sandra, né? Então, toda manhã tinha que ir o Rodrigo (Montana). Ele saia com o carrinho dele e ia pra Campinas pegar a Sandra, a tarde e levar ela. Um saco, um saco. E a Sandra tinha um problema: ela chegava de manhã, mas de manhã assim...Nove horas. Ia pra maquiagem e ficava enrolando. Ela só filmava praticamente depois do meio-dia, onze horas, meio-dia, entende? Ela tinha o marido que ela trouxe junto.


VSP- Marido?

 

JAC- É, é, o Eduardinho. E o marido ficava lá fora (rindo), quando ela sentia algo: “Eduardinho”, aí ele vinha e entrava na casa. “Deixa eu deitar um pouquinho no seu colo”. Aí ele sentava... “Ah cansei. Pode voltar pra lá”. Era assim cara a Sandra, sabe? Eu achava aquilo um sarro, né? E o cara submisso, quietão, na dele. O cara muito bom também, muito gente boa, mas muito gente boa. Mas o Fauzi era um cara que te passa segurança, tranquilidade.

 

VSP- Então, ele era o cara que passava segurança no set?

 

JAC- Não. Dificilmente, ficava...Ficava ás vezes dava uns cinco minutos nele. Mas isso era normal, sim, sempre tinha motivo. Não era estrelismo. Por exemplo, quando a Sandra começou a criar muito problema ninguém percebeu mas ele já arquitetou pra que as últimas cenas do filme não precisassem da Sandra. Ele usou, para usar uma dublê pra mandar a Sandra Bréa embora. Quando chegou 80% do filme, que ele e o Dávila não aguentavam mais a Sandra. Ninguém aguentava mais a Sandra, ele disse: “Sandra até logo”. “Não, mas não acabou o filme”. “Não até logo. Pra você acabou, pra você já acabou”. “Tem mais cenas não sei o quê, não sei o quê”. “Não vai embora. Vai embora”. Ela foi e ele terminou com uma figurante que tinha lá colocou as roupas dela. Já programou tudo na cabeça para fazer aqueles planos de costas ou de longe, qualquer coisa assim. Então, tem muitas cenas ali que não são a Sandra que está, entende? Porque ela era muito problemática. Ela era muito difícil, ela tinha lá uns problemas de saúde, tinha uma série de coisas, né?


VSP- O Fauzi não era antipático. Ele era um jeito dele...

 

JAC- Fechado, fechado. Ele continua o mesmo. Encontrei com ele há um ano atrás e ele continua o mesmo, tá? Mas...E a gente saia muito, eu me dei muito bem com o Fauzi. A gente saia muito pra restaurante, comer comida árabe. Comi muita comida árabe com ele, sabe? Na época dessa preparação do Sedução, entende? Porque ele só comia comida árabe: “Vou te levar no restaurante tal”. Acabei até gostando de comida árabe, sabe? Por conta dele.

Bastidores de Sedução (1974): Sandra Bréa, Adalto e Eduardo, esposo da atriz. Acervo pessoal de José Adalto Cardoso


VSP- E essa coisa do signo ele sempre teve?

 

JAC- Ele estudava astrologia, né? É um hobby, um passatempo. Nunca a gente entrou em detalhes mas ele falou de astrologia.


VSP- Qual importância o assistente tinha nos filmes do Fauzi? Você trabalhava muito nos filmes dele?

 

JAC- Ele era exigente mas ele sabia que a gente era limitado e principalmente comigo que era o primeiro filme, entende? Ele sabia que não podia exigir muito de mim. Ele exigia mais do Jean porque o Jean já tinha sido assistente dele antes, tinha feito muitos outros trabalhos com ele. Então, ele exigia mais do Jean. Eu...Ele estava dando uma oportunidade, como se fosse um estágio. Então, ele não exigia mas eu que me esforçava para fazer. E também ele me botou como assistente pelo trabalho que eu tinha feito na preparação de pesquisa, esse negócio, entende?

 

VSP- Você chegou a fazer continuidade nesse filme?

 

JAC- Não. Foi só assistência de direção.

 

VSP- Mas nos filmes do Fauzi você chegou a fazer continuidade em alguma?

 

JAC- Fiz continuidade em alguma mas não em lembro. Fiz continuidade mas nunca fui um bom continuísta, entende? Mas nem lembro em que filme eu fiz continuidade. Em 77, quando estava fazendo o Belas e Corrompidas, ele estava fechando com a Embrafilme para fazer O Guarani. O Fauzi tinha muita confiança em mim. Ele falou assim: “Adalto, eu estou cuidando da documentação do Embrafilme. Eles vão ajudar a pagar a conta. Me ajuda a ver papeladas, cuidar das coisas com a Embra”. Eu passei a pegar a ponta aérea pra ir pro Rio direto pra ir cuidar das coisas do O Guarani. O Guarani estava orçado em...Não lembro os valores, dois milhões e meio, dois milhões e meio. Aí no meio do caminho a Embra dá um recado pro Fauzi: “Fauzi, o Glauber Rocha quer fazer O Guarani e a gente. E o Glauber é um nome internacional. A gente prefere passar esse projeto pra ele e não pra você. Então, faz assim a gente cancela o seu projeto passa pro Glauber e você pega um outro”. Aí passaram pro Glauber O Guarani e o Fauzi entrou com um projeto de Olhai Os Lírios do Campo, tá? Que é do Érico Veríssimo, um romance do Érico Veríssimo. Aí apagou tudo e eu comecei a fazer um outro trabalho. Só que o orçamento que vinha era de um milhão e meio. Não era mais dois milhões e meio. Aí começou a ler livro, a ver não sei o quê e saber. E o Fauzi fazia contato com a dona Mafalda que era a mulher do Érico, era viúva dele, ele já tinha morrido. E começou a frequentar lá no Rio Grande do Sul onde ela morava para comprar os direitos autorais. E acertou um valor. Aí entramos com Olhaí os Lírios do Campo. Aí quando ele acertou com a dona Mafalda uma advogada da família entrou falando: “Não. Mas ela não poderia ter entrado com esse valor”. Deve ter sido uma ninharia porque o Fauzi tudo é ninharia, né? E tivemos que fazer tudo de novo, não tem jeito e tal, tal, tal. O Fauzi ficou bravo. Falou: “Pô, mas eu acertei com a mulher”. “Não, mas a mulher não pode decidir. Quem decide sou eu, a advogada”. Parece que tinha uma base legal nisso e aí o Fauzi começou uma outra briga com a advogada para conseguir rever essa coisa de direitos autorais. No meio do caminho, a Embra desiste do Glauber porque ele tinha ficha suja. Era época de Ditadura, aquela coisa, né? E ele já tinha, ele não era bem visto. Eles falaram: “Olha, nós desistimos do Glauber. Não vai mais fazer filme. Pode voltar pra você”. Ele falou: “Pô, agora abandona Olhaí os Lírios e começa O Guarani outra vez”. Voltamos no O Guarani, mas com o orçamento de um milhão e meio eles não atualizaram o orçamento. E o Fauzi foi com esse orçamento porque a primeira coisa: ele quis começar o filme em outubro de 1977 senão me engano. Eu fui pra lá algum tempo antes para cuidar da construção do cenário que era a casa, eu fiquei dois meses ou três meses morando em Sumidouro (interior de São Paulo) e cuidando da construção da casa. Foi legal isso aí também. O Fauzi confiava muito em mim, sabe? Eu era quase que o braço-direito dele. Ele gostava de mim e do Cláudio Portioli, esse era o ídolo dele, né? E ele queria começar em outubro. Outubro é uma época que chove muito e chove até o final do ano. Aí a turma falou: “Olha Fauzi, não é bom. O filme é aventura, é tudo no descampado, meio de mato”. “Não, eu quero começar em outubro”. Aí o Tony Jakoska que fazia produção, eu fazia a produção executiva. O Tony Jakoska descobre que existem dois rios Paqueque que eram descritos na história do Alencar e ele abre O Guarani descrevendo um cenário onde fica o rio Paqueque. E aí acontece a história. Então, o Fauzi queria aquele rio Paqueque mas tinham dois rios Paqueque. Tem um Teresópolis e tinha um Sumidouro, qual dos dois? Aí descobre que era aquele de Sumidouro, tá? Tá, tinha aquela queda dágua, tal. Por isso, nós fomos pra Sumidouro e aí nós descobrimos que para chegar onde nasce o Paqueque, onde o Alencar descreveu eram dezoito quilômetros da cidade tudo subida. Subida e não tinha estrada. Cara, o prefeito mandou abrir uma estrada na marra que não tinha nenhuma tecnologia. Era simplesmente pegar uma máquina e mandar lá abrir espaço pra gente poder chegar lá em cima. Imagina época de chuva uma pirambeira e a casa lá em cima. Foi uma aventura desgraçada fazer esse filme. Você tinha os carros que desciam lá de cima...Deslizando. Você precisava ficar fora do carro segurando o carro porque ele estava deslizando pra ele não sair da estradinha, sabe? Tinha noite que o pessoal ficava dormindo lá porque não tinha condição de descer por causa da chuva. O Rodrigo (Montana) tinha...Coitado, não sei como ele não capotou. Um jipezinho velho que tinha tração nas quatro rodas. Tinha o jipe, tinha uma Rural e tinha um carro com tração. Porque só podia carro de tração, tá? E o Rodrigo ia levar café da manhã lá pros caras e era um desespero. O Rodrigo ficou doidinho cara, naquele filme, sabe? E o Fauzi insistiu, demorou. O filme demorou uns quatro meses para filmar, terminamos aqui em Mauá (região metropolitana de São Paulo) e foi feito numa represa. Estourou desesperadamente o orçamento, aí o Manuel Alonso entrou, dois cunhados dele que trabalharam, cunhados do Fauzi, irmãos da Maria. Eles trabalhavam num negócio de comprar óleo, óleo de cozinha, coisa assim. Engarrafar, envazar e vender no varejo, né? E trouxe esses dois cunhados pra serem sócios. Trouxe o Manuel Alonso de Cervantes, Cervantes não, o Manuel Alonso. Sabe quem é o Manuel Alonso? Manuel Alonso era um distribuidor, Manuel Alonso era um distribuidor. Ele tinha também não me lembro a produtora dele. Então, resultado: ele deu prejuízo para todo mundo e o filme não deu certo, entende?

 

VSP- Foi o filme mais difícil que você trabalhou do Fauzi, né?


JAC- Foi, foi. Foi uma tragédia cara. Foi legal...Inclusive o Luiz Gonzaga falava assim: “Faz um livro...Porque a aventura que vocês tiveram foi muito maior do que a aventura do Ceci e Peri”. Ceci e Peri...Eu falei com o Fauzi: “Não, não. Esquece. Isso aí é traumatizante, esquece”. Mas eu queria ter feito um livro. Hoje eu não me lembro mais, milhões de casos, entende? Coisa de quase correr risco de vida. Você não tinha comunicação com telefone lá em Sumidouro. Você tinha o que eles chamavam do Pronto Socorro que era o serviço de telefone da cidade. Então, tinha um no hospital, outro na pensão que fiquei e um terceiro na casa do Ednir, Edmur ou Edmar que era o fotógrafo da cidade. Os três únicos telefones que tinham na cidade, tá? E quem ligava para Sumidouro tinha que ligar nesse pronto socorro. Então, era um saco isso e a gente sofria. Era difícil você contatar. Então, você tinha que ir em Além Paraíba que era uma cidade maior mas que já fica em Minas...Você tinha que atravessar o rio Paraíba pra ir na Telefônica. Quando você tinha que falar tinha que ir lá em Além Paraíba que ficava a trinta quilômetros de estrada de chão de Sumidouro pra poder falar, entende? Quer dizer: era tragédia rapaz....

 

O Guarani (1979) de Fauzi Mansur teve uma produção muito complicada. Acervo Cinemateca Brasileira

VSP- Mas muito diferente de hoje imagino.

 

JAC- Totalmente. Hoje Sumidouro deve estar ligado a tudo. Não tinha uma ligação de asfalto a cidade.

 

VSP- O que você via de diferente que o Fauzi tinha entre os outros diretores da Boca?

 

JAC- Não sei. Acho que o talento, né? Só. Ele não se misturava. Ele tinha uma coisa de são se misturar. Ele descia, tomava o cafezinho dele lá no (bar e restaurante) Soberano, cumprimentava quem passasse na boa mas não parava para papo. E se de repente ele tivesse num lugar, eu parasse pra conversar e parasse um terceiro para conversar. Ele dava um jeito de sair educadamente mas não participava, ele não era de papo. O Fauzi não foi de conversar. Mas ele era muito pesquisador, ele sabia o que estava acontecendo, entende? Durante as filmagens do Sedução tinha hora que ele ligava a câmera, mexia a câmera para fazer teste, pra ver como seria o resultado daquilo projetado. Sabe? Tinha umas jogadas assim.

 

VSP- Você depois de trabalhar com o Fauzi...Como era a parceria do Fauzi com o Portioli?

 

JAC- Eles praticamente começaram juntos. Eu não sei se eles começaram juntos, mas na época o Portioli era meio sócio até. No Guarani o Portioli teve uma participação. O Portioli que fez a fotografia do Sedução, do Belas e Corrompidas que foi o Carlão, não foi o Portioli não sei porque. Acho que ele não podia fazer. O Portioli era o preferido do Fauzi. Não sei porque foi o Carlão e não tenho certeza que foi o Carlão mesmo. Ele foi ator mas parece que ele fez fotografia do filme também. Mas o Fauzi só não trabalhava com o Portioli se o técnico tivesse algum problema, tá? Mas eles eram bem próximos, bem chegados e se entendiam muito bem. Sabe aquela coisa de num gesto um saber o que o outro quer e foram, eles se davam muito bem, sabe? Não, eram amigos sim. Amigos...Na medida que o Fauzi permitia, né? Se encontrava na Boca, não marcava: “Amanhã, vamos não sei o quê, vamos almoçar, vamos”. Não era essa amizade, era amizade de encontro casual na Boca. Eles tinham um papo muito bom, era muito interessante a relação do Cláudio e ele.


Adalto jovem segurando uma câmera nos anos 1970. Acervo pessoal de José Adalto Cardoso
 

VSP- Mas no set era tranquilo?

 

JAC- ranquilo, tranquilo. Eles se respeitavam muito.

 

VSP- Uma hora eles param essa parceria. E começa outra com o Gesvaldo (Arjones Abril, diretor de fotografia)...

 

JAC- Gesvaldo...Gesvaldo era um assistente do Cláudio que depois saiu, parou, parou com cinema. Mas ele não chegou a fazer carreira.

 

VSP- Por que eles terminam essa parceria?

 

JAC- Não sei, não sei. O Gesvaldo nem lembrava mais dele. Ele sumiu. Ele fez...Deve ter feito alguns filmes e sumiu. Deve ter tido algum desentendimento e sumiu porque era bom. Era fácil ter desentendimento com o Fauzi. Então, é possível que eles tenham se desentendido. No Guarani, eles tiveram uma briga que o Portioli quis pegar a mala dele e ir embora. Porque era uma tensão tão grande e eles discutiam muito. Chegou uma hora que o Portioli falou: “Não. Eu não quero saber disso. Eu vou embora pra casa”, entende? Só que não podia abandonar porque era ele que estava fazendo a fotografia. E por profissionalismo o Portioli ficou. Mas ele estava num estado psicológico terrível...E o Fauzi também.. O Guarani desgastou todo mundo. Foi uma tragédia, sabe? Todo mundo andava nervoso. O Flávio Porto, ele saia de manhã, ele morava numa casa na praça. Tinha o Ivo que era um produtor de cinema e que também participou do filme. Ivo qualquer coisa. Um dia nessa praça tinha uma igrejinha e em cima um galinho. O vento batia, o galinho rodava, coisa assim. Um dia ele pegou uma arma e deu um tiro no galinho porque achou que o galinho estava perturbando ele. O Cláudio, o Flávio Porto numa manhã tipo cinco horas da manhã ele resolveu acordar e descer até a padaria lá embaixo. Pediu ovo cozido e a padaria não tinha, interior, né? Não tem essas coisas. “Mas como não tem ovo cozido?”, brigou, não sei o quê. E saiu pela rua voltando pra casa gritando bem alto: “Essa cidade não tem ovo cozido. Onde já se viu? Isso é o fim do Mundo”. Alguém ligou pra polícia porque pô, o cara estava dando escândalo por causa de um ovo cozido. Flávio Porto isso. Aí o cara da polícia ligou pra mim, quer dizer...O cara da polícia: “Oh, o cara está fazendo escândalo lá cara. Como que eu faço”. Respondi: “Pelo amor de Deus segura ele. Deixa ele acalmar.

 


VSP- As pessoas ficaram meio piradas...

 

JAC- Completamente. Todo mundo. O Heitor Gaiotti abandonou a filmagem de medo do carro capotar numa delas. Ele falou: “Eu vou embora”, ele veio embora. O Carioca que era um eletricista chegou numa hora que ele disse: “Eu tenho que ir embora porque eu tenho que cuidar do meu papagaio Oswaldo” (risos). Olha isso aqui, um saiu para cuidar do papagaio chamado Oswaldo (gargalhadas)...O Heitor ficou com medo e assumiu isso: “Não, eu estou com medo mesmo. Vai dar uma tragédia aqui e vai morrer todo mundo. Eu vou embora antes que isso aconteça”. O Roberto Miranda...Ele tinha uma brincadeira. Ele arranjou uma varetinha e na hora do almoço ele batia na cabeça dos caras: “Eu vou te transformar num sapo. Eu sou uma bruxa. Vou te transformar em sapo”. Brincava com todo mundo. Todo mundo riu. Na segunda vez começou a não ser tão engraçado assim. Na terceira...Aí uma hora ficou chato, toda hora ficar batendo: “Vou te transformar num sapo”. E ficou com aquela varetinha na mão, não desgrudava dela. Estava no finalzinho da filmagem. No dia que ia embora eu trouxe ele. Então, estava no mesmo carro devia ser o meu Maverick, eu não me lembro. Estava só homem, só macho, estavam quatro machos e o Roberto que era o último a entrar no banco de trás. Na hora que ele entrou alguém fechou a porta e quebrou a varetinha dele. Ele estava com a varetinha na mão, quebrou a varetinha dele. Nossa...O cara desceu do carro rapaz mas fez um escândalo: “Você quebrou a minha varetinha de transformar as pessoas em sapo. Eu agora não sou mais uma bruxa, não sei o quê”. Mas fez um escândalo cara...Começou a chorar, entrou no carro chorando e não conversou. De Sumidouro a São Paulo ele não abriu a boca. Veio meio choroso, coisa assim o cara tinha quebrado a varetinha dele de transformar as pessoas em sapo. Você imagina como foi o clima daquilo ali, sabe?

 

VSP- De todos os filmes que você trabalhou...

 

JAC- De longe foi o mais dramático, sabe? Mais complicado.


VSP- E o Clube das Infiéis (primeiro filme dirigido por Cláudio Cunha) Pio que você foi trabalhar?

 

JAC- É, foi o Pio que me levou, né? Pra fazer o filme. Ué, foi legal também. O Claudião estava no primeiro filme e se saiu bem. Ele estava casando acho que com a Liliane, a primeira mulher dele. Foi a atriz principal e mulher dele. Ela tinha um papel importante, você chegou a conhecer ela? A Liliane...é mais ou menos assim.

 

Este escriba e José Adalto Cardoso em 2007. Acervo pessoal de Matheus Trunk

VSP- Foi Campos do Jordão...


JAC- Campos do Jordão.

 

VSP- Foi uma filmagem mais tranquila?

 

JAC- Foi legal. Campos do Jordão foi uma delícia cara.

 

O Tony Tornado, né?

 

VSP-Não foi uma filmagem traumática essa do Clube das Infiéis?

 

Não, não.

 

VSP- E o Cláudio (Cunha, diretor) já sabia dirigir porque o Gaúcho fala que o Pio que segurou mais a coisa assim?

 

Ah, o Cláudio admite isso...Que bom cara. Não lembro do Gaúcho, não lembro. Ainda bem que não sou só eu que estou falando porque eu falo isso meio com medo, né? Porque o Cláudio ainda não tinha...Era a primeira direção dele e ele não estava seguro. Então, ele levou o Pio para dar um apoio psicológico pra ele. O Pio deu esse apoio e depois o Cláudio virou diretor mesmo, né? Mas foi o Pio tanto que ele me convidou pra eu fazer uma assistência de direção pro Pio mais especializada.


VSP- Fala um pouco dos trabalhos com o Mazza...o que você aprendeu com o Pio, como era esse relacionamento do Pio com o Mazza.

 

JAC- Não, eles se davam bem. O Pio e o Mazza...Aquela coisa que eu te falei: o Pio respeitava muito o Mazza. E o Mazza sabia que o Pio botava ordem na casa e produzia. Principalmente produzia, né? Então, eles se entendiam muito bem por causa disso. O Mazza era...Era um cara, o Mazza tinha umas coisas. Por exemplo, tem uma história com o Mazza: ele era muito sério com os negócios dele, tá? Se você combinasse uma coisa com ele você nem precisava fazer contrato que a coisa ia ser cumprida da parte dele sem problema nenhum. Eu lembro que quando eu fiz num dos dois filmes que eu fiz com ele, toda semana ele te paga o teu salário da semana e você recebe o teu salário provisório. No final do filme você assina um recibo total cancelando aqueles provisórios e já deduzia INSS, aquelas coisas de tributo, aquelas coisas. Então, eu fui lá e recebi o meu recibo final. E fui pra casa e estou olhando o recibo e notei uma diferença...eu acho que eu conto no livro. Uma diferença de um cruzeiro que era alguns centavos hoje, aí eu liguei pro Gentil: “Oh Gentil, cara tem aqui só pra você acertar tua contabilidade senão você vai ficar uma semana aí brigando pra achar um centavo aí. Um real, um cruzeiro”. E o Mazza me deu um cheque de um cruzeiro cara para poder pagar aquilo ali, você acredita? Eu fiquei até sem graça e não sabia o que fazer com o cheque. Eu vou fazer o quê? Eu...Você pegar um cheque de um real ou cinquenta centavos, você vai fazer o quê com ele? Fiquei sem graça até. E acabou ficando lá no restaurante lá em Pedreira que eu fui almoçar com a turma e o cara viu o cheque. “Dá o cheque que está pago”. Somente por causa da assinatura do Mazzaropi. Dá pra acreditar?

 

VSP- Nossa...Mas você gostava dos filmes do Mazza? Daquela temática? Gostava na época?

 

JAC- Olha, eu gostava, eu gostava...Bom, se gosta do Mazza por tradição. Meus pais gostavam, eu acabei gostando porque os meus pais gostavam mas eu sabia que é coisa simples, coisa para divertir sem nenhuma outra pretensão. Mas eu gostava do Mazza. Do esquema dele. Tanto que eu fiz E...a Vaca Foi Pro Brejo depois de dois filmes com o Mazza. Eu descobri que você trabalhar...Eu trabalhei com um artista, com um gênio, entende? Então, quando você trabalha com um cara desses você começa a tirar coisas que você não tira numa filmagem normal. Por exemplo: o Mazza se você desse um texto pra ele decorar não saia nada. Se você fizesse uma marcação e falasse: “Mazza, você precisa andar aqui”, também não sai nada. Você tem que soltar o Mazza: “Mais ou menos é essa a ideia e solta”. E deixa o cara, sabe? E o Mazza era mestre nisso e por isso também que ele e o Pio se entendiam. Porque o Pio deixava o Mazza trabalhar a vontade. Não tinha marcação pro Mazza. Tinha uma marcação mínima é claro, não tinha aquela coisa rígida, entende? Então, eu achei o Mazza genial nisso também: ele sabia pra onde ele ia, o que ele fazia. Ele sabia como contar piada se essa piada fosse dar resultado na hora que tivesse apresentando o filme ou não tivesse. Ele teve uma cena no Jeca Macumbeiro que ficou curto, o filme estava curto, o roteiro estava curto. No meio...Quando estava na metade da filmagem eles perceberam que o roteiro era curto, não ia dar uma hora e meia. Tinha que esticar e não tinha como esticar. “Pô e agora?”. Não vamos parar o filme para mexer no roteiro. Aí o Mazza disse: “Deixa comigo. Eu vou resolver”. E ele sentou pra contar umas piadas que não tinham nada haver com o roteiro, entende? E ele fez uma piada de três minutos e vinte segundos. E repetiu dezesseis vezes imagina o que foi de celuloide nisso aí porque era negativo.

 

VSP- Da sua filmografia...O Motorista também é caipira.

 

JAC- É...Eu sou um caipira, né? O Motorista é um filme numa cidade pequena de interior, né? Assim como O Império das Taras é numa cidade pequena do interior. Massagem For Men é um filme de São Paulo...Urbano mas tem cenas, tem shows dela em Jundiaí e tem shows dela em São Joaquim da Barra. Então, essa coisa caipira minha está bem em mim, entende? Eu não em daria bem fazendo um filme metropolitano, vai, um filme em São Paulo. Já fiz mas eu não me sinto...Assim...O meu negócio é caipira mesmo. E eu tenho projeto caipira inclusive baseado, inspirado no trabalho do Cornélio Pires. Eu quero ver se eu faço isso. Senão fizer isso alguma outra coisa é isso.


José Adalto é o terceiro da esquerda para direita (de bigode). Eward Freund é o primeiro da direita. Acervo pessoal de Fábio Vellozo

VSP- Fala um pouco do teu relacionamento com o Freund. Como você conheceu ele? O que você aprendeu com ele?

 

JAC- Ah...O Freund a gente já conversou alguma coisa sobre, né? Mas eu não me lembro, eu não me lembro como eu conheci esses caras. Com certeza foi ali na Boca e tomando cafezinho, né? E eu no começo, eu tinha a imagem que todo mundo tem dele. Dele ser um cara fechado, mal encarado, insociável, coisa assim. Mas depois que eu conheci que nós começamos a conversar ele imediatamente passou a ter uma certa confiança em mim. Ele achava...Não sei se eu conversava o que ele queria ouvir, se eu dava atenção. E a gente começou a bater o santo. E a partir daí a gente teve essa vida toda muito legal, senti a morte dele. Era um pai pra mim...Foi um dos melhores cara. Eu tenho o Fauzi como o cara que fez o meu primeiro filme e o cara que serviu de guia pra mim, diretriz pra mim foi o Freund, sabe? Eu tinha assim uma paixão pelo Freund que era uma coisa maluca, sabe?


VSP- E Imagino que ele por você.

 

JAC- É...Provavelmente sim, né? Acredito que fosse recíproca, né? E também eu não tinha muitos amigos na Boca e a gente ficou muitos próximos por causa disso. Fizemos aquele Ainda Agarro Esse Machão e No Tempo dos Trogloditas. Eu acho que os dois roteiros são meus. Um foi feito em Salto (interior de São Paulo).

 

VSP- Na época vocês não se questionavam...Quer dizer, você definia o Freund como quê? Um técnico que sabia dirigir filmes? Um bom artesão?

 

JAC- Não, ele não era um bom diretor. Ele era um ótimo fotógrafo, diretor de fotografia. Inclusive era isso que ele fazia na televisão, ele fazia...Trabalhava com luz na televisão. Ele era um ótimo diretor de fotografia, ele conhecia. Não era só de fazer ele conhecia a teoria da coisa. Ele sabia porque, ele sabia o negócio de voltagem, a lâmpada de não sei o quê. Isso, aquilo, conhecia todo tipo de lâmpada, tipo de resultado que dava isso na tela. Ele era um ótimo fotógrafo;

 

VSP- O Gaúcho sempre falava que ele era muito de laboratório.

 

JAC- Sim. Ele conhecia muito. Afinal, ele era...Europeu, né? Ele era muito ligado a essas coisas de saber fazer. Mas ele...Não tenho ele como bom diretor. Ele dirigia. Só que ele não era um bom diretor, ele era um ótimo fotógrafo, diretor de fotografia. Mas direção ele tinha...Umas ideias e planos que eu não gostava.

 

VSP- Mas talvez por ele ser estrangeiro o cinema do Brasil fica um olhar muito distante...

 

JAC- Não sei. Pode até ser uma influência que talvez ele se desse melhor dirigindo na Polônia. Pode ser. Eu acho que ele não pegou muito o estilo brasileiro de fazer.

 

VSP- Com o Marcos Rey a tua convivência foi pequena mesmo?

 

JAC- Foi, foi nesse período de fazer o roteiro do Ainda Agarro Esse Machão, né? Mas o Marcos e eu também nos entendemos muito bem. Principalmente eu me entendia muito bem com a Palma e ela tinha assim um carinho meio especial por mim. E a gente falava muito dessa possibilidade...ela queria que eu acompanhasse o Marcos, que eu ficasse no pé, ficasse de assistente: “Ele está fazendo uma novela. Vai fazer mais roteiros, não sei o quê”. É que também eu não tinha...Eu não gostava de ficar parado, sentado escrevendo, sabe? Eu tinha que ter movimento. Mas a Palma mais de uma vez falou pra mim colar no Marcos. Mas...Eu tive essa relação, muito boa relação com o Marcos. Lembro bem da cara dele, lembro do jeitão dele. Ele digitava numa rapidez, incrível? Um cara que sabia das coisas.

 

VSP- Fala um pouco como você começou a colaborar na Cinema Em Close Up e como você conheceu o Minami

 

JAC- Eu conheci o Minami pelo Jean (Garrett) também. Você vê como o Jean participa em tudo, né? Não sei porque o Jean me levou, ele morava lá no Butantã, na região do Butantã o Minami. E ele fazia...Ele estava com um projeto da revista tinham algumas publicações. E conheci o Minami, fizemos um bom negócio, surgiu uma boa empatia. Aí ele me pediu para escrever alguns livros baseados em roteiros de cinema. Eu escrevi com pseudônimo um livro do Tony Vieira, do roteiro eu fiz livro. Fiz alguns livros de ficção. Eu escrevia livros pro Minami com pseudônimo. Um que eu lembro era Thais de Alencar que eu escrevi alguns livros de ficção e eu devo ter usado também com nome, não me lembro outros. Mas eu fiz uns quatro, cinco livros com o Minami. E...Aí nasceu a Cinema em Close Up e eu acompanhei toda a vida da Cinema em Close Up, entende? Aí o Minami veio pra Boca, teve escritório na Boca. Aí ficou mais fácil a gente se encontrar porque ficava no fim do mundo a casa dele. Então, a coisa foi...fluiu e tem uma coisa cara que ninguém tem culpa mas eu que provoquei isso. Tem um anuário de cinema em 1974 e 75 que não tem o meu nome lá. Fui eu que fiz aquilo sozinho, sozinho. Eu era o Matheus Trunk da época, sabe? Eu cheguei pro Minami e falei: “Vamos fazer um anuário?”. “Mas como? Não sei o quê”. “Se a gente pegar, tal, tal, tal”. A ideia foi minha. Sem Internet, sem nada, com aquela comunicação precária que tinha na época eu comecei a trabalhar. Na Embrafilme eu pegava as publicações, as indicações de atores, não sei o quê, técnicos. Eu queria dar prioridade para técnicos de cinema, né? E consegui fazer em 1974 e a ideia era atualizar ano a ano. Quer dizer, se o cara morria ou o cara fizesse mais um filme, ou o cara não sei o quê e tal. Ou tinha alguma coisa que tinha esquecido no ano anterior. Nós fizemos 74 e 75. Hoje tem até escolas que usam como referência e o meu nome sequer aparece lá. E eu não pedi pro Minami...Também não ligava pra isso, né? Acho que o meu nome nem aparecia no Cinema em Close Up. Não me lembro. Aparece? Porque eu não dava muita bola para essas coisas, hoje eu me arrependo cara. Mas esse do anuário de 74 e 75, os dois anuários foi uma sacanagem cara. Eu não botei nenhuma referência a mim lá. E o Minami deixou também rolar solto, né? Então ficou por isso mesmo de boa. Mas foi um trabalho meu. Foi um trabalho que me deu certo orgulho de ter feito. Deu um trabalho desgraçado rapaz, foi uma garimpagem legal. Mas fiz teve muitas falhas, tinha, né?

 

VSP- Fala um pouco do Minami como patrão, tua relação com ele.

 

JAC- O Minami também era um cara fechado. Ele era um cara ótimo, um cara ótimo pra você lidar. Ele era fechado como bom oriental, né? Ele era muito fechado você não sabia muito da vida dele e  era um cara simples. Ele falava com poucas palavras. Eu me dou...porque não era um cara de muito. Ás vezes, ele trazia uma ideia dizendo: “Adalto, eu tenho uma ideia de fazer isso, isso e isso. O que você acha?”. Ás vezes a gente levava essa ideia a cabo, ás vezes não. Ás vezes eu levava a ideia pra ele...A ideia dos livros do Tony Vieira por exemplo a ideia foi minha. Parece que eu comecei a fazer...Eu fiz alguns livros do Tony, de não sei mais quem. É...E ele era receptivo a boas ideias, ele era um idealizador. A origem do Minami senão me engano era de histórias em quadrinho. Senão me engano. Aí ele criou essa editora e viveu dela até...parar. Acho que ele viveu dela era a MEK Editora. MEK, né? Mas era um cara de um relacionamento muito fácil. Aliás, eu nunca tive um relacionamento difícil com ninguém.

 

VSP- Ele ganhou muito dinheiro na época?

 

JAC- Não. Ele era duro, ele era um durango, ele era um durango eu acho. Não, vendia, vendia acho que ele era meio Adalto na vida, né? As pessoas ganhavam dinheiro em cima dele. Ele tinha um TL, um carro, aquele Volkswagem TL 1972 que estava malhado cara, o carro não estava andando e era o carro que ele tinha. Se ele ganhou dinheiro a gente nunca percebeu porque ele tinha aquele escritoriozinho na Boca, mais ou menos onde o Gaúcho tinha naquele prédio e tinha um TL 1972 como o Pio também tinha uma TL. Era um carro da mesma marca o mesmo modelo. E...Não imagino o Minami tenha ganho muito dinheiro. Acho que ele sobreviveu, entende? Mas não...Sse ganhou alguém ganhou por cima dele. Quer dizer, ele não deve ter tido juízo, não deve ter guardado também. Ele...Ele tinha as coisas dele, né?

 

VSP- Como era o ambiente da Close Up? Da editora?

 

JAC- Ah, tranquilo. Eu escolhia...Eu tinha, o Minami me dava a chance de escolher menina para fazer matéria, entende? “Pô, quem você quer?”. Tinham as meninas que estavam ali, né? “Você quer fazer? Tal, tal, tal”. E eu fazia o texto, subia, tinha um fundo infinito lá em cima e fazia fotografia da menina. Produzia tudo, fazia o texto e pronto. Ele nunca falou: “Essa eu não quero ou aquela eu não quero”. Ás vezes ele sugeria alguma para ir atrás, eu era amigo de todo mundo, né? Quer dizer, tinha um monte de colaboradores. O Jean era outro e o Jean era mais importante ainda, o Jean já era meio do ramo. E...Eu entregava as matérias, nem sabia como que ele ia fazer nem quando.

 

VSP- Vocês não ficavam numa redação?

 

JAC- Não, não. Era escritório dele, só entregava pra ele. Eu me lembro cara, teve uma coisa que eu achei super engraçado. Eu mandava...Eu fazia texto, ele compunha, ele fazia o texto, ele compunha, alguém fazia uma revisão, compunha e vinha a prova desse texto pra gente ler e dar a palavra final. Lembro cara que numa página eu escrevi, eu falei de Ody Fraga e falei de Jece Valadão. Na mesma página saiu Jeca Valadão de Jece e saiu Ody Fraga na mesma página. Eu nunca me esqueço disso. Eu falei: “Puxa que coincidência. O cara se chama Jeca Valadão e o outro chama Ody Franga” (rindo). E aí eu corrigia porque eu fazia essa última revisão antes de...Então, eu morria de rir, eu falei: “Minami, olha a coincidência cara. Erraram para compor exatamente dois nomes. Se passa assim seria a maior sacanagem. Se publica Ody Fraga e Jeca Valadão seria”. Mas foi legal, foi legal. A gente não tinha, não era aquilo que você imagina que seja uma redação. Era um escritório onde você levava pra ele.

 

VSP- Mas não tinha uma reunião de pauta todo mundo junto?


JAC- Não, não. Não. Se tinha era com...Talvez com o Jean e com mais alguém, entendeu? Mas eu não participava disso. Eu só colaborava trazendo as matérias freelancer mais ou menos isso e trazia as matérias das meninas, né? Mas também fiz de filmes. A revista tinha aquela coisa meio sensual, então, você tinha que botar as meninas. Eu fazia de filmes também eu procurava muita coisa. Eu fiz muita matéria também...Nem me lembro. Aliás, eu tenho uma Cinema em Close Up lá em casa que eu preciso dar uma reolhada porque eu nem lembro.

 

VSP- O Minami pagava bem ou pagava mal?

 

JAC- Muito mal. Ele pagava por lauda, né? E pagava muito mal...Olha, mas eu nunca me preocupei com dinheiro cara. Eu queria fazer. A minha...Um dos grandes erros que eu tive, não sei...Eu sou realizado profissionalmente. Mas muita gente ganhou dinheiro em cima de mim. Inclusive o Minami, entende? Porque eu trabalhava por qualquer preço, então tudo bem. Eu queria era fazer mas na época eu fiquei feliz e foi bom, não tenho o que reclamar nem nada. E eu aceitei as regras do jogo. Então...

 

VSP- Te deu algum prestígio na Boca trabalhar na Cinema em Close Up? Te deu alguma moral?


JAC- Na época não...Porque na época nada era cult. Tudo era feijão com arroz. É o tempo que fez acontecer isso. A Cinema em Close Up era uma revista a mais e por sinal não era uma revista de primeira linha. Era uma revista comum, normal. Era a única revista de cinema que tinha. Pelo menos naquele período era a única revista de cinema que tinha. Quando o Minami criou a revista, falou, a gente discutiu e ele falou: “Eu quero criar uma revista que não existe no mercado uma revista que fale do cinema brasileiro como a nossa”. Existia revistas que falavam de cinema estrangeiro dos atores de não sei aonde, mas de cinema brasileiro não tinha nenhuma revista. Essa foi a primeira me parece a só focar em cinema brasileiro, entende? Essa era a vertente dele. Eu acho que isso foi legal mas era uma revista comum. Era mais uma que tinha nas bancas, entende? Naquela época, uma vez o Alexandre (Aldo Neves, pesquisador e colecionador) falou pra mim: “Eu tenho inveja de você cara. Você viveu no meio daqueles caras que são história, não sei o quê, não sei o quê”. Eu falei: “Pois é”. E era cara como que a gente está aqui conversando não tinha nada de especial. Era uma pessoa normal só que hoje a história fez eles virarem lenda, entende? Virarem cult ou algo assim, entende? Eu acho que isso é legal. É uma das coisas boas da história...Mas mitificam os caras.


Virgílio Roveda, este escriba e José Adalto Cardoso. Acervo pessoal de Matheus Trunk



Nenhum comentário: