Tony Ciambra e este escriba em foto de 2017. Foto: Sônia Silva |
Um domingo confuso.
Protestos no largo de Pinheiros, interdição do metrô e um calor desgraçado. Mas
nada que atrapalhe uma tarde em que fiquei conhecendo muitas histórias dentro
do cinema paulista. “Tudo na minha vida aconteceu pelo azar. Eu poderia ter
feito mais coisas se eu fosse politicamente melhor”, definiu Tony Ciambra após mais
de três horas de entrevista. O veterano diretor de fotografia começou sua
carreira como figurante em emissoras de televisão como a Tupi e a Excelsior. O
jovem de origem italiana tentava ser galã com os olhos claros e a altura esguia.
Tanto que fez um curso de interpretação na pomposa ABADE (Associação Brasileira
de Artes Dramáticas). “O nome era poderoso só que a escola não era nada disso.
Pertencia ao Renato Ferreira que era um charlatão”.
Não deu muito certo.
Nem o curso e nem a carreira de galã. Mesmo assim, Ciambra acabou
aproximando-se do cineasta Raffaele Rossi. Foi assim que acabou entrando para o
cinema. “O que eu aprendi com ele foi o mecanismo. O Raffaele Rossi era um...Vamos
dizer: um grande enganador”. Iniciava-se assim uma interessante trajetória
dentro do cinema da Boca. Um técnico que atuou em mais de 30 longas-metragens
destacando-se sua parceria com o realizador Juan Bajon. “Fizemos nove filmes
juntos. Ele sempre foi um cineasta talentoso”. Sem papas na língua, Tony não
economizou adjetivos nem palavrões para falar sobre algumas pessoas com quem
trabalhou. Ele recorda suas histórias com nomes significativos do cinema
paulistano como Rubem Biáfora, Kléber Afonso, Waldir Kopezky, Luiz Gonzaga dos
Santos, José Adalto Cardoso e Diogo Angélica. Como fotógrafo, Ciambra recebeu
um prêmio de melhor fotógrafo pela APCA (Associação Paulista de Críticos de
Arte) em 1982. Mas a premiação não é algo que ganhe grandes elogios por conta
dele. “Isso não acrescentou absolutamente nada para a minha carreira”, diz de
maneira sincera.
Aos 73 anos, Ciambra
possui uma trajetória de vida digna de filme: nasceu na Itália, ingressou na
Boca paulista e trabalhou inúmeras vezes com diretores e produtores que ele
mesmo define como fajutos. “Um desses estava queimado em São Paulo. Tanto que
ele fingiu que tinha morrido e foi para o Rio onde não era conhecido para
continuar trabalhando com cinema”. Muitas das fotos de set desta entrevista foram cedidas do acervo pessoal de Virgílio Roveda, o Gaúcho.
Tony Ciambra com vinte anos. Acervo pessoal de Tony Ciambra |
Violão,
Sardinha e Pão- Ciambra: pra gente começar fala do seu nascimento na Itália, o
que os seus pais faziam.
Tony Ciambra- Então, é
o seguinte: meu pai veio pro Brasil como imigrante oficial porque ele era eletrotécnico.
Na época não tinha isso, né? Na década de 1950. Então, o que acontece: o meu
avô era brasileiro, o meu avô nasceu em Santa Cruz das Palmeiras (interior de São Paulo). Meu avô tinha
três passaportes: passaporte italiano por ser filho, passaporte brasileiro e
americano porque ele era naturalizado. Ele viveu mais de trinta anos lá. Era
pra eu ter nascido lá. Eu só não nasci lá porque minha avó se negou...Meu avô
voltou pra Itália, casou com a minha avó. Ela não quis ir para os Estados
Unidos, se recusou de tudo que era jeito. Ele foi e voltou pra Itália para
conhecer o filho dele com oito anos de idade. Eu era pra ser a segunda geração
lá. Se eu pudesse enforcar a minha avó, eu enforcaria (risos).
VSP-
Teus pais?
TC- Então, meu pai era
eletrotécnico. No começo era rádio, depois veio a televisão. Minha mãe ajudava
na loja. Depois eles tiveram várias lojas, até papelaria eles tiveram,
entendeu? E quem trabalhou mesmo era minha mãe, mas tudo bem.
VSP-
Você mudou pro Brasil com quantos anos?
TC- Então...Aí é uma
história velha. Eu vim com três anos da primeira vez, voltei pra Itália com
sete anos, entendeu? Fiz o primário lá e retornei pro Brasil com onze anos e
meio, quase doze.
VSP-
Você foi alfabetizado no italiano?
TC- Eu fui alfabetizado
no italiano, entendeu? Na verdade. Aprendi a escrever em italiano.
VSP-
Mas você queria permanecer na Itália?
TC- Sim. Eu moleque tinha todos os amigos ali. Queria permanecer ali, né?
Moleque e inclusive eles me enganaram: “Vamos ficar lá dois, três anos. Depois
a gente volta”. Conclusão: acabei ficando cinquenta anos no Brasil. Só fui
voltar na verdade em 1994, inclusive um italiano tentou me enganar. Eu não
quero contar muito essa história.
VSP-
Não tudo bem, tudo bem.
TC- Tentaram me
enganar. Porque meu primo era deputado junto com o Berlusconi. Inclusive o meu
primo chamado Benito, ele foi até governador da área. Então, o que acontece:
ele foi governador da região, como se fosse governador aqui. Então: “Seu primo
é importante, vai te arranjar emprego”. Eu fiquei três meses lá e cadê o
emprego? Tudo conversa furada. Conclusão: minha passagem era da Swissair, era
seis meses, né? Falei: “Não vou perder não”. Botei a mochila nas costas e
voltei pro Brasil. Quando eu chego aqui no Brasil...O que eu contava com o
Valdir (Baptista, cineasta e professor).
“Tenho uma péssima notícia”. Péssima pra mim, não pra ele. O Valdir vai casar,
eu falei: “Estou perdido”. Porque eu contava em fazer negócio com ele, pegar
alguma coisa lá. E eu naquela época tudo que eu tinha naquela época eram dois
mil dólares no bolso. Sabe? Era tudo que eu tinha. O dinheiro tinha acabado,
aquele dinheiro do cinema já tinha ido pro espaço. Porque estava difícil, o
cinema tinha acabado. Em 1984 acabou. O último trabalho que eu fiz em
longa-metragem tinha sido em 84. Depois fiquei todos esses dez anos sem fazer
praticamente nada. De longa, né? Tinha umas coisinhas aqui, umas coisinhas ali,
outra coisinha acolá. Eu tinha um sócio que eu descobri depois que me roubou
mas tudo bem. Não vale a pena.
VSP-
O seu contato com o cinema começou na Itália ou aqui?
TC- Aqui. Inclusive aquela promessa dos meus pais: “Lá na América”. Entendeu? O
que eu lembrava do Brasil era muito pouco. “Na América você vai fazer curso”,
conversa furada. Aí vim pra cá, minha ideia era fazer cinema. Até cheguei a
procurar algo no teatro, mas de repente eu achei a TV Tupi. Na Tupi encontrei
um cara que me colocou ali e comecei a fazer alguns trabalhinhos. Inclusive o
primeiro trabalho que eu fiz na minha vida, eu falei pro Lima Duarte quando
recentemente fizemos juntos A Vida
Continua. Eu falei: “Lima você não vai se lembrar claro. Eu era figurante e
você era o ator principal da novela praticamente. A primeira vez que eu entrei
em cena foi fazendo figuração na sua cena”. Ele respondeu: “Poxa, mas você não
parece tão velho. Não pode ser”. “Mas eu sou velho. Não pareço mas eu sou
velho”. E eu me lembrava do (ator)
Paulo Figueiredo que era um cara grandão que estava começando também. Inclusive
ele falava em Shakespeare, essas coisas.
VSP-
Quando você começou a ser figurante quantos anos você tinha?
TC- Dezesseis.
VSP-
Você queria ser ator?
TC- No começo eu queria entrar no meio. Lógico que no começo você só entende o
ator, você não entende outra coisa. Certo? Então, quando você vê um filme a
primeira coisa que te vem na cabeça é o ator. Eu com dezesseis anos não sabia
que existia o diretor, que tinha diretor de fotografia, tudo isso. Entendeu?
Então, de repente eu comecei a entender o que era. Aí meu erro foi esse: querer
dirigir. De cara eu queria dirigir.
VSP-
Mas já com essa idade?
TC- Não digo com
dezesseis. Mas eu já tinha ambição. Aí eu tive um outro azar (risos). A minha vida foi feita de
azares. Encontrei um cara que me disse: “Eu quero fazer um curso de arte
dramática”. Eu fui parar lá no...Como que ele chama? Na ABADE (Academia
Brasileira de Arte Dramática). O nome era poderoso, né? (risos). O nome era poderoso só que não era nada disso. Do Renato
Ferreira. O Renato Ferreira era um charlatão, né? Um charlatão de primeira
linha. Só que lá eu comecei a dirigir. Lá eu pegava o pessoal e a comecei a
dirigir porque eu não levava a série o que ele ensinava, pensava: “Esse cara
não sabe nada”. Obrigarem as pessoas a fazer careta, levantar sobrancelha. Era
um curso talvez que o Mojica também dava. Mas foi um erro meu não ter procurado
o Mojica. O Mojica poderia ter me ajudado. Eu fui convidado para ir na escolinha
do Mojica, mas eu quis dar uma de fiel. Mas eu devia ter ido. Porque pelo menos
lá se fazia cinema, entendeu? Enfim, são erros que são cometidos, né?
VSP-
Onde era essa escola de atores?
TC- Era aqui na (rua) Bráulio Gomes (centro de São Paulo). Uma continuação da (avenida) Santo Amaro, sabe? Do lado da Câmara Municipal. Então, lá
pelo menos a gente fazia. Era a época do Direito
de Nascer que era uma novela que não acabava nunca. Então, eu fiz O Direito de Encher. Então, todo sábado
eu pegava o pessoal tudo no improviso. Eu fazia o canalha, um amigo meu
baixinho muito engraçado fazia outro dos principais e quem fazia a negra era um
português com sotaque de português. Então, lotava. A gente abria para o público
e lotava, lotava. Lotava tanto que tinha gente que ficava em pé.
VSP-
O texto era seu?
TC- Não era bem texto. “Você fala isso, você fala aquilo, você fala aquele
outro“. Se existisse esse texto ele seria meu, mas a ideia era minha.
Chamava-se O Direito de Encher. Cara,
a gente ficou um ano com esse negócio e a gente não cobrava a entrada. Se
cobrasse a gente tinha ficado cheio de dinheiro. Dava dinheiro. Mas essa não
era a nossa intenção na época. A nossa intenção era ser artista, ser aplaudido.
Moleque é isso, né?
VSP-
Quantos anos você tinha nisso?
TC- Uns dezoito.
VSP-
Durava quanto tempo esse curso que você fez?
TC- O curso? Não tinha
fim (risos). Não tinha fim. Eu fui
subindo de categoria lá, sabe? Ele era charlatão, charlatão. Mas veja como seus
detalhes: eu comecei a estudar com outra leitura e assistindo filmes. Nisso, eu
comecei a ver que todas aquelas caretas dele não funcionavam e comecei a dar
aula pro pessoal. O pessoal andou preferindo ter aula comigo porque eu sabia levantar
sobrancelha, né? Um absurdo. Uma mão vinha para cá, outra pra trás. Você tinha
que arrastar o pé...Coisa do arco da velha.
VSP-
Mas se pagava?
TC- Se pagava, pagava.
VSP-
Na época tinha uma expressão pra chamar essas escolas. Eram as chamadas
arapucas?
TC- Arapuca mesmo. Inclusive quem fez esse curso comigo foi o Salvador do
Amaral, entendeu? De lá que eu conheço o Salvador.
VSP-
Ele talvez seja a primeira pessoa da Boca que você conheceu?
TC- Não. A primeira
pessoa...Foi azar meu também. Tudo azar. Foi o Rossi.
VSP-
Ah, o Raffaele você conheceu antes...
TC- Eu já conhecia o
Salvador, mas ele nem tinha ido pra Boca.
VSP-
O Salvador também não era da Boca.
TC- Sim. Inclusive eu
fui antes pra Boca que o Salvador. Ele nem era da Boca.
VSP-
O Salvador é mais velho que você?
TC- Mais velho.
VSP-
Esse negócio da Tupi...Você fez quantas novelas como figurante?
TC- Inclusive tem um
negócio muito interessante. Fiz novela, teleteatro. Fiz um chamado...um do
Geraldo Vietri. Cheguei a fazer TV de
Comédia e também fiz TV de Vanguarda
com o Benjamin Cattan. Inclusive tem uma coisa: uma vez eu estava no boteco lá
com o Cachimbo, um velho ator. Eu falei: “Cachimbo estou tentando me lembrar de
você. Você trabalhou na Tupi?”. Ele respondeu: “Fiz algumas coisinhas”.
Perguntei: “Você fez A Morte de Quincas
Berro Dágua ?”. Ele disse que não. Aí o nosso amigo Plínio Marcos: “Eu
fiz”. Eu falei: “O que você fez? Era figurante?”. Quer dizer, eu trabalhei na
mesma cena com ele e nem sabia quem era ele. Depois, no final ele era o Plínio
Marcos. Essa é uma passagem muito interessante. Inclusive o primeiro
apartamento que eu comprei aqui no Copan foi dele. Era um apartamento e depois
eu vendi com muita dó por ser dele porque eu tive que comprar esse aqui. Não
tinha o dinheiro suficiente e tive que vender. Mas o primeiro apartamento que
tive no Copan foi comprado do Plínio Marcos. Tenho orgulho em falar isso.
VSP-
Você trabalhou um tempo razoável na Tupi?
TC- Fiquei trabalhando lá uns três, quatro anos.
VSP-
E ganhava alguma coisa?
TC- Ganhava uns
troquinhos. Depois eu fui pra Excelsior. Fiz Showriso, Show do Meio Dia.
Tudo pontinha, algumas vezes dava um berro. Entendeu? Até que eu fui pra Boca e
ali com o Raffaele Rossi fiz um trabalho como ator. Aí eu já fui assistente
dele num filme, entendeu? O Raffaele Rossi me explorou muito, entendeu? Me
explorou nas vacas magras. Nas vacas gordas...
Produção de Homem Lobo (1971): Raffaele Rossi em primeiro plano. Ciambra é o primeiro a esquerda no fundo. Acervo pessoal de Toni Cardi |
VSP-
Como você conheceu o Raffaele Rossi?
TC- Boa pergunta. Eu
soube que ele ia fazer um filme e fui lá falar com ele.
VSP- Foi pelo jornal? Por alguém?
TC-Não lembro. Talvez
por alguém. Fui num lugar que ele ensaiava com o pessoal...Acho que lembro onde
era. Sei onde que é. Inclusive tempos depois eu dei um cursinho lá, eu dei um
cursinho lá. Foi na Associação dos Ferroviários na rua dos Gusmões (Santa Efigênia, centro de São Paulo).
Então, ei tive lá e comecei a trabalhar com ele. Acho que ele foi vendo que eu
era bom e ele começou a me colocar pra contracenar com o pessoal. Depois, mais
tarde eu abri um curso lá de cinema, entendeu? Inclusive por muito tempo andei
ensinando o pessoal lá. Inclusive uma pessoa que frequentou lá por incrível que
pareça foi o Jean Garrett. Não quero me gabar nem nada...Mas é verdade. Ele
frequentou algumas aulas lá. Quando Jean Garrett não era ninguém. Inclusive eu
era amigo dele no começo...Ele nunca foi meu inimigo. Inclusive uma vez o Jean
foi fazer um filme e o assistente dele chegou nele: “Dá uma oportunidade pro
Ciambra”. Aí o Jean falou: “Como oportunidade? Ele tem o prêmio APCA. Se eu
fizer esse filme você vai fazer a fotografia”. Falei: “Poxa Jean será um
prazer”. Foi uma vez em que uns espanhóis iam patrocinar um filme que ele ia
fazer. Era um filme que eu queria fazer, tinha um roteiro que eu era louco pra
fazer. Um roteiro que tem relação com linchamento, lincham um cara e matam ele.
Era uma peça muito boa. Aí os espanhóis não deram dinheiro porque foi numa fase
que o cinema já estava acabando. Estava acabando, entendeu? Aí acabou não
rolando um trabalho com o Jean.
VSP-
Mas fala do Raffaele...
TC- Então, o Raffaele é
o seguinte: eu fiz um monte de coisas com ele. Inclusive curtas-metragens,
documentários. Vários documentários, entende? Aí comecei a aprender a câmera, a
mexer a câmera. Depois falei: “Poxa, mas é tão fácil”. Quando você tem queda
pra aquilo fica fácil. Inclusive eu peguei a câmera assim e fiquei olhando. O
cara falou: “Deve ficar tudo assim”. Falei: “Não está não. Está bem firme”. Era
a primeira vez que eu peguei numa câmera, está entendendo? Então, na verdade a
primeira vez que eu peguei numa câmera foi com o Raffaele.
VSP-
Mas você aprendeu a mexer com câmera com ele?
TC- Não, sozinho. Então, o que acontece: eu fiz um filme chamado Só na Multidão. Inclusive o (Milton) Bolinha (montador) me perdeu esse filme. Era um longa-metragem cujo negativo
eu comprei do...Ele ficou famoso depois na Boca. Ele começou como montador na
rua do Triunfo. Eu vi ele chegando como montador: Fauzi Mansur. Eu comprei o
negativo preto-e-branco do Fauzi. Ele não queria mais porque já estava
trabalhando com colorido naquela época. Inclusive era um negativo Ferrania que
era muito bom, excelente, sabe? Comprei em preto-e-branco porque eu queria em
preto-branco mesmo. Só na Multidão: o
Profeta era o papel principal, inclusive ele era um co-produtor. Eu fiz tudo
nesse filme: câmera, fotografia, mandei fazer uns tripés porque a gente não
tinha dinheiro fazer tripé nem pra alugar. Fomos fazendo o filme. Depois, no
final depois de uns anos falei: “Bolinha dá uns cortes nessa porra pra mim”. O
Bolinha deu uns cortes e até paguei ele na época. Depois, ele deixou na Beca,
Beca Filmes. A Beca Filmes fechou e ninguém sabe onde foi parar essa porra.
Inclusive eu já procurei na Cinemateca pra ver se restou algum pedaço lá. Deve
ter pelo seguinte: o negativo como ele não pagou, né? Ficou na Líder. A Líder
diz que incinerou e é mentira. A Líder pegou todos os negativos que tinham lá e
doou pra Cinemateca. Então, pode ser até que você acha negativo lá. O problema
é como achar. Inclusive eu fiz a pré-montagem desse filme na mão, no dente. Não
tinha moviola, não tinha nada.
VSP-
Era um curta ou um longa?
TC- Longa, longa.
Faltava dublar. Uma vez eu fui num cinema que era de um amigo de um amigo meu.
A gente olhava, assistia o filme: “Preciso cortar aqui, preciso cortar ali”. Aí
eu ia na enroladeira e mudava o movimento. Peguei uma prática de fazer isso. O
que é a cabeça do ser humano, rapaz?
VSP-
Você tinha roteiro disso ou era tudo no improviso?
TC- Não. Existia um roteiro.
VSP-
Era um filme político?
TC- Era uma crítica a sociedade. O cara está no meio da multidão mas ele se
sente só, ele está sozinho e de repente até se suicida.
VSP-
Sim. Mas isso era bem da época, certo? Meio Nouvelle Vague?
TC- Exatamente. Ele era um artista que não era compreendido. Aí chegava um cara
que era o Farah (produtor da Boca)
que fazia um magnata. Ele fazia um magnata: “Eu quero comprar esses quadros”.
Aí ele respondia: “Eu não vendo pra você. Não faço isso por dinheiro”. Então,
tinha uns quadros assim que eu pintei, ficou bom pra cacete na época pra poder
fazer o filme.
VSP-
O Farah era um tipo, né? Terno branco?
TC- O Farah era um
tipo, um tipo. O Farah era um tipaço. Ele era muito ruim cá entre nós. Como
ator. Como pessoa era uma pessoa maravilhosa, como pessoa não tenho nenhuma
crítica dele. Ao contrário. Mas a cara dele era tão boa, mas tão boa que não
precisa ser bom, entendeu? Eu posso te dar até um exemplo. Como aquele que
fazia todos os filmes do John Ford, qual o nome dele?
VSP-
John Wayne.
TC- John Wayne. Por
exemplo: se ele fosse melhor não teria graça, não sei se você me entendeu? Ele
era tão...A personalidade dele era tão forte que se ele fosse muito bom
perderia a graça, está entendendo?
VSP-
Quando você foi trabalhar com o Raffaele, ele já tinha feito algum longa?
TC- Não, não.
VSP-
E você aprendeu alguma coisa com ele? Ou você foi aprendendo?
TC- O que eu aprendi
com ele foi o mecanismo. O princípio do mecanismo porque nem ele sabia mesmo. O
Raffaele Rossi era um...Vamos dizer um grande enganador. Desculpa...Mas um grande
enganador, entendeu? Eu falo isso porque eu trabalhei com ele. Então, eu sei
que ele era um grande enganador. Ás vezes ele não deixava você trabalhar. Você
queria botar a mão na câmera, ele pegava de você. Porra...Uma vez aconteceu um
negócio. Nós fomos filmar na praia e ele disse: “Poxa fica aí mexendo na câmera
de bobeira”. Naquele dia eu não abri a janela, fechei a câmera e não abri a
janela. Nós filmamos e o filme estava fora da janela. Não filmamos nada. Ele:
“Pô, logo aquele dia que você não mexeu”. “Pois é Raffaele, pois é. Você deixou
o filme fora da janela, entendeu? Você esquece de colocar o filme na janela?
Isso é coisa de amador”. Eu xingava o Raffaele, xingava muito. Xingava mesmo:
“Pô, cada merda que você faz”.
VSP-
Ele também xingava você?
TC- Não. Eu xingava
mais ele. O Raffaele era pequenininho, mas nunca chegamos ter briga física,
bater, essas coisas. Nem é do meu feitio.
VSP-
Fala do Homem Lobo. A ideia foi dele
de fazer um filme de terror?
TC- A ideia foi dele.
Não era ruim a ideia, mas o roteiro era péssimo. Quando eu fiz o meu lá (O Atleta Sexual) eu sabia que estava
fazendo uma coisa chulé, uma coisa pra ganhar dinheiro. E quase deu certo senão
fosse o processo, está me entendendo? Mesmo assim ganhei muito dinheiro. Então,
eu pensei: vou ganhar dinheiro pra fazer alguma coisa que preste. Porque eu não
gostava do que se fazia na Boca. Desculpa, eu não gostava. Tirando dois, três
filmes eu não gostava. De cada trinta filmes eu gostava de um, entende? Essa é
a realidade. Eu gostava muito mais do cinema que era feito no Rio, entendeu?
Era mais bem acabado, tinha mais grana. Mas eles sabiam fazer, né? Desculpa, o
(Carlos) Manga sabe fazer. Desculpa,
o Roberto Santos sabe fazer? Desculpa, é verdade eu sinto muito.
Lobby card de O Homem Lobo (1971), direção de Raffaelle Rossi |
VSP-
Não tudo bem. Você tem que falar o que você acha. E essa ideia foi dele de ser
em Piracicaba?
TC- Filmamos em vários
lugares. O primeiro lugar que nós filmamos foi em Minas Gerais numa cidade
chamada Alterosa. Alterosa é uma cidadezinha depois de Alfenas. Depois de Varginha,
cara, você não sabe...A montagem final nem cheguei a assistir pra saber como
ficou.
VSP-
Nesse filme você trabalha como o que Ciambra?
TC- Eu comecei como ator depois acabei virando ator e assistente de direção
dele.
VSP-
Mas o Raffaele era um cara muito mal visto na Boca, né?
TC- Esse foi o meu mau.
Justamente conhecer um cara mal visto. De repente, poderia ter conhecido outro.
VSP-
Ele era mal visto porque ele era...
TC- Porque ele era
fajuto. Dava cheque sem fundo, fazia todas essas coisas.
VSP-
Esse filme trabalhou o Toni Cardi...
TC- Toni Cardi.
Inclusive ele é meu amigo no Facebook. Ele foi um dos principais.
VSP-
O que você lembra desse filme? Tem alguma história?
TC- Então, tem o
seguinte: ficamos lá em Alterosa e os caras queriam expulsar a gente. Porque
ele prometeu filmar um monte de coisa e no final não tinha dinheiro pra comprar
negativo. Ficamos lá e ele levou uma lata de negativo depois começou a dar
chapa 13. Sabe o que é chapa 13?
VSP-
Não, não.
TC- É fingir que está
filmando (risos). Quando eu falo que
os cariocas sabiam fazer é por causa desses detalhes. É verdade: eles tinham
dinheiro, mas o mínimo que você tinha que ter era dinheiro pro negativo. Eu
quando fiz o Só na Multidão, o que eu
fiz? Comprei o negativo. Eu tinha isso na mão. Apertado, né? Não podia errar
muito. Em cada três tomadas podia errar em uma. Se errasse duas estava fodido.
Mas mesmo assim eu consegui fazer. Eu ensaiava os atores antes. Mas eu não
gosto disso, acho que os atores tem que pegar no embalo, né? Não sou muito de
ensaio de ator que fica muito teatral.
VSP-
Quem bancou O Homem Lobo? Foi o
próprio Raffaele?
TC- Foi arrumando umas
pessoas e depois pintou não sei quantos sócios. Pintou um cara de cabelo branco
não lembro que ia fazer um papel também. O que aconteceu com O Homem Lobo eu não sei. Depois, eu ia
fazer o Coisas Eróticas.
VSP-
Quem fez o Coisas Eróticas? Foi o
Salvador (do Amaral, diretor de
fotografia)?
TC- Acho que foi o Pio. Enfim, não lembro. Mas enfim: eu ia fazer mas ele
queria me colocar como ator. “Mas eu não quero mais trabalhar como ator”. “Não,
mas você tem uma boa presença”. Aliás, um grande erro que eu cometi foi não ter
continuado sendo ator. O próprio Fauzi (Mansur,
cineasta) falou pra mim: “Você
podia”. Mas não aconteceu e agora já era. Entendeu?
VSP-
Quem fotografou O Homem Lobo?
TC- Pouco tempo depois
do início das filmagens foi praticamente eu e ele. Quando não estava em cena
era eu e ele. Um rolo, um rolo que você não imagina.
VSP-
O Raffaele sabia mexer em câmera?
TC- Sabia, sabia. Câmera ele sabia mexer. Ele não era bom fotógrafo, não sabia
nada de luz.
VSP-
Tinha roteiro?
TC- Tinha, tinha. Mas muito
ruim, os diálogos eram péssimos. Coisa de primário.
VSP-
Mas foi um fracasso, certo?
TC- Fracasso, fracasso.
Acho que não se pagou. Não sei desses detalhes.
VSP-
Mas o filme chegou a estrear nos cinemas. Você foi ver?
TC- Estreou mas eu não
sei onde. Nunca vi.
VSP-
Mas você chegou a brigar com o Raffaele?
TC- Eu nunca cheguei a
brigar definitivamente com o Raffaele. Não sei se você entendeu. Mas a gente
não tinha mais aquele contato diário.
VSP-
Você viu que com ele você não ia avançar na área?
TC- Nada, nada, nada.
Aliás, ele estava me atrasando a vida. Ele me atrasou a vida, entendeu?
VSP-
E você fez um curta chamado O Isqueiro...
TC- O Isqueiro. Foi o primeiro curta que eu
fiz em dezesseis milímetros. Não sei onde está, eu devo ter perdido numa
enxurrada que teve em Diadema (cidade da
região metropolitana de São Paulo). Eu morei um ano e meio lá. Uma vez
choveu e perdi muita coisa porque houve uma enxurrada. Um alagamento na casa do
meu sócio e muita coisa foi pro espaço. Era um bobagenzinha, mas era pra
treinar, entendeu? Era pra treinar. Antes disso eu tinha feito um outro em oito
milímetros antigo, o oito milímetros velho. Não me lembro como chamava esse
primeiro. Aí em dezesseis milímetros eu fiz O
Isqueiro. Só que eu não tenho ele, era uma historinha boba: o cara vai em
casa não sei se palito na porta. Aí quando ele volta que o palito não está ele
descobre que a mulher está transando com outro. Mata os dois. Não lembro o que
o isqueiro tem a ver com isso (risos).
Por isso tinha esse nome. Era um curta.
Ciambra fotografando Transa Brutal de Diogo Angélica. Acervo pessoal de Virgílio Roveda, o Gaúcho |
VSP-
Você chegou a exibir?
TC- Não. Não cheguei nem
a dublar. Não tinha dinheiro pra dublar.
VSP-
Você fez isso na Boca?
TC- Praticamente. Eu tinha uns vinte anos
VSP-
Você não chegou a trabalhar com o Raffaele em outros filmes?
TC- Sim. Fiz curtas, documentários. E longa parece que uma vez eu briguei com
ele. Não sei te dizer...Acho que longa foi o única. Eu fiz muitos documentários
com ele.
VSP-
Mas ele fazia pra prefeituras? Fazia pra quem?
TC- Ah o que ele fazia
com aquilo eu não sei.
VSP-
Mas você chegou a ganhar algum dinheiro com o Raffaele?
TC- Ah, muito pouco,
muito pouco. Lá de Alterosas eu fiquei com uma promissórias dele de trinta
anos. Nem sei onde foi parar. Eu queria guardar de lembrança mas acabei
perdendo.
VSP-
E você acha que ter começado com ele te prejudicou muito na Boca?
TC- Me prejudicou
totalmente, totalmente. Me atrasou muito. Nessas alturas o que acontece: eu
perdi contato com as pessoas que eu devia ter contato...Tipo Francisco
Cavalcanti, o próprio Tony Vieira. Acabei perdendo o contato com esses caras. O
que eu pensei: “O negócio agora é fazer faculdade”. Fui fazer faculdade de
turismo. Mas porque não fiz de cinema? Devia ter feito, mas eu já estava no
meio achava que não precisava fazer. Mas foi um erro meu, um erro tático meu.
Se eu tivesse feito cinema na USP naquela época estavam pedindo gente pra
entrar. Hoje é muito difícil de entrar. Mas na época era tão fácil de entrar.
Acho que faltavam alunos pro curso da ECA.
VSP-
Você fez turismo onde?
TC- Eu sou da primeira turma do (Centro
Universitário) Íbero-Americano, inaugurei a faculdade. O que acontece? Eu
achando que ia ganhar dinheiro. Ganhei, ganhei como guia, sabe? Fui guia
turístico durante cinco anos. Eu falo quatro idiomas: inglês, espanhol,
português e italiano. Pelo menos eu falava, mas agora está meio enferrujado. Eu
morei um tempinho lá em Miami, quando voltei me perguntaram se eu tinha
aprendido inglês. Eu falei: “Meu inglês está a mesma coisa. Mas o meu
espanhol”. Entendeu? Lá se fala mais espanhol que inglês. Mas espanhol é uma
língua terrível. Por quê? É tão parecida que você fica um tempinho sem falar
você acaba falando portunhol.
VSP-
Como você começou a querer ser fotógrafo? Trabalhar com fotografia?
TC- Então, eu trabalho
com fotografia na verdade desde os catorze anos. Eu montei um ampliador, eu
tinha uma maquininha Kodak antiga que meu avô me deu. Com ela eu fotografava e
com ela eu ampliava. Com a própria máquina. Inclusive um amigo meu ficou
surpreso uma vez: “Você ampliou com isso? Então, você é um gênio”. Eu fiz uma
espécie de Frankestein. Coloquei uma lata de tinta... Dentro da lata de tinta
uma lâmpada e depois um farol de carro em cima pra fazer o rebatedor. Coloquei
um vidro de espolido e a câmera Kodak embaixo pra projetar. Eu fazia isso no
meu quarto. Quando estava de noite no meu quarto. Eu comecei com fotografia
desde cedo, mas eu li muito livro de fotografia. Então, eu fui aprendendo e fui
fazendo, entendeu? Inclusive eu estudei livros em inglês. Aí eu conheci o velho
Romeu.
VSP-
O nome dele era Giuseppe Romeu?
TC- Acho que era. Ele
me ensinou todos os filtros em preto-e-branco. Ele era muito bom, ele era
excelente. Acho que ele não era chamado porque ele bebia muito. Acho...
VSP-
Ele não era um que morreu num acidente de carro que bebia muito?
TC- Ele bebia muito. Não
sei se foi num acidente de carro que ele teve isso. Mas ele era muito bom.
Depois teve o Giorgio Attili que sempre me deu algumas dicas. Eu considero ele
um dos meus mestres. Aí o que acontece...
VSP- Você não trabalhou em longa nem com
o Romeu nem com Attili?
TC- Não, não. Tudo
assim de ir, frequentar. Aí que está: como eu tinha feito antes partes de
alguns longas como Pedro Malazartes.
Eu fiz parte do filme.
VSP- Do Kléber Afonso?
TC- Isso.
VSP-
Só desculpa te cortar. Como você conheceu o Kléber?
TC- Eu conheci o Kléber na época do canal 9, na época da TV Excelsior. Eu
conheci o Kléber lá. No começo ele gostava muito de mim e depois eu comecei a
descobrir que ele não gostava de mim (risos).
Mas enfim, mas ele me usou quando precisou usar. Quando não tinha fotógrafo pra
fazer o filme dele ele me chamou pra fazer.
VSP-
Ele sabia que você gostava de fotografia?
TC- Ele sabia que eu
era fotógrafo, entendeu? Depois de Um Só
na Multidão, mas os filmes que eu fiz mais alguns outros que eu não vou
lembrar agora eu comecei a fazer o quê? Como eu tinha lido vários livros eu
comecei a colocar em prática o que eu tinha na teoria. Não adianta só livro.
Igual os caras que se formam doutor em cinema e nunca entraram num estúdio. Foi
aí que a faculdade me quis lá porque eu tinha prática. Eles não queriam um
acadêmico para dar aula.
VSP-
Mas só pra entender Ciambra. O primeiro longa-metragem que você fotografou foi
o Travessuras de Pedro Malazartes?
TC- Sim. Mas não
inteiro. O primeiro inteiro de cabeça a rabo foi O Estripador de Mulheres do Juan Bajon.
VSP-
Mas só voltando ao filme do Kléber. Ele sabia dirigir? Como você atuou nesse
trabalho?
TC- É o seguinte: ele
fazia muito teatro de revista. Não digo que ele era bom ator, eu digo que ele
era um bom cômico. Existe uma diferença entre o ator e o cômico. Como cômico eu
aceitava o Kléber. Gostava muito do Kléber, gostava dele de graça, mas eu sou muito
claro. Sabe: eu posso gostar da pessoa, amar a pessoa, mas não gostar do
trabalho. E tem gente que eu não gosto, mas admiro o trabalho, entendeu? Sabe
fazer e pronto. Essa é a realidade. O Kléber fazia teatro de revista, teatro de
revista ele fazia bem, né? Tinha uma certa fama, não era muito famoso. Tinha um
certo nomezinho mais no meio que pro público. O público não sabia direito quem
era ele. O que acontece: Kléber quando fazia teatro sério ele não rendia.
Quando ele fazia teatro de revista, teatro cômico rendia bem. Foi assim que eu
conheci o Kléber. Conheci o Kléber e fiquei sabendo do filme inclusive por um
amigo meu chamado Toninho. Esse Toninho era um gordo que foi um dos produtores
do Três Boiadeiros. Então, houveram
coisas terríveis e tentaram me expulsar do Pedro
Malazartes.
VSP-
Mas por quê?
TC- Boa pergunta. Acho
que por causa do Raffaele, alguma coisa. Ou eles achavam que eu era metido,
sabe? Acabei entregando o filme pra eles.
VSP-
E onde foi filmado?
TC- Acho que foi em Campinas. Com certeza acho que foi Jundiaí ou Campinas. E
depois aqui em São Paulo também. A parte de São Paulo foi eu que fiz.
VSP-
Era uma produção com algum dinheiro ou era uma produção pobre?
TC- Não sei te dizer.
Era uma produção mais ou menos. Não era pobre. Ah, me lembro onde foi filmado
também. Foi em Valinhos, inclusive num lugar chamado Fonte Sônia.
VSP-
Era um filme meio Mazzaropi? Meio caipira?
TC- Era sobre o
personagem Malazartes. Uma comédia popular, nada erótico.
VSP-
Você gosta do filme?
TC- Ah, eu acho ele teatralesco demais. Porque é o seguinte: deixa eu tentar te
explicar como eu entendo a coisa. Quando você faz a coisa séria ela tem que ser
séria. Quando você faz a coisa debochada você tem que debochar porque pode
parecer amador. Se você não souber debochar direito fica parecendo amador, um
negócio vulgar. Os americanos sabem fazer muito isso. Então, é isso querer
debochar mas ao mesmo tempo não sabia fazer.
VSP-
Ele que dirigiu. Ele sabia dirigir?
TC- Não sabia nada.
VSP-
Esse Celso Falcão era o produtor....
TC- Isso. Inclusive o
Celso Falcão me convidou para ir pro Rio de Janeiro. Eu devia ter aceito, viu?
O que ele me convidou para ir pro Rio de Janeiro era muito pouco. Depois me
chegou a notícia que ele tinha morrido. Aí descobri porque ele tinha morrido.
Ele devia aqui em São Paulo muita gente. Então, ele fingiu que tinha morrido (risos). Muitos anos depois eu chego no
Rio no festival com O Avesso do Avesso
e me aparece Celso Falcão. Eu falei: “Porra, mas você não morreu?”. “Eu não”. “Mas
a notícia lá em São Paulo é que você morreu”. Ele foi na sessão e falou:
“Porra, filme bonito pra caralho”. “Fizemos sem dinheiro, mas está aí o filme”.
Já tinha ido para o festival de Gramado.
VSP-
O Celso era bom produtor?
TC- Fajuto, fajuto. Tanto
que ele morreu sem conseguir fazer muita coisa.
VSP-
Esse filme se pagou do Malazartes?
TC- Não sei.
VSP-
Você também não acompanhava muito.
TC- Não, não. Nem tinha
interesse. Aliás, foi um erro meu de não ter aprendido essa parte da
distribuição. Entendeu? Eu não queria saber, eu queria fazer. Meu negócio era
fazer. Mas não é bem assim, o negócio não é bem assim. Isso pode funcionar nos
Estados Unidos, pode funcionar talvez na África do Sul ou na Índia, mas no
Brasil só. Nos Estados Unidos o cara que é fotógrafo ele só precisa ser
fotógrafo. Ele não quer saber de outra coisa, se o filme vai dar ou não. Ele
vai ser pago e acabou, deu pra entender? Aqui não. Aqui você precisa primeiro
aprender a distribuir depois a captar. Depois...A última coisa que você tem que
pensar é em fotografar.
VSP-
Acho que o grande diferencial da sua carreira como fotógrafo são os trabalhos
com o Bajon.
TC- Sim. O que
acontece: o Bajon de uma certa forma eu fiquei meio excluído, né? O Bajon
praticamente não se considerava da Boca. Então, o pessoal não gostava dele.
Como não gostava dele acabam transferindo para quem trabalhava com ele. Mas o
meu erro não foi esse. O meu erro foi não ter procurado mais abrir os
horizontes.
VSP-
Você gostava daquele ambiente da Boca?
TC- Em partes eu
gostava e em partes não. Porque muitas coisas que se faziam lá...São coisas que
não sei se vale a pena falar.
VSP-
Pode falar, mas de repente sem citar o nome.
TC- Tinha gente que
dava nó no próprio amigo, entendeu? Uma vez eu vi um cara que vendeu uma lata
de negativo para um amigo. O outro abriu a lata e tinha areia dentro. Então,
essas coisas eu nunca tolerei, está me entendendo? Não foi feito pra mim, foi
feito com outro. Mas não se faz isso. Aí outro uma vez...Isso é interessante.
Uma vez um profissional da Boca foi contratado por um prefeito de uma cidade do
interior para filmar um evento que ia ter lá. Aqueles eventos de prefeitura com
primeira dama, inauguração, essas coisas. Ele entregou o material assim: nas
primeiras imagens estão legais depois começa a aparecer uns negócios, uns
cavalos andando, uns peões. Conclusão: o cara pegou um filme que já tinha sido
filmado numa fazenda e deu pro prefeito. Quer dizer? Veja você se isso é coisa
que se faça.
VSP-
Enxerto?
TC- Nem enxerto. O cara
vendeu filme velado pro cara, entendeu? Isso não se faz. Então, são certas
coisas que eu não gostava que aconteciam na Boca. E isso acontecia muito na
Boca. Se você quer ganhar dinheiro na época não era no cinema. Você quer
dinheiro vai em outro lugar, vai um arrumar emprego. Mas não é fazendo
falcatrua. Quer fazer falcatrua tem falcatrua que dá uma fortuna por aí e não
no cinema em que está todo mundo duro. Estava todo mundo duro, você vai dar
golpe em duro? Você entendeu onde eu quero chegar?
VSP-
Como era essa concorrência com os outros fotógrafos da época? Era uma
concorrência sadia?
TC- Eu não sentia
concorrência. Eu senti que eu não concorri, entendeu? Talvez eu pudesse ter
feito um marketing melhor. Eu que não me esforcei na verdade. Não houve...Mas
no finalzinho teve gente que quis me cortar do Bajon. Houve isso mas só no
finalzinho. Teve isso...Eu fiz praticamente dez filmes com o Bajon. Dez filmes,
inclusive um deles não acabou ficou no meio. Mas o que foi para tela são nove
filmes.
VSP-
Como você conheceu o Bajon?
TC- Essa é uma pergunta
que eu vivo me perguntando (risos).
Como foi que eu me aproximei do Bajon? Eu não me lembro. Sabe por quê? Eu acho
que ele se aproximou de mim porque quando ele percebeu que além de fotógrafo quando
ele percebeu que eu tinha estudo, entendeu? Então, foi o que chamou a atenção
do Bajon pra mim, né? Por exemplo: um cara que se eu tivesse conhecido antes a
minha carreira poderia ter sido outra foi o...O jornalista lá...Está na ponta
da língua...O Biáfora.
VSP-
O Rubem Biáfora.
TC- O Biáfora era
apaixonado por mim. Só que o seguinte: ele também já estava no fim de carreira.
Inclusive eu ia fotografar o último filme dele. Ele falou: “Você vai fotografar
o meu filme”. Só que ele nunca fez, entendeu? Isso tem na minha carreira
também. E outra coisa: uma coisa que eu não sabia na época...Eu assisti O Quarto. E na época do Cinema Novo, eu
não gostava muito de Cinema Novo mas eu assisti O Quarto e falei: “Pô, interessantinho”. E falei: “Pô, Biáfora não
sabia que era você. Mas pra mim é um dos melhores filmes do Cinema Novo”. E
sabe como ele fez esse filme? Pra tirar sarro do Cinema Novo. Da mesma maneira
que eu tive de fazer uma pornochanchada com O
Atleta, entendeu? Só que o filme dele é bom, bonzinho, filme dele anda
cara. Se eu tivesse conhecido ele antes eu teria feito o filme com certeza como
ator. Não sei se você me entende. Inclusive quem fez...
VSP-
O principal era o Sérgio Hingst.
TC- Sérgio Hingst, lógico.
Fiz vários filmes com o Sérgio Hingst, né? Eu gostava muito dele, uma pessoa
boníssima. Ninguém conseguia brigar com o Sérgio Hingst. Tem gente que
conseguia...Eu falava: “Como vocês conseguiram brigar com o Sérgio Hingst? Não
tem como brigar com ele. Eu que brigo com todo mundo não consigo brigar com
ele” (risos).
VSP-
Você não lembra como conheceu o Bajon?
TC- Eu não consigo lembrar
o primeiro contato. Não consigo lembrar. Lembro que ele foi até a minha casa,
conheceu minha casa, conheceu a minha família. Entendeu? A ideia dele não era
só o fotógrafo, entendeu? Era a pessoa.
O Estripador de Mulheres (1978) foi o primeiro longa-metragem de Juan Bajon que Ciambra fotografou. Acervo Cinemateca Brasileira |
VSP-
Porque era meio que uma equipe fixa. Era você, a Inês Mulin (continuísta)...
TC- Isso. Praticamente
sempre o mesmo pessoal. Ás vezes não dava certo com alguém. Aí chegou uma hora
que eu sempre brincava na Boca. Eu falava: “Eu conheço três assistentes de
câmera bons na Boca: o Tardoque, o Tardoque e o Tardoque”. O Tardoque como
assistente de câmera...Era...Olha como eu trabalhava com o diafragma muito
aberto e com muita pouca luz, o foco é muito difícil fazer. Ele era preciso,
certo? Aí aconteceu aquela bobagem no filme do Luiz Gonzaga (dos Santos, cineasta). O cara entregou uma câmera que tinha problema na janela,
né? E a gente não sabia que a janela tinha feito um clique pra fazer câmera
lenta. E o cara alugou a câmera para o Luiz Gonzaga e nós filmamos normal.
Quando chega no laboratório, o produtor que era montador...
VSP-
O Ademir (Francisco, produtor e montador).
TC- Isso. O Ademir liga
pra mim: “Ciambra: é o seguinte. Está linda a foto, linda a foto, linda, mas
linda. Mas tem um problema: não tem foco”. “Como assim não tem foco?”. “Não,
está tudo desfocado”. “Como tudo desfocado?”. “Não, tudo desfocado”. O filme
inteiro, o primeiro dia de trabalho inteiro tudo desfocado. Aí o Luiz Gonzaga
também: “Eu não quero saber os inocentes. Quero saber quem são os culpados”. Eu
falei: “Não adianta nada saber dos culpados. Você tem que saber quem é inocente
e não culpado”. Aí nós fomos no cara que era o cara da...Como chamava ele? Ele
era dono de uma produtora de comerciais, mas fajuto. Não era daqueles bons.
Então, ele chegou e a gente pegou o negativo: “Você sabe ver negativo? Não era
o negativo que estava desfocado era sua câmera que estava com problema”. “E eu
sou o responsável por isso?”. “Olha se você não quer ser responsável não é esse
o problema. O problema é que ele está prejudicado aí. Perdemos um dia de
trabalho e perdemos duas latas de negativo. Como que a gente faz”. Aí pra
compensar ele deu uma semana a mais de câmera.
VSP-
A culpa era do equipamento, então?
TC- Claro. Ele reforçou
o equipamento só que a câmera ficava solta, então precisava colocar o filme e
depois dava um clique que normalmente não precisa fazer. Porque já estava
firme, né? Aí claro se não desse esse clique dava uma diferença de um
milímetro. Em um milímetro ficava tudo desfocado, tudo desfocado. Entendeu?
VSP-
O que o Bajon tinha de diferente dos outros diretores com quem você trabalhou?
TC- Então, o Bajon
tinha as coisas boas e as coisas ruins, né? As coisas ruins: ele sempre queria
imitar alguém: “Ah, o cinema japonês fez isso então eu vou querer fazer. O
cinema japonês fez aquilo então eu vou fazer. Ah, fulano fez aquilo então eu
também vou fazer”. De repente ele começou a punhetar com o zoom. Eu falei:
“Porra Bajon, você era um cara que era contra o zoom. Você odiava zoom”. “Não,
mas o cinema japonês”. “Porra, se os caras fizerem merda lá você faz merda
aqui”. Então, tinha essas coisas o Bajon, essas coisinhas. Agora, uma coisa que
o Bajon tinha eram os roteiros porque os deles eram bons. Era roteiros
interessantes, mesmo os roteiros mais vulgares eram roteiros bons. Os diálogos
eram bons. Se você pegar O Estripador de
Mulheres: os diálogos são interessantes, né? Entende? Ele não sabia nada.
Quem ensinou ele fui eu. Ele falava: “1, 2, 3, já”. “Que 1, 2, 3 já Bajon. Tem
que falar câmera pra eu ligar a câmera e ação pro ator, entendeu? Como 1, 2, 3 já?
É pique aqui (risos). Sabe o que é pique? Estamos brincando de pique? Coisa de
criança, porra. O que é isso? Tem que falar câmera para eu ligar a câmera e
você fala ação pro ator, entendeu? Então, essas coisas ele foi aprendendo essas
coisas comigo, entendeu? E era completamente cru.
VSP-
Sim. Era o primeiro longa dele. Imagino que ele não conhecia muita coisa.
TC- Nada, nada.
Inclusive tem uma passagem interessante que na Bahia teve um jornalista que
meteu o pau no filme e depois quando dele descobriu que tanto o diretor como o
fotógrafo eram estreantes ele mudou a crítica inteira dele. Ele não sabia que nós
dois éramos estreantes. Naquele filme eu tinha que fazer uma fotografia
tétrica, filme de terror. Aí em outro filme...A cabeça do Bajon ás vezes é
incompreensível. Porque nunca ninguém entende porra nenhuma de fotografia.
Cheguei até a chutar refletor: “Ah coloca refletor no chão, joga lá pra cima.
Faz aquilo, ilumina, clareia tudo”. Aí de repente ele chega pra mim: “Ciambra:
no Estripador de Mulheres foi um
filme em que você deu um salto na fotografia”. Olhei pra ele como se eu
falasse: “Você não entende porra nenhuma. Vai tomar no seu cu”. Essa é a
vontade que eu tinha de falar pra ele. Lá eu cortei luz, eu coloquei tudo
recortadinho, tudo bonitinho, o contraluz todo certinho, tudo feito pra dar o
ar tétrico.
VSP-
Sei. Uma fotografia diferente...
TC- Lógico. Mas não foi
só ele. Pintou um francês lá que queria fazer uns negócios com ele. Aí ele assistiu
alguns filmes do Bajon, assistiu O
Estripador e assistiu outro filme que eu tinha feito. Aí eu perguntei pra
ele: “Qual você acha melhor? Qual você mais gosta?”. “Eu gostei mais desse”,
não gostava do Estripador, entendeu?
O Estripador embora seja o meu
primeiro filme como fotógrafo foi o que eu mais recortei. Não sei se você me
entendeu? O que eu mais caprichei.
VSP-
Sim. Pra dar o clima. É diferente de uma comédia é um filme mais branco...
TC- Sim. A ideia ali
era dar o clima...
VSP-
Era um filme mais autoral seu?
TC- Lógico, lógico.
VSP-
Por exemplo: O Estripador. O nível de
produção desse filme foi maior que os outros?
TC- Então, esse teve.
Olha só pra você ver onde eu acho que foi o erro do Bajon. O erro do Bajon foi
o seguinte: ele pegou esse produtor. Aliás, foi o maior cachê que eu recebi
dele. Todos os outros foram diminuindo, sabe aquilo do: “Você não precisa”. Não
preciso o caralho, né? Não preciso porque tenho família? E aí vou depender da
minha família? Que ideia filha da puta essa. Essa eu acho uma ideia filha da
puta, sabe? Não quero saber da minha família: “Ah você é rico”. Não, quem é
rico é a minha família eu preciso trabalhar. Sabe? Eu vou viver ás custas da
minha família a vida inteira? Com ele foi o maior cachê que eu recebi. Foi uma
grana razoável. Então, o que acontece: a produção era boa. Aí quando o filme
começou a passar, o filme começou a ser considerado meio cult rapaz, né? Aí eu falei: “Bajon continua nessa linha”. “Não,
não foi continuar nessa linha porque não dá dinheiro”. “Mas você conseguiu
pagar o filme”. “Consegui pagar o filme mas acontece que eu preciso ganhar
dinheiro”, não sei o que lá, não sei o que lá e começou a errar. Entendeu?
Hoje, se ele tivesse continuado nessa linha não só teria ganhado muito dinheiro
como estaria sendo cotado como um puta de um diretor, né? Porque depois ele
acabou aprendendo, né? Entendeu?
VSP-
Como era a direção de atores dele?
TC- Então, ás vezes boa
e ás vezes péssima. Ele tinha dois extremos, né? Onde estava o extremo? Extremo
quando ele via algum filme estrangeiro qualquer que ele gostava ou alguém falou.
Então, ele tinha esse probleminha. Eu gosto do cinema japonês, mas o cinema
japonês ele tem a sua visão japonesa. Por exemplo: “Tem uma cena fantástica.
Sabe como ele mata ela? Ele vai puxando um pano enrolado e ela vai virando, vai
virando e depois ele esfaqueia”. Não sei se você me entendeu? Isso pode servir
pro Japão. Mas imagina isso numa favela se a pessoa vai virar? Vai meter tapa
no olho do outro, você entendeu? Então, você precisa se adaptar onde você vive.
Você não vive no Japão, entendeu? Então, era uma coisa meio oito oi oitenta.
Muitas vezes ele dirigia bem os atores, né? Ás vezes ele dirigia e ás vezes...Não
sei. Ele acabava deixando os caras fazer careta (risos), ás vezes obrigava o cara fazer careta. Como uma vez eu vi
um outro diretor que não vou revelar o nome. Esse diretor: “Não, você está olhando
o cara sendo estuprado você precisa fazer alguma expressão”. Por quê? Ás vezes
você só você ficando pasmo é o suficiente. Isso é ridículo, entendeu? Ridículo.
Pior que não é só o ator que passa ridículo. Quem entende de cinema sabe que o
diretor também passa ridículo. Entendeu?
VSP-
Como era o Bajon no set de filmagem?
TC- Ás vezes era mais
mal-educado. Inclusive ele falava umas bobagens. Uma vez eu vi uma cena que eu
achei...Porque eu xingava muito o Bajon. Aliás, eu xingava todo mundo. Eu sou
famoso por conta disso, né? Acho que quem que era...Eram dois amigos
contracenando: o José Lucas e um outro. Um tinha que socar o outro: “Mas você
quer que um soque o outro Bajon? Está louco? Porra”. “Não, porque não está bom.
Vamos repetir”. “Vamos. O negativo é seu, vamos repetir”. O José Lucas: “Porra,
já me acertou aqui”. Ele queria que fizesse...Então, você faz de um jeito
melhor: “Você não quer ele de frente? Pega ele de costas. Ah ele está no chão?
Ótimo, coloca ele com uma mesa, com ângulo eu consigo dar impressão que ele
está no chão”. E ele não aceitava esse tipo de coisa, está entendendo?
VSP-
Ele não gostava de sugestão?
TC- Não gostava de
sugestão. Só que ás vezes ele fazia...Tipo assim: “Que tal aqui?”. “Não, não
quero aqui”. Aí ele ia para um lugar e depois voltava no mesmo lugar que eu
falei. Ele fingia que era dele as ideias.
VSP-
O Estripador foi rodado onde?
TC- São Paulo...Depois
da (avenida) Paes de Barros?
VSP-
Mooca?
TC- Pra lá da Mooca.
Não sei o nome do bairro. Se você falar o nome do bairro eu vou acabar
lembrando.
VSP-
Era um elenco bom, certo? Carlos Koppa, Ewerton de Castro...
TC- Um puta de um
elenco. Tinha até Marlene França, Carlos Koppa, Renato Master, sabe? Um puta de
um elenco. Aliás, o Carlos Koppa era ótimo, muito bom. O Renato Master também.
VSP-
E o Ewerton faz o cara que é assassino
TC- Demora. Então, o
Bajon tirou o suspense na primeira cena. E a cena é boa, a cena é bonita,
rapaz. Aquela cena do elevador então é do caralho. Que ele mata aquela no
elevador que a gente encontrou aqui no Anhangabaú, sabe aqueles elevadores de
pantógrafo? Foi do caralho. Inclusive para iluminar coloquei um cabo, o
eletricista puxava o cabo conforme o elevador subia. Olha o trabalho que deu.
Não tinha essas coisas, essas facilidades de hoje. Hoje tem uma lanterna que
tem uma luz do caralho. Uma lanterna que tem uma luz do caralho. Naquela época
não, tinha que colocar refletor, entendeu? A cena é do caralho porque é tudo
escuro. Só estão os pés e aquilo pantográfico ali. Pô, meu faça isso: mostre o
cara bonzinho, inocente: “Já que você quer explorar o Ewerton, explore o
Ewerton. Mas não mostrando a cara dele matando”. Porra, entendeu? Explore de
outra forma, entendeu? Enfim, não é problema meu porque o roteiro era dele.
VSP-
Sim. Mas imagino que você deu sugestões, participou...
TC- Naquela época eu já
não tinha tanta intimidade com o Bajon. Entendeu?
VSP-
Mas por exemplo, você já tinha trabalhado em outros longas com o Raffaele e o
Kléber...Você já percebia que o Bajon era mais seguro que eles?
TC- Não. No começo não.
Ele era cru, totalmente cru. Depois...Eu acho que ele tem talento. Não vou
dizer que ele não tem talento. Ele só não sabia fazer mas ele aprendeu fazer,
entendeu? Lógico que perto do Kléber, perto do Kléber ele é um gênio (risos), perto do Raffaele ele é
Spielberg (risos). Então, essas
coisas que eu quero dizer. Depois, o Bajon aprendeu a fazer.
VSP-
Ele aprendeu fazendo?
TC- Aprendeu fazendo.
Como muita gente na Boca aprendeu fazendo, entendeu?
VSP-
Você tem ideia se O Estripador se
pagou?
TC- Então, se pagou mas
o que eu estou te falando: “Vamos fazer outro igual”. (imitando voz do Bajon): “Não, não vou fazer porque preciso fazer
dinheiro”. Entendeu? Porque a Brasil Internacional que era do nosso amigo
Alfredo Cohen, ele queria ganhar dinheira, ganhar dinheira (imita voz polonesa do Cohen). Queria
levar dinheiro para levar pro cemitério. Tudo bem, tem que ganhar dinheiro.
Igual a um apresentador: ganhou dinheiro mas vai ser lembrado como o que? Um peru
que fala? Nada contra. Mas as pessoas podem deixar um legado, sabe? Sabe, isso
que você vai deixar? Entende?
VSP-
Entendi. E o filme foi bem de crítica, né? A Veja falou bem.
TC- Estou te falando.
Ele foi bem de crítica. Se ele foi bem de crítica segue a mesma linha. Se
depois ele fazer um filme fajuto os caras vão dizer: “Pô, primeiro fez um filme
desse jeito agora ele partiu pro sexo, partiu pro comercial”. Porque ele
poderia inclusive continuar naquela linha e ser famoso por ele ser ele. Um
Mazzaropi por exemplo: ele é assistido por ser ele Mazzaropi. O Zé do Caixão é
assistido por que? Porque eu vou assistir Zé do Caixão. Aliás, eu viajei muito
pra fora e o único cineasta conhecido no Mundo brasileiro é Coffin Joe. Mais
nenhum. Por quê? Ás vezes algum amigo da Boca pode falar: “Mas tem um cara que
sabe da minha vida em Miami”. Mas aí é cinéfilo, cinéfilo é cinéfilo, estuda.
Agora, chega no meio da rua e pergunta: “Quem você conhece de cineasta
brasileiro?”. “Coffin Joe”, só.
VSP-
Teu salário nos filmes do Bajon era maior que nos outros filmes da Boca que
você trabalhou?
TC- No começo sim,
depois não. O que eu mais ganhei de todos os filmes que eu fiz...Acho que foi
no filme do Luiz Gonzaga (dos Santos,
Anúncio de Jornal). Não, no filme do Luiz Gonzaga e teve outro também que
eu ganhei bem...O do Adalto. O filme do Adalto pagou muito bem porque era um
produtor muito bom, era um produtor estava muito afim de continuar. Aliás, uma
pena que o Adalto não continuou porque o roteiro era bonzinho, sabe? Apesar de
manjado. Era um filme sobre um serial
killer que matava loiras, entendeu? Podem dizer: “Isso é velho”. Mas meu
amigo, quantos filmes de serial killer,
os Estados Unidos fez e se saiu bem? Qual o problema de fazer filme de serial killer? Uma historinha bem
feitinha, eu vou pro cinema pra me divertir. Eu não vou pro cinema pra ficar
elucubrando, não vou.
VSP-
Fazer a revolução (rindo).
TC- Não, não vou. Não,
eu não quero fazer a revolução. Eu não quero mudar a roda. A roda é redonda
sendo quadrada não funciona. Eu posso pintar ela de amarelo, vermelho, azul,
colocar efeitos. Mas ela tem que ser redonda. Cinema foi inventado há mais de
cem anos, não tente reinventar o cinema que você não vai conseguir.
VSP-
Eu sei. Estou brincando aqui com você. Nós temos colegas...
TC- Acham que vão
revolucionar...
VSP-
Câmera na mão...
TC- Câmera na mão...Mas
a câmera tem que ser bem encaixada. Hoje em dia nem o público gosta. Senão for
bem encaixada a câmera na mão nem o público gosta. E olha que eu sou
considerado um dos melhores de câmera na mão do Brasil, né?
VSP-
E o Kopezky. Como surgiu a oportunidade de você trabalhar com ele?
TC- Com o Toninho, com
o Toninho, entendeu? Tinha sido cotado o Gyula Kolosvari porque ele tinha feito
um filme do Kléber Afonso. Depois eu descobri que o Kléber me cortou. Um tempo
mais tarde eu descobri que ele me cortou. Não me queria lá...Então, tudo bem. O
Gyula fez, o Gyula foi cotado e depois entrou um problema de dinheiro. Eu
falei: “Eu topo entrar como sócio”. Aí como eu entrei como sócio do filme
acabei fotografando.
VSP-
Você bancou parte do filme?
TC- Eu não banquei.
Usei o trabalho como produção, entendeu?
VSP-
Entendi. E como era o Waldir Kopezky como diretor?
TC- Olha, o Kopezky em
termos de mecânica, ele sabia mais que o Bajon, sabia mais que muita gente. Ele
ficou no roteiro. O roteiro era muito ruim, o roteiro era péssimo, entendeu?
Tanto é que eu tinha escrito um roteiro pro Toninho. Escrevi um roteiro com
tiroteios, uma coisa toda. O cara chega pra mim: “Olha, não quero que tenha
isso, não tenha aquilo”. “O que vai ser o seu filme, então caralho? Porra”.
Sabe? E eu não sabia o que era catira. “Catira? Quanto tempo disso?”. “Vinte
minutos”. “Vinte minutos de catira?”. Você imagina vinte minutos as pessoas
dançando catira num filme? Impossível, né? Conclusão: aí fizeram o roteiro do
Kopezky. Modéstia parte o meu era mais movimentado, sabe?
VSP-
Mais ágil?
TC- Mais ágil. Desde
aquela historinha que começa, entendeu? E vai devagar. O roteiro é muito ruim,
entendeu? Agora, a direção de atores dele é até razoável.
VSP-
Ele era de teatro, né?
TC- De teatro. Então, o que acontece: ele não tinha a manha do tempo de cinema,
entendeu? Mas ele conhecia onde colocar câmera, ele enquadrava bem, sabia enquadrar.
Isso ele tinha...Inclusive ele tinha me prometido que eu ia fazer filmes com o
Fauzi (Mansur, cineasta). Conclusão:
ele acabou contratando um cara bem barato que era um cara do Rio de Janeiro.
Não me lembro quem é...
VSP-
Ah sim. Depois que ele briga com o (Cláudio)
Portioli (diretor de fotografia), né?
TC- Isso, isso.
VSP-
Gesvaldo (Arjones Abril, diretor de
fotografia)?
TC- Esse cara. Ele
pegou esse cara que era assistente de câmera. O Fauzi tem disso aí. Eu adoro o
Custódio Gomes. Ele é um puta assistente de câmera. Mas só. Não vou dar um
filme para ele dirigir nunca. Ele deu um monte de filme para ele dirigir, não
sei se você me entendeu, sabe? Então, como pessoa adoro ele, como assistente de
câmera adoro ele. Se bobear acho o Custódio o melhor assistente de câmera que
eu tive depois do (Dionísio) Tardoque
que eu tive. Mas eu não posso dar um filme pra ele dirigir desculpa.
VSP-
Os Três Boiadeiros foi filmado em
Barretos?
TC- Não. Foi em
Angatuba (interior do São Paulo).
Barretos também porque aparece a festa no filme.
Cartaz de Os Três Boiadeiros (1979) de Waldyr Kopezky. Um dos primeiros filmes que Ciambra fotografou. Acervo Cinemateca Brasileira |
VSP-
O Pedro Bento e o Zé da Estrada não funcionaram como atores, certo?
TC- A figura dos dois
era interessante. Principalmente o Zé da Estrada. O Pedro Bento já era mais
paradão. Agora, o Zé da Estrada era mais maleável, entendeu? Então, dava pra
você trabalhar com o Zé da Estrada. Agora, o outro...
VSP-
Mas eles faziam muito sucesso na época?
TC- Porra...Faziam
muito sucesso. Tanto que a gente esperava fazer o que O Menino da Porteira fez, mas não foi assim.
VSP-
Mas é antes do Menino da Porteira?
TC- Não. Depois. A
ideia foi por causa do Menino da Porteira.
VSP-
Mas o filme foi um fracasso, né?
TC- Fracasso, fracasso. Inclusive eu queria vender a minha parte pra outra
pessoa: “Não, você não pode vender”. “Então me paga você”. Conclusão: acabei
não vendendo a minha parte. Se tivesse vendido a minha parte teria pelo menos
ganhado alguma parte do dinheiro, entendeu? Conclusão...
VSP-
Mas você não teve prejuízo com o filme?
TC- Não. Eu trabalhei
de graça.
VSP-
Mas o produtor era um cara honesto?
TC- Sim. Não era desonesto não.
VSP-
Tinha uma estrutura razoável para os filmes da Boca esse filme?
TC- Não, não. Mesma
coisa.
VSP-
Foi a primeira vez que você trabalhou com o Mário Vaz (Filho, diretor e assistente de direção em Os Três Boiadeiros)?
TC- Foi a primeira
coisa que o Mário Vaz fez na Boca, né? Foi aí que ele entrou. Entrou sem saber
absolutamente nada, né? Então, foi o primeiro trabalho que ele fez em cinema.
VSP-
E esse filme você também trabalha com o Montana? O Rodrigo, diretor de
produção?
TC- Ah, o Rodrigo,
Rodrigão. Sim, claro. Ele trabalhou como ator, trabalhou como ator. Muito
legal. Eu gostava muito do Rodrigo, eu adorava o Rodrigo. Uma pessoa boníssima.
Não sei se ele tinha algum problema lá na Boca mas pra mim ele sempre me tratou
bem e sempre os tratamos bem, sabe?
VSP-
Esse filme peguei aqui, tinha um elenco bom: Francisco di Franco, Maracy Mello.
TC- Outro dia a gente
estava numa reunião lá no (restaurante)
da Lilian Gonçalves na frente da Maracy Mello e ela não lembrava desse filme.
“Mas Maracy nós trabalhos juntos”. Mas tinha um cara que trabalhava na produção
que falou: “Eu que fiz a produção. Lembra?”. Ela nem lembrava desse filme.
VSP-
Esse tipo de filme você acha que ainda tem público?
TC- Sertanejo?
VSP-
Sertanejo.
TC- Não. Inclusive eu
tenho um roteiro chamado O Poderoso Jecão
que eu dei pro Mazzaropi ler. O Mazzaropi ficou apaixonado. Imagine na
época do Poderoso Chefão ter um filme
chamado O Poderoso Jecão. Roteiro meu
ainda está aí. Só que tem o seguinte: muitos quiseram fazer só que o Chico
Fumaça quis fazer. “Mas o Chico Fumaça não tem nome”. Aí o Mazzaropi se
apaixonou, ia fazer o filme mas aí ele morreu, entendeu? Mais um azar. Porque o
seguinte: o que é o Poderoso Jecão? É
uma coisa bem maniqueísta, bem simples, né? Tem um tiroteio, morre todo mundo. Aí
chega lá o Jecão e pega um revólver ainda fumegando. Chega um pessoal e veem
ele com o revólver na mão perto de todos aqueles mortos. Pensam: “Pô, esse cara
é fudido”. Entendeu? Então, começam a achar que ele vai resolver o problema da
cidade, ele vai matar o grande bandido que manda na cidade. Aí tinha a Wilza
Carla, ia ter um monte de coisa assim, tudo piada, sabe? Pegavam ele pra fazer
tortura chinesa com peninha no pé. O cara falava: “Mas peninha no pé”. Mas não
é para ser engraçado? Não é um filme de comédia? Num filme sério não vou fazer
isso, entendeu? Mas numa comédia? Então, o cara começa a rir e vai todo mundo.
Então, era uma comédia, uma comediazinha. Hoje teria que dar uma modificadinha.
Mas sabe como eles pegam o bandido? Pegam sem querer. Ele sobe no telhado para
fugir do bandido e os caras jogam aqueles troncos, um tronco cai na cabeça do
bandido. Aí os caras chegam: “Pô, ele pegou o bandido”. Entendeu? Então, O Poderoso Jecão. Está entendendo como é
o negócio? Porque toda merda que ele fazia dava certo, entende? Mas o nosso
amigo morreu.
VSP-
Você falando me lembrou aquele filme do Carlos Manga, Matar ou Correr que é meio assim em que o Oscarito faz um xerife,
ele morre de medo. É contra o Lewgoy. É bem parecido.
TC- Sim, sim. Mas eu me
baseie em outro filme americano chamado Dívida
de Sangue. Baseado só não copiei.
VSP-
E como fotógrafo você acompanha as montagens dos filmes?
TC-Alguns eu acompanhei. Inclusive nos Três
Boiadeiros eu fiz a pré-montagem do filme. Fiz a pré-montagem na moviola e
juntei o filme. Inclusive eu teria feito mais cortes se tivessem permitido:
“Pô, você vai montar o filme”. “Estou deixando fácil pro nosso amigo (Sílvio) Renoldi (montador)”. E na edição do Renoldi tem muito durex que ele nem
tirou que eu deixei lá. Do jeito que eu mexi, sabe? Então, eu fiz a
pré-montagem. Na verdade: antes de começar a fotografar qualquer coisa tinha um
negócio chamado Mundo Notícias, um cinejornal. Lá eu aprendi a mexer na
moviola. Tinha um montador velho que me ensinou...A primeira coisa que eu
peguei na minha vida não foi a câmera foi a moviola.
VSP-
Foi editar...
TC- Foi montar. Na
época falar editar você ofendia o montador de cinema, se sentia ofendido.
Porque edição na época era som, entendeu?
VSP-
Entendi.
TC- Embora nos Estados
Unidos era tudo edition.
VSP-
Mas lá acho que o som é direto. Aqui o som era tudo indireto.
TC- Exatamente, exatamente. Então, mas agora está se usando edição pra tudo. Os
novos não tem mais isso. Hoje não se fala mais montador se fala editor.
VSP-
Você falou que acompanhava essa parte de montagem...
TC- Eu acompanhava
também a dublagem. Muitas vezes eu dirigia a dublagem, entendeu?
VSP-
Tinha ator na Boca que era muito ruim. Só funcionava porque o som não era
direto. Quando entrava o som outro dublava?
TC- Outro dublava e
ficava bom (risos). Atriz também
tinha isso.
VSP-
Você falou dos Três Boiadeiros...Mas
apesar do filme, você se deu bem com o Kopezky?
TC- Me dei bem com o
Kopezky sempre. Não houve um atrito com o Kopezky.
VSP-
Depois você fez o Colegiais e Lições de
Sexo do Bajon...
TC- Do Bajon.
VSP-
Como se estabeleceu essa parceria sua com o Bajon?
TC- Ele foi me chamando, foi me chamando e foi isso. No meio eu sempre fazia
algumas coisinhas, né? Teve anos que eu só fazia filme do Bajon e eu não fazia
nada fora. Mas como eu estava em turismo ás vezes eu pegava trampo em turismo.
E ás vezes eu pegava aula de português para estrangeiros e ás vezes eu dava
aula de inglês que me salvava, né? Aula particular. Dei aula pra inglês num
curso que depois fechou que ficava no largo do Café que chamava Santo Ivo.
Inclusive fui aluno e depois fui professor do curso. Isso é coisa que não tem
nada com cinema.
VSP-
No Colegiais ele trabalhou com a
Aldine (Müller), com a Misaki (Tanaka)...
TC- A Misaki Tanaka
criou problemas em outro filme. Criou problemas muito sérios. É o seguinte: ela
trabalhava na TV Cultura, né? Então, a gente foi fazer apareceu a calcinha.
Falamos: “Misaki tira a calcinha pra fazer a cena”. Ela: “Não posso. A Cultura
proibiu que aparecesse além dessa marca aqui. Não pode, não pode”. Falei:
“Bajon resolve o problema aí. A calcinha ela não quer que aparece”. Eu tive uma
ideia: “Bajon tenho uma ideia pra mostrar que ela está sem calcinha”. Eu falei
bem devagar: “Pega o cobertor e joga em cima da calcinha. Joga o cobertor no
corpo dela e dá impressão que ela está sem calcinha mas está”. Parece que foi
isso a solução, né? Realmente parece porque dá impressão que o lençol está por
cima mas ela está pelada, entendeu? Ela criou problemas e inclusive o Bajon
nunca mais chamou ela.
VSP- A Aldine tudo bem?
TC- A Aldine tudo bem. Ah, a Aldine não tinha problema nenhum. Mostrava tudo (risos).
Colegiais e Lições de Sexo foi outro filme de Bajon com fotografia de Tony Ciambra. Acervo Cinemateca Brasileira |
VSP-
O Bajon trabalhava com elencos bons?
TC- Sim. Ele fazia questão de pegar pelo menos um ou outro de pegar bem. Pelo menos tinha um que era bom, entendeu? Onde ele foi bastante exigente foi no Estripador. Inclusive eu contracenei num filme acho que com...O filme chamava-se Cidade do Vício. Eu achei esse um dos melhores roteiros do Bajon. O cara vinha do interior tal, tenta trabalhar aqui, arruma outro trabalho e depois acaba se prostituindo, né? Aí um dia ele me liga. Quando o Bajon ligava eram horas no telefone: “Ciambra mudaram o nome do título. A distribuição não quer esse título”. Aí ele me falou o título: A Noite das Depravadas. Aí o telefone ficou pendurado porque eu caí puto: “Puta que pariu”. Nesse filme eu contracenei com o Sérgio Hingst numa padaria. Eu apareço com o Sérgio Hingst e ainda falo com ele alguma coisa. Depois eu mesmo me dublei.
VSP-
Nos filmes do Bajon...Ele tinha um olhar de sátira a classe média, a sociedade
do consumo?
TC- Ele zoava a classe média. O Bajon queria zoar a classe média, cada um tinha
o seu estilo. O novo rico, né? A ideia dele era essa: o novo rico com os seus
problemas. Por exemplo: o filme do Luiz Gonzaga (dos Santos). O filme do Luiz Gonzaga até que a ideia não é ruim, a
ideia é boa. Só que ficou um filme verborrágico, gente fazendo discurso, sabe?
Imagina um cara de classe média...Nem classe média. Classe pobre dizendo pra
filha: “Veja o cinema nacional. Porque o cinema nacional...”. Não dá. O cara que
está na favela vai saber do cinema nacional? Ele vai saber politicamente o que
significa o cinema nacional? Por favor. Depois tem uma cena em que está o
personagem do Chico de Franco: “Eu estou ganhando muito dinheiro porque
enquanto não vier a revolução social eu preciso ganhar dinheiro”. Não sei se
você me entendeu? Mas o filme em si, a ideia do filme é muito boa. O argumento
é bom. Inclusive ele termina mal o filme. Ele devia encerrar quando o cara se
joga do viaduto e encerrar. Depois ele mostra a mulher saindo do hospital? Que
é isso Luiz Gonzaga? Parece que ele cortou depois.
VSP-
Não. A cópia que eu vi continua assim. Como alguém se joga de um viaduto e saí
de um hospital como se nada tivesse acontecido?
TC- Depois um final
bonito daqueles, um final bonito daqueles. Acabou. Era só passar o letreiro em
cima, entendeu? Acabou. Não consigo entender certas coisas.
VSP-
Você acha que dá pra falar que o Bajon seja um autor? Dá pra falar num estilo
do cinema dele?
TC- Ele faz um cinema
de autor, ele faz um cinema de autor sim. Não é cinema industrial o que ele
fazia. Eu acho que ele é um autor. Tem coisas boas, tem coisas ruins. Mas tinha
a mão dele sim. Dá pra reconhecer que é filme do Bajon, sim?
VSP-
Ele trabalhava muito com a Inês Mulin, né?
TC- Ah, a Inês era a assistente predileta dele. A primeira coisa que ela fez na
vida foi senão me engano foi o Colegiais.
Acho que ela não fez O Estripador. Ou
ela não fez todos os dias. Não me lembro, entendeu? Mas não me lembro dela no Estripador. Precisa ver na ficha
técnica.
VSP-
Como era a proximidade do Bajon com os críticos? Você falou do Biáfora. Mas ele
era próximo do Alfredo (Sternheim)?
Do José Júlio (Spiewak)?
TC- Então,
principalmente com o Biáfora. O Zé Júlio Spiewak inclusive faz um papel no meu
filme. Faz um magnata, um papel pequeno. O Zé Júlio Spiewak...Algumas coisas
ele falava correto. Mas o que ele falava de merda não compensava, entendeu? Mas
tem umas coisas que ele falava corretamente. Ele sabia os atores que eram
realmente canastrões, né? Ele tinha esse conhecimento. Mas quem imitava bem o
Spiewak era um amigo meu. Ele imitava até o jeito da bolsinha que o Spiewak
segurava, o jeito dele falar. Uma vez ele próprio falou pra mim: “Ciambra, você
sabe o que significa Spiewak em polonês?”. “Não”. “Cantor” (risos).
VSP- Esses críticos apareciam no set do Bajon?
TC- Não, não. Ele tinha
muita influência do Biáfora, muito. O Bajon era bem relacionado. Eles tinham
defeitos parecidos. Ele falava: “Eu tenho uma formação é alemã americana”. Isso
não tem o menor cabimento. Porque os dois são iguais óleo e vinho não pode se misturar,
entendeu? Não tem como você ser assim. Agora eu tenho visto alguns filmes
modernos do cinema alemão que tem um acabamento que eu nunca tinha visto.
Sempre achei o cinema alemão muito mal acabado, muito ruim. Mesmo dos diretores
tidos como grandes o acabamento era péssimo. Tirando um ou outro o acabamento
do cinema alemão é péssimo. Então, ultimamente vi um filme chamado Os Falsários. Não sei se você viu...
VSP-
Sei qual filme é. Mas não vi.
TC- É muito bom. É
sobre a Segunda Guerra Mundial sobre alguns falsários que vivem num campo de
concentração e falsificam libras pros nazistas. É simplesmente do caralho.
Outro filme que eu gostei deles chama-se Operação
Valquíria. Tem uma versão americana e uma versão alemã. Eu gostei mais da
versão alemã. Gosto muito mais do alemão, embora os dois sejam bem parecidos.
Agora o resto...O resto me desculpe.
VSP-
Teve um filme que saiu a alguns anos As
Últimas Horas de Hitler. Grande filme, ganhou Oscar de melhor filme
estrangeiro. O cinema alemão é um cinema muito forte.
TC- Eu não gosto, não
gosto. Principalmente o acabamento. O acabamento é ruim. Sempre foi ruim.
VSP-
Mesmo Fassbinder?
TC- Péssimo, horrível.
Não, detesto, detesto. Chato, chato demais. Não gosto de filme chato.
VSP-
Herzog também?
TC- Herzog não, não.
Ele fez aquela droga do Fitzcarraldo.
Filme mal acabado, desfoque. Poxa, filme chato que não anda, não anda, não
anda. De repente, um trem cai na água. Não anda, não anda. Esse filme não tem
roteiro, sabe? Um filme que embora parado você consegue assistir pelas imagens
que são bonitas é o Nosferatu,
entendeu? Pelas imagens porque também é chato, parado. Você entende porque eu
não gosto do cinema alemão? Por conta disso. Mas você pega esses mais modernos
realmente são muito bem feitos.
VSP-
Cinema italiano você gosta mais?
TC- Gostava, gostava.
Hoje está uma droga.
VSP- Cinema francês...
TC- Não, francês eu
detesto. Só blá, blá, blá. Só que o acabamento do cinema francês era melhor que
do cinema alemão. Mas poxa, blá, blá, blá, blá, blá. Teve uma época do cinema
francês que eu assistia algumas comédias, eu gostava de algumas comédias mas
aquelas antigas da década de 1960. Só. O resto realmente que me desculpe, me
desculpe Godard com todo respeito que eu tenho. O Bajon detestava o Godard.
VSP-
Ele gostava mais de cinema clássico americano?
TC- Sim. Ele gosta muito de cinema japonês. A paixão dele era o cinema japonês.
VSP-
Ele levava você pra assistir filme junto. Dizia: “Ciambra quero essa
fotografia”. Vocês tinham esse convívio?
TC- Não. Ele mandava eu
ver tal filme. Mas os caras enxergavam chifre na cabeça de cavalo. Eu via
fotógrafo enxergar chifre de cavalo. Mas isso não é só Brasil, é geral. Nos
Estados Unidos fizeram uma exposição, uma projeção digital no cinema e chamaram
cem fotógrafos. Chamaram os cem fotógrafos mais conhecidos na sala de projeção.
Cerca de sessenta levantaram e foram embora. Quarenta começaram a torcer o
nariz, só meia dúzia começaram: “Não porque eu acho que o fixo não é exatamente
como um grão. Porque a profundidade do seu?”. Sabe? Dessas merdas que eu não
gosto, entendeu? Você acha que o público vai pedir pra parar o filme pra falar:
“Para a projeção porque eu não vi profundidade nesse plano”. Você está me
entendendo?
VSP- Dizem que filme bom é aquilo que a gente não percebe a mão do fotógrafo...
TC- Mas é lógico. Igual juiz no futebol. Juiz que aparece muito não é bom juiz. Entendeu? É isso, é isso. Você não tem que lembrar do fotógrafo, nem do diretor e nem que o cara é ator. Por isso que quando o ator é muito estigmatizado não pode colocar em determinados papéis infelizmente. Essa é a realidade. Se você colocar um cara novo ele não convence. Imagina colocar o Mazzaropi como serial killer?
VSP-
Ou em papel dramático...
TC- Ou em papel
dramático.
VSP-
A frustração do Procópio Ferreira é que ele não conseguia fazer papel
dramático. Ele só fazia comédia.
TC- Só funcionava em
comédia.
VSP-
Mas voltando: A Noite das Depravadas.
O título ferrava os filmes?
TC- Ferrava. O roteiro é bonzinho...Hoje não daria. Mas pra época era um
roteirinho bonitinho. Gostoso de assistir, daqueles que você quer ver. Não é
porque eu fiz não. Tem coisa que eu fiz com o Bajon que eu acho uma merda, você
entendeu? Era um filme bonitinho. Cidade
do Vício podia passar em dois circuitos: aqui no centro e na Paulista. Só
que Noite das Depravadas não entra na
Paulista, entendeu? Só entra aqui. Entende? Então, é questão de inteligência
sabe. Seja inteligente: faça dois cartazes. Em um primeiro com o título Cidade do Vício e embaixo Noite das Depravadas. Depois, faça outro
Noite das Depravadas, entendeu?
Inclusive fizeram isso com um filme estrangeiro. Era uma cara que estava na
guerra num submarino na Alemanha. Ele se salva e prometeu pra Deus que se
salvasse ele iria pregar a Bíblia. Lembro que esse filme foi lançado com dois
títulos. Era um filme criativo, né? As prostitutas entravam na igreja dele
porque ele deixava elas entrarem. Interessante mas o título duplo atraiu o
público, entendeu? Interessante, gostei do filme. Tanto que na época vi duas
vezes.
VSP-
Você falou do Bajon...Ele trabalhava muito com a Ivete Bonfá?
TC- Ah, ele adorava a
Ivete Bonfá. Não só ele como eu também. Só que a Ivete era muito boa
comediante, né? Sério não pode...A Ivete não era séria. Ela nem era séria na
vida real (rindo). Entendeu? Ela era
bonita, fotografava bem.
VSP-
Mas era boa atriz e imagino boa companheira de set...
TC- Um amor de pessoa,
um amor de pessoa.
VSP-
O Alfredo e o Bajon trabalhavam muito com ela. Tem um filme do Bajon em que ela
faz uma apresentadora de TV. Era uma coisa meio doída?
TC- Sim, sim.
VSP-
Fala do Atleta Sexual que é sua única
direção na época da Boca. Como surgiu a ideia desse filme?
TC- A ideia era fazer
um filme barato que chamasse a atenção na época. Atleta Sexual era uma ideia que eu sabia que somente o título ia
chamar muita gente, entendeu? Independente de quem tivesse no filme. Inclusive
não tem ninguém no filme.
VSP-
Ninguém famoso...
TC- Não tinha ninguém.
Era um filme que nem o explícito tinha...
VSP-
Sim era uma comédia, uma chanchada...
TC- Uma chanchada. A
ideia era essa: ganhar dinheiro. A gente ganhava muito dinheiro e depois fazia
outra coisa.
VSP-
Um filme mais autoral depois?
TC- Sim. A ideia era essa. Mas durante a produção do Atleta entrou uns e outros fizeram futrica. Começaram a colocar um
contra o outro, mas na verdade as futricas que fizeram, entendeu? Eu estava com
a cabeça tão ruim que a Sul me chamou que queriam que eu dirigisse o filme da
Gretchen e eu não tive coragem de falar com eles. Cara, você não sabe como eu
fiquei nessa época, eu fiquei fora de órbita. Como se eu tivesse tido uma
doença grave. É inexplicável o que eu passei. Mas enfim passou. Mas a ideia era
essa: ganhar dinheiro com um filme simples e barato.
O Atleta Sexual (1978) foi a única direção de Ciambra nos tempos da Boca. Filme apelativo visando o grande público. Acervo Cinemateca Brasileira |
VSP-
Como foi trabalhar com o Deny (Cavalcanti)?
TC- Trabalhar com ele
foi normal. Ele tinha uma figura boa, ele fotografava bem. Eu pensei: “Como
galã ele passa, não vai ter problema nenhum”.
VSP-
Um garotão...
TC- Um garotão. Como o
David Cardoso, Toni Cardi, Tony Vieira, Chico de Franco. A figura do Chico de
Franco eu considero mal comparando com aquele que você falou: o John Wayne,
sabe? Só a presença, a cara dele já funcionava.
VSP-
O Norberto Ramalho foi seu diretor de produção.
TC- Norberto, Norberto.
Exatamente que era sócio do Cavalcanti. Eu lembro direitinho.
VSP-
O Máximo (Barro) que montou.
TC- Sim.
VSP-
Você acompanhou essa parte?
TC- Sim. Cheguei e inclusive fiz a pré-montagem. A pré-montagem fui eu que fiz.
Depois levei pra ele fazer o corte final. Meu relacionamento com o Máximo foi maravilhoso.
Não tive nenhum problema.
VSP-
A ideia do filme era sua ou do Deny?
TC- Minha, minha. O
roteiro já estava pronto, era meu. Nós filmamos tudo aqui em São Paulo em
motel, casa de um, casa de outro, entendeu?
VSP-
Itapuã Cinematográfica era a empresa dele?
TC- Sim. Eu conheci o
Deny por um amigo que se dizia meu primo que não é verdade, entendeu? Foi a
maior cagada da minha vida. Se eu tivesse feito esse filme com o Chico
Cavalcanti nós estaríamos ricos. Não teria tido um atrito, entendeu?
VSP-
O engraçado é que você era fotógrafo mas o seu longa você não fotografa. Você
chamou o Eliseu (Fernandes)?
TC- Eu chamei o Eliseu
porque eu queria me concentrar só na direção. Naquela época eu ainda não estava
seguro assim. Hoje não, eu não contraria um fotógrafo. Hoje eu mesmo faria
sozinho. Eu peguei as manhas tão fácil, como eu já te falei: como a maioria não
entende porra nenhuma. Sinceramente: com a prática eu entendi que as pessoas
não entendem muito. Sabe uma pessoa que entendia muito? Era o Portioli, sabia?
Ele entendia de fotografia, o Portioli.
VSP-
Quais outros da Boca você considera bons fotógrafos? O Toninho você colocaria
nesse grupo?
TC- O Toninho Meliande
quando trabalhava com alguns diretores que exigiam ele ia bem. Mas quando ele
não trabalhava com esses diretores ele não ia bem. Talvez por preguiça não por
inabilidade, mas por preguiça. Sabe preguiça? Isso faz com que você não
capriche.
VSP-
E o Pio?
TC- O Pio era muito
bom, muito bom.
VSP-
O Henrique (Borges)...
TC- Henrique Borges? Ah,
terceiro time. Tinha também o Moreras. Moreras era do tipo, ia bem ás vezes e
ás vezes não. Depende do time de produção. Ele não era de todo ruim não.
VSP-
Reynaldo Paes de Barros você chegou a acompanhar?
TC- Ah sim. O Reynaldo era bom, muito bom.
VSP-
O elenco feminino do seu filme: Nilza Albanezi, Andrea Camargo, Novani e a
Sônia Saeg.
TC- Tudo gente
desconhecida.
VSP-
As mais famosas são a Novani e a Sônia talvez...
TC- Mas não. A Novani
foi pros Estados Unidos e ficou trinta anos lá. Ela voltou e se comunicou agora
por Internet: “Como está o cinema?”. Difícil agora. Tomara que ela consiga.
VSP-
Quais foram as maiores dificuldades na produção e na realização do Atleta?
TC- Dinheiro (risos). Foi tudo feito nas coxas, tudo
nas coxas. Tinha uma câmera, tinha um negativo ali acertadinho, entendeu? Não
podia errar, entendeu? Não podia errar (rindo).
Era quase um por um.
VSP-
Em nível de estrutura era muito abaixo dos filmes do Bajon?
TC- Nossa. Só
comparando com a maioria era bem baixo.
VSP-
Talvez dê pra comparar sei lá com a estrutura do Chico (Cavalcanti)?
TC- Do Chico quando ele
era pobre, entendeu? Na época do Chico quando ele era pobre.
VSP-
Na realidade vocês não faziam o que queriam e sim o que dava pra fazer porque
as condições eram muito adversas?
TC- Adversas. Exatamente, exatamente. Nos roubaram com negativo um fulano lá
nos vendeu negativo e não entregou. Depois teve que fazer um processo pra receber
o dinheiro de volta, está me entendendo? Essas sacanagens.
VSP-
Mas mesmo assim o filme foi muito bem de bilheteria?
TC- Porra. Deu volta no
quarteirão, deu volta no quarteirão. Se não houvesse o processo. Eu fui mal
orientado na época. O que acontece: se fosse nos Estados Unidos um processo
desses daria um puta Ibope e faria a carreira do filme. Mas como estamos no
Brasil é um país que não existe, entendeu? (risos). Ou pelo menos é um país
diferente dos outros? O Brasil é uma coisa que não dá pra entender. Uma puta
crise e todo mundo fazendo festa. Então, eu não entendo. Não só eu: os
americanos não entendem, os europeus não entendem. Ninguém entende o Brasil. O
Brasil precisa ser estudado muito a fundo. Precisa pegar alguém que queria
estudar a fundo o brasileiro porque não dá pra entender. Uma das coisas que não
dá pra entender é o meu filme. Se tivesse nos Estados Unidos quando o filme
voltasse pra praça ia quebrar o quarteirão, está me entendendo? Um blockbuster. Aqui não é o contrário.
Voltou pra praça e acabou.
VSP-
O Atleta foi lançado em qual cinema?
TC- No Cine Windsor.
VSP-
Qual sua avaliação do filme hoje?
TC- Hoje eu acho o
filme uma merda (risos). Não sei como
eu fiz, não quero que ninguém veja. Entendeu? Depois mexeram e não era mais
sobre minha direção. Inclusive eu não queria assinar o filme. Queria assinar
como J de Couves. Mas como houve o processo. Teve alguns filmes que eu fiz e
não quero falar sobre isso que eu assinei J de Couves que eu não queria
assinar. Se você por acaso ver...espero que não. Espero que esses filmes já
tenham virado vassoura (risos). Eu ia
assinar assim. Mas como houve o processo exigiram que tivesse meu nome ali,
entendeu? Senão, eu não ia assinar. Era um filme só pra fazer dinheiro.
VSP-
Mas pelo que você está me dizendo você fez um projeto comercial pra ganhar
dinheiro e depois fazer algo mais autoral?
TC- Mais autoral.
Exatamente. Talvez tenha sido terminar Um
Só na Multidão ou outra coisa. Porque aquele meu filme depois de tantos
anos: a atriz morreu, o cara ficou velho e perdeu um olho inclusive no filme do
Rossi. Eu ia pegar ele velho e aquilo ia ser tudo em flashback no preto-e-branco.
Ia depois filmar algumas coisas novas em colorido. Ia ficar bom, interessante.
A minha ideia era essa. Mas como o cara me perdeu o filme e ninguém acha.
VSP-
Você fez mais dois filmes com o Bajon: Loucuras
Sexuais...
TC- Isso. O Loucuras...São aqueles filmes normais do
Bajon. Nem me lembro como era.
O assistente de câmera Dionísio Tardoque e o diretor de fotografia Tony Ciambra. Acervo pessoal de Virgílio Roveda, o Gaúcho |
VSP-
Tem um que foi muito elogiado na época e que você recebeu prêmio foi o Fantasias Sexuais. O que tem esse filme
de especial?
TC- São três histórias,
entendeu? E os três roteirinhos são bons, muito bons. Inclusive tem uma cena lá
que foi comparada ao Cafajestes (do Ruy Guerra). Aí eu filmei o cara
vindo em cima de mim assim com o carro e filmei o pneu assim. O Bajon: “Você
filmou isso?”. “Filmei”. “Nossa”. Filmei isso de cabeça pra baixo arriscando a
minha vida e o cara dirigindo o jipe no meio da praia. O (Rubem) Biáfora comparou a cena dos Cafajestes. Não foi tão boa porque a gente não tinha produção pra
isso, você está me entendendo? Mas ele comparou a esse filme.
VSP-
O Fantasias tem um episódio em que a
Rossana Ghessa se veste de abelha?
TC- Isso, exatamente.
Eu falei pra ele: “Coloca o nome do filme de Mulher Abelha”. Não tinha O
Beijo da Mulher Aranha? Eu disse pro Bajon: “Coloca Mulher Abelha, vai na cola e coloca Mulher Abelha”. Não, colocaram Fantasias
Sexuais. Um título que não significa nada, né?
VSP-
É mais um título de filme da Boca...
TC- Agora: Mulher Abelha. Todo mundo iria querer
saber que raio de Mulher Abelha é
essa? Entendeu? Que mulher é essa?
VSP-
Você acredita que o Fantasias seja um
bom filme?
TC- Eu acredito que o Fantasias em relação aos filmes do Bajon
seja o segundo melhor. O melhor é o Noite
das Depravadas.
VSP-
Em termos de roteiro te agrada?
TC- Pra época? Muito bom, muito bom. Se você pegar aquelas historinhas e
remodelar hoje elas funcionariam até hoje.
VSP-
Fala do prêmio da APCA que você recebeu por este trabalho.
TC- Primeiro eu fui
indicado pelo Noite das Depravadas.
Fui indicado e perdi para o Eu te Amo
do Rio de Janeiro por um voto. Eu até sei quem foi que votou contra. Foi o
Spiewak (risos). Depois me indicaram
de novo e eu ganhei, entendeu?
VSP- O que representou na sua carreira isso?
TC- Nada, nada.
Absolutamente nada.
VSP-
Não te melhorou nada? Não te acrescentou nada?
TC- Nada, nada, nada.
Como senão tivesse acontecido nada. Aqui no Brasil não levam...Na época era
considerado o Oscar brasileiro, né?
VSP-
Sim. E era difícil filme comercial, filme da Boca ser indicado imagina ganhar.
TC- Exatamente. Um
milagre. E eu não fazia parte de nenhum lobby.
Porque se eu fizesse parte de qualquer lobby
igual a maioria dos prêmios por aí. Agora até o prêmio Nobel tem lobby. O próprio Obama quando ganhou o
prêmio da paz falou: “Mas eu acabei de entrar e já me deram um Nobel da paz”.
Acho que estão distribuindo Nobel, acho que estão vendendo Nobel. Não é como
antigamente que prêmio Nobel pra você ganhar era complicado. Hoje qualquer um
ganha. Bom, prêmio sempre foi lobby.
Mesmo o Oscar que é muito bem feito é lobby.
Não pensa você que vai fazer um filme e vai ganhar pelo filme que você fez. Não
vai. Se você não conhecer as pessoas certas você não vai ganhar nada. Então, eu
que não tinha lobby nenhum de repente
me deram um prêmio.
VSP-
Ser fotógrafo fixo do Bajon foi algo que provocou ciúmes nas pessoas?
TC- Provocou, provocou. No quinto ou sexto filme já tentaram me derrubar. Tinham
dois produtores lá que não só tentaram me jogar fora como no último filme
fizeram isso daí também. Tem um detalhe também aí que não quero contar muito a respeito.
É sobre uma pessoa que eu ajudei e depois me deu pra trás.
VSP- Os equipamentos que o Bajon usava eram diferentes dos outros diretores da
Boca?
TC- Nada. Inclusive
quando o Moreras foi lá trabalhar ele me disse: “Escuta aqui, vem cá: você trabalhou
com aquela câmera lá”. Eu falei: “Trabalhei”. “Então, você é gênio. Aquilo é...Sabe
o que ele falava pro Bajon: “Esse liquidificador aí. Você não tem que trocar
isso? Essa porra é um liquidificador de fazer barulho. Imagina o Moreras
tirando sarro da cara do Bajon.
VSP-
Como era frequentar os bares da Boca como o Soberano e o Ferreira?
TC- Frequentei, mas não assiduamente. Ia lá assim de vez em quando. Eu sentava
na mesa e ouvia muita bobagem, inclusive de gente que se achava gênio. Tinha
essas coisas todas. Então, eu não frequentava muito. Eu ia também no Ferreira
que ficava do outro lado da rua. Inclusive quem falou isso foi o Kopezky: “Vem
aqui que você vai conseguir trabalho”. Ele tinha razão, ele tinha toda razão, mas
eu que não ia. Isso no começo. Se eu fosse mais assíduo talvez minha razão
teria mudado um pouco, né? Só que depois eu estava na faculdade não queria
perder dias de aula.
VSP-
Você teve alguma relação com o Minami Keizi?
TC- Muito pouco. Eu só
conheci o Minami. Conversei com ele algumas vezes. Parece que ele andou
publicando algumas coisas do Bajon. Não sei bem. Mas o Minami...Aliás, se eu
soubesse eu jogaria baralho com ele. Porque jogava Minami, Tony Vieira, uma
galera grande. Se eu soubesse teria ido jogar baralho com ele, entendeu?
VSP-
Você trabalhou num filme do Diogo Angélica...
TC- Diogo Angélica. Ele
por incrível que pareça era um dos produtores do Deny Cavalcanti. Então, como
que? Foi o meu sócio fez um acordo com o Diogo. Não sei o que eles iam dar em
troca, mas decidimos fazer. Aliás, tirando alguns detalhezinhos até que a
história é interessantizinha que é de um sequestro. Tem cenas bonitas inclusive
com rua com a polícia. Teve um ator que levou um tiro na perna e acusou a
polícia, né? Aí quando fomos montar na moviola vimos que ele próprio se dava o
tiro achando que isso ia ter repercussão. Eu devia ter falado pra ele: “Meu
filho você não está nos Estados Unidos está no Brasil. Se nos Estados Unidos
alguém leva um tiro de verdade o cara fica famoso do dia pra noite. Aqui no
Brasil ninguém. O máximo que vão dizer é ‘Coitado: Jesus vai te ajudar’”
(risos).
VSP-
O Diogo sabia? Era bom diretor? Esforçado pelo menos?
TC- Não vou dizer que
ele não sabia. Mas era....Vamos dizer assim, no nível geral ali. Inclusive eu
fiz filme com o (José) Vedovato. Foi
através do Vedovato que eu conheci o Diogo. Ele era produtor do filme do
Vedovato.
VSP-
É verdade...Você trabalhou nas Pipas,
certo?
TC- Sim.
VSP- Que foi uma produção doída...
TC- Doída. Completamente doída. O título era: Vem que a Pipa Já Subiu. A Censura na época não deixou.
VSP-
Foi um filme bem tumultuado.
TC- Bem tumultuado, bem
tumultuado.
VSP-
Mas foi bem de bilheteria esse filme?
TC- Se pagou.
VSP-
Transa Brutal também?
TC- Se pagou.
Ciambra fotografando Transa Brutal de Diogo Angélica. Acervo pessoal de Virgílio Roveda, o Gaúcho |
VSP-
Era com o Geraldo Meirelles (empresário
de música sertaneja)?
TC- Geraldo Meirelles. Conheci toda aquela capiriada lá, inclusive era com as
Irmãs Galvão. Eram exatamente como são hoje. Não mudaram nada.
VSP-
Mas foi um trabalho legal?
TC- Foi legal, foi legal. Tem umas cenas com o Alcaíabe. O Alcaíabe parece que
ganhou prêmio APCA com esse filme.
VSP-
O título original era O Fim da Picada,
mas foi lançado como Transa Brutal.
Várias locações?
TC- Várias, várias. Goiânia...Inclusive a Dalileia Ayala foi porque a família
dela era de Goiânia. Nós fomos de ônibus juntos pra lá. Fui no ônibus sentado
do lado da Daliléia Ayala. Foi interessante. Foi muito legal fazer o filme. O
único problema é que no final das contas aquele acordo que tinham tido com meu
sócio eu acabei não ganhando nada por fazer a fotografia. Igual ao Três Boiadeiros.
VSP-
Você entrou de sócio e se lascou?
TC- Exatamente.
Lançamento de Massagem For Men no Cine Marabá, centro de São Paulo. Acervo pessoal de José Adalto Cardoso |
VSP- Falando do Massagem. Você gostou de trabalhar com o Adalto?
TC- Como te falei:
inclusive o roteirinho é interessante. Nossa, adorei fazer esse filme, adorei
fazer esse filme. A gente fez inclusive em São Joaquim da Barra (interior de
São Paulo).
VSP-
O Luiz Carlos Braga era bom ator? Ele trabalha nesse filme.
TC- Trabalha. Muito
bom, muito legal. Com os atores dificilmente eu tinha qualquer atrito. O único
que eu tive algum atrito foi com o Chico de Franco que era meu ídolo e de
repente nós tivemos um entrevero. Fui defender o pessoal da Boca. Mas depois
ficamos amigos de novo. Até tirei uma foto com ele um pouquinho antes dele
morrer.
VSP-
O Massagem teve boa bilheteria?
TC- Sim.
Ciambra montando equipamento de fotografia em Massagem For Men de José Adalto Cardoso |
VSP-
Você depois trabalhou no Anúncio de
Jornal. Foi legal trabalhar com o Gonzaga?
TC- Foi, foi. O que eu não gosto do Anúncio
é o roteiro. Sabe? Um roteiro vamos dizer assim blá, blá, blônico. Porque a
ideia não é ruim, a ideia é muito boa: o patrão que pega a secretária,
entendeu? A ideia é interessante. Tem até o Dilin um anão que trabalha. Um ator
muito bom, muito bom. O Paulo Leite faz o papel principal. O Paulo Leite era
bonitão, né? Era um puta de um galã, não era mau autor.
VSP-
Eliana do Vale.
TC- Eliana do Vale.
Entendeu?
VSP-
E o Gonzaga era uma pessoa tranquila?
TC- Tranquilo. Não tinha...Tem uma passagem muito interessante. A gente foi
filmar na praça da República e ele: “Mas é o seguinte: na moita. Vocês vão
chegar lá todo mundo na moita”. Ficou todo mundo quieto. De repente quando ele
percebeu que tinha muita gente olhando ele resolveu dar uma de diretor: “Põe a
câmera ali. Agora você vem pra cá. Prestem atenção”. Ele fez um monte de tarefa
querendo mostrar que ele era diretor de cinema (risos).
VSP-
Vocês filmam no estádio do Morumbi...
TC- Sim, sim.
VSP-
Umas coisas meio do Gonzaga. A primeira esposa do cara é uma personagem de
tragédia grega.
TC- Não me lembro bem.
Mas era algo assim.
VSP- E a Júlia Graciela?
TC- Nossa, um anjo de
pessoa. Um anjo, uma pessoa boníssima. E ela era famosa na época. Júlia
Graciela na época ganhava dinheiro, hein? Ela falou que ela foi cantar em Serra
Pelada que o pessoal jogava pepita de ouro no palco.
VSP-
O Gonzaga diz que ele errou de ter feito mais sensualidade nela, o filme foi
lançado na época do explícito.
TC- Falaram pra ele que lançariam se ele enxertasse explícito. Ele não
aceitou...Tinha cena de sexo com a Eliana. Enxertava lá, entendeu? Sabe?
VSP-
Aí o filme se pagava.
TC- Ah, se pagava.
VSP-
Porque o filme foi um fracasso, certo?
TC- Um fracasso. Não, o filme nem foi lançado direito. Entrou no Olido e nem
sei se passou em outro cinema.
VSP- E filmar aquela cena em que o
personagem se joga do viaduto do Chá foi difícil?
TC- Não. Ele não sabia
como fazer. Foi relativamente fácil. Depois, o Paulo também era meio atleta. Eu
enquadrei de um jeito que parece que ele estava no meio, mas não. Ele estava na
beirada. Então, ele pulou na beirada, entendeu? Inclusive aquele negócio dos
garis foi ideia minha. Dos garis varrendo no meio da madrugada porra com o
relógio. Aquilo é meu, entendeu? A flauta, coloquei o cara com a flauta, sabe?
Ele botou o cara com a flauta e não sabia o que fazer.
VSP-
O Gonzaga me contou que nessa cena teria o Dilin. Mas ele não apareceu nas
filmagens deu um cano e fez meio improvisado.
TC- Verdade. O Dilin não
apareceu. Não sei se foi por causa de bebedeira. Não lembro o motivo.
VSP-
O Gonzaga era bom diretor pro nível da Boca?
TC- Era bom diretor se
ele não tivesse tido mais...Acho que o problema do Gonzaga foi que ele não
soube se relacionar. Muito blá, blá, blá. Porque cinema não adianta você ficar
falando com a pessoa que sabe? Igual alguns lá. Você ouvindo o cara falar dá um
puta filme. A hora em que você vai ver o filme que o cara fez? Está me
entendendo? Eu gosto do contrário: “Que droga”. Aí vai ver o filme do cara e é
o contrário, entendeu? Tinha uns caras assim. E o Gonzaga acho que ele
desagradou pessoas. Ele tem um problema parecido com o meu e hoje ele está cada
vez pior (risos).
Tony de Sousa, Tony Ciambra e o assistente de câmera Amauri Fonseca. Acervo de Fábio Vellozo |
VSP-
E o Avesso do Avesso do Tony de Sousa?
TC- Avesso do Avesso foi feito nas
coxas com uma câmera dezesseis milímetros. Era uma câmera que eu e o meu sócio
tínhamos. Depois usamos uma câmera que emprestaram. Depois ele entrou em acordo
com Gramado e entraria como média não como longa. Aí entrou como média-metragem
só pra participar do festival. Na verdade foi pra fazer escada pros outros
porque não era uma história de média. Média é documentário.
VSP-
É um filme autoral...
TC- Autoral, autoral.
Tem umas cenas boas, plasticamente muito boa. Mas ele parece aqueles filmes
franceses, aqueles filmes franceses chatos. Deu pra entender? Típico filme
francês chato (risos).
VSP-
O Tony foi um cara legal de trabalhar?
TC- Nada contra. Ele é legal. Nós também fizemos juntos um curta-metragem
chamado Estações. Já ouviu falar? Ele
foi recordista de bilheteria. Ele era tão bem feitinho que o Rubens Ewald Filho
elogiou pra caramba e todo mundo queria porque era o curta do Ghandi. Onde o Ghandi passava ele ia atrás. E nós fizemos isso com ponta de filme.
A gente pegava ponta de filme...Ele comprava ponta do Fauzi. Ponta de sabe do
que? Cinco metros. Cinco metros sabe quanto dá? Dez segundos. Então, o que acontece:
a ponta maior que a gente tinha era de sessenta metros. Sessenta metros sabe
quanto dá? Dez segundos. Meio metro é um segundo.
VSP- Você gosta mais do Quatro Estações
do que do Avesso do Avesso?
TC- Eu gosto mais do Estações. Muito superior como filme.
Muito interessante. Parte foi filmado em Campinas, entendeu? A ideia era boa.
Filmamos numa neblina em Rio Grande da Serra. Aí veio o trem, ninguém ia sair
do trem pra pagar o maquinista voltou com o trem e voltou. Aí entra a
plaquinha: “Inverno”. Nisso, tem o trem saindo da neblina. Coisa linda. O filme
é bonitinho, mas ele perdeu o filme. Ele vendeu pra Sul, pra Serrador e deu o
negativo também. Depois nunca mais achou. Naquela época, você sabe.
VSP-
Tony: você trabalhou em diversos filmes. Muitos com orçamentos diferentes dos
outros. Qual é o ingrediente fundamental que faz um filme ser bom?
TC- Cinema não tem
muito segredo. Tem uma coisa muito séria que é roteiro. O resto é executar.
Sabe o que eu falava na época da Boca: o filme termina na máquina de escrever.
Depois é só executar. Se na máquina de escrever quando você escreveu “Fim”,
antes de escrever “Fim” apareceu uma droga não adianta que você não conserta.
Entendeu? E o pessoal não me escutava.
VSP-
Você trabalhou na época da Boca em que os filmes se pagavam e uma hora chegou o
explícito. Como aconteceu?
TC- Eu era completamente contra o explícito. Eu fui o cara que falei: “Isso vai
matar o cinema”. Fui o primeiro e talvez o único a falar isso: “Isso vai matar
o cinema. Estão acabando de enterrar o cinema da Boca. Estão acabando de
enterrar o cinema nacional”. E eu brigava com o pessoal, sabe? Mas o pessoal
não queria aceitar, entendeu? Como o (Raffaele)
Rossi: o que ele fez com o dinheiro?
VSP-
Investiu no time de futebol.
TC- Investiu num time e
contratou inclusive um dos melhores jogadores do Mundo que era do Palmeiras.
Ele contratou o melhor jogador do Brasil de futebol de salão. Antes de ganhar
dinheiro eu cheguei a ser técnico do time dele de futebol de salão.
VSP-
Sério?
TC- Sim. Foi por cinco ou seis partidas. Depois uma vez tirei ele fora, o Rossi
também jogava futebol. Tirei ele. Aí nós brigamos e eu não apareci mais pra
jogar. Tinha gente que chegava em mim como o Mário (Lúcio, maquiador): “Você fala pra eu ficar aqui mas eu venho aqui
pra me divertir”. Ah veio aqui pra se divertir? Então, vai fazer outra coisa
pô. “Ou veio jogar de futebol de salão ou veio se divertir. Quer se divertir
fica na sua casa. Pega quatro ou cinco e faz uma pelada na sua casa”. Porra
bicho, você tem um time: tem camisa, tem calção, tem tênis pra você se
divertir? Porra, jogar bola não é só se divertir. Jogar bola é você saber a sua
posição. Quer saber uma coisa: quantas vezes você acha que um jogador pega na
bola em noventa minutos?
VSP-
Não sei. Depende.
TC- Faz a média, faz a
conta. São noventa minutos e vinte e dois jogadores. Noventa por vinte e
dois...No máximo um minuto. A maior parte do tempo você está atrás da bola,
está me entendendo? Então, meu você vai jogar futebol de salão pra se divertir?
Então, não venha, vai pra outro lugar. Sei lá. Entendeu? São essas coisas que
eu enfrentava as pessoas: “Porra meu? Então, estou aqui de palhaço”. Eu estava
de palhaço, fazendo um trabalho e as pessoas se divertindo. Tinha o Fayon,
lembra do Fayon? Um ator. Ele jogava bem, falava pra ele: “Fayon, você quer
bater lateral e cabecear lá na frente? Porra. Não quero que você bata lateral,
você é pra cabecear. Não bata. Quero que outro cobre a lateral”. Ele ia lá e
cobria a lateral: “Fayon não é pra você cobrar lateral. Eu não quero. Eu quero
que um cara da defesa cobre lateral”. Porra, cobrar lateral e ainda dar cabeçada.
VSP-
O que a Boca significou na tua vida? E no cinema brasileiro?
TC- Então, significou o
seguinte: eu acho que fui um fracasso. Eu podia ter sido melhor, conseguido
mais coisas. Não ser melhor, mas conseguido mais coisas. Isso de ser o melhor,
o bom é relativo, entendeu? Poderia ter conseguido mais coisas se politicamente
eu tivesse feito mais coisas. Eu era péssimo politicamente. Veja a grande
verdade é a seguinte: eu estava com a vida ganha. É o que eu falo com o Valdir
(Baptista, cineasta e professor): “Se
eu fosse pobre hoje eu estaria milionário”. Porque eu teria me sujeitado a uma
série de coisas que eu não me sujeitei, entendeu? Eu conheço muita gente que
era pobre e depois ficou rico.
VSP-
Como o Rossi. Um exemplo que você deu. Depois perdeu...
TC- Exatamente. Depois
ele jogou fora. Você jogar fora dinheiro num time de futebol...Cada um é cada
um, né? Cada um...A gente não pode julgar porque cada um tem a sua cabeça.
Porra, mas o que tem uma coisa haver com a outra? Sabe? Se ele tivesse investido
dinheiro no Palmeiras: “Não, eu estou investindo no Palmeiras”. Como o Kalunga
investiu no Corinthians, sabe? Ganhou dinheiro e colocou Kalunga na camisa até
eu entendo, né? Põe na camisa do Palmeiras eu entendia se ele jogasse dinheiro
no Palmeiras. É o teu time, você gosta do seu time, legal. Mas você formar um
time de futebol de salão tem um custo altíssimo. Não é qualquer um que sustenta
isso. Doideira, conclusão: se perdeu tudo não sei se ele perdeu tudo. Mas porra
meu, faz um filme que preste. Se não sabe fazer contrata alguém, né? Se você
não vai ficar conhecido como diretor fica como produtor. É simples o problema.
Mas enfim...Cada um tem a sua.
VSP-
Você defende que o Cláudio Portioli foi o grande fotógrafo da época?
TC- Sim. Ele sabia muito.
VSP-
Ele fazia luz recortada?
TC- Ele conhecia
contraluz, ele conhecia efeitos, ele não se preocupava com a sombra. Tudo isso
sem grandes equipamentos.
VSP-
E o Carcaça, Osvaldo de Oliveira?
TC- Opa, Osvaldo de
Oliveira me ensinou muita coisa. Porra, Osvaldo de Oliveira era muito bom. Tem
alguns que ficaram famosos que não tinha nada haver. Tem cena de filme que ele
fez que aparece o refletor e denuncia o refletor. Não pode. Você pode fazer
tudo, menos aparecer o refletor. Sabe quando um cara aparece na frente do outro
de maneira inteira recortada bem no outro ator. Não pode, tem que saber
iluminar. Ao menos se tivesse uma explicação: no meio da madrugada e só uma
luz. Essa luz justifica essa sombra, está me entendendo? Não que não deve ter
sombra. A sombra pode existir mais justificada. Você tem sombra mas
justificada. Eu não vou tirar.
VSP-
Desses fotógrafos do Cinema Novo ou do Rio tem algum que você admirava o
trabalho?
TC- Um que eu vi em
Gramado que ganhou...Não lembro o nome. Mas no Rio tinha caras muito bons. No
Rio...Eu ainda acho que o melhor filme brasileiro até hoje é Assalto ao Trem Pagador, né? Ainda acho.
VSP-
O fotógrafo desse filme é o Amleto Daisse que era fotógrafo das chanchadas.
TC- Um belo filme. Acho
que o outro é o Floradas na Serra, eu
acho sensacional esse filme. Eu assisti outro dia, um ano atrás e o filme
passa. Ele passa. Pode ser modernizado, mas ele passa normal.
VSP-
Deus e o Diabo, essas coisas você não
gosta muito?
TC- Não.
VSP- Os filmes do Khouri?
TC- É cópia de um cara
que eu não gosto que é o Antonioni. Que eu acho chato pra caralho, entendeu? Eu
gosto de cinema, cinemão. Eu quero sonhar com o cinema, sonhar, embarcar no
filme. Não quero ficar discutindo como ele enquadrou, como outro falou, isso não
interessa bicho. O Antonioni tinha uma vantagem sobre o Khouri que ele era um baita
de um diretor de atores. Então, invés dele dirigir ele devia dirigir os atores,
ser um preparador de atores. Mas não dirigir filme.
VSP-
Mas o Khouri tinha influência do Antonioni e do Bergman também.
TC- Sim. Ele copiava os
dois.
VSP- Mas você não gosta do Khouri nada? Nunca te impressionou?
TC- Não, não. Nada.
VSP-
É interessante porque você gosta do Biáfora e não do Khouri. E eles eram muito
próximos.
TC- É que o Biáfora
tinha isso. O Biáfora ouvia, outro ouvia do Biáfora. O Biáfora e o Khouri
moravam no mesmo prédio. Inclusive eu conheci o apartamento dos dois porque nos
Três Boiadeiros a gente usou a câmera
do Khouri.
VSP-
O que você acha que a Boca significou no cinema brasileiro?
TC- Ela poderia ter significado mais. Ela poderia ter durado mais. Eu acho que
foi uma grande sacada. Apesar dos filmes ruins que se faziam ali...A gente tem
que falar a verdade. Ali conseguiu atrair um pouco o público, um público que
foi perdido com o Cinema Novo, né? O Cinema Novo de certa maneira afastou o
público. Porque eu quando era criança queria assistir Oscarito, essas caras e o
cinema não tinha lugar pra sentar. Não tinha lugar pra sentar no cinema. E uma
das coisas que era importante que eu descobri depois é que o pessoal ia
assistir cinema nacional porque não precisava ler.
VSP-
Sim. Porque na época os filmes estrangeiros não eram dublados, eram legendados
e muita gente acabava vendo filme brasileiro.
TC- Por isso eu digo
que os filmes cariocas da Cinédia, Atlântida eram bons, eram muito bem-feitos.
Você assistia, por exemplo, um filme com o Oscarito e o Grande Othelo era uma
delícia. Me desculpe, mas era uma delícia. Eu não vou assistir o Khouri,
desculpe. Eu vou assistir eles? Se tem um filme com o Khouri e outro com eles
eu prefiro eles, desculpa.
VSP-
Você acha que o cinema tem que ser industrial?
TC- Não é que tem que ser industrial. Ele tem que te agradar. Não importa se é
industrial ou não. O cinema italiano fez muito filme com pouco dinheiro e fez
bem. Por exemplo: você pega O Ladrão de
Bicicletas, né? Poderia ser considerado um filme chato e não é. É um filme
maravilhoso de assistir, eu mostrava pros meus alunos, entendeu? Você assiste
aquilo e fica preso naquilo. E a diversão do moleque? Como ele dirigiu aquele
menino?
VSP-
Sim. E tudo sem grana nenhuma.
TC- Sem grana nenhuma.
De Sicca...Esse negócio de grana não significa nada. Mesmo um filme dele
chamado Umberto D que segundo o
Valdir (Baptista, cineasta e professor)
é melhor que o outro. Eu não acho. Acho o Ladrão
de Bicicletas superior. Mas o Umberto
D também é muito bom com o Totó. Entendeu? Os dois são sensacionais. O De
Sicca sabia fazer cinema, sabia fazer cinema, entendeu? Coisa que os diretores
de hoje. Porque você teve uma gama de diretores na Itália. Por exemplo, sempre
falo que dos chatos eu gosto do Fellini e só, entendeu? O Fellini tem coisas
fantásticas. Até Julieta dos Espíritos
eu acho sensacional, A Estrada acho
maravilhoso, tem coisas maravilhosas. Roma,
Amarcord também um belo filme. A Doce Vida envelheceu, envelheceu. Não
é um mau filme, mas envelheceu. Mas enfim, ele tem coisas boas. Monicelli tem
coisas boas.
VSP-
Scola?
TC- Scola...Eu gosto mais do Scola que dos chatos. Scola é muito quadrado,
quadradinho, mas ele sabia fazer. Ele sabia fazer. Por exemplo: Feios, Sujos e Malvados é divertido,
entendeu? Então, o Scola tem esse problema. Vamos chamar de acadêmico demais.
Mas ele sabia fazer, sabia fazer.
VSP-
Você acha que existia muito preconceito contra quem trabalhou na Boca?
TC- Na época existia. Agora virou cult.
VSP-
Dos que foram seus assistentes de câmera. Você trabalhou com o Amauri
Fonseca...
TC- Hideo Nakayama.
VSP-
Alcides Caversan também
TC- Alcides Caversan.
VSP-
Edson Anich, o Alemão.
TC- Eu que ensinei ele.
Ele não sabia nada, foi o assistente mais novo do Brasil. Tinha dezessete anos.
VSP-
Com o Gyula (Kolosvari) você não
chegou a trabalhar?
TC- Não. Só agora fizemos algum trabalhinho.
VSP-
Você acha que o melhor foi com o Tardoque?
TC- O Tardoque era confiável. Era sensacional. Não que o Hideo fosse ruim, o
Hideo também era bom, entendeu? O Hideo era muito bom. Mas o Tardoque tinha um
olho que era impressionante.
VSP-
Que legado que você e a Boca deixam pro cinema brasileiro?
TC- Eu não sei se deixo
alguma coisa. O futuro que vai dizer. Talvez no livro, essas coisas. A Boca vai
deixar aquelas pseudosaudade que as pessoas vão ter de dizer: “Olha, fizeram
cinema desse jeito”. Que se fazia sem dinheiro. Porque agora estão fazendo com
dinheiro e estão fazendo merda, né? Isso que é pior, entendeu? Você fazer merda
com cem mil dólares é uma coisa. Você fazer merda com cem milhões de reais é
outra coisa, certo? Não tem perdão.
VSP-
Por exemplo: O Atleta Sexual. De
quanto era o orçamento? Você tem ideia?
TC- Ah vou te falar...Cinquenta
mil dólares. Dá pra hoje 150 mil reais. Mal dava pra pagar o negativo,
entendeu? Depois tem outras despesas. Nós estamos falando da produção.
VSP-
Você tem projeto de longa?
TC- Projeto a gente
sempre tem enquanto viver. Agora eu estou apelando pra animação. Não sei se vou
conseguir, gastei uma grana numa mesa. Paguei um valor alto. É difícil mexer
com animação e não sei se vai dar certo, mas pelo menos vou me divertir. Pelo
menos cumpri com a minha. Eu fiz curso de 3D a alguns anos, já faz tempo. Só
que eu pensei que sozinho conseguia trabalhar. Mas não dá. Um tem que fazer os
bonecos, outro tem fazer isso, outro tem que animar. Hoje eu saberia animar
tendo os bonecos prontos mas não dá, não dá pra trabalhar sozinho.
Tony Ciambra e este escriba em 2017. Foto: Sônia Silva |
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