terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Homenagem a Rolando Boldrin: Boldrin early years, parte III: Primeiro ofício e ida à Capital

            Capítulo III: Primeiro ofício e ida à Capital

 


Por Willian Corrêa e Ricardo Taira

 

O tempo foi passando. Leili ainda demoraria a tomar rumo na vida, como diziam. Aos 14 anos, afastado da carreira artística, chegara a hora de Rolando aprender um ofício. O pai o levou para a oficina para que aprendesse mecânica de automóveis. Eram em sua maioria caminhões, camionetes e até alguns tratores usados no campo. Rolando passava o dia com o pai cuidando do trator com as ferramentas e atento às explicações sobre o funcionamento do motor, do freio, da embreagem – temas que, pela própria falta de interesse, eram de difícil entendimento. Por ser ainda franzino, o pai não permitia que ele se arriscasse com as peças mais pesadas. Pedia para que ele se afastasse quando iam usar a roldana e as correntes para erguer um motor que precisasse de retífica. A falta de entusiasmo no trabalho na oficina foi logo percebida pelo pai. Mas no início, seu Amadeu não quis dar braço a torcer e insistiu para ver se o garoto pegava gosto por aquele tipo de trabalho.

Mesmo sem trabalhar pesado, Rolando sempre voltava para casa com o rosto cheio de graxa. Na realidade, ele mesmo se sujava para dar a impressão de ter tido um dia exaustivo. A mãe, penalizada, lhe enchia o prato de comida. Não só o dele, também dos outros irmãos, que ajudavam a manter o sustento da família.

Por fim, percebeu que como mecânico não dava mesmo muito certo. A saída foi escolher outra função, e Boldrin disse ao pai que gostaria de ser sapateiro. Foi aprender a profissão que se popularizava com a instalação de fábricas de calçados na região. Aprendeu a fazer sapatos e sandálias e foi trabalhar na fábrica do empresário Chiquinho Mauad, o mesmo da família proprietária da emissora ZYK-4. Um calçado muito procurado na época era  sandália de tiras, batizada de Chiquita bacana, em alusão ao grande sucesso cantado por Carmen Miranda. Boldrin fazia seis pares por dia dessa sandália, para serem vendidos no comércio local e de outras cidades. Ganhou algum dinheiro e se tornou um sapateiro eficiente e rápido. Assim, começou a ser chamado para trabalhar em outras indústrias. Passou um bom tempo exercendo o ofício de sapateiro, mas ainda era o garoto da música, dos causos e das brincadeiras que então estava no chão da fábrica.

Aos 16 anos, em 1952, a inquietude juvenil começava a provocar insônia. Achava-se maduro demais para ainda permanecer sob a tutela dos pais e tinha planos de trocar a boa e pacata cidadezinha de São Joaquim da Barra pela capital. Combinou com dois amigos de arranjar o dinheiro para fazer a viagem de trem ao custo de 98 mil réis só de passagem. Os amigos tinham o suficiente para a jornada e ele se viu obrigado a agir rapidamente. Pegou o violão que o parceiro Formiga havia aposentado e vendeu por 100 mil réis ao alfaiate Chiquinho Cesário, um conhecido boêmio de São Joaquim. Á noite, durante o jantar comunicou á família a viagem que faria em busca de emprego na Capital. O pai ficou orgulhoso e perguntou como seriam cobertas as despesas. Boldrin contou que havia vendido o violão para comprar as passagens e levou um susto ao ver o pai socar a mesa e fazer os pratos pularem, provocando uma sinfonia desafinada do atrito entre talheres e vidros.

- O que você fez?  – questionou seu Amadeu, ainda incrédulo.

- Vendi.

- Pois vamos buscar de volta esse violão.

E assim foi. Com a comida ainda no prato, seu Amadeu levantou-se da mesa e nem precisou pediu ao filho que fizesse o mesmo. Bastou um olhar para que todos se calassem e Rolando seguisse os passos do velho mecânico. Praticamente não houve diálogo com o alfaiate. Apenas uma ordem.

- Devolve o violão do meu filho. Tome aqui o seu dinheiro.

Na volta para casa, silêncio. Rolando sentiu como se tivesse tomado a atitude mais errada na vida. Afinal, um presente de pai não se desfaz dessa forma, mesmo que tenha sido para o irmão, que nãos e interessava mais pelo instrumento. Foi mais uma noite insone. No dia seguinte, para a sua surpresa, o pai o chamou e, com a voz pausada e calma, perguntou se poderia pagar a passagem para o filho viajar a capital. Boldrin, ainda um tanto envergonhado, aceitou e agradeceu. Seu Amadeu passou a mão sobre a cabeça do filho.

- Tome cuidado naquela cidade, caboclinho, e tenha juízo.

O desejo de vender um instrumento musical tinha uma explicação. Viver de música não era o único objetivo de Boldrin, que também tentaria a carreira de ator. Fazer rádio-teatro, cinema e, quem sabe, televisão, a nova mídia inaugurada havia dois anos e que era tema de conversas em todos os lugares. Como ator, um dos nomes mais importantes daquele período era Procópio Ferreira, o carioca baixinho, sem cara de galã, “deficiências” compensadas por um enorme talento. Ele havia acabado de lançar no cinema, mais um sucesso, O comprador de fazendas, baseado em um conto de Monteiro Lobato. As músicas da trilha sonora eram de Hervê Cordovil e Luiz Gonzaga. Procópio fazia o tipo malandro elegante que aplicava golpes em fazendeiros com dificuldades financeiras se propondo a comprar as terras.

Nem precisaria tanto, santa pretensão se comparar a Procópio Ferreira; bastaria ser reconhecido como um ator competente. Foi pensando dessa forma que Boldrin se juntou aos amigos Odair e Pedro para fazer a viagem. Pearam o trem da Rede Mogiana, que nascia em Araguari, passando por Uberlândia, Minas Gerais, e parava nas estações vizinhas como Orlândia. Os vagarosos deslocamentos entre as estações somaram dez horas até a cidade de Campinas, onde era feita a baldeação para os trens da linha Sorocabana com destino à capital. Mais algum tempo e os três estavam desembarcando na Estação da Luz.

Que mundão, imaginaram os rapazes ao observarem tamanha multidão caminhando apressadamente na cidade cheia de prédios, avenidas largas e barulhentas. Um cheiro estranho no ar, incômodo, uma mistura de óleo diesel, querosene, cigarro, urina, tudo ao mesmo tempo. Era um dia de sol, bonito, um convite a um passeio pelos pontos turísticos: as praças da República e da Sé, o Largo do Paissandu, o viaduto Santa Ifigênia, os cinemas com painéis de fotos dos filmes em cartaz; os bondes, os ônibus, os carros. Vivenciar a cidade com os olhos de turista foi muito bom. A realidade começou a atrapalhar quando bateu a fome, fome de quem viajou durante horas, de quem andou pela metrópole por um bom período sob o sol, fome e sede dos que estavam ali para vencer.

Boldrin ganhou 100 mil réis do pai, gastou 98 com a passagem e só sobraram 2 mil réis, que mal davam para comprar um pastel. Odair estava liso, ou seja, sem nada. Pedro Vasconcellos, o Baianinho, havia vendido a bicicleta e carregava nada menos que 700 mil réis, uma fortuna nas mãos de três jovens famintos. Foi Baianinho quem patrocinou o lanche dos amigos, não só naquele dia, mas a semana inteira. Fazia muito sucesso no centro da capital o sanduíche bauru, uma criação do restaurante Ponto Chic, no Largo do Paissandu. Rosbife, tomates, queijo, dentro de um pão francês quentinho. Comiam lanches, pelo menos um por dia, e saíam em bisca de empregos.

Na hora de dormir, outro problema. Os amigos dormiram na rua durante três dias. Boldrin se ajeitava nos degraus de uma estátua em homenagem a Ramos de Azevedo, na avenida Tiradentes, esquina com a rua São Caetano, no bairro da Luz. De manhã, cada um ia para um canto à procura de trabalho. Baianinho arranjou emprego de entregador em uma tinturaria da Santa Ifigênia; Boldrin conseguiu trabalho em uma pequena fábrica de calçados na rua Amaral Gama, em Santana, região norte da cidade; enquanto Odair, que tinha o apelido de Toddy, desistiu e voltou para São Joaquim da Barra.

Baianinho ficaria em São Paulo para sempre. Entraria para a Escola de Paraquedismo do Exército e faria carreira como paraquedista. Morreria em um acidente de carro quando já ostentava a patente de primeiro-tenente. Boldrin matinha um pé em São Paulo e outro em São Joaquim. Na fabriqueta de calçados em Santana, ficou três meses trabalhando, fazendo principalmente sandálias, as famosas Chiquita Bacana, coloridas, com encomendas a todo instante. Em 1952, a região norte de São Paulo tinha ares de interior, com a serra da Cantareira como atração turística e a linha de trem, também com o nome de Cantareira, que passava por bairros ainda em formação. Havia um hospício próximo da serra e um córrego que recebia água límpida que escorria das montanhas. Boldrin dormia na própria fabriqueta, o que possibilitava guardar quase todo salário. Quando a saudade da família apertava, voltava para casa e ficava por lá uns tempos.

No ano de 1952 quem estava novamente no poder era o presidente Getúlio Vargas, dessa vez eleito pelo voto popular. Depois da experiência da ditadura do Estado Novo, o povo trouxe o “pai dos pobres” de volta ao comando do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, então capital federal, com 48% dos votos válidos. Getúlio havia se candidato pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e tinha como vice o potiguar Café Filho. Para expressas o sentimento popular, sempre surgia uma marchinha. Tudo acabava em marchinha, e não em pizza como hoje. A marchinha “Retrato do velho” e Getúlio confessou aos mais íntimos que não gostava da música por causa do termo “velho”, que, segundo ele, tirava o dinamismo que pretendia empregar nesse novo mandato com viés desenvolvimentista. O certo é que a composição de Haroldo lobo e Marino Pinto, gravada por Francisco Alves, o rei da voz caiu no gosto de todos.

Bota o retrato do velho outra vez,

Bota no mesmo lugar.

O sorriso do velhinho

Faz a gente trabalhar.

Getúlio Vargas ainda marcaria seu segundo mandato com o slogan nacionalista “O petróleo é nosso”, pontapé inicial da Petrobras, que, ao lado das siderúrgicas, provocou a migração dos trabalhadores do campo para as cidades. O Brasil urbano se tornava mais competitivo, principalmente para jovens dos rincões do país perdidos na cidade grande.

Numa dessas viagens de São Joaquim a São Paulo, Rolando Boldrin conseguiu carona em um caminhão. Perto de Campinas, o motorista estacionou em um posto de gasolina para abastecer. Chamou Boldrin para fazer uma refeição no restaurante e tomou a iniciativa de conversar com o gerente depois de saber do vaivém do rapaz conterrâneo. Perguntou ao gerente se não teria um emprego para o jovem, que estava sem dinheiro para se virar na capital. A abordagem deu certo. Boldrin foi convidado a trabalhar como garçom e ainda ganharia um colchonete para dormir no próprio restaurante. Durante dois meses atendeu caminhoneiros e viajantes de todo o país. De mesa em mesa, equilibrando a bandeja na mão e dando orientações aos cozinheiros: “Sai mais dois pratos do dia (arroz, feijão, bife e ovo frito)” ou “Uma caninha e uma cerveja”.

Naquela época não existiam leis que proibissem a bebida em beira de estrada. A maioria dos caminhoneiros, porém, costumava dormir na boleia do caminhão após um almoço regado a cerveja e cachaça. A competitividade entre eles não era rigorosa como na atualidade e os prazos de entrega costumavam ser mais flexíveis.

Boldrin mostrava eficiência na atividade de garçom e facilidade para entreter o cliente. Conversava bastante e contava os causos da cidade onde nasceu, os anos de música da dupla Boy e Formiga e as aventuras por São Paulo. O rapaz vestia praticamente a mesma roupa todos os dias. E, nem sempre, ela estava devidamente lavada. Para evitar mal-estar entre os fregueses, o gerente tirou Boldrin do restaurante e o colocou como frentista. A vantagem é que ele ganharia um uniforme, ou melhor, um macacão manchado, típico de quem mexe com graxa e óleo de motor. Lembrava muito o passado recente na oficina mecânica do pai, onde se sujava de propósito para parecer envolvido com as tarefas. Só que no posto ele tinha que trabalhar pra valer e, além do salário, também conseguia muitas gorjetas. Ficou só mais um mês no posto e, com o dinheiro que conseguia embolsar, voltou para São Paulo.

As idades e vindas se sucederam até Boldrin completar 18 anos e se alistar no serviço militar na Quarta Região de Infantaria do Exército em Quitaúna, próximo de Osasco. Um uniforme limpo, um alojamento para dormir, quatro refeições por dia, o que mais um jovem poderia querer diante de tantas incertezas em relação ao futuro? Só não contava com a rotina estressante de um quartel. Levantar cedo, antes das cinco da manhã, correr vários quilômetros com mochila nas costas, praticar tiro ao alvo, se arrastar na lama, atravessar rios sem deixar molhar a carabina e dormir ao relento em exercícios de guerra.

Muitas amizades foram surgindo entre os jovens vestidos com o verde-oliva. Uma delas de forma inusitada. Um dia passando diante da carceragem, um dos presos por indisciplina chamou Boldrin.

- Ô meu, dá um cigarro aí. É você mesmo, dá um cigarro aí.

Boldrin ficou incomodado com aquele rosto entre as grades e comentou com os outros soldados.

- Que cara folgado, me intimidando a dar um cigarro!

- Se eu fosse você eu daria um cigarro rapidinho- disparou um dos rapazes.

- Por quê?

- Porque aquele ali é o Madureira!

Boldrin nunca ouvira falar no Madureira, mas pelo jeito dos companheiros, não seria uma atitude inteligente contrariar o preso.

- É o seguinte, não quero mais um cigarro, quero o maço inteiro. Vai passando aí essa maço senão, quando sair daqui, eu te arrebento.

O clima estava piorando e Boldrin achou por bem entregar o que o soldado exigia. Anos mais tarde, quando já estava encaminhado na carreira artística, um amigo lhe trouxe um long play de um sambista que começava a fazer sucesso. A foto trazia um cidadão de chapéu, camisa listada e batucando numa latinha de graxa. Era Germano Mathias.

- Peraí, esse cara eu conheço - disse Boldrin. – Esse tal Germano eu conheci no Exército. Lá ele era chamado de Madureira.

O tempo passou e, felizmente, Boldrin conseguiu levar Germano Mathias aos programas na televisão. E, sempre que possível, os dois se divertiam contando a história do cigarro.

O Exército ainda reservaria outras surpresas ao jovem de São Joaquim da Barra. Em uma manhã de agosto de 1954, todos foram convocados a pegar a indumentária completa da infantaria e subir nos caminhões de transporte. Os oficiais na entrada de cada alojamento reclamavam da demora.

- Rápido, rápido. Nunca vi soldados tão lerdos.

Os recrutas foram para dentro dos caminhões, ficaram sentados na carroceria como boias-frias, apreensivos e curiosos. Alguns não tiveram tempo bem de ir ao banheiro e estavam urinando nas calças. Não foi informado o trajeto e ninguém sabia o que estavam acontecendo. Os caminhões rodaram até a Zona Sul da cidade de São Paulo e entraram na rodovia Anchieta – na época, a moderna ligação entre a capital e a baixada santista. Alguns cochichavam. Diziam ter ouvido algo sobre o presidente da República. Seria um golpe? As tropas da quarta região de infantaria desembarcaram nas docas do Porto de Santos. Somente lá foram informados do suicídio do presidente Getúlio Vargas. Dera um tiro no peito e deixara uma carta testamento. “Saio da vida para entrar na história”, concluía o texto escrito de maneira firme pelo gaúcho de São Borja. O comando do governo passava para as mãos do vice, João Campos Café Filho, que completaria o mandato até novas eleições que elegeriam Juscelino Kubitscheck.

Os chefes militares temiam reações ao desfecho trágico da era Vargas com possíveis atos de sabotagem no principal porto da América do Sul, fundamental na movimentação da economia do país, com as exportações de grãos, principalmente de café. Havia ainda outro motivo de preocupação: a forte influência no sistema portuário exercido pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), a ponto de o local ser chamado de Porto Vermelho. Embora o PCB tivesse engrossado a oposição de Getúlio Vargas no auge da crise política e no dia do suicídio tivesse programado uma marcha de protesto contra o governo nas ruas da capital paulista, isso não significava adesão aos militares. Por isso, os militares não tinham segurança da complacência dos comunistas de que o momento exigia uma trégua.

Os enormes galpões serviram de dormitório para a soldadesca por vários dias. Como era costume, o dia começava com a ordem unida e depois exercícios físicos para os que não estavam de prontidão, em pé, como estátuas, guardando locais estratégicos enquanto os estivadores cuidavam de embarcar e desembarcar mercadorias dos enormes navios atracados. Á noite, a situação mudava. Muitos dos soldados saíam escondidos para frequentar a noite santista, sempre muito animada ao redor do porto. Boldrin organizava as saídas e o grupo elegia alguém para fazer o papel de batedor, ou seja, o avante da tropa encarregado de verificar se há inimigos por perto. No caso, os “inimigos” eram os oficiais que também poderiam estar no balcão de um bar relaxando após um dia cansativo. Com o sinal verde dado pelo batedor, era só entrar e se divertir.

A morte de Getúlio Vargas conturbou ainda mais o ambiente político e administrativo do país. Setores da vida nacional demoraram a se organizar e entrar nos eixos. As Forças Armadas também sentiram o baque. Como consequência, as baixas foram emitidas com atraso. Quem iria passar um ano, como Rolando Boldrin, só pôde sair depois de um ano e meio. Quando deu baixa, recebeu os documentos de reservista de primeira categoria. Tirou também uma carteira de trabalhou e ganhou o primeiro registro como empregado de armazém na zona cerealista. Pouco antes de dar baixa, Boldrin e os demais batalhões que estiveram em Santos ganharam licença de fim de semana como compensação pelo trabalho extra desempenhado nas docas. Boldrin aproveitou para visitar a família em São Joaquim da Barra.

- A sua benção, mãe – dizia o recruta ao entrar em casa.

- Deus te abençoe, meu filho

Só após a formalidade religiosa, mãe e filho se abraçavam para abafar a saudade quase sempre responsável por uma explosão de lágrimas de alegria. A mãe coou um café e mandou chamar todos que naquele momento pudessem ver o quanto o filho estava imponente no uniforme. Boldrin pediu para que não avisassem o avô, que morava com o tio, único irmão de Amadeu. O neto queria fazer uma surpresa. Quando se aproximou do portão e viu o avô sentado na cadeira de balanço, gritou:

- Á sua benção, vozinho querido.

Seu Mário arregalou os olhos e pediu que ele parasse.

- Aspetta. Deixe te ver. Está igualzinho a mim. Que belo ragazzo. Me vejo um carabinieri.

O avô havia sido carabinieri em Pádua, na Itália e costumava contar os casos dos tempos de farda. Falava do respeito e do temos que a população tinha pelos agentes de segurança. Italiano passional dizia que até os muros tremiam quando um carabinieri marchava. Na migração para o Brasil, com os dois filhos e a mulher, que morreria meses depois, seu Mário precisou mudar completamente de atividade. Foi trabalhar de pedreiro e costumava contar que ajudou a construir São Joaquim da Barra. Na realidade, fez parte do grupo que ergueu a primeira igreja, substituída anos mais tarde por uma edificação maior. Ajudou a abrir ruas e a construir algumas casinhas em fazendas e na área urbana. Aquele encontro especial, trajando farda do exército, foi o último entre Boy e o avô. No mês seguinte, Boldrin voltaria a São Joaquim para o enterro do velho imigrante.

 

Publicado originalmente em CORRÊA, Willian. A história de Rolando Boldrin: Sr. Brasil. São Paulo: Contexto, 2017.

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