Capítulo III: Primeiro ofício e ida à Capital
Por
Willian Corrêa e Ricardo Taira
O
tempo foi passando. Leili ainda demoraria a tomar rumo na vida, como diziam.
Aos 14 anos, afastado da carreira artística, chegara a hora de Rolando aprender
um ofício. O pai o levou para a oficina para que aprendesse mecânica de
automóveis. Eram em sua maioria caminhões, camionetes e até alguns tratores
usados no campo. Rolando passava o dia com o pai cuidando do trator com as
ferramentas e atento às explicações sobre o funcionamento do motor, do freio,
da embreagem – temas que, pela própria falta de interesse, eram de difícil
entendimento. Por ser ainda franzino, o pai não permitia que ele se arriscasse
com as peças mais pesadas. Pedia para que ele se afastasse quando iam usar a
roldana e as correntes para erguer um motor que precisasse de retífica. A falta
de entusiasmo no trabalho na oficina foi logo percebida pelo pai. Mas no
início, seu Amadeu não quis dar braço a torcer e insistiu para ver se o garoto
pegava gosto por aquele tipo de trabalho.
Mesmo
sem trabalhar pesado, Rolando sempre voltava para casa com o rosto cheio de
graxa. Na realidade, ele mesmo se sujava para dar a impressão de ter tido um
dia exaustivo. A mãe, penalizada, lhe enchia o prato de comida. Não só o dele,
também dos outros irmãos, que ajudavam a manter o sustento da família.
Por
fim, percebeu que como mecânico não dava mesmo muito certo. A saída foi
escolher outra função, e Boldrin disse ao pai que gostaria de ser sapateiro.
Foi aprender a profissão que se popularizava com a instalação de fábricas de
calçados na região. Aprendeu a fazer sapatos e sandálias e foi trabalhar na
fábrica do empresário Chiquinho Mauad, o mesmo da família proprietária da
emissora ZYK-4. Um calçado muito procurado na época era sandália de tiras, batizada de Chiquita bacana,
em alusão ao grande sucesso cantado por Carmen Miranda. Boldrin fazia seis
pares por dia dessa sandália, para serem vendidos no comércio local e de outras
cidades. Ganhou algum dinheiro e se tornou um sapateiro eficiente e rápido.
Assim, começou a ser chamado para trabalhar em outras indústrias. Passou um bom
tempo exercendo o ofício de sapateiro, mas ainda era o garoto da música, dos
causos e das brincadeiras que então estava no chão da fábrica.
Aos
16 anos, em 1952, a inquietude juvenil começava a provocar insônia. Achava-se
maduro demais para ainda permanecer sob a tutela dos pais e tinha planos de
trocar a boa e pacata cidadezinha de São Joaquim da Barra pela capital.
Combinou com dois amigos de arranjar o dinheiro para fazer a viagem de trem ao
custo de 98 mil réis só de passagem. Os amigos tinham o suficiente para a
jornada e ele se viu obrigado a agir rapidamente. Pegou o violão que o parceiro
Formiga havia aposentado e vendeu por 100 mil réis ao alfaiate Chiquinho
Cesário, um conhecido boêmio de São Joaquim. Á noite, durante o jantar
comunicou á família a viagem que faria em busca de emprego na Capital. O pai
ficou orgulhoso e perguntou como seriam cobertas as despesas. Boldrin contou
que havia vendido o violão para comprar as passagens e levou um susto ao ver o
pai socar a mesa e fazer os pratos pularem, provocando uma sinfonia desafinada
do atrito entre talheres e vidros.
-
O que você fez?
– questionou seu Amadeu,
ainda incrédulo.
-
Vendi.
-
Pois vamos buscar de volta esse violão.
E
assim foi. Com a comida ainda no prato, seu Amadeu levantou-se da mesa e nem
precisou pediu ao filho que fizesse o mesmo. Bastou um olhar para que todos se
calassem e Rolando seguisse os passos do velho mecânico. Praticamente não houve
diálogo com o alfaiate. Apenas uma ordem.
-
Devolve o violão do meu filho. Tome aqui o seu dinheiro.
Na
volta para casa, silêncio. Rolando sentiu como se tivesse tomado a atitude mais
errada na vida. Afinal, um presente de pai não se desfaz dessa forma, mesmo que
tenha sido para o irmão, que nãos e interessava mais pelo instrumento. Foi mais
uma noite insone. No dia seguinte, para a sua surpresa, o pai o chamou e, com a
voz pausada e calma, perguntou se poderia pagar a passagem para o filho viajar
a capital. Boldrin, ainda um tanto envergonhado, aceitou e agradeceu. Seu Amadeu
passou a mão sobre a cabeça do filho.
-
Tome cuidado naquela cidade, caboclinho, e tenha juízo.
O
desejo de vender um instrumento musical tinha uma explicação. Viver de música
não era o único objetivo de Boldrin, que também tentaria a carreira de ator. Fazer
rádio-teatro, cinema e, quem sabe, televisão, a nova mídia inaugurada havia
dois anos e que era tema de conversas em todos os lugares. Como ator, um dos
nomes mais importantes daquele período era Procópio Ferreira, o carioca
baixinho, sem cara de galã, “deficiências” compensadas por um enorme talento.
Ele havia acabado de lançar no cinema, mais um sucesso, O comprador de
fazendas, baseado em um conto de Monteiro Lobato. As músicas da trilha
sonora eram de Hervê Cordovil e Luiz Gonzaga. Procópio fazia o tipo malandro
elegante que aplicava golpes em fazendeiros com dificuldades financeiras se
propondo a comprar as terras.
Nem
precisaria tanto, santa pretensão se comparar a Procópio Ferreira; bastaria ser
reconhecido como um ator competente. Foi pensando dessa forma que Boldrin se
juntou aos amigos Odair e Pedro para fazer a viagem. Pearam o trem da Rede
Mogiana, que nascia em Araguari, passando por Uberlândia, Minas Gerais, e
parava nas estações vizinhas como Orlândia. Os vagarosos deslocamentos entre as
estações somaram dez horas até a cidade de Campinas, onde era feita a baldeação
para os trens da linha Sorocabana com destino à capital. Mais algum tempo e os
três estavam desembarcando na Estação da Luz.
Que
mundão, imaginaram os rapazes ao observarem tamanha multidão caminhando
apressadamente na cidade cheia de prédios, avenidas largas e barulhentas. Um
cheiro estranho no ar, incômodo, uma mistura de óleo diesel, querosene,
cigarro, urina, tudo ao mesmo tempo. Era um dia de sol, bonito, um convite a um
passeio pelos pontos turísticos: as praças da República e da Sé, o Largo do
Paissandu, o viaduto Santa Ifigênia, os cinemas com painéis de fotos dos filmes
em cartaz; os bondes, os ônibus, os carros. Vivenciar a cidade com os olhos de
turista foi muito bom. A realidade começou a atrapalhar quando bateu a fome,
fome de quem viajou durante horas, de quem andou pela metrópole por um bom
período sob o sol, fome e sede dos que estavam ali para vencer.
Boldrin
ganhou 100 mil réis do pai, gastou 98 com a passagem e só sobraram 2 mil réis,
que mal davam para comprar um pastel. Odair estava liso, ou seja, sem nada.
Pedro Vasconcellos, o Baianinho, havia vendido a bicicleta e carregava nada
menos que 700 mil réis, uma fortuna nas mãos de três jovens famintos. Foi Baianinho
quem patrocinou o lanche dos amigos, não só naquele dia, mas a semana inteira.
Fazia muito sucesso no centro da capital o sanduíche bauru, uma criação do
restaurante Ponto Chic, no Largo do Paissandu. Rosbife, tomates, queijo, dentro
de um pão francês quentinho. Comiam lanches, pelo menos um por dia, e saíam em
bisca de empregos.
Na
hora de dormir, outro problema. Os amigos dormiram na rua durante três dias.
Boldrin se ajeitava nos degraus de uma estátua em homenagem a Ramos de Azevedo,
na avenida Tiradentes, esquina com a rua São Caetano, no bairro da Luz. De
manhã, cada um ia para um canto à procura de trabalho. Baianinho arranjou
emprego de entregador em uma tinturaria da Santa Ifigênia; Boldrin conseguiu
trabalho em uma pequena fábrica de calçados na rua Amaral Gama, em Santana,
região norte da cidade; enquanto Odair, que tinha o apelido de Toddy, desistiu
e voltou para São Joaquim da Barra.
Baianinho
ficaria em São Paulo para sempre. Entraria para a Escola de Paraquedismo do
Exército e faria carreira como paraquedista. Morreria em um acidente de carro
quando já ostentava a patente de primeiro-tenente. Boldrin matinha um pé em São
Paulo e outro em São Joaquim. Na fabriqueta de calçados em Santana, ficou três
meses trabalhando, fazendo principalmente sandálias, as famosas Chiquita
Bacana, coloridas, com encomendas a todo instante. Em 1952, a região norte de
São Paulo tinha ares de interior, com a serra da Cantareira como atração
turística e a linha de trem, também com o nome de Cantareira, que passava por
bairros ainda em formação. Havia um hospício próximo da serra e um córrego que
recebia água límpida que escorria das montanhas. Boldrin dormia na própria
fabriqueta, o que possibilitava guardar quase todo salário. Quando a saudade da
família apertava, voltava para casa e ficava por lá uns tempos.
No
ano de 1952 quem estava novamente no poder era o presidente Getúlio Vargas,
dessa vez eleito pelo voto popular. Depois da experiência da ditadura do Estado
Novo, o povo trouxe o “pai dos pobres” de volta ao comando do Palácio do
Catete, no Rio de Janeiro, então capital federal, com 48% dos votos válidos.
Getúlio havia se candidato pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e tinha
como vice o potiguar Café Filho. Para expressas o sentimento popular, sempre
surgia uma marchinha. Tudo acabava em marchinha, e não em pizza como hoje. A
marchinha “Retrato do velho” e Getúlio confessou aos mais íntimos que não
gostava da música por causa do termo “velho”, que, segundo ele, tirava o
dinamismo que pretendia empregar nesse novo mandato com viés
desenvolvimentista. O certo é que a composição de Haroldo lobo e Marino Pinto,
gravada por Francisco Alves, o rei da voz caiu no gosto de todos.
Bota
o retrato do velho outra vez,
Bota
no mesmo lugar.
O
sorriso do velhinho
Faz
a gente trabalhar.
Getúlio
Vargas ainda marcaria seu segundo mandato com o slogan nacionalista “O
petróleo é nosso”, pontapé inicial da Petrobras, que, ao lado das
siderúrgicas, provocou a migração dos trabalhadores do campo para as cidades. O
Brasil urbano se tornava mais competitivo, principalmente para jovens dos
rincões do país perdidos na cidade grande.
Numa
dessas viagens de São Joaquim a São Paulo, Rolando Boldrin conseguiu carona em
um caminhão. Perto de Campinas, o motorista estacionou em um posto de gasolina
para abastecer. Chamou Boldrin para fazer uma refeição no restaurante e tomou a
iniciativa de conversar com o gerente depois de saber do vaivém do rapaz
conterrâneo. Perguntou ao gerente se não teria um emprego para o jovem, que
estava sem dinheiro para se virar na capital. A abordagem deu certo. Boldrin
foi convidado a trabalhar como garçom e ainda ganharia um colchonete para
dormir no próprio restaurante. Durante dois meses atendeu caminhoneiros e
viajantes de todo o país. De mesa em mesa, equilibrando a bandeja na mão e
dando orientações aos cozinheiros: “Sai mais dois pratos do dia (arroz,
feijão, bife e ovo frito)” ou “Uma caninha e uma cerveja”.
Naquela
época não existiam leis que proibissem a bebida em beira de estrada. A maioria
dos caminhoneiros, porém, costumava dormir na boleia do caminhão após um almoço
regado a cerveja e cachaça. A competitividade entre eles não era rigorosa como
na atualidade e os prazos de entrega costumavam ser mais flexíveis.
Boldrin
mostrava eficiência na atividade de garçom e facilidade para entreter o
cliente. Conversava bastante e contava os causos da cidade onde nasceu, os anos
de música da dupla Boy e Formiga e as aventuras por São Paulo. O rapaz vestia
praticamente a mesma roupa todos os dias. E, nem sempre, ela estava devidamente
lavada. Para evitar mal-estar entre os fregueses, o gerente tirou Boldrin do
restaurante e o colocou como frentista. A vantagem é que ele ganharia um
uniforme, ou melhor, um macacão manchado, típico de quem mexe com graxa e óleo
de motor. Lembrava muito o passado recente na oficina mecânica do pai, onde se
sujava de propósito para parecer envolvido com as tarefas. Só que no posto ele
tinha que trabalhar pra valer e, além do salário, também conseguia muitas
gorjetas. Ficou só mais um mês no posto e, com o dinheiro que conseguia
embolsar, voltou para São Paulo.
As
idades e vindas se sucederam até Boldrin completar 18 anos e se alistar no
serviço militar na Quarta Região de Infantaria do Exército em Quitaúna, próximo
de Osasco. Um uniforme limpo, um alojamento para dormir, quatro refeições por
dia, o que mais um jovem poderia
querer diante de tantas incertezas em relação ao futuro? Só não contava com a rotina estressante de um quartel. Levantar cedo,
antes das cinco da manhã, correr vários quilômetros com mochila nas costas,
praticar tiro ao alvo, se arrastar na lama, atravessar rios sem deixar molhar a
carabina e dormir ao relento em exercícios de guerra.
Muitas amizades foram
surgindo entre os jovens vestidos com o verde-oliva. Uma delas de forma
inusitada. Um dia passando diante da carceragem, um dos presos por indisciplina
chamou Boldrin.
- Ô meu, dá um cigarro
aí. É você mesmo, dá um cigarro aí.
Boldrin ficou incomodado com
aquele rosto entre as grades e comentou com os outros soldados.
- Que cara folgado, me
intimidando a dar um cigarro!
- Se eu fosse você eu daria
um cigarro rapidinho- disparou um dos rapazes.
- Por quê?
- Porque aquele ali é o
Madureira!
Boldrin nunca ouvira falar
no Madureira, mas pelo jeito dos companheiros, não seria uma atitude
inteligente contrariar o preso.
- É o seguinte, não quero
mais um cigarro, quero o maço inteiro. Vai passando aí essa maço senão, quando
sair daqui, eu te arrebento.
O clima estava piorando e
Boldrin achou por bem entregar o que o soldado exigia. Anos mais tarde, quando
já estava encaminhado na carreira artística, um amigo lhe trouxe um long
play de um sambista que começava a fazer sucesso. A foto trazia um cidadão
de chapéu, camisa listada e batucando numa latinha de graxa. Era Germano
Mathias.
- Peraí, esse cara eu
conheço - disse Boldrin. – Esse tal Germano eu conheci no Exército. Lá
ele era chamado de Madureira.
O tempo passou e,
felizmente, Boldrin conseguiu levar Germano Mathias aos programas na televisão.
E, sempre que possível, os dois se divertiam contando a história do cigarro.
O Exército ainda reservaria
outras surpresas ao jovem de São Joaquim da Barra. Em uma manhã de agosto de
1954, todos foram convocados a pegar a indumentária completa da infantaria e
subir nos caminhões de transporte. Os oficiais na entrada de cada alojamento
reclamavam da demora.
- Rápido, rápido. Nunca vi
soldados tão lerdos.
Os recrutas foram para
dentro dos caminhões, ficaram sentados na carroceria como boias-frias,
apreensivos e curiosos. Alguns não tiveram tempo bem de ir ao banheiro e
estavam urinando nas calças. Não foi informado o trajeto e ninguém sabia o que
estavam acontecendo. Os caminhões rodaram até a Zona Sul da cidade de São Paulo
e entraram na rodovia Anchieta – na época, a moderna ligação entre a capital e
a baixada santista. Alguns cochichavam. Diziam ter ouvido algo sobre o
presidente da República. Seria um golpe? As tropas da quarta região de
infantaria desembarcaram nas docas do Porto de Santos. Somente lá foram
informados do suicídio do presidente Getúlio Vargas. Dera um tiro no peito e
deixara uma carta testamento. “Saio da vida para entrar na história”, concluía
o texto escrito de maneira firme pelo gaúcho de São Borja. O comando do governo
passava para as mãos do vice, João Campos Café Filho, que completaria o mandato
até novas eleições que elegeriam Juscelino Kubitscheck.
Os chefes militares temiam
reações ao desfecho trágico da era Vargas com possíveis atos de sabotagem no
principal porto da América do Sul, fundamental na movimentação da economia do
país, com as exportações de grãos, principalmente de café. Havia ainda outro
motivo de preocupação: a forte influência no sistema portuário exercido pelo
Partido Comunista Brasileiro (PCB), a ponto de o local ser chamado de Porto
Vermelho. Embora o PCB tivesse engrossado a oposição de Getúlio Vargas no auge
da crise política e no dia do suicídio tivesse programado uma marcha de
protesto contra o governo nas ruas da capital paulista, isso não significava
adesão aos militares. Por isso, os militares não tinham segurança da
complacência dos comunistas de que o momento exigia uma trégua.
Os enormes galpões serviram
de dormitório para a soldadesca por vários dias. Como era costume, o dia
começava com a ordem unida e depois exercícios físicos para os que não estavam
de prontidão, em pé, como estátuas, guardando locais estratégicos enquanto os
estivadores cuidavam de embarcar e desembarcar mercadorias dos enormes navios
atracados. Á noite, a situação mudava. Muitos dos soldados saíam escondidos
para frequentar a noite santista, sempre muito animada ao redor do porto.
Boldrin organizava as saídas e o grupo elegia alguém para fazer o papel de
batedor, ou seja, o avante da tropa encarregado de verificar se há inimigos por
perto. No caso, os “inimigos” eram os oficiais que também poderiam estar no
balcão de um bar relaxando após um dia cansativo. Com o sinal verde dado pelo
batedor, era só entrar e se divertir.
A morte de Getúlio Vargas
conturbou ainda mais o ambiente político e administrativo do país. Setores da
vida nacional demoraram a se organizar e entrar nos eixos. As Forças Armadas
também sentiram o baque. Como consequência, as baixas foram emitidas com
atraso. Quem iria passar um ano, como Rolando Boldrin, só pôde sair depois de
um ano e meio. Quando deu baixa, recebeu os documentos de reservista de
primeira categoria. Tirou também uma carteira de trabalhou e ganhou o primeiro
registro como empregado de armazém na zona cerealista. Pouco antes de dar
baixa, Boldrin e os demais batalhões que estiveram em Santos ganharam licença
de fim de semana como compensação pelo trabalho extra desempenhado nas docas.
Boldrin aproveitou para visitar a família em São Joaquim da Barra.
- A sua benção, mãe –
dizia o recruta ao entrar em casa.
- Deus te abençoe, meu
filho
Só após a formalidade
religiosa, mãe e filho se abraçavam para abafar a saudade quase sempre
responsável por uma explosão de lágrimas de alegria. A mãe coou um café e
mandou chamar todos que naquele momento pudessem ver o quanto o filho estava
imponente no uniforme. Boldrin pediu para que não avisassem o avô, que morava
com o tio, único irmão de Amadeu. O neto queria fazer uma surpresa. Quando se
aproximou do portão e viu o avô sentado na cadeira de balanço, gritou:
- Á sua benção, vozinho
querido.
Seu Mário arregalou os olhos
e pediu que ele parasse.
- Aspetta. Deixe te ver.
Está igualzinho a mim. Que belo ragazzo. Me vejo um carabinieri.
O avô havia sido carabinieri
em Pádua, na Itália e costumava contar os casos dos tempos de farda. Falava do
respeito e do temos que a população tinha pelos agentes de segurança. Italiano
passional dizia que até os muros tremiam quando um carabinieri marchava.
Na migração para o Brasil, com os dois filhos e a mulher, que morreria meses
depois, seu Mário precisou mudar completamente de atividade. Foi trabalhar de
pedreiro e costumava contar que ajudou a construir São Joaquim da Barra. Na
realidade, fez parte do grupo que ergueu a primeira igreja, substituída anos
mais tarde por uma edificação maior. Ajudou a abrir ruas e a construir algumas
casinhas em fazendas e na área urbana. Aquele encontro especial, trajando farda
do exército, foi o último entre Boy e o avô. No mês seguinte, Boldrin voltaria
a São Joaquim para o enterro do velho imigrante.
Publicado originalmente
em CORRÊA, Willian. A história de Rolando Boldrin: Sr. Brasil. São
Paulo: Contexto, 2017.
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