terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Diomédio Piskator (1958-2022)

Esse nunca foi uma pessoa fácil. Nunca. A gente esteve afastado há anos. A última vez foi feio: ele me xingou, eu xinguei ele. Bar vagabundo do centro. Separaram a gente. Foi um negócio muito deprimente. Ninguém merecia isso. Mas enfim, é isso.
Mas no final a vida é tão breve, tão curta que essas vaidades são bobagem. “Uma geração vai, e outra vem; mas a terra para sempre permanece”. (Eclesiastas, 1;5).
Diomédio teve o mérito de juntar toda a galera que tinha da rua do Triunfo e fazer o instituto ou memorial que nunca teve sede física. E conseguiu contra tudo e contra todos também produzir e realizar o longa-metragem “Memórias da Boca” que estreou no circuito comercial. O filme passou no Belas Artes da Consolação. Ele fez isso sem ajuda de nenhum órgão público, tudo independente. Fruto da cabeça e das loucuras dele. Tomamos um baita porre quando o filme estreou. Todo mundo louco e ficávamos tentando decifrar as críticas sobre o filme. Na “Folha de S. Paulo”, o crítico disse que o filme tinha “ideias visuais fracas”. Já o “Estado de S. Paulo” disseram que “predomina o cinema de bordas”. Isso enfureceu o Diomédio: “Que porra de borda tem essa fita?”, lembro dele perguntando. E a gente abria outra cerveja pra tentar descobrir o que seriam as "ideias visuais fracas" ou as tais bordas. Em vários botecos do centro já conheciam o Diomedio, o Mário Vaz, o Índio. O Alfredinho era mais refinado mas também aparecia. O Valdir Baptista era professor e um cara paciente. Acabava aguentando o Diomédio. Todos morreram.
Tive vários cargos nesse instituto dele, a turma toda teve. Nunca deu certo: uma hora o problema era o banco, outro não conseguia o imóvel. Numa outra era as burocracias, outras era o próprio Diomédio. Fazíamos milhares de reuniões e no final não se decidia nada. Ou se decidia e o Diomédio fazia o que queria. Aliás, o maior inimigo do Diomédio foi ele mesmo que acabava se auto sabotando quando esteve mais próximo de realizar seus sonhos. Não sei se fazia isso por vaidade, por ego ou até por ingenuidade. Não dá pra saber. Ele teve um câncer pesado, já fazia tempo. Diomédio tinha boas ideias mas nem sempre conseguia fazer elas acontecerem. Era meio essas pessoas que gostam de ter coisas inacabadas. Sei lá, de uns vinte ou trinta projetos, ele conseguia realizar um. Mas não era por maldade. Diomédio tinha uma coisa bem da Boca de tudo ser improvisado, de ser precário mas com orgulho. Como se fosse melhor produzir ou realizar longas-metragens como ele fazia. Se dizendo dessa maneira, “independente” ou "autêntico" por não ter vínculo com os órgãos estatais. Pode até ser. Talvez seja um jeito um tanto romântico de pensar. Essa galera pensava num tipo de realização cinematográfica ou de um mercado que tinha ficado nos anos 1970. Tudo mudou. Mas parece que eles não mudaram. Ou não quiseram mudar. Mas tudo bem. No final vai ver que o Diomédio e esses meus amigos da Boca eram mesmo uns românticos. Que pena. Ele vai deixar saudades.



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