Solidão em estado bruto
Por Ariosto Augusto de
Oliveira
Acendo a luz. Três da
manhã. Sento na poltrona do canto. Os meus sapatos estão sujos, minhas mãos
estão suadas. Tiro os sapatos, arregaço as calças. Na cabeça um resto de
música: Pra frente é que se anda.
Sábado à noite é pior.
Nos outros dias ainda
consigo enganar. Chego na fábrica as sete horas, ando pela produção, marco
reuniões, mudo esquemas, altero cronogramas, deixo os gerentes loucos. Almoço
na minha sala. Sanduíche, vitamina de mamão e o jornal. Leio tudo. Até anúncios
fúnebres. À tarde recebo clientes, visito fornecedores. O dia passa, não penso
muito.
À noite vou pro clube. Jogo
tênis, faço sauna, janto. Quando chego em casa estou arriado. Tomo dois
comprimidos de tensil pra não acordar de madrugada e apago.
Mas sábado é difícil. A
tarde enorme, espichada, não termina nunca. Ando pela casa, saio para os
jardins, olho a piscina. Ligo a TV, assisto filmes de Tarzan, do Zorro.
Olho as garrafas de uísque e tenho medo. Sei que se começar não vou parar nunca mais. No começo disto tudo andei bebendo. Toda noite um porre. Até puta trouxe pra dormir aqui. Na manhã seguinte estava aos pedaços. Sonado, trêmulo, uma dor infernal no estômago. Substitui os uísques pelo tensil. Pelo menos não tenho ressaca, nem dores físicas, nem durmo com puta.
À noite, saio. Pego um
cinema. Filme de bangue-bangue ou comédia italiana. Ás vezes assisto dois
filmes. Depois uma pizzaria. Olho os casais, as crianças rindo. Peço uma
garrafa de vinho, mastigo uma pizza que me lembra outras pizzas.
Venho pra casa.
Olho o telefone.
Lembro do aviso da minha
mãe: Filho, pense bem. O Rodrigo me disse: Sabe, vó, o meu pai assobia pra mim
toda noite. Eu fico esperando ele assobiar pra depois dormir.
Sentado na poltrona
assobio alto: Ro-dri-go.
Olho o telefone.
Amanhã ainda é domingo. Puta
que pariu!
Publicado originalmente
no livro Mão Grande de Ariosto
Augusto de Oliveira e publicado pela editora Hermes em 1984.
Um comentário:
Tomar dois comprimidos pra dormir? Que perigo!
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