sábado, 14 de fevereiro de 2015

VSP e literatura marginal I: Botando pra quebrar



Botando pra quebrar



Por Ariosto Augusto de Oliveira



E estávamos na praia.



Maria Olímpia, minha esposa, seu Mendonça, meu sogro e dona Hermila, minha sogra. Minha esposa, sim senhor! Tenho raiva dessa gente que diz: Minha mulher. Mulher é coisa de gentinha. De pretos e de favelados. Não é coisa que um chefe de seção use. Mulher é uma coisa; esposa é outra. Aliás, todo mundo chama minha sogra de Dona Mila. Eu não. Só dona Hermila, porque respeito é bom e eu gosto. Quando tenho de apresentar minha esposa a alguém, sempre digo frisando as palavras: Dona Maria Olímpia, minha esposa.



De manhã vou à padaria, pego leite, pão: passo na quitanda, vejo as verduras que dona Hermila encomendou; enfrento a fila da peixaria e depois vamos à praia.



E na praia também não relaxo. Não frequento bares nem barracas de bebida. E fico sem camisa apenas quando entro no mar. Saio da água e ponho a camisa. Respeito. Respeito é tudo.



Mas tem cada mulher!



E de mulher eu entendo porque compro revistinhas à beça. Mas não compro no jornaleiro perto do Banco ou de casa. Vou comprar no Aeroporto. Compro também um jornal sério, O Estado de S. Paulo, que combina comigo, e ponho as revistinhas dentro dele até chegar no carro. Depois leio tudo devagarinho,  trêmulo, suado. Escondo as revistinhas debaixo do tapete do carro. Dentro de casa elas ficam na minha pasta de executivo, debaixo de chave. E a chave fica no meu chaveiro.



De noite, antes de deitar, entro no banheiro e fico vendo de novo, uma por uma.



Guardo as revistinhas na pasta e vou pra cama. Mas não faço nada daquilo. Só penso. Esposa é esposa. E Dona Maria Olímpia com as coxas curtas e grossas, quando muito, só geme no final: Benhê, benhê! Depois viramos as coisas e dormimos. No outro dia, na hora do café, falamos de coisas sérias. Da prestação do BNH, do pão que anda ordinário, da carne de ontem que veio cheia de sebo. Depois vou pro Banco. As revistinhas dentro da pasta.



E foi uma dessas revistinhas que me deu uma ideia.



Um leitor tinha escrito contando uma aventura em São Paulo, quando a família dele estava na praia. Ele tinha ido jantar num restaurante e encontrou uma mulher cujo marido estava viajando. Conversaram, tomaram uns drinques e depois foram pra casa dela. Mais tarde apareceu uma amiga que era desquitada e foi uma suruba com S maiúsculo.



No meio do jantar, com seu plano prontinho na cabeça, eu disse ao seu Mendonça: Estou preocupado com o balanço do Banco. Balanço é coisa de muita responsabilidade. Ele concordou e contou uns dois casos já muito reprisados do tempo que era contador. Depois disse muito sério: Um balanço bem fechado é a glória do contador.



De noite, na cama, eu disse a Dona Maria Olímpia: Estou pensando em ir pra São Paulo segunda-feira pra examinar o balanço do Banco. Volto na sexta-feira. Mas você está de férias, benhê, ele disse. Empostei a voz: Um bom funcionário nunca está de férias. Tem sempre as suas responsabilidades.



Segunda-feira tomei o ônibus.



Em São Paulo rodei o largo do Arouche e seus bares. Não pintou nada. Cacei na rua Augusta e tomei uma dura duma pivete: Te manca, coroa! Vai fazer cooper que passa o tesão.



Parti pra Moema e fiz via-sacra pelos bares de chope. Furou tudo.



Acabei embarcando nas massagistas. Custou uma nota, mas botei pra quebrar.



Peguei duas na cama, como a história do cara na revistinha.



Mas na quinta-feira de manhã, quando fui urinar, apareceu uma gota de pus e ardeu pra danar.



Corri pro consultório do dr. Ayrton. Ele receitou benzetacil e mandou fazer exame de sangue.



Sexta-feira peguei o resultado no laboratório e abri o envelope. Na primeira farmácia que encontrei chamei o farmacêutico e perguntei com o papel na mão: O que é positivo?



Sífilis, ele disse.


E ficou olhando minha postura de chefe de seção. Terno cinza, camisa branca, gravata cinza, sapatos pretos. Cabelos penteados e barba feita.



Publicado originalmente no livro A Noite do Galo Doido de Ariosto Augusto de Oliveira e publicado pela editora Brasiliense em 1986.  

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