Botando pra quebrar
Por Ariosto Augusto de Oliveira
E estávamos na praia.
Maria Olímpia, minha
esposa, seu Mendonça, meu sogro e dona Hermila, minha sogra. Minha esposa, sim
senhor! Tenho raiva dessa gente que diz: Minha mulher. Mulher é coisa de
gentinha. De pretos e de favelados. Não é coisa que um chefe de seção use. Mulher é uma coisa; esposa é outra. Aliás, todo mundo chama minha sogra de Dona
Mila. Eu não. Só dona Hermila, porque respeito é bom e eu gosto. Quando tenho
de apresentar minha esposa a alguém, sempre digo frisando as palavras: Dona Maria
Olímpia, minha esposa.
De manhã vou à padaria, pego
leite, pão: passo na quitanda, vejo as verduras que dona Hermila encomendou;
enfrento a fila da peixaria e depois vamos à praia.
E na praia também não
relaxo. Não frequento bares nem barracas de bebida. E fico sem camisa apenas
quando entro no mar. Saio da água e ponho a camisa. Respeito. Respeito é tudo.
Mas tem cada mulher!
E de mulher eu entendo
porque compro revistinhas à beça. Mas não compro no jornaleiro perto do Banco
ou de casa. Vou comprar no Aeroporto. Compro também um jornal sério, O Estado
de S. Paulo, que combina comigo, e ponho as revistinhas dentro dele até chegar
no carro. Depois leio tudo devagarinho,
trêmulo, suado. Escondo as revistinhas debaixo do tapete do carro.
Dentro de casa elas ficam na minha pasta de executivo, debaixo de chave. E a
chave fica no meu chaveiro.
De noite, antes de
deitar, entro no banheiro e fico vendo de novo, uma por uma.
Guardo as revistinhas na
pasta e vou pra cama. Mas não faço nada daquilo. Só penso. Esposa é esposa. E
Dona Maria Olímpia com as coxas curtas e grossas, quando muito, só geme no
final: Benhê, benhê! Depois viramos as coisas e dormimos. No outro dia, na hora
do café, falamos de coisas sérias. Da prestação do BNH, do pão que anda
ordinário, da carne de ontem que veio cheia de sebo. Depois vou pro Banco. As
revistinhas dentro da pasta.
E foi uma dessas
revistinhas que me deu uma ideia.
Um leitor tinha escrito
contando uma aventura em São Paulo, quando a família dele estava na praia. Ele
tinha ido jantar num restaurante e encontrou uma mulher cujo marido estava
viajando. Conversaram, tomaram uns drinques e depois foram pra casa dela. Mais
tarde apareceu uma amiga que era desquitada e foi uma suruba com S maiúsculo.
No meio do jantar, com
seu plano prontinho na cabeça, eu disse ao seu Mendonça: Estou preocupado com o
balanço do Banco. Balanço é coisa de muita responsabilidade. Ele concordou e
contou uns dois casos já muito reprisados do tempo que era contador. Depois disse muito sério: Um balanço bem fechado é a glória do
contador.
De noite, na cama, eu
disse a Dona Maria Olímpia: Estou pensando em ir pra São Paulo segunda-feira pra
examinar o balanço do Banco. Volto na sexta-feira. Mas você está de férias,
benhê, ele disse. Empostei a voz: Um bom funcionário nunca está de férias. Tem
sempre as suas responsabilidades.
Segunda-feira tomei o
ônibus.
Em São Paulo rodei o
largo do Arouche e seus bares. Não pintou nada. Cacei na rua Augusta e tomei
uma dura duma pivete: Te manca, coroa! Vai fazer cooper que passa o tesão.
Parti pra Moema e fiz
via-sacra pelos bares de chope. Furou tudo.
Acabei embarcando nas
massagistas. Custou uma nota, mas botei pra quebrar.
Peguei duas na cama, como
a história do cara na revistinha.
Mas na quinta-feira de
manhã, quando fui urinar, apareceu uma gota de pus e ardeu pra danar.
Corri pro consultório do
dr. Ayrton. Ele receitou benzetacil e mandou fazer exame de sangue.
Sexta-feira peguei o
resultado no laboratório e abri o envelope. Na primeira farmácia que encontrei
chamei o farmacêutico e perguntei com o papel na mão: O que é positivo?
Sífilis, ele disse.
E ficou olhando minha postura de chefe de seção. Terno cinza, camisa branca, gravata cinza, sapatos pretos. Cabelos penteados e barba feita.
Publicado originalmente
no livro A Noite do Galo Doido de
Ariosto Augusto de Oliveira e publicado pela editora Brasiliense em 1986.
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