Nelson Gonçalves lança
coletânea
Fernanda da Escóssia
Da sucursal do Rio
O cantor Nelson Gonçalves,
76, chega aos 54 anos de carreira com um desejo: gravar “Detalhes” de Roberto
Carlos, no disco que fará no ano que vem com canções inéditas em seu
repertório.
Sua gravadora, a BMG-Ariola,
lançou nesta semana um pacote com três CDs de canções remasterizadas. “O Mito”
faz uma síntese da carreira de Nelson Gonçalves, desde “Sinto-me bem”, de 1941,
até “Naquela Mesa”, que Nelson gravou em 1990 com o violonista Raphael Rabello.
Ex-garçom, ex-lutador de boxe, ex-viciado em cocaína, Nelson começou a cantar aos cinco anos, acompanhando o pai nas feiras de São Paulo. Foi recusado por várias rádios, até que a antiga RCA, hoje BMG-Ariola, o contratou.
“Disseram que eu seria
o maior cantor do Brasil”, conta, sem dizer se acha que cumpriu a previsão da
gravadora. Continua fazendo shows e diz que não ficou rico.
Tem certeza de que é
mais fácil ser cantor hoje do que no seu tempo. Ex-gago, venceu a gagueira
cantando e diz que os cantores de hoje não sabem cantar.
Hoje, Nelson Gonçalves
ri ao lembrar o episódio em que Ary Barroso o mandou embora de uma rádio,
afirmando que ele seria melhor garçom do que cantor. Nesta entrevista, ele relembra
estas e outras histórias de sua carreira.
Folha-
O que o senhor achou do pacote de CDs relançados por sua gravadora?
Nelson
Gonçalves- Ainda não ouvi, sabe? Eles querem relançar tudo, ás
vezes fico meio pessimista. É CD demais. Estou muito chateado porque um ladrão
entrou na minha casa e levou mais de metade da minha coleção de discos, desde o
primeiro que eu lancei. Pelo menos era um ladrão musical.
Folha-
Como o senhor começou a cantar?
Nelson-
No colégio. A professora sempre me chamava para puxar o hino. O problema era
que, na hora do recreio, lá vinham os colegas me chamar de carusinho. Até que
desisti e disse para o meu pai. Ela brigou comigo porque eu tinha me recusado a
cantar o hino da minha pátria e me levou para a feira. Eu, com cinco, seis anos,
subia num banco e cantava “A Maladrinha”: “Oh linda imagem de mulher que me
seduz...”. Era um sucesso.
Folha-
É verdade que o senhor foi recusado por muitas rádios da época?
Nelson-
Eu era garçom no bar do meu irmão e lutava boxe. Comecei a cantar na Rádio São
Paulo, mas vim tentar a vida no Rio. Fui na RCA, em cinco ou seis rádios.
Mandavam que eu cantasse, eu cantava e não gostavam.
Na Rádio Transmissora,
Ary Barroso pediu que eu cantasse. Perguntou o que eu fazia em São Paulo, e eu
disse. Ele me falou: “Olha, meu filho, volta para São Paulo e vai lutar boxe ou
ser garçom, porque tu não sabes cantar”. Até que consegui gravar um disco com
duas canções e fui de novo à RCA, aí me aceitaram. Disseram que eu seria o
maior cantor do Brasil.
Folha-
O senhor acha que é?
Nelson-
Não sei. Não sou melhor do que ninguém. Quando comecei a cantar, diziam que eu
imitava o Orlando Silva, meu grande ídolo. Aí baixei minha voz um tom e
consegui me diferenciar. Ser cantor naquele tempo era mais difícil.
Folha-
O senhor acha que os cantores de hoje não sabem cantar?
Nelson-
Não é que não sabem, mas eles colocam as sílabas tônicas nos lugares errados,
dividem as palavras de forma errados, dividem as palavras de forma errada, não
inspiram. Você vê esse tal de Falcão. Isso lá é cantor? Ninguém nem entende o
que ele diz, as músicas não significam nada. Mas temos hoje grandes cantores,
como Roberto Carlos, Agnaldo Timóteo, Fagner, Fábio Júnior...
Folha-
O que há de verdade no seu envolvimento com drogas e bebida?
Nelson-
Nunca bebi. Mas já usei tóxico. Fui dependente de 58 a 66, mais ou menos.
Cheguei a ser preso por isso, levei tiro de traficante, mas dizia que era
pedrada porque nesse mundo ninguém entrega ninguém. Fiquei mais de dois anos
sem gravar, meses depois deixei o tóxico. Hoje só fumo.
Folha-
Fumar não prejudicou sua voz?
Nelson-
Não sei. Fumei uma carteira de cigarro por dia, por muito tempo. Quando meu
pulmão reclamava, o médico dizia que era do cigarro. Há três meses tive
pneumonia, mas fiquei bom. Hoje fumo, no máximo, quatro cigarros por dia.
Publicado originalmente
na Folha de São Paulo em 21 de dezembro de 1995
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