sábado, 13 de junho de 2015

Nelson Gonçalves, boemia no Planalto Central

Nelson Gonçalves, boemia no Planalto Central
                                          

O cantor cansou da violência. Quer tranquilidade, serenatas madrugada adentro, uma cachacinha. Escolheu Sobradinho no Distrito Federal, para morar.
                                       
Por Tânia Fusco

BRASÍLIA- Foi amor à primeira vista. Dia cinco o cantor Nelson Gonçalves fez um show no colégio La Salle, de Sobradinho, bucólica cidade satélite da Capital Federal, reduto de seresteiros. Encantou-se e voltou 10 dias depois. Repetiu a seresta, caiu na noite e decidiu viver em Sobradinho “para fazer serenata em janela de mulher bonita e varar madrugada cantando e bebendo na rua”. A boêmia muda de endereço: vem para o Planalto Central, na cidade que, plagiando a música, Nelson define como “divina e graciosa”.

“Chega de neurose e medo. Eu quero paz de criança dormindo”, diz, com a licença de Dolores Duran, para explicar o que motiva a mudança. “Quero esquina, cadeira na calçada, amizade dos vizinhos, respeito humano, carinho, muito amor e alguma cachaça”, insiste Nelson que vive no Rio desde 1940. “O Rio era outro. Havia troca, entrega, paixão, sinceridade. Não gosto de viver isolado, com medo. O povo de Sobradinho – a melhor gente que encontrei nos últimos tempos – será meu parceiro e guardião”.

E “a mulher que floriu seu caminho” – Maria Luiza, com quem tem um casamento de 25 anos – compreendeu e vem junto. Nelson, que procura casa para comprar, espera passar o réveillon já instalado em Sobradinho. “Olha, não estou mudando para Brasília, não. Vou é em Sobradinho. Brasília é fria, impessoal, não tem gente na rua, não tem esquina. E tem assalto e muito poder. Disso eu quero distância”.

“Cansei dos meus erros, pecados e vícios”, diz a letra de um dos seus sucessos, Boneca de Trapo. Nelson, quase 50 anos de vida artística, 60 milhões de discos vendidos, 310 compactos, 115 LPs e 172 discos de rpm gravados, cansou da cidade grande. “Chega de sufoco”, proclama e revela: “Tenho 69 anos muito bem vividos. Cabeça de 20 e poucos. Coração de adolescente. Vou levar para Sobradinho o melhor Nelson Gonçalves. Um homem que tem confiança no que é, no que pode, no que quer. Quero é muito amor, muita paz, alegria de viver”.

Nelson é gaúcho de Livramento. Mas não tem saudade da terra natal. “Essa mudança não é inspirada em saudosismo. É redescoberta mesmo. Ai eu vou ficar tranquilo, no coração do Brasil, perto de tudo. Longe o suficiente do poder e da neurose. Vou fazer um disco dedicado ao amor, ao renascimento dessa mania gostosa de amar. Não é bom demais”.

Nelson deixa a casa em Itaipu, em Niterói, onde vive e o apartamento da Barra da Tijuca, onde “passeia de vez em quando”. Traz a mulher, a filha caçula, de 16 anos, o violão e “pequenas paixões” para recomeçar a vida em Sobradinho, que prepara um superbaile da saudade para recebe-lo. “Aqui ele será nosso rei, amigo precioso, vizinho mais ilustre”, garante Robson Salazar, diretor social da Sociedade Desportiva Sobradinho (Sodeso), maior clube da cidade, que toda sexta-feira faz serestas de varar madrugada.

“A Petrópolis do DF”, assim é chamada pelos moradores

Com pouco menos de 50 milhões de cruzados Nelson Gonçalves poderá comprar “casa grande com jardim e piscina” que procura em Sobradinho, a cidade-satélite de 90 mil habitantes, muitas casas e poucos prédios. Vai encontrar tranquilidade.

No ano passado, a única delegacia de polícia da cidade – o 13 DP – registrou 2.495 ocorrências policiais, incluindo 1.436 acidentes de trânsito, a maioria de pequenas proporções. No Distrito Federal inteiro – plano-piloto e oito cidades-satélites – foram registradas 45.913 ocorrências policiais.

Sobradinho, que tem esse nome por conta do riacho que banha a cidade – o rio Sobradinho – nasceu em 13 de maio de 1960. Fica a 22 km do plano-piloto, na área mais alta do Planalto Central e, por isso mesmo, é chamada por moradores apaixonados de “Petrópolis do DF”. Não tem vida própria. É uma cidade dormitório com área de 12 quilômetros quadrados. Suas áreas mais nobres são as quadras oito e seis, onde Nelson procura uma casa. Ali terá como vizinho o principal ponto de encontro dos seresteiros locais – o bar Coisas do Norte.

A cidade tem dois clubes. Mas um deles, com 4.500 sócios, é o preferido. A Sociedade Desportiva Sobradinhense. Lá, em janeiro, será realizada a festa-seresta-recepção para Nelson Gonçalves. “Vamos juntar todos os apaixonados e seresteiros desse Planalto Central”, promete Róbson Salazar, diretor social do Clube, que já corre lista para a festa do boêmio.

Publicado em O Estado de São Paulo em 1 de dezembro de 1988

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