Nelson Gonçalves, boemia
no Planalto Central
O cantor cansou da
violência. Quer tranquilidade, serenatas madrugada adentro, uma cachacinha.
Escolheu Sobradinho no Distrito Federal, para morar.
Por Tânia Fusco
BRASÍLIA- Foi amor à
primeira vista. Dia cinco o cantor Nelson Gonçalves fez um show no colégio La
Salle, de Sobradinho, bucólica cidade satélite da Capital Federal, reduto de
seresteiros. Encantou-se e voltou 10 dias depois. Repetiu a seresta, caiu na
noite e decidiu viver em Sobradinho “para fazer serenata em janela de mulher
bonita e varar madrugada cantando e bebendo na rua”. A boêmia muda de endereço:
vem para o Planalto Central, na cidade que, plagiando a música, Nelson define
como “divina e graciosa”.
“Chega de neurose e medo.
Eu quero paz de criança dormindo”, diz, com a licença de Dolores Duran, para
explicar o que motiva a mudança. “Quero esquina, cadeira na calçada, amizade
dos vizinhos, respeito humano, carinho, muito amor e alguma cachaça”, insiste
Nelson que vive no Rio desde 1940. “O Rio era outro. Havia troca, entrega,
paixão, sinceridade. Não gosto de viver isolado, com medo. O povo de Sobradinho
– a melhor gente que encontrei nos últimos tempos – será meu parceiro e
guardião”.
E “a mulher que floriu
seu caminho” – Maria Luiza, com quem tem um casamento de 25 anos – compreendeu
e vem junto. Nelson, que procura casa para comprar, espera passar o réveillon
já instalado em Sobradinho. “Olha, não estou mudando para Brasília, não. Vou é
em Sobradinho. Brasília é fria, impessoal, não tem gente na rua, não tem
esquina. E tem assalto e muito poder. Disso eu quero distância”.
“Cansei dos meus erros,
pecados e vícios”, diz a letra de um dos seus sucessos, Boneca de Trapo.
Nelson, quase 50 anos de vida artística, 60 milhões de discos vendidos, 310
compactos, 115 LPs e 172 discos de rpm gravados, cansou da cidade grande.
“Chega de sufoco”, proclama e revela: “Tenho 69 anos muito bem vividos. Cabeça
de 20 e poucos. Coração de adolescente. Vou levar para Sobradinho o melhor
Nelson Gonçalves. Um homem que tem confiança no que é, no que pode, no que
quer. Quero é muito amor, muita paz, alegria de viver”.
Nelson é gaúcho de
Livramento. Mas não tem saudade da terra natal. “Essa mudança não é inspirada
em saudosismo. É redescoberta mesmo. Ai eu vou ficar tranquilo, no coração do
Brasil, perto de tudo. Longe o suficiente do poder e da neurose. Vou fazer um
disco dedicado ao amor, ao renascimento dessa mania gostosa de amar. Não é bom
demais”.
Nelson deixa a casa em
Itaipu, em Niterói, onde vive e o apartamento da Barra da Tijuca, onde “passeia
de vez em quando”. Traz a mulher, a filha caçula, de 16 anos, o violão e
“pequenas paixões” para recomeçar a vida em Sobradinho, que prepara um
superbaile da saudade para recebe-lo. “Aqui ele será nosso rei, amigo precioso,
vizinho mais ilustre”, garante Robson Salazar, diretor social da Sociedade
Desportiva Sobradinho (Sodeso), maior clube da cidade, que toda sexta-feira faz
serestas de varar madrugada.
“A Petrópolis do DF”,
assim é chamada pelos moradores
Com pouco menos de 50
milhões de cruzados Nelson Gonçalves poderá comprar “casa grande com jardim e
piscina” que procura em Sobradinho, a cidade-satélite de 90 mil habitantes,
muitas casas e poucos prédios. Vai encontrar tranquilidade.
No ano passado, a única delegacia
de polícia da cidade – o 13 DP – registrou 2.495 ocorrências policiais,
incluindo 1.436 acidentes de trânsito, a maioria de pequenas proporções. No
Distrito Federal inteiro – plano-piloto e oito cidades-satélites – foram
registradas 45.913 ocorrências policiais.
Sobradinho, que tem esse
nome por conta do riacho que banha a cidade – o rio Sobradinho – nasceu em 13
de maio de 1960. Fica a 22 km do plano-piloto, na área mais alta do Planalto
Central e, por isso mesmo, é chamada por moradores apaixonados de “Petrópolis
do DF”. Não tem vida própria. É uma cidade dormitório com área de 12
quilômetros quadrados. Suas áreas mais nobres são as quadras oito e seis, onde
Nelson procura uma casa. Ali terá como vizinho o principal ponto de encontro
dos seresteiros locais – o bar Coisas do Norte.
A cidade tem dois clubes. Mas um deles, com 4.500 sócios, é o preferido. A Sociedade Desportiva Sobradinhense. Lá, em janeiro, será realizada a festa-seresta-recepção para Nelson Gonçalves. “Vamos juntar todos os apaixonados e seresteiros desse Planalto Central”, promete Róbson Salazar, diretor social do Clube, que já corre lista para a festa do boêmio.
Publicado em O Estado de São Paulo em 1 de dezembro
de 1988
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